Doc. N° 2357
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
114 - 2008/4
Eleanor Florence Dewey (1912-2008) Mère Marie du Rédempteur C.S.A. in memoriam
A.A.Bispo
Eleanor Florence Dewey (Londres, 8 de outubro de 1912 - São Paulo, 28 de abril de 2008). Foto A.A.Bispo 1999 Formação em Londres e conversão
Eleanor Florence Dewey nasceu em Londres, no dia 8 de outubro de 1912. Era filha de William Dewey e de Aida Anima Bass. Do pai, pouco guardaria na memória. Faleceu cedo, ao redor de 1923. Gravado ficou que contava fatos de sua participação na Primeira Guerra Mundial, onde lutara na fronte e vivenciara situações dramáticas, entre êles o bombardeio de um Zeppelin. Quase nada sabia a respeito da família do lado paterno. Da mãe, porém, sempre conservou muitas lembranças. Era violinista, de família de músicos, atuando em concertos. Também a tia era violoncelista. Com a sua prima, que possuía boa voz e era pianista, recebeu a sua iniciação musical, ao piano, muito cedo, com apenas quatro anos. Chegou também a conhecer a sua avó. As suas recordações mais antigas datavam do fim da Primeira Guerra, quando tomava o trem diariamente da sua casa na rua Central Park à escola. A sua infância foi, assim, marcada pela ausência do pai e pela formação recebida exclusivamente em meio materno, acentuadamente musical. A grande experiência da primeira juventude - e da vida - de Eleanor Dewey foi o contacto com o Catolicismo e a sua conversão. Com o falecimento do pai, a mãe inscreveu-a como interna no Convent of Jesus and Mary (Crownhill Road N.W. 10). As religiosas dessa congregação gozavam de renome pela disciplina e pelo desvelo para com as alunas. Foi o início de uma fase que ficou marcada na memória como sendo muito feliz e protegida, além de ter desvendado um novo mundo religioso. De 1923 a 1929, ali realizou o seu curso secundário. Em 1928/1929 deu também ali aulas de piano a principiantes. Durante os anos do Internato sentiu que a sua religiosidade se intensivava. Recebeu o batismo católico na igreja paroquial. Num primeiro momento, a sua mãe, de família anglicana, não quis aceitar a sua conversão. Alegava que, com os seus 14 ou 15 anos ainda não possuía maturidade suficiente para tal decisão. Quando, porém, estava para fazer o seu lower School Certificate, pediu mais uma vez permissão para converter-se ao Catolicismo, o que, na verdade, já tinha feito. Não havendo mais motivo para recusá-lo, a mãe acedeu, e esse foi o início de uma vida que a levaria à separação definitiva do mundo familiar.
Estudos nos Países Baixos e na França
Ao terminar o curso secundário, foi indagada pela superiora do Convento se gostaria de passar um ou dois anos em pensionato católico nos Países Baixos, em Vught, uma pequena localidade próxima de 's-Hertogenbosch, principal cidade da província de Brabante do Norte. Para sustentar-se, poderia trabalhar como au-pair junto a famílias locais. Foi com alegria que aceitou essa proposta, por ser essa uma possibilidade de afastar-se do mundo familiar. Assim, de 1929 a 1931, fêz o curso colegial no Instituto Regina Caeli, em Vught. No Pensionato adjunto à instituição deu aulas de inglês. Nesse ambiente, já não mais na diáspora inglêsa, viveu em atmosfera profundamente marcada pela restauração católica. A cidade der Hetogenbosch possuía, na sua catedral de São João, um centro de romaria de projeção, sendo considerada como o edifício sacral mais importante dos Países Baixos. Dos Países Baixos foi enviada à França para estudar francês. Em Nancy, permaneceu dois anos na Alliance Française. Por pouco tempo de novo nos Países Baixos conheceu pela primeira vez a vida da Congregação das Cônegas de Santo Agostinho. Após uma estadia de ca. de dois anos em Paris, como governante, voltou a Londres. Com a proficiência adquirida no idioma francês, atuou como professora no Convent of Jesus and Mary, a escola onde estudara. A sua principal companheira foi aqui a sua prima, Marjorie, com quem se iniciara na música, e da qual recebeu aulas de canto. Ambas freqüentavam a vida de concertos da capital britânica e cantavam juntas num coral. Ao completar os seus 21 anos, no próprio dia do aniversário, entrou no Convento das Cônegas de Santo Agostinho do Monastère de Jupille, Bélgica. De 1933 até 1940, data da invasão alemã, alí atuaria sobretudo como professora de inglês. No dia 6 de janeiro de 1936, fez os seus primeiros votos; no dia 19 de março de 1939, prestou os seus votos perpétuos. Também dedicava-se à música, preparando concertos para a comunidade, juntamente com uma organista de sobrenome Folville, diretora de um coral de música sacra que se apresentava com obras polifônicas por ocasião de celebrações solenes. Ali iniciou o estudo e a prática do Canto Gregoriano.
Experiências da Segunda Guerra
A Guerra modificou profundamente a vida comunitária em Jupille. Numa Quinta-Feira antes de Pentecostes, as religiosas foram evacuadas por um fabricante de cerveja, Pier Boeuf, que as levou - as mais jovens e as inglesas - com o seu caminhão até Florene, onde jesuítas mantinham um noviciado. Ali permaneceram apenas alguns dias. As suas atividades eram sobretudo as de ajudar à camuflagem e ao escurecimento do edifício, cortando jornais para colá-los nos vidros das janelas. Nas Matinas de Pentecostes, sob pesado bombardeio, deu-se o êxodo, uma vez que o edifício passava a ser usado por oficiais francêses. No dia anterior, à noite, a superiora havia perguntado quem desejaria partir. Como nenhuma das religiosas se manifestou, indicou as mais jovens. A viagem do exílio passou por Laon. Alcançaram Paris às três horas da manhã. Na Abbaey-aux-bois descansaram. Com a invasão da linha Maginot, deixaram rapidamente esse local para tomar o trem em direção a Dijon. As religiosas dessa cidade possuíam um velho castelo onde abrigavam as internas. Ali viveram duas ou três semanas. Por toda a vida nunca se esqueceria do traje que usavam, algo ridículo, com as faces cobertas com um fino véu. De Dijon, tomaram o trem para Toulouse. Foram recebidas ali pelos dominicanos. Ao mesmo tempo, ali chegava um outro grupo, de religiosos masculinos que também vinham fugindo. As noviças foram enviadas para a propriedade denominada La Grace de Dieu, os religiosos para outra da escola comunitária. Guardou na memória as condições pobres das instalações, a falta de camas, os insetos. Juntamente com outras duas irmãs, precisava ir regularmente pedir esmolas nas redondezas. Recolhiam, às vezes, legumes nos campos, e a única proteção contra o sol eram toalhas que colocavam sobre a cabeça. Aos poucos, conseguiram trabalho: o de costurar botões em calças de soldados. De Toulouse, duas foram para Portugal para procurar uma casa para as fugitivas.
