Doc. N° 2350
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
114 - 2008/4
Bretanha-Brasil
A Bretanha nos estudos das tradições populares e o debate teórico-cultural Paul Sébillot (1843-1918)
Dinan. Trabalhos da A.B.E. 2008
A.A.Bispo
Dinan Trabalhos da A.B.E. 2008. Fotos A.A.Bispo No âmbito do ciclo de estudos Normândia-Bretanha-Brasil desenvolvido pela Academia Brasil-Europa em maio e junho de 2008, considerou-se o papel relevante desempenhado pela Bretanha na história dos estudos culturais e suas repercussões no Brasil. Relativamente isolada pela sua situação geográfica e por circunstâncias históricas, a Bretanha conservava, ainda em meados do século XIX, um patrimônio de tradições culturais de remotas origens que emprestava à região características próprias e diferenciadoras. É compreensível que estudiosos ali nascidos, tendo crescido em ambiente marcado por tradições e modos de vida de camponeses e marinheiros, por concepções do mundo e do homem profundamente religiosas e por uma cultura mental configurada pela transmissão oral de estórias e lendas, sentissem de forma especialmente intensa as transformações da sociedade do século XIX, sobretudo ao se confrontarem com o universo parisiense.
As tensões resultantes desse confronto se manifestaram em várias direções. Uma delas foi a da tomada de consciência de que aqui se perdiam bens culturais, que até mesmo desaparecia uma esfera valiosa da cultura. Assim, estudiosos bretões desempenharam papel importante no rol dos pioneiros de um ramo de estudos voltados ao levantamento e interpretação das tradições populares: "Foi preciso seculo e meio para que o estudo do povo adquirisse sua autonomia graças ao zelo de inumeros sabios e de alguns artistas como Olivier Perrin, cujo Breiz-Iget, ou Vida dos Bretões na Armorica, data de 1838" (Arnold van Gennep, O Folklore, trad. Pinto de Aguiar. Salvador: Progresso 1950, 20) A partir da fundação de sociedades de pesquisadores, de publicações e encontros exerceram influência determinante no estabelecimento e no desenvolvimento dessa área de estudos em outros países, sobretudo naqueles que se guiavam culturalmente pela França. Um dos principais vultos de estudiosos bretões que marcaram o ramo dos estudos das tradições populares, da Etnografia e do Folclore foi Paul Sébillot (Matignon, 1843- Paris, 1918).
Dinan: local das reflexões
Dinan, cidade particularmente ligada à memória de Sébillot e local de nascimento de sua mulher, pesquisadora de canções tradicionais, é uma das cidades bretãs que melhor puderam conservar o seu patrimônio arquitetônico. A sua história leva a épocas remotas, embora haja documentos apenas a partir do século XI. Entre os principais marcos de sua história podem ser citadas a fundação de um mosteiro beneditino e a construção de um burgo que foi posteriormente atacado pelos soldados de Guilherme, o Conquistador. No século XII, a cidade já era cercada de muralhas. Em 1283, foi adquirida pelo Duque da Bretanha, João I. Envolvida nas Guerras de Sucessão, ficou perenizada na história das relações internacionais devido ao combate vitorioso de Bertrand du Guesclin contra as tropas inglêsas de Thomas de Canterbury, em 1357. Em 1364, tendo recuperado a cidade, o Duque João IV mandou construir um donjon para a Duquesa Ana. A partir de fins do século XV, Dinan passou a pertencer, como outras partes da Bretanha, ao reino da França. A posição estratégica no transporte fluvial, o comércio portuário na Rance e a indústria artesanal possibilitaram um florescimento da localidade. O século XVII conheceu um período de expansão religiosa através do estabelecimento de várias ordens religiosas. Novo período de apogeu foi o século XVIII, quando se estabeleceram em Dinan muitos usinas de tecelagem para a produção panos para velas de navios. O século XIX conheceria, a seguir, um novo período de presença inglêsa, desta vez sobretudo turística e cultural.
Paul Sébillot
Paul Sébillot provinha de uma família de médico com interesses culturais e de certa projeção na sociedade regional. O seu pai alcançara renome por trabalhos realizados durante uma epidemia de cólera, em St. Cast, em 1832; foi prefeito de Matignon, em 1848. À família de sua mãe pertencia o abade Egault de Saint René, um dos mestrres de René de Chateubriand no colégio de Dol. Da família fazia parte também Egault de Noes, engenheiro, construtor do canal de l'Ourcq. O irmão de Paul Sébillot, Amédée, tornou-se engenheiro civil.
