Doc. N° 2351
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
114 - 2008/4
França-Brasil
Isabelle Comtesse de Paris (1911-2003) e os estudos culturais euro-brasileiros 5 anos de falecimento
A.A.Bispo
Na cidade francesa de Eu, no ano 2000, por ocasião de uma apresentação do livro Tout m'est bonheur: Les chemins creux (Paris: Robert Laffont/Opera Mundi 1981 ISBN 2-221-00817-0), realizou-se um encontro com a Condessa de Paris a respeito dos estudos culturais euro-brasileiros, em particular no contexto das relações França-Brasil. Entre os vários pontos considerados, a Condessa de Paris sugeriu que se dedicasse especial atenção à Normândia e à Bretanha nos trabalhos da A.B.E. pelo significado particular dessas regiões para os estudos culturais em geral. Seguindo a sua sugestão, e passados 5 anos de seu falecimento, a A.B.E. decidiu desenvolver um ciclo de estudos "Normândia-Bretanha-Brasil", levado por fim a efeito em maio e junho de 2008.
Isabelle, Comtesse de Paris e o Brasil
Nascida a 13 de agosto de 1911, a Condessa de Paris, por ocasião do encontro de 2000, tinha perdido há pouco o seu marido, Henri, Conde de Paris (1908-1999), pretendente ao trono francês. Teve 11 filhos, entre êles Henri, atual Conde de Paris e Duque da França. Era filha mais velha de Pedro de Alcântara de Orléans-Bragança, Príncipe do Grão Pará (1875-1940), e de sua espôsa, a Condessa Elisabeth Dobrzensky of Dobrzenicz (1875-1951). Seus avós pelo lado paterno foram Louis Philippe Marie Ferdinand Gaston, Conde d'Eu (1842 - 1922) e Isabel, a Redentora, filha mais velha de D. Pedro II e Teresa Cristina. Gaston era o mais velho filho de Louis Charles Philippe Raphael, duque de Nemours e da Princesa Victoria de Saxe-Coburg e Gotha. Assim, era a mais velha irmã do chefe da linha não dinástica da família imperial brasileira (Petrópolis).
Foi batizada com o nome de sua avó, a princesa Isabel. O seu pai tornara-se, em 1891, Príncipe Imperial do Brasil à morte de seu avô Pedro II para aqueles que se mantinham leais ao sistema vigente até 1889, e, quando morreu e sua mãe, Isabel, tornou-se pretendente ao trono. Entretanto, por questões relacionadas com os seus planos de matrimônio, renunciou a seus direitos de sucessão e ao título de Príncipe Imperial. Com a morte do deposto Manuel II de Portugal, em 1932, o seu pai poderia ter-se tornado até mesmo pretendente em Portugal, caso não tivesse renunciado a seus direitos. Para aqueles que não aceitam a validade da renúncia do pai de Isabelle, de 1908, esta seria a Princesa do Brasil.
Isabelle de Orléans-Bragança tornou-se, pelo casamento, duquesa de Orléans, de Valois, de Chartres, de Guise, de Enghien, de Vendôme, de Penthievre, de Aumale, de Nemours e de Montpensier, dauphine de Auvergne, princesa de Joinville, princesa de Condé, etc., e titular Condessa de Paris.
Culturas indígenas do Brasil
Um dos objetivos do encontro de 2000 foi o de considerar os elos seus e de sua família com as culturas indígenas do Brasil. Estando em desenvolvimento um programa de estudos sobre as culturas indígenas, patrocinado pelo Ministério das Relações Exteriores da Alemanha, e sabendo-se que ela e alguns dos seus haviam visitado grupos indígenas na década de 50, procurou-se obter informações que pudessem ser úteis à obra em consecução. Como ela própria mencionou, a obra auto-biográfica que então se considerava incluia diversas referências de interesse para o tema. Também sempre esteve consciente e salientou que os seus pareceres sobre os indígenas não eram os de uma etnóloga. Partiam de grande curiosidade e deviam ser vistos sob o pano de fundo de uma tradição de família. D. Pedro II havia tido grande interesse pelos costumes e pela história dos grupos indígenas. Praticava várias línguas indígenas e fêz elaborar um dicionário guarani. Formou uma relevante coleção de objetos indígenas e de cerâmica, da qual faziam parte também lembranças particulares de viagem ou presentes. Dentre esses objetos, emprestava-se na família particular atenção aos muiraquitães, alguns dos quais com inscrições e representações de animais fabulosos. Teorias a respeito da origem e do significado simbólico da própria pedra jade despertaram contínuo interesse. A sua irmã, Thérèse, possuiu um deles, particularmente precioso, oferecido pelo General Couto de Magalhães.