Anos em Portugal: Fascínio pelos manuscritos de Palmela
A viagem da França a Portugal, de trem, passou pelos Pirineus, e já na fronteira experimentaram uma cordialidade até então desconhecida. Recebidas por um batalhão, cantaram numa missa celebrada com os soldados. O comandante do batalhão as convidou a jantar, enquanto os papéis eram examinados. A continuação da viagem levou-as a Madrid, onde foram recebidas pelo embaixador da Itália, no Colégio Assunção. Nunca se esqueceria da alegria que se apoderou do grupo ao ver uma mesa bem posta e em saber que todos poderiam tomar um banho. Em Saragossa, tiveram uma das maiores impressões religiosas da viagem: a visita da Basílica do Pilar, a maior igreja barroca da Espanha, à frente da catedral de la Seo. Em Elvas, porém, as autoridades de fronteira não permitiram a entrada de algumas das religiosas, nomeadamente a das inglesas. Estas foram obrigadas a retornar, podendo atravessar a fronteira para Portugal apenas após alguns dias. Em Portugal, foram acolhidas pela Escola das Cônegas de Santo Agostinho, na Quinta Palmela. A Quinta possuía uma das maiores bibliotecas particulares de Portugal, instalada em oito salas. Em inúmeras gavetas eram conservados manuscritos que despertaram o seu fascínio e fundamentaram o seu posterior empenho em estudá-los. Para ganhar vida, dava aulas de inglês, literatura inglêsa, história e matemática. Na época, havia dois cursos, um para portugueses e outro para franco-belgas, de modo que não perdessem tempo de estudos devido à Guerra. As aulas eram em francês, mesmo para os portugueses. Foi Eleanor Dewey que receberia, em 1945, os inspetores do Estado para a fiscalização da Escola. O período português, de 1940 a 1945, ficaria marcado positivamente na sua memória. Foi uma das fases felizes de sua vida. Nessa época, foi mestra de coro da Escola das Cônegas de Santo Agostinho em Lumiar, Lisboa, aprofundando a experiência que já trazia de Jupille.
Viagem ao Brasil e adaptação em São Paulo
Retornando a Jupille, ali permaneceu apenas um ano (1945/46). A superiora da Congregação já havia perguntado, em 1941, se gostaria de transferir-se para o Brasil. Entretanto, com receio de não estar à altura, teria recusado, dizendo não valer o preço da passagem. Assim, duas outras religiosas haviam sido nomeadas, sendo porém impedidas de viajar por ter sido negada permissão de entrada pelo govêrno de Getúlio Vargas. A superiora pretendia, então, enviá-la para a Grã-Bretanha. Como, porém, não havia ainda vôo disponível, pelo término da Guerra, e chegando pedidos de ajuda do Brasil, ela e outras religiosas foram enviadas, em 1946, para São Paulo. A viagem, em vôo da Air France, durou 36 horas, com escalas em Casablanca e Recife. Da Ilha do Governador, um barco a motor levaram-nas até o centro do Rio, onde pernoitaram em convento franciscano no bairro da Glória. Em São Paulo, ao chegarem ao Colégio das Cônegas de Santo Agostinho, Des Oiseaux, foram acolhidas festivamente. Todas as meninas do Colégio se encontravam no jardim e, nas escadarias, os membros da comunidade haviam-se reunido para recebê-las. Ao chegarem, foram recebidas calorosamente com aplausos. Já no dia seguinte, porém, teve início o trabalho, constante de correções de exames escritos e de argüições orais. Lembra-se que somente então teve consciência de ter abandonado o mundo conhecido, sentindo o ambiente totalmente diverso. Foi a primeira vez que chorou e sentiu-se desamparada e só, apesar da cordialidade de todos. O que mais estranhou foram decisões imprevistas e pouco preparadas. Assim, por ordem de órgão ministerial responsável, as alunas de primeira e segunda séries foram obrigadas, de repente, a demonstrar conhecimento de desenho de formas geométricas. Não havendo professora para esse ensino, assumiu-o, dando início a uma atividade que marcaria a sua vida profissional. Assim, ao lado do ensino do francês, passou a dar aulas de desenho geométrico. No ano letivo de 1947, assumiu também classes de inglês e de trabalhos manuais, tendo sido nomeada mestre de disciplina. Uma de suas companheiras que mais a auxiliaram na adaptação foi Soeur Rosa de Lima, religiosa que era responsável pelas médias de avaliação. Esse vínculo entre desenho, na precisão do desenho geométrico, trabalhos manuais e disciplina pode ser visto como significativo para o seu interesse posterior pela paleografia. Trazia uma certa preparação para isso, pois no Monastère de Jupille tinha atuado como professora de trabalhos de tipografia, de 1933 a 1940, e de 1945 a 1946. Para melhor se qualificar para o ensino a que se dedicava, realizou, en 1952, um curso de pintura e desenho na Casa Pia de São Paulo. Foi professora de desenho no Colégio das Cônegas de Santo Agostinho de 1947 a 1957, no Colégio Stella Maris de Santos, em 1958, e novamente no Colégio das Cônegas de Santo Agostinho, de 1952 a 1966. Uma interrupção foi dada com a sua estadia em Cambridge, em 1966/1967, onde residiu no Lady Margareth House.
Atividades musicais
Já em 1947 formou um coral de meninas para as missas solenes. Também formou um coral composto por crianças e adultos para as missas de Natal, uma prática que se manteve até 1966. Em 1958, preparou a missa solene de Requiem pelo Papa Pio XII, com as religiosas de São Paulo, um trabalho realizado em apenas quatro dias. Durante a sua estadia no Colégio Stella Maris, de Santos, realizou semanalmente uma missa cantada. Particularmente relevantes foram as celebrações de uma Missa de Santo Agostinho cantada por um grupo de jovens pobres e semi-analfabetos de Santos, e da Missa de Todos os Santos, cantada pelas religiosas da cidade, na Capela do Colégio São José. Mais tarde (1981), escreveria, salientando o papel que Tatiana Braunwieser desempenhara na sua formação vocal e na sua atuação musical: (...) of those to whom I am profoundly indebted is Tatiana Braunwieser, who taught me singing for five years. She became our organist in 1951 and remained at my side until 1967 guiding me at the rehearsals of the polyphonic choir and always cheching any vocal faults I may have made during a sung mass.
Estudos do Canto Gregoriano
De 1957 a 1962, participou das sessões anuais da Escola Pio X do Rio de Janeiro, realizadas em janeiro e julho de cada ano. No decorrer dos outros meses, os cursos eram realizados por correspondência. Obteve, no término do curso, o certificado de Canto Gregoriano e de Regência desse instituto, filial do Institut Grégorien de Paris. A sua formação deu-se segundo o método de Solesmes. Tornar-se-ia nos anos seguintes uma das mais ativas divulgadoras desse método e de sua fundamentação teórico-rítmica. A partir de 1959, dedicou-se a organizar apresenções gregorianas e ministrar cursos intensivos em São Paulo e Rio de Janeiro. Em 1962, fundou, em São Paulo, a Escola Regional Pio X, também filial do Institut Grégorien de Paris. Em 1964, deu-se a formatura da primeira turma de alunos da Escola. Com êles, realizou sete missas cantadas. Gravou, nesse ano, sobre um tema do Natal e da Epifania, um disco de título Adorate Deum. No ano seguinte, apresentou-se na televisão com os seus cantores e realizou três missas solenes cantadas.