No Colégio Comunal de Dinan, foi um dos mais destacados alunos. Já na sua juventude recolheu alguns contos da tradição oral, fêz entrevistas com marinheiros e camponeses. De interesses múltiplos, Paul Sébillot foi pintor, escritor, poeta, autor dramático e etnógrafo. O elo que unia essas diversas aptidões e atividades era o interesse pela paisagem natural e cultural de sua região natal. Paisagismo, pintura e poesia surgiam como expressões diversas de um amplo interesse pelos estudos culturais. Já os títulos de suas obras e poesias denotam o espectro de seus principais interesses: a magia da cultura bretã tradicional e a sobrevivência de antigas raízes culturais, até msmo do paganismo nas tradições campestres e marítimas (por ex.: La Bretagne enchantée, poésies sur des thèmes populares; Les Paganismes champêtres; La mer fleurie).
Pintura paisagística como disciplina condutora
Iniciou estudos de direito em Rennes e, para terminá-los, transferiu-se para Paris, em 1863. Na capital francesa, realizou estudos de pintura com Feyen-Perrin. Expôs no salão de 1870 a tela Rochedos à maré baixa, obra premiada e que figurou na exposicão de Londres, em 1872. De 1870 a 1883, expôs 14 quadros em diferentes salões. Duas de suas obras fizeram parte na exposição universal de Viena, em 1873. Os seus temas eram dedicados à Bretanha, ao seu litoral com rochedos e a trechos da paisagem do interior. Durante a sua atividade de paisagista, teve um contato direto e sensível com a atmosfera e a cultura de sua região. Escreveu crítica de arte no Bien Public, na Réforma, na Art français, na Art libre e outros órgãos. Em 1878, publicou um estudo sobre a reorganização dos salões.
Política
É digno de nota o elo entre o interesse por questões de tradições populares e tendências políticas republicanas da época. Em 1875, lSébillot ançou uma brochura de título La République c'est la tranquilité (Librairie du Suffrage universel), escrito que alcançou grande divulgação. Foi traduzida em bretão por F. -M Luzel, também pesquisador de tradições bretãs.
Da Paisagem à Literatura oral
A partir de meados da década de 70, Paul Sébillot passou a dedicar-se cada vez mais intensamente ao estudo da literatura oral. Em 1876, publicou um ensaio sobre o dialeto regional (Essai sur le patois gallot). Em 1880, lançou uma primeira grande obra sobre as tradições, superstições e lendas da Alta Bretanha (Les Traditions, superstitions et légendes de la Haute-Bretagne). Outras obras foram dedicadas à literatura oral da Bretanha e de tradições da terra e do mar (Contes populaires de la Haute-Bretagne; Contes des paysans et des pêcheurs).
Procura da cientificidade no estudo das tradições
A sua preocupação relativamente ao método e à sistematização de procedimentos da pesquisa de campo e da recolha de tradições orais levou a que publicasse um questionário para a coleta de tradições, superstições e lendas (Essai de questionnaire pour servir à recueillir les traditions, les superstitions et les légendes). Essa publicação, traduzida em espanhol por Machado y Alvarez, passou a representar um método de orientação para iniciantes e pesquisadores de tradições populares nos países ibéricos e latino-americanos. Também foi traduzida para o inglês, por Alfred Nutt. Reeditado para os membros da Folk-lore Society (Mr Sebillots scheme for collection and classification of folk-lore) marcou a história dessa disciplina em fase de institucionalização no mundo de língua inglêsa, sobretudo nos Estados Unidos. A partir de 1883, abandonando a pintura para se dedicar ao estudo das tradições populares, iniciou uma fase decididamente marcada por esforços de organização desse ramo de estudos e a sua elevação a nível científico. Entre outros intelectuais que, com êle, procuravam a fundamentação de uma ciência das tradições populares, devem ser salientados o já citado F.M. Luzel e Ernest Renan. Com êles se reuniu, em 1884, em Tréguier, por ocasião da famosa "ceia celta".
Em 1881, fundou, com Charles Leclerc, a coleção de literaturas populares de todas as nações. Nessa série, publicou a obra La littérature orale de la Haute- Bretagne. Utilizou aqui, pelo que se afirma, pela primeira vez, o termo littérature orale para designar a parte do Folclore que compreende os contos, as canções, as advinhações, os provérbios e outras expressões.