Missão Bororo e a música. O caso Tiago
A sua avó, Isabel, Condessa d'Eu, procurou sempre apoiar as missões indígenas. Colaborou sobretudo com o trabalho de D. Malan entre os Bororo. Este bispo, um amigo da música, reconhecendo o significado da prática instrumental nas missões, fomentou a educação musical entre os indígenas, um procedimento que havia sido fundamental no passado da história missionária. Com os meninos indígenas, chegou a formar uma orquestra. Com o apoio de Isabel, foram comprados instrumentos de corda, de sôpro e de percussão e enviados à missão. Essa prática musical levou a sucessos similares àqueles relatados do passado colonial. Os seus alunos demonstraram excepcional talento para a música, ou melhor, para a prática instrumental. Um deles, de nome Tiago, mostrou-se de tal forma apto e já capacitado, que resolveu-se enviá-lo à Europa para o prosseguimento de seus estudos. As recordações da Condessa de Paris são a esse respeito de particular interesse, uma vez que esse fato é desconhecido na musicologia brasileira. As suas informações, provenientes da memória familiar, necessitariam porém ser comprovadas e aprofundadas através de estudos pormenorizados. Tendo-se conseguido o apoio financeiro para que viesse à França, Tiago Bororo teria surpreendido a simpatizantes e professores. Teria obtido, nos anos 1900, até mesmo o Prêmio de Roma para piano (!) (op. cit. pág. 73). Sempre dando muita atenção à sua aparência e forma de trajar, era admirado em Paris por se apresentar muito elegantemente, sempre em fraque, dirigindo a sua própria "calèche" pelas ruas da capital francêsa (!). Tiago teria dado vários recitais, inclusive em reuniões particulares realizadas na casa da Princesa Isabel e do Conde d'Eu, no Boulevard de Boulogne-sur-Seine. Um dia, porém, teria voltado para o Mato Grosso e para a sua comunidade Bororo. O pai da Condessa de Paris, Pedro, o teria encontrado após 50 anos vivendo como os seus ancestrais. Já sem vivacidade de espírito, não se recordava da época que passara na Europa, nem de seus recitais, mostrando-se admirado que tivesse se apresentado como pianista em recitais (!).
Expedição de 1936: Carajás e Xavantes
O Príncipe do Grã-Pará, seu pai, organizou, em 1936, uma expedição ao Mato Grosso. Nessa viagem, que durou vários meses, tomaram parte o seu irmão Pedro, sua irmã Francisca, Mário Baldi, o jornalista Jorge Sampaio e um missionário de Lyon, o Pe. Hippolyte Chauvelon. Este missionário havia passado 30 anos de sua vida junto aos indígenas. A participação de Chauvelon indica os estreitos elos dos expedicionários com os salesianos, representantes de uma fase significativa da história dos estudos indígenas no Brasil Central e Norte (a respeito: A.A.Bispo, Musik, Erziehung und Forschung in Salesianer-Missionen, op.cit. 403 ss.). Um dos objetivos da viagem do Pe. Chauvelon era o de encontrar os despojos dos missionários Fuchs e Facilotti, dois salesianos que ali teriam estado algumas semanas antes e que teriam sido mortos. "Têtus comme seuls peuvent l'être des missionnaires, les pères Fuchs et Facilotti, deux Salésiens, s'étaient tout de même aventurés, quelques semaines avant le passage de l'expédition, sur les collines peuplées par ces farouches guerriers... Ceux-ci, sans attendre le Jugement Dernier, les avaient expédiés au Paradis. (...) Mon père et ses compagnons parvinrent à s'emparer des dépouilles qu'on ficela dans la pirogue du père Chauvelon qui les rapatria vers une petite mission de Salésiens, à quelque cent lieues de là." (Tout m'est bonheur, op.cit. 75-76) Havia, porém, um objetivo ainda mais audacioso por parte do Príncipe do Grão-Pará: o de atingir Belém através dos rios da Amazônia. Os expedicionários partiram de Goiás, em caminhoneta, em direção a Cuiabá. Dalí, por rios, chegaram à região na qual os missionários teriam sido mortos. Atingido um dos braços do Rio das Mortes, passaram várias noites entre os Carajás. O território carajá confinava com o dos Xavantes e que, na memória dos participantes, apresentava-se como um grupo guerreiro, hostil ao contacto com o branco. Aqui refletia-se possivelmente uma imagem negativa