Nesse ano, o grande evento do movimento gregoriano em São Paulo foi o da realização das Semanas Gregorianas, onde Eleanor Dewey desempenhou importante papel ao lado daqueles que a acompanhariam nos próximos anos. Foi responsável pelo 3° ano de Gregoriano, ao lado de outros gregorianistas tais como a beneditina Madre Pelágia, o Pe. João Batista e o Pe. Nereu de Castro Teixeira. Professora de Método Ward era Nicole Jeandot, que fizera todo o curso em Paris e fazia parte, no Brasil, de uma Comunidade Ursulina Russa. O Secretariado da semana estava a cargo de Mlle. Jeanne Coutela, Tesoureira do Instituto Pio X do Rio de Janeiro. A Revista Gregoriana (Ano XI/62-63, Março-Junho 1964, págs. 81-84) ofereceu uma detalhada crônica do evento: "Naquela casa grande, naquele Colégio amigo, o mesmo de sempre, começamos a nos encontrar desde a tarde do dia 18. Professores, os primeiros a chegar, a fim de tomar posse do ambiente já tão conhecido. tudo calmo. Nem parecia que no dia seguinte estariam sustentando um grupo tão grande, com tantas horas de aulas. (...) No casarão não faltava mais nada. Quartos de hóspedes, dormitórios, sala de refeição, salas de aula bem adequadas. Maiores, menores, bem espaçosas, giz de cor, quadros, e mais tanta coisa que só se pensa quando se faz com muita amizade. Duas Irmãs hospedeiras, jovens, alunas dos cursos, serviam de ponto de ligação entre o Colegio e a Direção da Semana. Uma para Canto Gregoriano, outra para Método Ward. Porque foi a primeira experiência feliz de se fazer simultâneamente as duas Semanas - Canto Gregoriano e Método Ward - que até então se davam em datas diferentes. E foi assim que se chegou a ter, durante os dez dias, os quatro anos de Canto Gregoriano, o 1° do Método Ward e um 3° do Método Ward que começara anos atrás. Com uma pedagogia muito segura e moderna o Método Ward forma os professores que levarão aos alunos do curso primário ou mesmo do curso ginasial, uma autêntica formação musical. Na tarde de domingo, a aula inaugural de D. João Evangelista Enout reuniu professores e alunos na maior sala (...)."
Viagens pela Europa
Em 1966/67, realizou extensas viagens pela Europa, visitando a Inglaterra, França, Bélgica, Países Baixos, Suíça, Luxemburgo, Alemanha e Itália. Particular menção merece a sua estadia em Saint-Pierre de Solesmes, grande centro do estudo e da prática do Canto Gregoriano. O seu objetivo era inicialmente de vivenciar in loco a atmosfera e o cultivo do Canto Gregoriano segundo o método que aprendera. Foi ali que, ao lado de outros grandes especialistas, teve pela primeira vez contacto com D. Eugène Cardine O.S.B. (1905-1988). Realizou, em Roma, um curso particular com esse especialista, de três meses, sobre manuscritos gregorianos, com três horas-aulas diárias, num total de 270 horas-aula. Esse curso e o contacto humano com D. Cardine representariam uma verdadeira transformação na sua visão teórica do Gregoriano e marcariam o resto de sua vida.
Atividades no Brasil
Com os novos conhecimentos que trazia da Europa, passou a desenvolver intensa atividade docente e prática no Brasil. De grande significado nessa época foi o fato de ser convidada por Roberto Schnorrenberg para participar como professora dos Cursos Internacionais do Paraná e Festivais de Música de Curitiba, o que se repetiria em muitos anos (IV: 1968; V: 1969; VI: 1970; VIII: 1975; IX: 1977). Durante esses eventos, aprofundou antigas amizades e desenvolveu outras que perdurariam por décadas, entre elas com Roberto e Tereza Saraiva Schnorrenberg, Osvaldo Lacerda, Renata Braunwieser, Isolda Bassi-Bruch, Neide Carvalho, José Penalva, Samuel Kerr e Marisa Fonterrada. No âmbito do Canto Gregoriano, atuou juntamente com D. João Evangelista Enout O.S.B., Pe. Nereu de Castro Teixeira e Pe. Victor da Silva, entre outros. Ao mesmo tempo, os Festivais deram ensejo a que entrasse em contacto com músicos europeus e norte-americanos, que com êles trocasse idéias e que descortinasse a relevância musicológica dos estudos que desenvolvera. Aos jovens participantes do Congresso, Eleanor Dewey impressionava pela sua erudição e, ao mesmo tempo, pela sua surpreendente abertura a experimentações estéticas. Assim, no âmbito de trabalhos desenvolvidos com o compositor português Jorge Peixinho, auxiliou na gravação de vozes da Natureza para a realização de um Aleluia ecológico, com base gregoriana, que marcaria o início do que viria a ser futuramente o Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa.
Em 1968, em São Paulo, passou a dirigir encontros de um grupo de estudantes e pesquisadores pertencentes ao Centro de Estudos em Musicologia da Sociedade Nova Difusão. Os encontros, dominicais, eram realizados no seu estúdio situado no parque do Des Oiseaux, então já abandonado e em vias de ser demolido. Em vários ciclos de estudos foram realizados os programas de formação gregoriana para, posteriormente, passar-se ao estudo da paleografia (segundo D. Mocquereau) e da teoria modal (segundo H. Potiron). Algumas das principais obras da literatura gregoriana foram discutidas. Nos primeiros ciclos, os trabalhos deram-se rigorosamente segundo o método de Solesmes. Por fim, porém, passou-se à discussão desse método a partir da perspectiva da Semiologia em desenvolvimento por D. E. Cardine. O grupo foi, assim, o primeiro no Brasil que se dedicou aos novos aportes teóricos, sob a direção de Eleanor Dewey. O objetivo do grupo, porém, inseria-se não no movimento gregoriano da Escola Pio X, mas sim no escopo do movimento Nova Difusão. Procurava combinar o estudo do Gregoriano com os estudos de processos culturais sob novas perspectivas teóricas, sobretudo da sociologia e da comunicação. Foi pioneiro nesse sentido de dar-se ao Gregoriano uma perspectiva teórico-cultural. A atmosfera concentrada - e idílica - desses encontros interdisciplinares e ecumênicos no parque abandonado do Des Oiseaux marcou profundamente a formação e a vida dos membros do grupo, muitos deles tendo ali recebido a sua primeira formação de cunho musicológico. Dentre os participantes, citam-se Roberto Dante Cavalheiro Filho, Antonio Alexandre Bispo, Marie-Claire Hermann e Hanna Weissenberg. Ponto alto das atividades foi a realização de missa solene na Igreja Nossa Senhora do Líbano, no âmbito do Festival de Outono da Sociedade Nova Difusão e Departamento de Cultura da Prefeitura Municipal de São Paulo.
Em 1968/69, Eleanor Dewey deu aulas de Canto Gregoriano e técnica vocal no Mozarteum de São Paulo, além de cursos de formação gregoriana para comunidades religiosas masculinas e femininas. Em 1969, chegou a realizar uma missa de Natal cantada pelos alunos do Mozarteum na capela do Colégio das Cônegas de Santo Agostinho. Nesse ano e no seguinte deu aulas no Mosteiro de São Bento de São Paulo. Em 1970, assumiu a direção artística da gravação do Oitavo Congresso Eucarístico Nacional, uma produção onde atuaram, entre outros, D. João Evangelista Enout, Osvaldo Lacerda e Antonio Alexandre Bispo.
O ano de 1971 foi sobretudo dedicado a seus estudos no âmbito do Curso de Teologia da Vida Religiosa promovido pela Faculdade de Filosofia Nossa Senhora Medianeira, além de outros cursos na Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras Sedes Sapientiae. Em 1972, deu início a um trabalho pedagógico-musical junto a crianças nipônicas ou nipo-brasileiras sob a direção de Tereu Yoshido. De particular significado foram as três séries de cursos que ministrou no Departamento de Música da Universidade de São Paulo e em seminário promovido pelo Centro de Expansão Coral da Juventude Musical. Nesse âmbito, participou de um encontro de regentes na Escola Pró-Arte a convite de Klauss-Dieter Wolf.
Nova viagem de estudos à Europa e missa com 400 vozes
Em 1973, realizou novas viagens de estudos pela Europa. Visitou, entre outros, centros na Espanha, em Portugal, na Grã-Bretanha (Escócia), Suíça, Itália, Alemanha, França e Bélgica. Ponto alto de seus estudos deu-se novamente em Solesmes. Em Lyon, participou da série Stages Théologiques. No Brasil, a principal realização foi a de ter assumido a direção, como convidada, da missa gregoriana com mais de 400 estudantes da Faculdade de Música e Educação Artística do Instituto Musical de São Paulo, celebrada no dia 17 de junho. Os estudantes, que haviam sido preparados em cursos de Estruturação Musical e História da Música dirigidos por A.A.Bispo, apresentaram-se na Igreja de Santa Ifigênia. Foi a primeira realização nessas proporções depois de décadas do já não mais existente movimento gregoriano. Praticamente toda a nave da igreja foi tomada pelos cantores. A celebração ficou a cargo do Pe. José Geraldo de Souza.