Uma das preocupações de Paul Sébillot era a de congregar os interessados no estudo das tradições populares para o fomento das pesquisas e a troca de informações. Em 1882, com M. Loys Brueyre e E. Rolland, organizou o Diner de ma Mère l'Oye, uma tentativa para reunir os estudiosos de tradições. Num desses jantares, em dezembro de 1885, fundou-se a Sociedade de Tradições Populares. Dois anos antes havia projetado, juntamente com H. Carnoy e A. Certeux, a publicação de um Jornal de Folclore. A partir de 1886, foi secretário geral da sociedade e dirigiu a Revista de Tradições Populares. Em 1887, publicou Les instructions et questionnaires de la société.
Nesses anos, publicou várias outras obras sobre as tradições e superstições da Alta Bretanha (Les Traditions et superstitions de la Haute- Bretagne, 1882). O seu livro Contes de terre et de mer, publicado em 1883, na tradução de M. Manuel Machado para o espanhol, lançado em Madrid e em Paris sob o título Cuentos bretones, alcançou ampla divulgação na Espanha e na América Latina.
Em 1884, juntamente com H. Gaidoz, Paul Sébillot deu início a um empreendimento editorial da libraire L. Cerf que deveria marcar a imagem da França: à coleção de título France merveilleuse et légendaire. Seus esforços sistematizadores e de difusão de métodos que deveriam levar a um desenvolvido do Folclore como ramo científico manifestaram-se mais uma vez na publicação de um manual de pesquisa de campo, em 1885 (Questionnaire des croyances, légendes et superstitions de la mer), e, em 1886, numa bibliografia de tradições populares nas colonias francesas (La Bibliographie des traditions populaires des Frances dOutremer). As concepções de Sébillot continuaram centralizadas na língua e na literatura oral. Publicou, em 1886, obras de cunho linguístico-cultural (La langue bretonne, limites et statistique), sobre hagiografia transmitida oralmente (Légendes chrétiennes de la Haute- Bretagne), fórmulas e expressões (Devinettes de la Haute-Bretagne) e, em 1887, lendas regionais (Légendes locales de la Haute-Bretagne: les Margot la fée). Ao lado de sua concepção baseada na literatura oral, a sua aptidão visual, pictórica manifestou-se no interesse pelas relações entre as expressões culturais e o ambiente natural. Em várias de suas obras tratou de costumes de camponeses e de marinheiros, da terra e do mar, assim como de práticas relacionadas com os elementos e fenômenos geográficos e climáticos. Assim, em 1887, publicou observações sobre a meteorologia marítima (Notes sur la mer et la météorologie maritime) e sobre o imaginário popular (Limagerie populaire en Bretagne). Em 1891, publicou outros contos de marinheiros (Contes de marins: le diable et les animaux à bord).
Nas suas pesquisas, foi auxiliado por sua mulher, irmã do economista Yves Guyot, nascida em Dinan, em 1855. Sob o seu nome foram publicadas ca. de 30 canções na Revista de Tradições Populares.
Organização e institucionalização dos estudos
Paul Sébillot fundou a Sociedade Bretã-Normanda, a Pomme. Essa sociedade, a partir de 1889, publicou um boletim anual, la Pomme, e, em 1894, dois anuários. Em 1889, foi secretário geral do primeiro Congresso de Tradições Populares, realizado em Paris, assistindo porém somente à primeira sessão, devido a uma enfermidade. Nesse ano, foi nomeado chefe de cabinete do Ministère des Travaux Publics e, logo após, da direção do pessoal e do secretariado, cargo que ocupou até 1892. Digno de particular menção é o fato de Paul Sébillot ter dedicado uma publicação especial à mulher nas tradições populares (Les femmes et les traditions populaires, 1892). Uma parte da sua coleção foi exposta na exposição de artes da mulher, em 1892, cuja seção de folclore foi por êle organizada. Nessa época, influenciado pelas suas atividades profissionais, passou a dar especial atenção à cultura material e de trabalho (Utensiles et bibelots populaires, 1893; Le tabac dans les superstitions et les coutumes, 1893; Les travaux publics et les mines dans les traditions et superstitions de tous les pays, 1894; Légendes et curiosités des métiers, 1895). Alguns de seus interesses surgem como particularmente atuais, tais como aqueles dedicados à questão das imagens (Livres et images populares, 1895) Em 1895, publicou uma autobibliografia, onde faz a listagem de sua grande produção.Com relação ao mundo ibérico, publicou, em 1896, exemplos da literatura oral espanhola (Contes espagnols). Ao lado da Bretanha, centro de sua obra (La Bretagne enchantée, 1899), dedicou-se também à literatura oral de outras partes da França (Littérature orale de l'Auvergne, 1898; Les traditions populaires en Anjou, 1903). Até o fim de sua vida P. Sébillot manifestou a importância que dava às concepções aquáticas na cultura popular (Le Folk-lore des pêcheurs, 1901; La mer fleurie, 1902). Sobretudo a partir dessas concepções é que se pode entender o significado que o estudioso dava à permanência de religiões pré-cristãs, tema que ocupou particularmente os seus últimos anos (Les paganismes, 1904; Le paganisme contemporain dans les peuples celtes et latins, 1908).