dos Xavantes que, na época, predominava na região e na opinião pública em geral. Significativamente, um ano depois, seria publicado um livro de ampla divulgação que tratava de massacres (Willi Aureli, Terra sem Sombra, São Paulo, 1952). Essa atitude dos Xavantes deve ser considerada a partir de perspectivas adequadas, ou seja a partir da própria situação crítica vivenciada pelo grupo:"De numerosos que eram, ficaram reduzidos a poucas centenas. (...) Só depois que o grupo conseguiu fugir, atravessar o Rio Araguaia e o Rio das Mortes, estabelecendo-se na Serra do Roncador, readquirindo a independência e uma certa tranqüilidade, os Xavante fizeram reviver as práticas culturais. (...) Tudo correu normalmente até 1946. Nesse ano os Xavante voltaram ao contato com a nossa sociedade, o que levou para eles divisões, lutas, doenças e como conseqüência a morte da maioria dos velhos. (...)" (Bartolomeu Giaccaria e Adalberto Heide, Xavante (Auwe uptabi: povo autêntico: pesquisa histórico-etnográfica, 2a. ed. São Paulo: Editora Salesiana Dom Bosco, 1984, 9) Segundo a Condessa de Paris, o seu pai e os demais participantes da expedição puderam ouvir, durante muitas noites, cantos e gritos dos Xavantes e que foram interpretados como sendo sinais de animosidade. Entretanto, superando os temores, atravessaram o rio e entraram nas suas terras. À medida que prosseguiram no Rio Araguaia, foram acompanhados por gritos dos indígenas ao longe ou escondidos nas matas. A viagem, com o aumento das corredeiras, tornou-se particularmente perigosa. Ocorrendo um naufrágio, foram auxiliados por um garimpeiro, um mestiço que também tinha perdido a sua família num ataque indígena e que passou a servir de guia à expedição. Como particular nota sobre a cultura Xavante, menciona-se que estes consideravam o cervo como animal sagrado, até mesmo quase que como intocável, um fato de relevância para estudos de simbologia animal e suas conseqüências para outros questionamentos, inclusive etnomusicais.
Organização simbólica das culturas indígenas. Uma Teoria
Durante essa expedição, o seu pai, Pedro, realizou observações etnográficas e procurou interpretar um sistema indígena de concepções do mundo e do homem. Teria sido um dos primeiros a decifrar o edifício simbólico que rege a vida social de algumas etnias. Uma das mais relevantes constatações que fêz teria sido referente à organização dual das aldeias, em torno de uma linha de demarcação simbólica, e que determina normas de vínculos familiares e sociais, sobretudo de casamento. Segundo Pedro, ela seria inserida em edifício integral de natureza cosmológica, na qual o agrupamento de seis famílias de cada lado da esfera corresponderia a uma ordenação em 12, sendo que cada unidade estaria em dependência de um dos signos do Zodíaco. Considerando-se que os estudos relativos à organização binária em culturas indígenas representam importante aspecto da pesquisa antropológico-cultural, tratada em publicações e em trabalhos acadêmicos, inclusive sob a égide da A.B.E., fundamental também no debate relativo a concepções estruturalistas e pós-estruturalistas, essa menção relativa às conclusões teóricas do Príncipe do Grão-Pará assume relevância excepcional para uma maior diferenciação da história do desenvolvimento do pensamento etnológico. Sobretudo a sua constatação que essa organização binária corresponde à dodecada, com todas as suas implicações e conotações cosmológicas seria, se comprovada, de extraordinário significado para a discussão da visão do mundo indígena, uma vez que apresentaria afinidades evidentes com concepções conhecidas da Antiguidade. O espectro de questões que aqui se colocam é amplo. Entretanto, somente estudos mais pormenorizados poderão esclarecer até que ponto a teoria do Príncipe do Grão-Pará foi desenvolvida a partir de procedimentos empíricos ou a partir de projeção, na análise, de conhecimentos derivados de sua erudição.
Particularmente singular é a menção que o Príncipe teria adquirido, gradativamente, a certeza de que os indígenas possuem um modo de comunicação de natureza telepática. Teria êle próprio realizado constatações experimentais.
