Doc. N° 2353
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
114 - 2008/4
Indianismo e Romantismo nas relações França-Brasil De perspectivas literárias a científico-culturais
François René de Chateaubriand (Saint Malo 1768 - Paris 1848)
Saint Malo. Trabalhos da A.B.E. 2008
A.A.Bispo
Imagens de Saint Malo. Trabalhos da A.B.E. 2008. Fotos A.A.Bispo Uma situação difícil e paradoxa constata frequentemente aquele estudioso que, na Europa, fora da área especificamente etnológica, saliente a importância da cultura indígena na América Latina ou, ainda mais, a necessidade de uma perspectiva indígena na história cultural. Esse estudioso ouve, de romanistas, latinoamericanistas e historiadores íberoamericanistas a crítica, pronunciada em tom superior e desprestigiador, de que são românticos e sentimentais, de que continuam presos a ideais indianistas do século XIX. Essas críticas, verdadeiros lugares comuns em debates, surgem como paradoxais, pois muitas vezes são formuladas por pesquisadores e professores que fizeram o seu renome com trabalhos dedicados a questões afro-latinoamericanas, a minorias ou à situação da mulher. São assim expressas por intelectuais dos quais se deveria esperar particular sensibilidade para culturas e grupos sociais não-privilegiados. Essa crítica, intimidando pesquisadores, trazendo em si a insinuação de falta de cientificidade, consolida uma formação de estudantes e futuros especialistas que mantém o indígena na injusta posição que a êle foi dado por uma historiografia e por tradições disciplinares unilateralmente eurocêntricas. Tal situação representa um verdadeiro empecilho para a renovação teórica dos estudos culturais em contextos euro-latinoamericanos. O mais grave é que professores universitários utilizam-se de suas posições de autoridade para a desqualificação sutil, irônica ou sarcástica daqueles que procuram mostrar que as culturas indígenas são mais do que objeto de estudo etnológico. Sob o pano de fundo dessa problemática é que se manifesta a dimensão questionável de ciclos sobre o Indianismo na América Latina atualmente promovidos por centros de estudos ibéricos e íbero-americanos de determinadas universidades européias. Intelectuais que tão abertamente se pronunciam contra perspectivas que procuram valorizar o indígena o fazem apenas na certeza de não correrem o perigo de serem vistos como político-culturalmente retrógrados: podem para isso mostrar o quanto se empenham em questões críticas, tais como aquelas relacionadas com o drama da escravidão negra. Tal situação, que prejudica os estudos científicos, com sérias conseqüências para a prática, apenas pode ser modificada se ocorrer a mudança paradigmática preconizada há décadas pela A.B.E. e seus institutos: de um direcionamento basicamente filológico e histórico-literário deve-se passar a um direcionamento culturológico no estudo interdisciplinar de processos culturais em contextos euro-latinoamericanos. Como é que se explica a posição de romanistas - e brasilianistas - que costumam com tanta facilidade lançar o anátema de sentimentalismo contra aqueles que procuram valorizar a cultura indígena? A resposta a essa questão pode ser vista na fundamentação literária das concepções culturais. Partindo da história da literatura nas diferentes nações da América Latina, acostumaram-se analisar criticamente as obras do Indianismo do século XIX:
"(...) do ponto de vista psicológico, o indianismo não podia ser senão o que foi: um enobrecimento do ameríndio, uma 'idealização mítica'. A mitologia indianista era uma resposta à nossa necessidade de Origem, ansiosamente sentida pelo país em formação nacional. E uma psicanálise do indianismo romântico, na perspectiva esboçada por Augusto Meyer, mostra que a sua ambiguidade fundamental estava em querer celebrar nossas raízes, nossa peculiaridade como povo, 'dentro de uma ótica que denunciava', em si mesma, ' o nosso transoceanismo (Capistrano) a nossa condição de desterrados culturais, ainda incapazes de tirar os olhos da Europa. Pois índios e paisagens tropicais nunca nos haviam faltado, mas só com o impacto do romantismo europeu somente sob a influência de Chateaubriand é que nos voltamos para o tupi e suas matas. De modo que, ao fazer literatura indianista, um Alencar (ou, antes dele, um Gonçalves Dias), por mais impregnado que fosse de certas experiências de contato com a selva e o selvagem, era antes de tudo um 'intérprete cultural': um concretizador dos impulsos íntimos da cultura brasileira na sua adolescência." (José Guilherme Merquior, De Anchieta a Euclides: Breve História da Literatura Brasileira, Rio de Janeiro: José Olympio 1977, 80).