Reforma da congregação e crise
Já desde fins da década de 60, no contexto dos intuitos renovadores do Concílio Vaticano II e de tendências em meios religiosos do Brasil, profundas modificações ocorreram na vida das Cônegas de Santo Agostinho. O Colégio Des Oiseaux, criticado por alguns como por demais elitista, foi fechado, e o edifício, após vários anos, demolido, apesar de ser um prédio de valor patrimonial relevante para São Paulo. Apenas o estúdio de Eleanor Dewey permaneceu ainda por alguns anos por meio às árvores do triste terreno vazio, transformado logo em estacionamento. O abandono gradativo do hábito não foi fácil para Eleanor Dewey. O ambiente internacional dos Festivais de Curitiba contribuiu para que se readaptasse à vida segundo moldes laicos; apenas no início da década de 70 já se tinha acostumado a não mais usar pelo menos um véu. No decorrer desses anos, com a supressão da vida comunitária, passou a viver só, em moradia própria, à frente do terreno vazio do antigo Des Oiseaux, edifício onde passara tantos anos de sua vida. Essas foram as circunstâncias que a levaram a uma profunda crise pessoal e que contribuiriam à sua decisão de retornar à Europa.
Somente uma intensa atividade musical e de ensino podia fazê-la esquecer do isolamento e do vazio de sua vida. Assim, no dia 20 de fevereiro de 1975, Eleanor Dewey escrevia: "Mudei, pode adivinhar o que foi no meio do semestre e das conferências na USP. Terminando as aulas, arranjo de apartamento, Natal, Ano Bom, confesso que estava sentida sabendo que (...) tinham sido convidados para o Festival de Curitiba e eu não. Paciência (...) estava pensando entrar em boas férias bem merecidas quando, no dia 7 de janeiro, às 22.30 horas, Samuel me telefona de Curitiba, e Marisa Fonterrada, me convidando com urgência para embarcar de avião no dia seguinte. Claro, fui (...). Roberto Schnorrenberg realizou-se na Missa Solemnis de Beethoven. Foi mesmo uma apoteóse. (...) Marc Wilkinson de Londres, extremamente interessante; tive de fazer tradução instantânea !!! (pode rir!!!)." Já nessa época, a sua principal atenção passou a ser a continuidade do trabalho de D. Eugène Cardine e de sua difusão no Brasil. Procura encontrar meios para contribuir à institucionalização do movimento semiológico na Europa e possibilitar que o autor destas linhas pudesse integrar-se de tal forma nesse movimento a poder vir substituí-la no seu apostolado no Brasil. No Pontificio Istituto di Musica Sacra, temia que os esforços de D. Cardine não tivessem continuidade após a sua retirada por idade, então próxima. Para isso, os seus companheiros fundaram uma associação, para a qual imediatamente entrou: "Formaram uma Associazione romana di Canto Gregoriano para continuar a obra dele. A associação será legalizada e o dinheiro foi emprestado (150.000 liras), portanto estão pedindo 5000 liras per capita afim de cobrir as despesas. Vou dar um geito para mandar o dinheiro. (...)." (carta citada) Em carta de 14 de setembro, anunciava a sua ida a Roma: "Agora uma surprêsa para Você. Vou para Roma em novembro para estudar a semiologia. (...) não há brasileiro que tenha feito esses estudos (...). Indo para Roma, penso descer em Zurique e passar uns dias em Weingarten com uma de nossas religiosas (Irmengarde Santer). (...) Como D. Cardine passa as férias em Solesmes, espero passar aquelas semanas com uma amiga minha que fêz sua tese com 10 e summa cum laude. Ela está na França, perto de Dijon, numa aldeia onde tem uma igreja romana linda, Tournus."
Em São Paulo, porém, dava continuidade na medida do possível a seu trabalho gregoriano, procurando formar um grupo de cantores com conhecimentos e solidários ao movimento semiológico. Muitos deles tornaram-se grandes amigos, apoiando-a em situações difíceis. O desenvolvimento do grupo era relatado em minuciosas cartas à Europa:
"A turma de Gregoriano ia bem (...) Cantamos a missa de São Pedro e S. Paulo, duas vezes, na igreja de São Gabriel, no dia 28 de junho, e na de São Luís, no dia 29. Luis Roberto Borges nos ofereceu de participar no III Festival de Música Sacra. A turma aceitou, mas falhou, e fui obrigada a retomar a Missa de S. Pedro e S. Paulo. A última repetição (...) foi horrível. Porém no dia mesmo e...na igreja de São Domingos, eles cantaram muito bem, fazendo repercussões na tristropha, etc. etc. Regi também os japonezinhos no São Luís. Agora, cada um da turma tem de apresentar uma ou duas peças por semana, a serem executadas só, e vou gravá-las afim de estudá-las, e levá-las para Cardine dar uma apreciação. Provavelmente vou dar aulas nas Marcelinas em 1976. Não estou mais na USP, pois a ECA fêz greve e perdeu-se o semestre!" (carta citada) Acontecimento principal do ano de 1975 foi, assim, o curso que Eleanor Dewey desenvolveu em Semiologia Gregoriana, em Roma. A escola de Semiologia, anexa ao Pontificio Istituto di Musica Sacra, recém-aprovada por Paulo VI, sob a direção de D. Eugène Cardine, havia sido recentemente aberta. Eleanor Dewey foi a primeira e a única aluna nesse ano de abertura e da escola em geral, uma vez que esta logo encerrou as suas atividades. Nesse e no próximo ano, teve acima de 540 horas-aula com Cardine, tornando-se a sua discípula por excelência.
Encontro em Colonia
Em janeiro de 1976, Eleanor Dewey passou por Colonia para uma troca de idéias com o autor dessas linhas e para tratar dos diferentes projetos relacionados com a revitalização do antigo ideal da Academia Brasil-Europa e da fundação de um instituto para o mundo de língua portuguesa. Chegou no dia 11 de fevereiro, à noite, saindo de Nice, com escala em Frankfurt. Permaneceu dois dias. Após enviar telegrama do Vaticano, escreveu, no dia 29 de janeiro: "De fato temos muito que conversar - aqui, no PIMS você é muito conhecido!!! falamos e estamos tentando planejar cursos intensivos. Tivemos três dias de reuniões a semana passada. O tempo está lindo, frio, mas lindo. Há uma luminosidade única em Roma, Oh cidade bela! ... D. Cardine é formidável, mas exigentíssimo! O que coisa! mas dou risada, é o único geito! mas também êle é gozadíssimo!" Um plano para a realização de mais um encontro em Colonia nos próximos meses não pode ser realizado. Em carta enviada da Inglaterra, a 15 de abril, dizia: "(...) não recebo notícias da Itália me dizendo quando podem me receber de volta. Faço o possível para não me preocupar, mas o meu caráter não me dá sossego! Além de tudo quero tanto estar de volta a Roma afim de estar com D. Eugène e aproveitar o máximo do pouco tempo que fica, pois as aulas lá terminam muito cedo." De Roma, no dia 16 de junho, Eleanor Dewey comunicava interlóquios com F. Haberl, Preside do P.I.M.S. relativos aos projetos euro-brasileiros e a realização de uma assembléia da associação recém-fundada: "Ontem houve a reunião da Associação Internacional de Estudos Gregorianos (...) Acontece que os três alemães semiólogos, um defendeu sua tese monumental segunda à noite e fomos em dez (cinco beneditinos, um padre canadense amigo de Cardine, o presidente da A.I.S.C.G., uma senhora que tinha passado três anos em São Paulo e falava correntemente a língua, Marie Claire e eu), à casa de Michiko, a presidente (...) Tudo isto para lhe dizer que falei com Padre Godehard Joppich. (...) A minha estadia está terminando. No fim do mês vou-me embora daqui, onde está fazendo um calor fortíssimo, 27°-28°. Acho que passo por Torino e de lá vou para Solesmes. Preciso parar para rezar Bispo, faz muito tempo que não o faço, e Cardine me convidou, então lá vou eu; vou (...) ter umas aulas ainda com êle, e umas conversas sérias também. Dia 20 de julho vou para Epinal onde se fará o grande encontro da Congregação, umas 450 mais ou menos. Espero passar com Irmengarde uns dias em Weingarten e conforme for o dia dos aviões, 31 ou dia 1 de agosto embarco para a terra de Santa Cruz!!!" Esse ano de 1976 foi, assim, marcado pelo alcance único do diploma de Licenciatura em Semiologia conferido pelo Pontificio Istituto di Musica Sacra, o ponto alto da carreira acadêmica de Eleanor Dewey. Em São Paulo, deu início a um coral gregoriano a ser formado segundo os preceitos mais atuais da pesquisa semiológica e que seria posteriormente o núcleo do Coral São Pio X. Com esse grupo, participou do III Festival de Música Sacra de São Paulo, com a execução de duas missas e uma apresentação em programa de televisão.