Possuindo uma biblioteca de folclore de mais de 6000 volumes e uma importante coleção de imagens e gravuras, de objetos populares, móveis antigos da Bretanha, relógios e utensílios diversos, Sébillot era procurado por outros pesquisadores e organizadores de exposições. Para a exposição do livro, em 1894, contribuiu com uma centena de fotografias da França, da Bélgica, do Egito, da Indochina e do Japão.
Paul Sébillot fêz parte de várias sociedades, de letras, de linguística, de antropologia, de arqueologia, de Arqueologia do Finistère, da Associação de Jornalistas Republicanos, da Sociedade de Etnografia e de Arte Nacional. Foi membro honorário da Sociedade de Folclore da Wallonie, da Sociedade Fino-Húngara, da Sociedade de Folclore de Chicago, da American Folk-lore Society, da Sociedade de Folclore Andaluz, da Folk-lore Society de Londres, da Sociedade Suiça de Tradições Populares e da Sociedade de Escritores Portugueses. Até 1905, foi presidente da Société d'anthropologie. Foi membro da Comissão dos Monumentos Históricos e oficial da instrução pública. Recebeu condecorações de vários govêrnos, comandante da Cambodja e do Dragão de Annam, Grão-oficial do Nichan-Iftikar e oficial da Grécia.
Obra magna: Le folk-lore de France
Como obra magna de sua copiosa produção deve-se salientar Le folk-lore de France (1904-1907), em quatro volumes (Paris: Librairie Orientale & Américaine E. Guilmoto). Essa publicação tornar-se-ia um modêlo dos trabalhos em vários países do mundo. Refletia a preocupação em criar uma obra abrangente, sintética e panorâmica num campo de estudos marcado até então por estudos de caso e regionais.
"Tous ceux qui se sont occupés des traditions populaires savent que, dans le dernier quart du XIXe. siècle, on a essayé avec une ardeur et une continuité jusqu'alors inconnues en France, de recueillir non seulement la Littérature Orale, dont les principaux éléments sont les contes, les chansons, les devinettes, les proverbes et les formulettes, mais aussi les Légendes, dont la forme est moins fixe, les superstitions, les préjugés, les coutumes, en un mot les idées populaires de toute nature, que, faute d'un meilleur terme, on est convenu de désigner sous le nom élastique de Folk-Lore. Plusieurs recueils périodiques, la Revue des langues romanes, la Revue Celtique, la Romania, Mélusine, la Revue des Traditions populaires, la Tradition, pour ne citer dans l'ordre chronologique que les principaux, ont essayé d'y intéresser leurs lecteurs, et de donner des exemples destinés à faciliter les enquêtes. Pendant cette période il a été aussi publié plus de livres sur ce sujet relativement nouveau, que dans toutes celles qui l'ont précédée, et beaucoup ont été composés avec un véritable souci de la recherche exacte, et sans surcharges littéraires. Mais quels que soint leur intérét et leur valeur scientifique et documentaire, les plus méritants de ceux qui les ont écrits se sont presque toujours bornés à recueillir, d'après nature, dans une province déterminée, à faire des monographies consacrées à l'étude d'un seul sujet ou à la recherche des idées traditionnelles d'un groupe. Il n'existe pas chez nous, même à l'état incomplet, l'équivalent des travaux d'ensemble qui ont été entrepris en d'autres pays d'Europe (...)" (Préface, Le Folk-Lore de France I: Le Ciel et la Terre, Paris, 1904: E. Guilmoto, 10-11).