Como esse texto indica, a crítica ao indianismo na história literária leva freqüentemente a referências a Chateaubriand e à influência exercida por suas obras na América Latina.
Com o objetivo de refletir sobre a problemática acima delineada e considerar o papel desempenhado por Chateaubriand no seu contexto cultural adequado, a A.B.E. realizou uma visita à sua cidade natal, St. Malo, e àquela de sua infância, Combourg, no âmbito do ciclo de estudos "Normândia-Bretanha-Brasil". Essa não foi a primeira vez que se tratou de autores franceses nas suas relações com os estudos das culturas indígenas no âmbito da A.B.E.; dos trabalhos anteriormente realizados alguns aspectos foram considerados em publicações (A.A.Bispo, "Sichtweisen französischsprachiger Autoren", Die Musikkulturen der Indianer Brasiliens IV, Musices Aptatio, Liber Annuarius/Jahrbuch 2000/2001, Siegburg: Franz Schmitt 2002, 124 ss.). O escopo das reflexões foi desta vez dirigido às possibilidade de transformação do ângulo de perspectiva no tratamento da questão. A atenção deveria ser dirigida à inserção de Chateaubriand na história cultural e intercultural: não mais a influência e a recepção de sua obra na América Latina deveria estar no centro dos interesses e guiar as reflexões, mas a inserção de seu pensamento numa história cultural em contextos globais. A mudança de enfoques permite abrir novas perspectivas para a superação dos problemas expostos ou pelo menos para uma maior diferenciação do indianismo e da crítica ao indianismo. Pode-se constatar, assim, que talvez ainda mais do que o indianismo foi e é a crítica ao indianismo a mais grave expressão de contextos europeus e de visões eurocêntricas.
Chateaubriand sob a perspectiva dos estudos histórico-culturais
Dentre os grandes vultos europeus da passagem do século XVIII ao XIX, Chateaubriand pertence àqueles que maiores possibilidades oferece para estudos histórico-culturais em contextos globais. Embora considerado em geral na história da literatura como um dos principais nomes do primeiro Romantismo francês, a sua obra, a sua pessoa e as suas ações superam a esfera propriamente literária. A sua atividade como escritor uniu-se à de político e diplomata, um fenômeno comum na história da França e que se tornaria também na América Latina, em parte através do exemplo que ofereceu. Os próprios historiadores da literatura já reconheceram há muito tempo que Chateaubriand pertence muito mais à história da cultura em geral do que à história específicamente literária:
"Como Napoleão e Madame de Stael, Chateaubriand é um homem do século XVIII que alcança a maioridade em 1789 e amadurece com o espírito do novo século. Ele será menos um pai dos poetas românticos do que o seu clássico. Grande parte de sua obra caiu no esquecimento. Mas o nimbus de sua personalidade permanece e é maior do que possa parecer àquele que leia a parte ainda viva de sua obra. Deve-se ver Chateaubriand menos numa estante de livros do que como um homem vivo. Anseios dos mais secretos, defasagens rítmicas e problemas gerais da vida e da literatura francesas tiveram o seu caminho através dele e podem ser esclarecidos através dele. (...)
Tanto tenha procurado sugerir à posteridade um "Napoleão e eu", assustava-o a idéia de um "Rousseau e eu". Fêz de tudo para evitar uma tal comparação. Inutilmente. Após Rousseau e como êle impregnou a literatura francesa com o tipo do grande escritor, cuja vida se desenvolve na vida pública (...), o tipo de um sentimento de vida e de um universo de sentimentos que dele partiram, (...) o tipo de uma posição oficial do poeta e do líder de uma área espiritual da vida." (Albert Thibaudet, Histoire de la Littérature Française de 1789 à nos jours, Paris: Stock Delamain et Boutelleau, 1936, ed. al. Geschichte der französischen Literatur... 2a. ed. Freiburg/Munique: Karl Alber 1954, 21-22)
Contexto bretão
Um dos pontos de partida para a análise histórico-cultural de Chateaubriand é o estudo do contexto onde obteve a sua formação. A sua personalidade e a sua obra não podem ser compreendidas sem a consideração da cultura de sua terra natal, a Bretanha. O universo religioso-místico bretão, uma cultura marcada por lendas e narrativas de remotas origens, e até mesmo uma certa tendência à melancolia própria de uma região voltada ao mar e à emigração são certamente fatores que auxiliam a análise contextualizada de seu pensamento e de sua obra. O pensamento aristocrático e o pendor para o conservadorismo de Chateaubriand não podem, por outro lado, serem compreendidos sem a consideração da sua história familiar e do processo de ascensão social e renobilitação do qual o seu pai foi o principal protagonista e nos quais se inseriu.