Inserção na polêmica interpretativa internacional
Já nos encontros de Colonia foi tratado, com Eleanor Dewey, o problema da polêmica constatada em meios relacionados com a música sacra referente à interpretação do Canto Gregoriano. Membros da Consociatio Internationalis Musicae Sacrae, sobretudo sob a égide do Mons. Johannes Overath, e alguns outros círculos alemães combatiam a renovação interpretativa do Gregoriano com base na pesquisa semiológica. Eram da opinião que essa preocupação pela notação valorizava por demais a grafia, dedicando-se a detalhes sem maior significação, um labor de "tirar leite de camundongos" que poderia desviar a atenção da função do Gregoriano como oração cantada. Segundo esses argumentos, toda a atenção deveria ser dirigida à propagação ampla do Canto Gregoriano, ao impedimento que desaparecesse da prática litúrgica com as reformas mal-entendidas dos preceitos do Concílio, e para isso seria necessário fomentar um tipo de interpretação que possibilitasse a participação de grandes comunidades. Um outro aspecto seria a da generalização de uma prática baseada na interpretação de sinais, cuja cientificidade como método colocavam em questão e, sobretudo, viam como não adequada às diferentes tradições e culturais do mundo. Havia, naturalmente, questões culturais e político-eclesiais relacionadas com essa polêmica. Culturalmente, a prática de canto na Alemanha, ainda que sob a alegação que seguia o método de Solesmes, diferia, já pelo volume de voz empregado, totalmente de uma estética francesa de canto, mais suave, mais flexível e com menor volume. Os alemães ridicularizavam esse estilo francês como "sem sangue" e efeminado, enquanto que aqueles formados realmente segundo os preceitos franceses, entre êles Eleanor Dewey, criticavam os coros alemães como rudes e inflexíveis. Também negava que grupos, tais como a Schola Cantorum Colonienses, então fundada, seguisse realmente o método de Solesmes. Ao mesmo tempo,negava que o Método Ward, que então passava a ser valorizado na Alemanha através de uma dissertação de doutoramento em preparação, e já muito conhecido e divulgado no Brasil há décadas, pudesse ter realmente um interesse atual, sobretudo por basear-se em princípios rítmicos do antigo Método de Solesmes. Essa situação de tensão surpreendia sobretudo pelo tom polêmico e agressivo que reinava nos meios sacro-musicais alemães. Devido à inserção de brasileiros nesse debate, também teve repercussões no Brasil. Marcou os eventos que se seguiram e prejudicou muito um desenvolvimento construtivo das relações, levando posteriormente a crises. Como o autor dessas linhas encontrava-se atuante na Alemanha, estava em contacto com os meios alemães, críticos de Cardine e de seus discípulos. Pela sua formação, vínculo com Eleanor Dewey e interesse científico, porém, reconhecia o nível muito mais elevado de investigação dos semiólogos. Um dos problemas que via, porém, era de cunho teórico-cultural relativamente à aproximação semiológica em si, por questões fundamentais de grafias, imagens, interpretações e hermenêutica. Já de São Paulo, respondendo uma carta com comentários a respeito de um encontro e de uma missa solene em Maria Laach, Eleanor Dewey escrevia, a 21 de novembro: "Como foi a execução do Gregoriano? Que pensou do Gregoriano de Maria Laach?" Já aqui manifestava Eleanor Dewey a sua opinião negativa sobre a prática de execução do Gregoriano nos mosteiros alemães, em particular na Abadia de Maria Laach. Via como promissor o caminho semiológico de Godehard Joppich O.S.B., estudioso que era, por sua vez, freqüentemente criticado pelos oponentes da Semiologia.
Apostolado semiológico e saída do Brasil
Nesse contexto tenso, determinado no Brasil pela infeliz situação de solidão e ausência de vida comunitária que se encontrava, em época econômicamente difícil, e internacionalmente pela necessidade que via em apoiar o trabalho de D. Cardine, contribuindo para a sua continuidade, compreende-se a sua decisão de abandonar o Brasil, após quase 30 anos de residência no país.
Na mesma carta citada, comunicava a sua decisão de voltar à Europa: "Bispo, tenho de comunicar a Você uma decisão minha que tomei e que ninguém aqui, sobretudo na Congregação, sabe (...) Bispo, só fico mais um ano aqui no Brasil. Não há nada que me fará mudar de idéia. Rezei muito, e ponho a minha vida religiosa, minha consagração a Deus acima de tudo, laços de amizades, o gregoriano pelo qual sei que tenho um papel para preencher. (...) Conto com você para me substituir. Talvez você se espante perante minha decisão, pois é, não sou brasileira, e desde bastante tempo estou sendo podada no meu trabalho (...). Não pense, Bispo, que a decisão foi tomada sem muita reflexão e sobretudo muitíssima oração. (...) Mas morar só, nunca ter uma vida comunitária, não ter com quem partilhar nem meus sentimentos nem a oração, não pode continuar, não fui feita para a vida eremítica." Todos os esforços realizados no sentido de lembrar que também na Europa a situação não era fácil e que o meio sacro-musical era marcado por animosidades odiosas, foram em vão. Pelo contrário, Eleanor Dewey procurava unir o seu grupo de cantores do Brasil com os círculos renovadores dos semiólogos europeus. No dia 24 de abril de 1977, Eleanor Dewey escrevia: "(...) você me estima muito acima do que na realidade sou. Mas não posso deixar de agradecer-lhe também pela confiança em mim depositada, (...) Pois é, Bispo, desde 1969 a amizade foi crescendo entre nós, e a sua carta me prova isto. Não mudei a minha decisão. Pouco a pouco vou enfrentado no íntimo da alma, o desapêgo que deixar amigos vai exigir de mim. Fiquei feliz em saber que Você passou por Solesmes, apenas dois meses após ter eu estado lá! Pessoalmente achei o canto péssimo!!! Depois de Sto. Jerônimo em Roma, onde eles cantam tão bem com D. Cardine. Bispo, sabe, agora Cardine vai ficar em Roma... Mas a Escola fechou, meu certificado é único!!! (...) A turminha aqui vai indo bem. Vamos mandar umas gravações para Joppich para em seguida seguir para o Primeiro Simpósio de Semiologia em Cremona, do 25 ao 27 de maio. Claro que não posso ir; o dolar vai subindo vertiginosamente. A situação está se agravando dia a dia e não sabemos onde vamos." As cartas nas quais transmitia o desespêro de jovens músicos e estudantes no Brasil da época são muitas. Pedia informações sobre possibilidades de estudo na Europa, instituições de auxílio e cartas de recomendação. Assim, a 16 de julho, escrevia: "Qualquer coisa vai estourar, e estoura mesmo; correm as piades, mal sinal; o movimento estudantil é seríssimo, a inflação, nem se fala (Nescafé está a Cr$ 368.00 o Kilo), o café a mais de Cr$ 60.00 - na terra do café. (...) A minha turminha está trabalhando bem, mas também lá estou preocupada, pois não sei qual o certificado que vou poder fornecer, pois não estou afiliada a uma escola superior como inicialmente pensei que estaria, i.e. com as Marcelinas; não adianta nada, nem tentar, qualquer coisa com a USP. (...) creio que este semestre saia um curso de gregoriano (...) Mais uma experiência para constar no curriculum vitae meu, antes de voltar para a Inglaterra, pois lá tenho uma concorrente terrível, numa das nossas irmãs que é PhD em Cambridge, tese: Late Medieval Chant (...) uma daquelas inteligências esmagadoras. So faz um ano que descobriu o Cardine!" Em 22 de setembro, uma de suas últimas apresentações, dirigiu o Coral Pio X na Igreja do Gólgota, numa noite solene de cantos gregorianos.