Visita de 1951 aos Carajás
Em 1951, com o início das operações da ligação aérea São Paulo-Manaus-Miami, Arquimedes Pereira, presidente da Brasil-Central, convidou a Condessa e o Conde de Paris a realizarem um dos primeiros vôos experimentais da linha, cujo término era Xavantina, não distante do Rio Culuene, afluente do Xingú. Um dos motivos da viagem, sugerida por Assis Chateaubriand, era a descoberta do corpo do aventureiro inglês Fawcett, desaparecido anos antes na região da Serra do Roncador. Alguns trabalhadores da pista aérea que então estava sendo aberta teriam encontrado os restos de Fawcett na região de Xavantina. Da expedição de 1951 tomaram parte, além da Condessa de Paris e do Conde Henri, Chateaubriand, o Conde de Robilan, jornalistas, entre êles Hugo Gauthier e um jornalista-diplomata, além de alguns fotógrafos. Ao grupo viria de encontro o Pe. Cobaldini, conhecedor de idiomas indígenas e estudioso de sua cultura.
A memória da Condessa de Paris oferece aqui dados de interesse para o estudo do caso de Percy Harrison Fawcett, desaparecido em 1925, que despertou como poucos outros a atenção na Europa e nos Estados Unidos para os indígenas no Brasil (a respeito: A.A.Bispo, Britische Abenteuererromantik und sensationalistische Aufmerksamkeit für Indianer Zentralbrasiliens, In: Die Musikkulturen der Indianer Brasiliens: Stand und Aufgaben der Forschung 4. Teil: Zur Geschichte der Forschung, Musices Aptatio 2000/2001, Roma: CIMS 2002, 9-419, 365 ss.). Cumpre lembrar que a viagem aqui referida foi realizada antes da publicação do relato da expedição Fawcett, publicado pelo seu filho Brian Fawcett (P. H. Fawcett, Exploration Fawcett, arranged from his manuscripts, letters, log-boos... Londres, 1953). Já em 1928 tinha-se organizado uma expedição para o descobrimento de Fawcett sob George Dyot à região do rio Culiseu e do grupo Nafuqua. Em 1930, o jornalista Albert von Winton o procurou entre os Kalapalo e, em 1932, Stefan Rattin junto a um grupo ao norte do rio Bonfim, um afluente do São Manoel. Em 1933, realizou-se uma expedição de Virgino Pessione ao Kuluena, em 1935, Patrick Ulyat dirigiu-se ao Jamari, ao Machadinho e a grupos dos Boca-Pretas. Em 1937, a missionária Martha Moennich anunciou que descobrira um menino branco junto aos Kuikuro. Em 1951, uma notícia de Orlando Vilas Boas, divulgada em jornais europeus, fêz com que o interesse pelo caso Fawcett se reavivasse. Um primeiro vôo levou o grupo da expedição de 1951 a Anápolis. A seguir, tomaram um pequeno avião para Xavantina. A lembrança das circunstâncias e dos episódios vividos permaneceu viva na memória e foram descritas em pormenores na auto-biografia da Condessa de Paris. Cita, por exemplo, a experiência que para ela representou ou fato de banhar-se à noite no Rio das Mortes.