Nascido em Saint-Malo, cidade portuária marcada na sua história por corsários, Chateaubriand cresceu num ambiente marcado pelo mar. Teria até mesmo desejado, quando criança, vir a ser um marinheiro. Era filho de um homem ligado à vida do mar e é compreensível que o mar viria a desempenhar um grande papel na sua obra. A história oral, os relatos de regiões distantes, o estudo de cartas marinhas, a contemplação de gravuras e a literatura de viagens marcaram a sua imaginação. Entre os seus projetos que mais de perto dizem respeito a seu interesse pelo Novo Mundo havia o de descobrir uma passagem ao Noroeste do continente americano que possibilitasse a ligação do Atlântico com o Pacífico. Como já salientado, tudo sugere que queria transformar-se numa espécie de Fernando de Magalhães do Norte: "Tal como Colombo êle descobriu a América. Trouxe de lá um conceito particular do pictórico, como mais tarde um outro visconde, um outro parente de M. de Malesherbes, M. de Tocqueville, traria um determinado conceito de democracia. (...) Ele levou para o seu grande projeto na América não apenas mapas, mas ao mesmo tempo muito papel para o relato, e no lugar de escrever o diário de um homem que realizou o seu plano, escreve êle o diário do homem que o não concretizou." (A. Thibaudet, op.cit. 22-23)
Combourg e Fougères
Não apenas a vida do mar, mas sim e sobretudo aquela do castelo de Combourg surge como significativa para os estudos histórico-culturais relacionados com Chateaubriand. As próprias circunstâncias da aquisição desse monumento do passado e da vida no âmbito da pequena cidade abrem perspectivas para estudos sócio-culturais elucidativos dos pressupostos de seu Romantismo. Tendo passado por Paris a caminho de Cambrai, Chateaubriand retornou a Combourg pela morte do pai, em 1786, a família, porém, se separou: a mãe mudou-se para Saint-Malo, as irmãs passaram a viver em Fougères e em Paris. Um vínculo que não pode ser menosprezado nos estudos culturais é aquele entre a atmosfera de Combourg e Fougères com o universo alemão: é significativo que, em Fougères, Chateaubriand tenha estudado o Werther, de Goethe.
Paris
A vida cultural de Paris pré-revolucionário é condição sine qua non para a inserção do pensamento e da obra de Chateaubriand no contexto intelectual de sua época. Em Paris confrontou-se com o ainda vigente espírito desencadeado pelo Iluminismo, marcado pela crítica à Igreja e por uma atitude de cinismo de cunho aristocrático. Tem-se salientado que essa atitude tão difundida em meios intelectuais parisienses de elegância e fino humor a serviço de uma postura que transpira auto-segurança não foi compartilhada por Chateaubriand. Esteve mais sob a influência de Malesherbes que, apesar de mostrar-se tolerante quanto à publicação de obras de pensadores como Voltaire, Rousseau, d'Alembert e Diderot, não deixava de representar outra esfera intelectual. Dois aspectos dos estudos de Chateaubriand em Paris devem ser salientados: o da História dos Descobrimentos e o da Natureza. Ao lado de suas leituras de relatos de navegadores, sobretudo franceses e ingleses, de missionários e de obras da literatura de viagens, freqüentava o Jardim Botânico real. Tudo indica que a sua atenção - ao contrário do sugerido pelos críticos do indianismo - foi justamente a de corrigir um exotismo falso na tradição de Bernardin de Saint-Pierre. A sua atenção dirigia-se ao reconhecimento de valores e à justiça a partir de relatos de fatos e observações sensíveis da realidade.