Chegada à Inglaterra e primeiras decepções
No dia 17 de fevereiro de 1978, Eleanor Dewey escrevia contando as circunstâncias de sua despedida do Brasil e de sua chegada na Inglaterra. Já sentia a dúvida se havia tomado a decisão correta. Assim como em 1936, via a decisão do retorno como um ato da vida religiosa, quase que de apostolado gregoriano. Considerava porém ter sido muito mais difícil ter-se despedido do Brasil do que, nos anos trinta, da sua própria terra: "Nem vou tentar contar o que foram as últimas semanas em São Paulo. Simplesmente uma loucura! Consegui lugar num cargueiro; foi ótimo. Única inconveniência foi o atraso, do dia 15 de dezembo até o 17 ou 19, com hora marcada de embarque. Fomos para Santos no domingo, 18 (...) O navio só saiu de Santos um pouco antes da meia-noite do dia 23 (...) Six passageiros, ninguém de meu gosto... todos mais jovens e sem muita educação. O capitão não valia muito mais (...). chegamos em Dublin no sábado, dia 5, bem cedo. Saímos de Ferry para Liverpool, viagem comprida de 7 horas. Apesar das complicações aqui, provindo do fato que a minha carta do dia 20 de dezembro enviada de Santos com todas as explicações da chegada, não chegou, e o telegrama que mandei do navio pensando confirmar a carta, tudo isso criou uma confusão! (...) Passamos a noite perto de Flint (....) e domingo chegamos em Londres, dia 9. Primeira missa qui, o 42° aniversário de meus votos. Achei tão significativo, pois creio, Bispo, que o que deixei para melhor seguir o Senhor é muito, muito mais do que deixei em 1936. Você pergunta o que vou fazer - pois é, eu também - mas as superioras aqui estão sendo formidáveis, (...) estão me deixando viver, por enquanto. Mas vou me por em contato com os mosteiros beneditinos para ver se há possibilidade de penetração para renovar o gregoriano. (...) fim de abril vou a Liège, pode ser que dou um pulo até Colonia, a não ser se você pode ir até Liège, mas não volto para cá sem tê-lo visto. Não sei quando, exatamente, pois vou ajudar a preparar o centenário de Jupille, que era a casa-mãe nossa."
A sua esperança era a de atuar intensamente no movimento semiológico, em particular no âmbito da associação à qual pertencia. Assim, no dia 17 de agosto, escrevia de Londres:
"(...) vou a Cremona em junho próximo, pois o Congresso da Associazione Internazionale Studi di Canto Gregoriano (AISCG) passar-se-á nos dias 5,6,7,8 de junho. Cardine será la, Luigi Agustoni, minha grande amiga Marie-Claire Billecocq, Rupert Fischer O.S.B., J.B.Geschl O.S.B. e Nino Albarosa, o nosso secretário, um encanto de homem e professor da Universidade de Cremona; está para acabar um grande trabalho sobre os manuscritos de Nonatola (...). "
Entretanto, já nesse ano mostrava-se abertamente decepcionada com a sua vida na Inglaterra. Acostumada com a movimentação da vida musical de São Paulo, com as possibilidades que tinha para os seus empreendimentos, não conseguia adaptar-se a uma vida de retirada, onde era tratada como uma pessoa de idade, aposentada.
"(...) você pergunda de minha vida inglêsa? O que te dizer? (...) Na primeira semana de setembro vou fazer uma semana de retiro com meu amigo beneditino no norte de Londres, o que vai ser maravilhoso para mim, pois há 9 anos que não faço um retiro. (...) E como você pode imaginar, não está sendo fácil a adaptação; no plano cultural está sendo formidável, mas de um outro lado sinto que não tenho nada em comum com elas, tando do lado de Jupille quanto do do Brasil. É Deus que tem que me dar com superabundância a plenitude de Seu amor, que pode me ajudar a superar a transformação tão grande na minha vida. (...)."
Crise pessoal em Londres
No ano de 1979, as cartas de Eleanor Dewey demonstravam que a decepção com a sua vida na Inglaterra a deixava cair em profunda depressão. Para superá-la, procurava dedicar-se a pesquisas semiológicas e à vida cultural dos meios brasileiros da capital britânica. Assim, no dia 20 de março, escrevia de Londres. : "(...)a instabilidade na qual vivi durante meses por não poder desfazer malas e instalar-me foram, sobretudo, o último fato, a razão da depressão espiritual, pois as saudades quase matam a gente. (...) O contato regular com um sacerdote extraordinário me ajudou muitissimo (...). Depois chegou uma carta de Cardine me pedindo uma pesquisa do podatus no ataque silábico, em Laon. Fiz fichas, etc. etc. Agora vou recomeçar a estudar um pouco o canto, pois não canto mais, para poder fazer a gravação para o Congresso.(...) Heitor Alimonda esteve dando duas conferências na sociedade Anglo-Brasileira (...)." No dia 17 de outubro, respondendo à carta onde o autor dessas linhas lhe comunicava o doutoramento, voltava mais uma vez a acentuar a situação de quase desespêro em que se encontrava e de arrependimento por ter abandonado o Brasil: "Só posso dizer que estou vegetando; não lhe escondo, às vezes pensando seriamente se fiz bem em sair do Brasil, sobretudo ultimamente. Parcialmente, suponho, é culpa minha, mas preciso de muita coragem para escrever a pessoas desconhecidas paresentando-me a mim mesmo."
As suas últimas esperanças de sair da Inglaterra eram através de seus amigos semiólogos:
"Fui ao Colloque de Pont-à-Mousson organizado pelo Centre europeen d'Art Sacré. Éramos apenas 20 pessoas, Cardine, claro, Janneteau, que não conhecia pessoalmente, sábio, mas demais didático, Benoit Neiss e Etienne Stoffel. Benoit directeur de la Psallette Grég. de Strasbourg e Etienne du Centre d'Études Grègoriennes de Metz. Estão sem professor de gregoriano, me ofereci, nem que precise mudar para lá!!!"
