Doc. N° 2321
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
113 - 2008/3
"Estilo colonial" à luz das perspectivas integrativas do Cone Sul Reconsiderações interculturais do "Plano La Serena" de "Renacimiento colonial"
La Serena, Chile. Trabalhos da A.B.E., março de 2008
A.A.Bispo
La Serena, Chile. Trabalhos da A.B.E. 2008. Fotos H. Hülskath No âmbito dos intuitos integrativos despertados pelo Mercosul, cumpre que se reconsidere temas histórico-culturais a partir de visões comparativas e do interrelacionamento de processos históricos. Naturalmente, os estudos relacionados com a época colonial readquirem novo significado, uma vez que o campo de tensões luso-espanhol nas áreas de denominação e influência passa a ser reconsiderado, procurando-se agora sobretudo vínculos comuns, para além das diferenças. A questão, porém, não tem caráter apenas epocal, voltada a um passado que ter-se-ia encerrado com a emancipação política das várias nações. Como vem sendo debatido há anos em eventos da A.B.E., trata-se antes de reconsiderar-se o processo desencadeado pela colonização e cristianização, ou seja de se redirecionar a atenção à processualidade do colonialismo e, assim, também à sua vigência em período posterior à independência política dos respectivos países e à sua atualidade presente. Também nesse enfoque processual, porém, pode-se dirigir a atenção primordialmente às diferenças ou às estruturas e expressões comuns nos diversos contextos. Como discutido em congressos da ABE (sobretudo no de 2002), inclui-se, nessa visão processual do Colonialismo, não apenas a história colonial anterior à independência das nações americanas. Também a colonização por imigrantes de períodos posteriores deve ser aqui considerada. Esse vínculo dos estudos coloniais com os da imigração salienta a sua relevância para análises de mecanismos e expressões de identidades culturais. Tal constatação chama a atenção para o significado dos estudos coloniais (de processualidade colonial) e pós-coloniais sob a perspectiva do atual interesse por temas integrativos, uma vez que estes incluem explicitamente visões de fortalecimento de uma identidade latino-americana abrangente, quiçá supra-nacional (Veja texto na edição anterior deste órgão).
Pensamento relativo ao Colonialismo como parte da História do Colonialismo
Um dos muitos aspectos dos estudos dedicados ao Colonialismo (e Pós-Colonialismo) diz respeito à própria história do pensamento concernente a conceitos, visões históricas e valorizações. Trata-se, assim, de se considerar contextualmente as variações e transformações que podem ser constatadas nas diferentes épocas e regiões, e isso tanto na perspectiva das várias gerações dos próprios migrantes-colonos como na dos estudiosos. Também e sobretudo, no caso, deve ser levada em consideração traços indicadores de continuidades por detrás das diferentes concepções e avaliações. A posição de pensadores, artistas, arquitetos e pequisadores relativamente à problemática colonial é marcada por contradições. Atitudes fundamentalmente críticas com relação à história política, econômica e social do colonialismo ibérico não impedem um interesse por vezes entusiástico e apaixonado pelo patrimônio por êle deixado, sobretudo pelas expressões do Barroco nas artes, na música e na arquitetura. Essa admiração tem levado a singulares releituras, reinterpretações e reatualizaçoes. Como demonstrado e debatido por ocasião dos eventos da ABE pelos 500 anos do Brasil, procura-se reaproveitar criativamente traços populares nas expressões do passado colonial e, vice-versa, de elementos barrocos na cultura popular, em especial da música. Ora, esses intuitos levantam questões não só de análises musicais mas sim e principalmente de análises culturais e de processos relativos a identidades.
Contradições na avaliação do Colonial
Aspectos contraditórios concernentes à avaliação do Colonial e do Barroco podem ser constatados na história do pensamento e das artes do século XX e é sob esse pano de fundo que as atitudes, os conceitos e as manifestações atuais devem ser compreendidas. De um lado, como discutido por ocasião dos trabalhos da ABE dedicados aos 100 anos de Oscar Niemeyer -, o próprio Modernismo, sobretudo na arquitetura, foi marcado por um interesse de revalorização de elementos considerados barrocos e como tais decantados até o presente, um singular fenômeno que não se mostra isento de curiosos mal-entendidos. Paralelamente, e por assim dizer em conflito com tendências modernas nas artes e na arquitetura, o século XX conheceu um Neo-Colonial e um Neo-Barroco de cunho eclético-historicista tardio que apresenta irradiações até o presente. Residências de bairros mais privilegiados de várias metrópoles as manifestam. Seria uma tarefa a ser empreendida pelos estudos histórico-culturais analisar até que ponto a ação de imigrantes foi determinativa nesse desenvolvimento. No Brasil, sabe-se que a difusão de um neo-barroco luso-colonial, por exemplo através da obra de Ricardo Severo, foi estreitamente vinculada com questões de identidade luso-brasileira e da própria identidade lusitana, correspondendo a tendências estilísticas expressas em várias edificações em Portugal, na Madeira e nas antigas dependências coloniais da África e da Ásia. O Neo-Colonial foi, assim, não apenas expressão local de um certo conservadorismo ou até mesmo reacionarismo estilístico, mas inseriu-se em processos coloniais mais abrangentes. Desenvolvimentos similares podem ser constatados em países hispânicos da América Latina. Assim o debate atualizador segundo os intuitos integrativos do Mercosul, deve superar limitações impostas pela perspectiva lusa e luso-brasileira.