Experiência da emigração
Chateaubriand experimentou, acima de tudo, a vida da emigração. É nesse contexto, com as possibilidades hoje abertas pelo debate específico que se poderia chegar a visões mais diferencidas quanto aos elos de seu pensamento e obra com o Novo Mundo. Questões de identidade interrelacionam-se aqui com aquelas do confronto com outros universos culturais. A sua viagem à América do Norte deu-se no contexto de suas experiências com a Revolução Francesa. Em 1791, com apenas 23 anos, Chateaubriand partiu de sua cidade natal Saint-Malo, numa brigantina de apenas 160 toneladas, em direção a Baltimore, realizando a viagem em veleiro que levava missionários ao continente americano.
"Por detrás do grande mas pouco claro plano da viagem à América havia um segundo grande plano, mais preciso do que o primeiro: o de conseguir da viagem a Epopéia do Homem Natural. Chateaubriand o projetou na América, escreveu-o em Londres, publicou-o porém apenas em 1826. A epopéia é a Natchez, que na sua roupagem épica usada lembra mais o Télémaque do que a Odisséia. (...)" (A. Thibaudet, op.cit. 29)
A imagem da natureza das Américas e da cultura indígena uniu-se com as suas convicções políticas. Durante a sua estadia em Londres, escreveu Essai sur les révolutions (1797), uma obra histórico comparativa na qual procura demonstrar que toda a revolução contribui para a destruição da Natureza. Alguns estudiosos têm procurado salientar que nessa obra ainda se sente a influência tardia do pensamento de discípulos de Rousseau, caracterizado por um certo cansaço de Europa e um anseio ao selvagem na sua natureza não deturpada pela civilização. Essa interpretação, porém, não é suficiente, nem mesmo adequada.
Um fundamental momento a ser considerado nesse complexo de relações foi o seu retorno ao Catolicismo. A sua grande obra nesse sentido foi Le Génie du Christianisme, de 1802, onde, em crítica ao pensamento de cunho voltariano, salientou a força do Cristianismo para a cultura, as artes e a poesia. A obra contém dois contos pequenos, o Atala e o René, este considerado como um Werther francês. Chateaubriand, em estado de espírito melancólico-pessimista, dedica-se a uma tribo indígena em processo de perda de sua identidade e desaparecimento como povo. Esse grupo indígena no curso superior do Mississipi encontrava-se em decadência após longas lutas com os colonizadores franceses. A impotência perante a supremacia dos europeus, o lamento e o rancor de um povo que sabe que o seu fim é inevitável alimentam a fantasia de Chateaubriand. No seu conto, imaginou um jovem francês que tem o seu nome, René. Melancólico, entrega-se à tristeza entre os Natchez, onde encontrou amizade e afeto. Atala, por sua vez, surge como heroína de uma história romântica de amor (Atala ou les Amours de deux Sauvages dans le Désert). O contexto do tratamento de temas indígenas nas suas relações com o redescobrimento do Catolicismo por Chateaubriand não pode ser menosprezado. Significativo é o uso do termo Génie. Chateaubriand tinha a sua atenção dirigida ao "espírito" da cultura, poder-se-ia hoje dizer a seu ethos. A constatação dos valores humanos e espirituais dos indígenas, tão pouco considerados, teria fornecido subsídios para uma maior sensibilização para aspectos espirituais da própria cultura. Pouco se tem, porém, considerado o significado da constatação da realidade - do martírio - indígena para o próprio desenvolvimento do pensamento religioso de Chateaubriand e, assim, para o Romantismo em geral. A sua própria visão, muitas vezes peculiar do Catolicismo parece sugerir uma influência do contacto com a tragédia humana dos indígenas do continente americano. Significativamente, a segunda grande obra de cunho religioso de Chateaubriand foi dedicada aos mártires dos primeiros séculos do Cristianismo: Les Martyrs (1809). Viagens ao Oriente e leituras sobre o mundo histórico-cultural das origens do Cristianismo Itinéraire de Paris à Jérusalem seriam aqui quase que um prosseguimento natural de um processo iniciado com a viagem à América. Mundo indígena, descoberta dos valores espirituais da Europa e Oriente surgem no desenvolvimento do seu pensamento e de sua obra em complexo contexto de relações.