Collectanea Musicae Sacrae Brasiliensis
Em 1979, teve-se a oportunidade de realizar um plano já antigo, o da publicação de uma coletânea de textos de estudiosos brasileiros sobre vários aspectos da cultura sacro-musical e das tradições religiosas do Brasil. O projeto constituiu o primeiro do seu gênero na Europa e seria publicado no Vaticano. No contexto da preparação do livro, procurou-se integrar Eleanor Dewey da forma mais intensa quanto possível na sua organização. Com a sua experiência de décadas, era a pessoa mais indicada para nela colaborar e, ao mesmo tempo, poderia oferecer-lhe um caminho para refletir sobre a sua própria obra de vida no Brasil e o seu passado. Convidada, imediatamente aceitou, embora salientando que já não possuía materiais suficientes, sendo obrigada a reconstruir o seu passado da memória. Na sua resposta, salientou mais uma vez que se encontrava perdida em Londres:
"Quanto ao trabalho que você me pede, claro que farei, tem muita urgência? Vou ter que me lembrar de muitas coisas, pois enterrei todo o meu passado, não aguento mais pensar nele, não voltará e aqui ninguém se interessa por ninguém. É impressionante como os inglêses estão insulados. Acham-se os tais, que gente chata. (...) Pertenço a um outro mundo, nem sei o qual, mas não o delas. Em Pont-à-Mousson foi tão bom falar uma linguagem comum, cada um ouvindo o outro, aceitando-o e os seus ideais."
Paralelamente, procurou-se integrá-la em outro projeto em andamento, o da realização do Congresso Internacional de Música Sacra em Bonn, no Centro das Ciências da então capital alemã. Ela teria, aqui, a oportunidade de rever companheiros seus do Brasil e participar de reuniões paralelas destinadas a discutir projetos referentes ao Brasil, independentes do Congresso, tais como o da criação de uma Sociedade de Musicologia e de um instituto de pesquisas da cultura musical para o mundo de língua portuguesa.
O seu receio era dos problemas que poderia ter de enfrentar participando de um evento da organização cujos membros tanto combatiam os semiólogos. Em 14 de fevereiro de 1980, escrevia, com muitas sugestões de nomes brasileiros que deveriam ser convidados para o trabalho em desenvolvimento:
"Bispo, será que você quer mesmo que participe do congresso? Será que minha presença vale a pena aqui na Europa? Além do mais, não sou membro da CIMS (...) Disse a minha superiora que tinha sido convidada, mas só pediria a licença de participar mediante a resposta de você." No dia 21 de março, deixava que perceber mais uma vez a sua amargura na Inglaterra:
"Muito obrigada pela confiança e a estima que você me dedica, já esqueci que uma vez sabia qualquer coisa, pois aqui permaneço uma ilustríssima desconhecida!!! Aceito de coração e com gratidão o seu convite (...) Agora estou tentando construir literalmente o artigo. Estou fazendo um fichário juntando o que lembro de meu trabalho, mas não está fácil, e realmente não sei como vou redigí-lo. (...)" Após várias cartas relativas ao artigo, escreveu, por fim, no dia 24 de julho: "(...) acho que não falta nada do que fiz, mas não tenho, ou melhor, simplesmente não me recordo do nome das igrejas onde cantamos há quase 20 anos, ainda mais dos programas, pois não guardei tais coisas. Virei as páginas de onze agendas que guardei, mas pouco achei que podia ajudar."
Deu a seu artigo o título "Three decades of work for the cause of Gregorian Chant in Brasil (1946-1977)" (A.A.Bispo et alii, Collectanea Musicae Sacrae Brasiliensis, Musices Aptatio 1981, Roma: Urbaniana 1981, 151-166). Terminou a história da sua vida salientando o entusiasmo que achava tão importante para o trabalho musical e para a própria vida, e do qual tanto sentia falta na Inglaterra: "I really am convinced that if musicians and especially church musicians had more knowledge of the splendid treasury of Gregorian Chant, its beauty and the great spirit of prayer with which it is inspired, they would be far more enthusiastic about it, and enthusiasm could well kindle a new flame from the still glowing ashes." (pág. 165) Congresso Internacional de Música Sacra, Bonn 1980. Eleanor Dewey entre representantes da Conferência Nacional dos Bispos de Angola e da Abadia de Solesmes Em Bonn, auxiliou na organização do Congresso, atuando no seu Secretariado, tomando parte nas suas sessões e em debates paralelos. Juntamente com outros brasileiros presentes, entre êles Prof. Dr. José Geraldo de Souza, Prof. Dr. José Penalva e Profa. Nicole Jeandot participou de reuniões e conferências destinadas a propor à assembléia que a organização pontifícia tomasse parte de um evento a ser desenvolvido no Brasil, em 1981, um projeto do autor destas linhas. Entretanto, a sua opinião relativa ao meio sacro-musical alemão não se modificou. Pelo contrário, ficou confirmada. Tendo conhecido o ambiente da CIMS e do instituto de Maria Laach, escreveu, a 13 de agosto: "Coitado de você devendo viver com o (...). Quando escrevi para D. Eugène contando do congresso, contei-lhe também de sua vida lá, etc., e êle me escreveu o seguinte: Ce que vous me dites de Bonn e de Maria Laach m'interesse beaucoup, mais ne me surprend nullement. (je me demande comment il peut rester là-bas sans y mourir)...Para que D. Eugène dissesse isto, Bispo, um monge tão santo, quer dizer que é ruim mesmo, e não é imaginação sua. (...) Pelo amor de Deus, não fique lá mais do que o estrito necessário, pois não vale a pena se auto-destruir." A preocupação era recíproca. Sabendo da situação de Eleanor Dewey na Grã-Bretanha, procurava-se uma possibilidade para trazê-la de volta ao Brasil: "Quanto aos planos que tenho para consigo não são planos, mas apenas o desejo de tentar descobrir alguma possibilidade onde a Sra. pudesse aplicar a sua enorme capacidade intelectual. Acho um absurdo que a Sra. esteja sendo desperdiçada aí em Londres. Há pouco sugerí a Sra. - desculpe-me a liberdade- para um Instituto a ser fundado provavelmente em Lisboa." (carta de 24 de agosto)
Nicole Jeandot, Eleanor Dewey e Dr. Harald Hülskath. Encontro em Colonia, 1980 Retorno ao Brasil e Simpósio Internacional em São Paulo
No dia 16 de fevereiro, Eleanor Dewey respondia positivamente a convite para que retornasse ao Brasil: "Sua carta foi uma surprêsa muito grande e inacreditavalmente inspirada pelo Espírito Santo que sopra onde quer e na hora certa. Pouco sabia que desde outubro minhas superioras maiores acharam que seria melhor voltar ao Brasil. Há oito dias estava em Paris, falando com a Madre Geral. (...) Cheguei, Quinta, à noite, sua carta chegou na Sexta de manhã, e telefonei a Paris (...) Você imagina o impacto que tive com sua carta? (...) Vou sim, sem dúvida. Mas tenho compromissos que me impedem de partir em março; tenho o coralzinho de Gregoriano que tem uma missa no dia 19 de março. Devo providenciar alguém para me substituir nesta responsabilidade. Depois, tenho uma sessão na França. Saio dia 20, e depois do dia 23, queria seguir para Ravensburg, pois Ir. Irmengarde estima o Brasil e quer conversar comigo. (...) Pois é, a situação está seríssima no Brasil, mas Bispo, aqui é uma das piores na Europa."