O "Renascimento Colonial" de La Serena
Com o objetivo de desenvolver as discussões a partir de observações in loco, a A.B.E. escolheu a cidade de La Serena, no Chile. Essa cidade, a segunda mais antiga do país, importante centro urbano e porta de entrada para o Norte chileno, possui particular renome pelo seu patrimônio arquitetônico colonial e neo-colonial. Fundada em 1544 como Villanueva de La Serena logo após Santiago, pelo capitão Juan Bohón, a sua origem é imputada ao intento de Pedro de Valdivia de consolidação do empreendimento da conquista. Com a sua criação como local avançado de pouso de tropas, pretendia-se nada menos do que manter de forma permanente o contato com o Vice-Reino do Perú. Significativamente, foi alvo de ataques indígenas, sendo que uma das revoltas, em 1549, levou à destruição do povoado. A sua refundação, pelo Capitão Francisco de Aguirre, também sob ordens de Pedro de Valdívia, deu-se sob a invocação de São Bartolomeu. Foi elevada à cidade já em 1552. A história de La Serena, devido à sua situação costeira e estratégica, foi marcada por constantes ataques de piratas e corsários no século XVII, entre êles Francis Drake, Bartolomeu Sharp e Edward Davis. A cidade foi fortificada em 1700. Uma nova fase de apogeu de La Serena iniciou-se nos anos 20 do século passado. O desenvolvimento da mineração do ferro trouxe possibilidades de emprêgo que atraiu novos grupos populacionais. Esse aumento da população e o desenvolvimento econômico foram acompanhados por transformações urbanas e arquitetônicas. Significativamente, essa remodelação da cidade não se deu segundo tendências mais avançadas da arquitetura e do urbanismo internacional mas sim segundo inspirações neo-coloniais.
Plano Serena
O "Plano Serena", desenvolvido entre 1940 e 1952, emprestou à cidade uma imagem caracterizada por certa homogeneidade e que a destaca entre as outras cidades do Chile. Sob a argumentação de que se procurava resgatar a sua identidade, criou-se um estilo visto como próprio, de inspiração barroca e que passou a ser conhecido como "Renacimiento Colonial". Se edifícios e residências de cunho neo-barroco no Brasil caracterizam determinadas ruas e espaços, tem-se, no caso de La Serena, toda uma cidade que se apresenta como Colonial/Neo-Colonial. Representa, assim, um caso bastante significativo para o estudo in loco de questões relacionadas com o processo colonial, suas fases, suas diferenças e continuidades nas várias épocas e regiões e com as questões de identidade que com êle se relacionam. As contradições que se detectam nesse Renascimento Colonial são sensíveis e se manifestam sobretudo na esfera que, no caso, deveria ser o cerne de todos os impulsos relacionados com a história colonial: na sacral. As igrejas de La Serena, assim como em geral nas do Chile, apresentam não mais a opulência barroca ou mesmo a magnificência da história estilística do século XIX, mas sim a nobreza severa do neoclassicismo da catedral local ou daquele despojamento criado pelos movimentos de restauração litúrgica de fins do século XIX e início do século XX. O "Renascimento Colonial" de La Serena surge, assim, sob essa perspectiva, como expressão de um movimento restaurativo abrangente, guiado por modêlos considerados ideais do passado, expressão máxima de um Catolicismo que procurava recuperar a pureza do culto. O "Renascimento Colonial", apesar de todas as similaridades com expressões neo-barrocas do Brasil, apresenta diferenças com relação a essas, ou talvez, manifeste de forma mais evidente os reais fundamentos conceptuais a elas subjacentes.
G.R.
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).