Dirigiram-se ao rio Culuene para uma visita a uma aldeia Carajá. A aldeia estava localizada numa clareira na floresta, cercada de plantações. O relato da Condessa de Paris é de interesse pela descrição que oferece da aldeia e das circunstâncias do encontro. Salienta que as casas eram de grandes dimensões e menciona a beleza de seu teto em fibras trançadas, seguro por estrutura de madeira que servia também de suporte para as rêdes. Apesar do seu estilo coloquial e não-acadêmico, a autora menciona fatos de interesse para o estudioso de culturas indígenas. Assim, lembra que o Pe. Cobaldini, sabendo-se fazer entender, perguntou aos indígenas a razão pela qual mantinham uma águia presa em gaiola suspensa num mastro, no centro da vila. A respost foi a de que seria imagem da divindade. Também aqui, portanto, na singeleza do estilo de descrição da autora, tem-se uma menção, embora de passagem, de um fato simbólico de extraordinária importância para estudos mitológicos e da concepção do mundo indígena. Essa menção pode ser vista dentro das preocupações teórico-simbólicas que tanto preocupavam o Príncipe do Grão-Pará. No seu relato, a autora comenta suas impressões pessoais, deixando transparecer grande simpatia pelos indígenas e admiração pelas suas qualidades humanas. Salienta que toda a aldeia estava em pé para recebê-los, com exceção de algumas mulheres de mais idade que não interromperam a preparação da mandioca. As saudações teriam sido mais do que amáveis, a dos homens pouco mais discretas. Os indígenas teriam sempre mantido uma atitude digna e uma espécie de pudor, apesar da extrema naturalidade de gestos. Iam e vinham, as crianças brincavam com coatís e com pequenos macacos. Mostravam interesse pelos olhos azuis dos visitantes e pelas barbas e cabelos do Pe. Cobaldini. A Condessa de Paris salienta que atitude dos indígenas era em geral muito mais digna e respeitosa do que a de alguns dos acompanhantes brasileiros da expedição, sobretudo de alguns jornalistas. Esses olhavam os indígenas como se fossem animais de circo e faziam comentários jocosos, descabidos e desrespeitosos sobre a sua aparência e suas atividades. Um deles quis até mesmo passar a sua camisa sobre os ombros de uma jovem Carajá; o olhar de ódio concentrado que o seu marido lançou sobre o jornalista jamais seria esquecido pela autora. Essa cena trazia-lhe em mente sempre a história de uma jovem índia de Pernambuco do passado que estivera em França. Recorda, de forma que necessitaria ser elucidada mais precisamente, que, à época de Henri IV, uma jovem e muito bela indígena convidada à Côrte francesa, teria sido solenemente batizada sob o nome de Catarina Paraguassú, tendo nada menos que Catarina de Médicis como madrinha. Ter-se-ia adaptado muito bem à sociedade francesa, onde a sua graça e nteligência teriam sido vistas como admiração. Voltando ao Brasil, para se casar, deu origem a uma família que traria o seu cognome Paraguassú. Essa história - tendo-se em vista o comportamento dos jornalistas brasileiros perante os índios - surge no contexto em que a autora salienta os valores humanos dos indígenas e a dignidade de suas atitudes, aproximando-os da aristocracia européia. Segundo a autora, as relações entre portugueses e os indígenas dos países que ocuparam teriam sido predominantemente positivas no passado. À diferença de outras nações européias, a mentalidade e a doçura do caráter português teriam possibilitado até mesmo uma colonização mais humana do que a de outras nações. Entretanto, esse não seria o caso no presente do Brasil, considerando-se a atitude desrespeitosa dos jornalistas presentes ao encontro.
Papel de Assis Chateaubriand
O livro Tout m'est bonheur - Les chemins creux oferece várias informações a respeito do círculo de contactos da Condessa de Paris em Portugal e no Brasil e que são de interesse para a história das relações euro-brasileiras das décadas de 50 e 60. Entre outros nomes, refere-se em particular a Assis Chateaubriand, à sua personalidade e seu comportamento entusiástico durante a viagem de retorno. Menciona a existência de críticas que recebia na época, mas salienta os seus empreendimentos culturais e sociais, tais como a fundação do Museu de Artes que traz o seu nome e o seu apoio a estabelecimentos hospitalares. Teria por êle um especial afeto, pois este teria sabido conquistá-la com um singelo gesto. Ao ser por êle recebida na sua residência em São Paulo, conduziu-a à biblioteca e, tirando um livro da estante, mostrara-lhe uma flor sêca. Tratava-se de uma flor que ela própria havia colhido há muitos anos atrás. Era pequena e êle próprio um jovem que fora recebido pela sua avó, a Condessa d'Eu, na sua casa em Boulogne. Esta havia mandado a autora, então menina, colher uma flor no jardim para o visitante. Chateaubriand conservara essa flor durante todos aqueles anos.
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Como a Condessa de Paris salienta nas suas memórias, o seu livro não quer e não pode ser estudado sob um aspecto científico-cultural. Algumas de suas informações, transmitidas pela tradição familiar, necessitariam ser mais documentadas. A sua simpatia e o seu respeito pelas culturas indígenas, porém, são evidentes. É significativo que ela, como representante dos mais elevados círculos aristocráticos da Europa soube reconhecer a nobreza digna do indígena que conheceu. Sobretudo as menções que faz sobre os estudos de seu pai despertam particular interesse. Poderiam incentivar trabalhos que tentassem recuperar e divulgar tais observações e reflexões.
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).