Embora diplomata em Roma sob Napoleão (1803), abandonando esse cargo já em 1804, Chateaubriand, também um retornado, jamais poderia adequar-se ao universo bonapartista. Foi um vulto da Restauração, tornou-se Par de França, embaixador em Berlim, em Londres, e, em 1822, ou seja, no ano da Independência do Brasil, Ministro do Exterior. A conturbada vida política de Chateaubriand poderia ser mais pormenorizadamente analisada sob a perspectiva do mundo ibérico e de suas repercussões nos recém-emancipados países da América Latina. Ele próprio, nas suas obras, em particular nas Mémoires d'outretombe (1849), oferece inúmeros subsídios para estudos histórico-culturais em contextos transnacionais.
Chateaubriand e a história do pensamento no Brasil
Não apenas a literatura propriamente indianista de um Gonçalves Dias e um José de Alencar teria recebido a influência de Chateaubriand. A irradiação de sua imagem, de seu pensamento e de sua obra teria sido muito mais profunda e ampla. Assim, entre outros, salienta-se a sua influência em Joaquim Nabuco:
"As qualidades da prosa de Nabuco - seu ritmo paratático, isto é, dominado por orações coordenadas (quando não independentes), seus valores plásticos e musicais - alcançam o apogeu em Minha Formação (1900). Publicadas em parte em jornal, desde 95, essas memórias não seguem a ordem cronológica, e estão geralmente influídas pelo exemplo de um estilo poético e mágico: o de Chateaubriand.(...) Até em trechos de reminiscências autobiográficas como este, o seu subjetivismo, como o de Chateaubriand, exibe um ego meio impessoal, radicalmente estranho ao eu desarrumado e nu das confissões genuínas." (José Guilherme Merquior, De Anchieta a Euclides: Breve História da Literatura Brasileira, Rio de Janeiro: José Olympio, 1977, 188-189)
Essa influência de Chateaubriand a ser percebida em Minha Formação de J. Nabuco sugere também a potencialidade de uma análise de seu retorno ao Catolicismo à luz do retorno ao Catolicismo de Chateaubriand. Abre-se aqui um leque possibilidades de estudos que salientem o impacto do descobrimento dos valores indígenas na Europa nos seus elos com o desenvolvimento histórico-cultural do século XIX. Ter-se-ia aqui uma perspectiva para a valorização do papel histórico desempenhado pelo indígena e sua imagem numa história intercultural em relações globais. Não se trata, evidentemente, de se voltar a formas de expressão de Chateaubriand, a epopéias e romances, nem de renovação de conotações religiosas e políticas de sua época. Trata-se de recuperação de uma posição que seja sensível para valores humanos e éticos dos indígenas.
Como salientado em obras de história literária, tanto Atala como Les Natchez foram recebidos com sucesso pelo público e com reservas pela crítica. Seria o caso de perguntar-se se não seria aqui a crítica que estava presa a uma imagem do indígena que não oferece margens a nele se descobrir qualidades de caráter e de procedimento que correspondam a concepções ocidentais nas suas mais elevadas normas. Por demais rapidamente se levantam críticas similares àquela que diz que "Atala e Chactas são mais ou menos tão selvagens como os personagens de Télémaque são gregos" (Thibaudet, op.cit. 30).
Relatos de missionários, de pesquisadores, de viajantes e daqueles que convivem com indígenas estão repletos de menções de admiração e respeito por atitutes de dignidade, de reserva e discreção, de expressões denotativas de introspecção, de uma sensibilidade altamente cultivada de indígenas e de outras características que não podem ser consideradas devidamente pelo receio de serem criticadas como expressão de romantismo. Quantos pesquisadores se impressionam com atitudes de indígenas que apenas podem ser designadas, talvez de forma metafórica, como denotativas de nobreza de caráter. Acusá-los indiferenciadamente de nobilitar artificialmente o indígena, de projetar romanticamente imagens do índio-herói à realidade, de criar retratos sentimentalizantes significa inverter papéis e impedir que importantes aspectos do homem indígena e de sua cultura sejam constatados, analisados e valorizados. Negam a possibilidade de que o indígena seja tão "nobre" como personalidades de outras culturas e enxergam expressões de sentimentalismo indianista na mais leve tentativa de se registrar atitudes e procedimentos que impõem respeito no convívio intercultural. São justamente estes os intelectuais mais presos a visões de exotismo eurocêntrico. Infelizmente, é este o caso de representantes de diversas áreas dos estudos latino-americanos e brasileiros na Europa, inclusive diretores de institutos de estudos portugueses e brasileiros de renomadas universidades. Uma mudança da situação representa uma exigência para o desenvolvimento dos estudos culturais em relações globais.
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).