Doc. N° 2323
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
113 - 2008/3
Suíça-Países do Cone Sul
"Suíça Chileno-Argentina" na literatura suíça 80 anos do relato de viagens do Dr. Wilhelm Müller, Zürich
Puerto Montt e Puerto Varas, Chile. Trabalhos da A.B.E. 2008
A.A.Bispo
O livro do médico Wilhelm Müller, atualmente reconsiderado pela passagem dos 80 anos da sua viagem (Das schöne Südamerika: Reisen in Argentinien, Brasilien, Chile und Perú, 2. ed., Berlin: Globus, 1928) abre com um capítulo dedicado à viagem de inverno de 1928 do vapor "Augustus" ao Rio de Janeiro, um dos mais confortáveis transatlânticos da época. Partindo de Gênova, a rota incluiu Barcelona, o estreito de Gibraltar, de onde a nave tomou a direção da então capital do Brasil. O segundo capítulo, dedicado ao Rio de Janeiro, inicia-se com a constatação: "Dessa cidade pode-se dizer com segurança que é, quanto à sua localização e beleza paisagística, a mais bela do mundo." Esse teor de admiração pelo Brasil dá o cunho também a outros capítulos dedicados ao Rio e a São Paulo.
Uma região que supera a Suiça em beleza
No capítulo 7 da sua obra, o autor descreve as suas viagens pelos lagos e vulcões da "Suíça Chileno-Argentina". Dando continuidade à sua viagem pelas regiões quasi antárticas através da rota de Magalhães, Wilhelm Müller atingiu Puerto Montt e, daí, realizou uma longa viagem pelo interior da assim-chamada "Suíça Chileno-Argentina", uma região que se caracteriza pela riqueza de seus lagos e vulcões. Puerto Montt é descrito como uma cidade pequena e pitoresca, na qual viviam numerosos teuto-chilenos. "Essas pessoas têm olhos azuis e cabelo loiro, mantendo a sua língua até a terceira ou quarta geração, provavelmente ainda por mais tempo. Fixaram-se aqui há mais ou menos 70 anos e falam tão bem o espanhol como o alemão. Os soldados e os oficiais usam um uniforme que é muito similar ao antigo uniforme alemão. É notável de se observar como esses teuto-chilenos se transformaram sob o ar sul-americano e sob o clima chileno. Desapareceram os traços rudes do rosto, o caráter se adaptou ao clima mais suave, são exteriormente simpáticos e possuem algo suave na sua aparência e no seu modo de ser. Trata-se de um tipo humano totalmente novo, nem alemão nem chileno." (pág. 105/6) Realizou a viagem em parte a pé, em parte por navio e de automóvel, e, nas cordilheiras, a lombo de burro. Constatou que essa região, com os seus lagos, superaria a Suíça em beleza. A viagem durou três semanas e o levou de Puerto Montt, no Oceano Pacífico, a Puerto Varas no Lago Llanquihue. Desta última cidade dirigiu-se à Ensenada, localizada entre os vulcões Osorno e Calbuco e ao Rio Petrohue. Atingiu então o Lago Todos los Santos e Puella. Atravessando as florestas do Sul do Chile e as cordilheiras, chegou a território argentino, passando pelo Puerto Blest no Lago Nahuel Huapi e atingindo Bariloche.
Nascer do sol por detrás dos vulcões Osorno e Calbuco. O Lago Llanquihue
"Acima das águas silenciosas do Llanquihue espairece a luz da lua. No Oriente eleva-se lentamente a claridade. Os dois vulcões majestáticos emolduram a oriente em indescritível solenidade o lago silencioso. Como dois gigantes, as duas montanhas elevam-se das águas como duas marcas perenes da época do berço da terra. Ao sudeste juntam-se ao Calbuco os cumes em parte cobertos de neve das Cordilheiras. Uma manhã verdadeiramente divina! Não há palavras suficientes para descrever tamanha beleza natural. Frio é o ar e puro como no primeiro dia. O amplo lago se espraia em cinzento-prateado. Atrás levanta-se orgulhosa a pirâmide quase simétrica do Osorno coberto de geleiras. O seu declive oriental se dilui em série de colinas suaves e que depois se elevam novamente para formarem a formação de crateras bizarra do ainda ativo Calbuco. Acima das silhuetas de ambos os vulcões começa a surgir o dia. O firmamento, amarelo-alaranjado e amarelo-enxôfre, acorda e deixa desaparecer as últimas estrêlas no azul matinal. O momento do surgir do sol é extasiante. Lagos e florestas surgem mergulhados em luz. Da água azul clara do lago elevam-se névoas que se dissipam tais como espíritos. A Criação não poderia ter feito uma manhã mais grandiosa." (pág.108-110) (...) Essa descrição entusiástica na apreciação de um suíço auxilia o visitante brasileiro dessa região a perceber, por detrás do aspecto exterior cultivado mas aparentemente sem maior significado de Puerto Varas possibilidades para reflexões mais profundas. Compenetra-se, de repente, da similaridade das casas com atributos alemães que depara na região com aquelas de várias regiões do Brasil, da Serra Gaúcha, de Santa Catarina, de Campos de Jordão. Percebe, assim, traços comuns que não dizem somente respeito à aparência externa de edifícios mas a muitos outros aspectos da vida quotidiana e do modo de pensar. Intui que também expressões recentes no desenvolvimento urbano, na construção de hotéis, casas comerciais e no próprio artesanato são resultados de configurações histórico-culturais e sociais comuns àquelas de várias regiões do Brasil.
Há assim acima de fronteiras nacionais mundos profundamente relacionados surgidos da imigração européia e da colonização mais recente. Há superposições e interferências de situações culturais surgidas da colonização ibérica e da colonização centro-européia nos diversos países do Cone Sul. Os debates relativos à integração não podem, assim, restringir-se a processos desencadeados nos primeiros séculos pelos conquistadores e primeiros missionários. Quer se queira ou não, a imigração centro-européia criou, a partir de meados do século XIX realidades que intermeiam as nações. As chances integrativas dessa realidade - apesar de todas as diferenças - não podem ser substimadas. Somente estudos supra-nacionais, realizados em cooperação de estudiosos dos vários países poderão detectá-las e analisá-las.
G.R.
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).