Paul Sébillot e o Brasil
Vários estudiosos brasileiros de folclore estudaram e citaram obras de Paul Sébillot, sobretudo aqueles que se dedicaram mais específicamente ao folclore em verso e em prosa. Vicente Salles, nas suas notas à tradução do Folclore Brasileiro, de F. -J. de Santa Anna Nery (1848-1901), salienta o conhecimento de Paul Sébillot por esse estudioso (F.-J. de Santa-Anna Nery, Folclore Brasileiro, Recife: Fundação Joaquim Nabuco/Massangana 1992, pág. 15). F.-J. de Santa Anna Nery, segundo as suas próprias informações, desempenhou um papel significativo à época da organização dos estudos fomentada por Sébillot, até mesmo precedendo a fundação da Sociedade de Tradições Populares. Em dezembro de 1885, foi convidado a dar uma conferência no Instituto Rudy. Tinha sido precedido por M. Frederico Passy, do Instituto, por Frederico Mistral e por literatos pertencentes a vinte nacionalidades diferentes. O seu assunto foi a poesia popular no Brasil. Grande número de brasileiros e alguns portugueses ouviram essa palestra. Assim, quando a Sociedade de Tradições Populares foi fundada, foi imediatamente convidado a nela tomar parte. (Folclore Brasileiro, op. cit., pág. 31)
Entre outros autores brasileiros que se referiram a Sébillot, cita-se Basílio de Magalhães. No seu O Folclore no Brasil, em edição patrocinada pelo Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (Rio de Janeiro: Imprensa Nacional 1939), o autor procurou oferecer uma introdução a cantos populares em sua maior parte coligidos no Recôncavo baiano por João da Silva Campos, cultor de tradições e engenheiro. Joaquim Ribeiro, no seu Folklore brasileiro (Rio de Janeiro: Zelio Valverde 1944), procurou situar Paul Sébillot no desenvolvimento teórico da disciplina, citando o conceito de "etnografia tradicional" (pág. 22). Luís da Câmara Cascudo, no seu Contos Tradicionais do Brasil, menciona o fato de ter Paul Sébillot salientado o papel da mulher na transmissão de contos orais (Contos Tradicionais do Brasil: Confrontos e Notas, Salvador: Progresso 1955, pág. 14). O campo da literatura oral, na concepção de Sébillot, é considerado mais pormenorizadamente por Vicente Salles (Repente & Cordel: Literatura popular em versos na Amazônia (Rio de Janeiro: FUNARTE/Instituto Nacional do Folclore 1985, 31). Rossini Tavares de Lima, no seu Abecê do Folclore (4a. ed. São Paulo: Ricordi, 1968), considerou criticamente concepções de Paul Sébillot. Em capítulo dedicado a conceitos, afirmou que o Folclore tem sido considerado, desde William John Thoms até hoje, com raras exceções, em última instância, como ciência das antiguidades populares, isto é, do que há de antigo na cultura de um povo: "Em 1886, na França, o folclorista Paul Sébillot escrevia que o Folclore é'uma espécie de enciclopédia das tradições, crencas, costumes das classes populares ou de nações pouco avançadas em evolução...É o exame das sobrevivências, que remontam às primeiras idades da humanidade...'. Acrescentava, a seguir, que estas tanto podem ser espirituais como materiais, ao incluir no estudo do Folclore o das artes populares." (pág. 15-16) Segundo Rossini Tavares de Lima, uma concepção de Folclore dirigida sobretudo à questão de sobrevivências deveria ser superada, acentuando-se o aspecto da espontaneidade: seria a do estudo da cultura espontânea, da gente dos campos e das cidades. Entretanto, tudo indica que um estudo mais pormenorizado e sobretudo contextualizado das obras de Paul Sébillot poderia trazer uma visão mais diferenciada de sua obra e de seus conceitos. Se, nos seus aportes teóricos parte sobretudo do conceito da Literatura oral, obras como Le folk-lore de France demonstram que, no seu procedimento, partia de conceitos relacionados com o mundo natural, com os elementos e sua interpretação na cultura. Hoje, nos esforços de atualização teórica e metodológica dos estudos culturais, a obra de Sébillot, um dos principais responsáveis pela institucionalização do termo Folklore na França (A. von Gennep, op.cit. 19), surge como de singular ambivalência. O novo interesse por questões de uma arqueologia do saber permite que se releia a sua obra com particular proveito. Uma justa revalorização da obra monumental de Sébillot, ainda que crítica, parece tornar-se necessária.
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).