A sua despedida da Grã-Bretanha deu-se com uma missa solene na igreja Oratory, cantada pelo London Gregorian Choir, no dia 19 de março. A despedida da França deu-se com um Ofício e Missa solene cantada na igreja de Longyon, no dia 22 de março. Voltando ao Brasil no dia 30 de março, as suas principais atividades foram logo dedicadas aos preparativos do Simpósio Internacional Música Sacra e Cultura Brasileira, a ser realizado pela Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo em cooperação com o Instituto de Estudos Hinológicos e Etnomusicológicos de Maria Laach. No dia 4 de abril, foi-lhe endereçada a primeira carta ao Brasil: "Espero que a Sra. tenha chegado bem ao Brasil. eu lhe desejo para a sua nova vida tudo de bom e que a Sra. possa ser mais feliz no Brasil do que na sua velha pátria. Muito obrigado pela sua carta de despedida da Inglaterra. Estou muito feliz em saber que vou poder encontrá-la brevemente, por ocasião do Simpósio. (...) A gente precisa estar consciente de que nunca houve no Brasil um simpósio de tal porte e de tal significado (...) Por isso, estamos tomando cuidado para não tornar o Simpósio de forma alguma parcial. Todos os grupos e interessados deverão participar, na tentativa sincera de colaborar na organização da vida musical (...)." Na sua primeira carta do Brasil, de 8 de abril, dizia ter entrado em contacto com D. Luciano Mendes de Almeida, secretário da CNBB e expressava a sua alegria em estar em São Paulo: "(...) a parte material é insignificante ao lado do afeto, o calor humano, o gesto amigo. Graças a Deus, tenho esta oportunidade (...)." No dia 18 de maio, escrevia a respeito da organização do Simpósio e do seu estado de espírito, já totalmente modificado: "Temos feito um esforço muito grande e com amor de satisfazer o que você pede, mas, creio que estando aqui, estamos mergulhados na realidade brasileira (...) Eu já estou dentro como se não tivesse estado ausente. (...) Esta é a primeira carta que escrevo desde que cheguei. Ainda não escrevi para a Inglaterra. Nem saudades sinto, a não ser de algumas pessoas, e da minha terra ou cidade. (...) estou dez anos mais jovem, achei uma nova vitalidade." Em intensivo trabalho de organização, Eleanor Dewey colaborou na preparação de apresentações gregorianas, na orientação litúrgica das diferentes celebrações, na tradução de textos e no contacto com os conferencistas e grupos. A seu cargo ficaram vários programas, sobretudo aqueles que tiveram lugar em São Luís do Paraitinga, dedicados ao tema "Música Sacra no Brasil Colonial". Ali se executou Te Deum anônimo do século XVIII, descoberto pelo autor dessas linhas, atuando como solista, ao lado de Martha Herr. Em São Paulo, no Museu de Arte Sacra, responsabilizou-se pelas partes gregorianas das Vésperas Solenes. Na Igreja da Ordem Terceira do Carmo, em missa solene com obras do século XIX, também assumiu a execução das partes gregorianas. O ponto alto de sua atuação, porém, foi a celebração da missa gregoriana na Basílica do Mosteiro de São Bento, no dia 1 de outubro, núcleo da parte do programa dedicado ao Gregoriano no Brasil. A partir dessa execução, deram-se os debates posteriores no âmbito do Simpósio, levados a efeito por renomados especialistas do Exterior e do Brasil. O seu trabalho de organização disse respeito também à preparação da Sociedade Brasileira de Musicologia, fundada no âmbito do Simpósio, no dia 29 de setembro. Nessa data foi confirmada a sua nomeação ao núcleo diretivo da Sociedade, no cargo de Tesoureira. Basílica do Mosteiro de São Bento. Coral Gregoriano sob a regência de Eleanor Florence Dewey. Simpósio Internacional Música Sacra e Cultura Brasileira, 1981 O Coral Gregoriano do Estado, nessa época, possuía 33 vozes femininas e 18 masculinas. No dia 29 de setembro, na sessão levada a efeito na Igreja da Ordem Terceira do Carmo, cantaram as mulheres, na Missa votiva do Espírito Santo, no dia 1 de outubro, na Basílica do Mosteiro de São Bento, atuaram 20 cantores.
Após o Simpósio, participou também como especialista em encontros realizados no Museu da Música, em Mariana, e no Instituto dos Meninos Cantores, em Petrópolis. Em 6 de novembro, recebeu Eleanor Dewey a seguinte carta de agradecimentos pelo seu trabalho e pela sua atitude conciliante com relação a personalidades que tanto combatiam o direcionamento semiológico que representava: "(...) o único objetivo desta carta é lhe dizer mais uma vez, desta vez por escrito, o meu muito obrigado, e coração. O que a Sra. fez nem pode ser na verdade valorizado condignamente por palavras. (...) Os nossos últimos dias em Minas e em Petrópolis foram um tanto complicados. Creio, entretanto, que isso foi um fato normal, causado pela convivência de tantas pessoas difíceis por um período tão longo. Até que tudo correu muito melhor do que estava esperando do ponto de vista pessoal. Aliás, a sua presença foi essencial para ajudar a manter a harmonia nos relacionamentos (...). Até mesmo o Prof. (...) reconheceu a sua função harmonizante, dizendo que se a Sra. não estivesse estado sempre presente provavelmente teria até saído brigas entre eles, como de costume em congressos de música sacra..."
De novo na Europa
Em 1982, na França, participou da série Stage d'études grégoriennes de Metz. Chegou a Strasburg no dia 21 de fevereiro. Os cursos foram ministrados em diferentes cidades, a saber: Nancy Amnéville, Bar-le-Duc, Toul, Cirez-sur-Vezouze, Thionville e Longuyon. Nessas cidades foram cantadas missas dominicais. Por duas vezes tomou parte como observadora de ensaios corais sob a direção de Benoit Neiss. Na Alemanha, participou de eventos em Saarbrücken e tomou parte em conferências em Maria Laach e em Colonia, estas sobretudo destinadas a discutir questões relacionadas com as atividades internacionais da Sociedade Brasileira de Musicologia e do instituto em planejamento. Em carta de 16 de abril, já no Brasil, relatava o seu encontro com D. Cardine e as preocupações de seus companheiros dos estudos semiológicos em vincular o movimento a uma instituição ou organização distinta da AISCG: "A última quinzena na Europa foi loucura! Longuyon-Colonia, Strasbourg, um dia de viagem para Roma, dois dias em Roma, e na Quinta-Feira uma semana depois de deixar Colonia, embarcava para Paris, com horas de espera, mas Air France tem hotel e foi ótimo, e 22.30 saída para o Brasil. Para o meu espanto, alguém a minha espera em Viracopos! (...) Dos dois dias em Roma, Dom Cardine tinha me reservado as duas matinées. Foi tão bom estar com o mestre querido. Trocamos idéias sobre o que (...) e eu tínhamos discutido no aeroporto de Strasbourg (...) O nosso problema é uma escola? instituição? associação internacional que possa emitir certificados que não esteja ligada à Igreja e que não provoque problemas com AISCG. (...) Estas amizades trazem tanta alegria, mesmo na separação. Que mistério que é a amizade pura, sincera, acho que Deus foi muito bom me proporcionando vários amigos verdadeiros, amigos e amigas (...)."
Intensas atividades no Brasil e experiências negativas
Em maio, retornando ao Brasil, ministra um curso de iniciação ao Canto Gregoriano patrocinado pela Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo, com duração de oito meses. Dentre as missas cantadas que organizou, salientaram-se a de ação de graças na Sala Dinorah de Carvalho, na Secretaria de Cultura, no dia 15 de maio, e a celebrada na Igreja Imaculada Conceição, a 30 de maio e na Igreja do Colégio São Luís, a 26 de junho. De 5 a 16 de julho dirigiu um curso intensivo de Canto Gregoriano na Secretaria da Cultura do Estado de São Paulo, com missa solene cantada pelos 45 participantes do curso, celebrada na Igreja de São Francisco, no dia 16. A 28 de agosto, pelo quadragésimo aniversário da fundação da Associação Santo Agostinho Madre Alix, realizou missa solene cantada. A 11 de setembro, responsabilizou-se pela missa festiva em honra da Padroeira Nossa Senhora da Consolação, na Igreja da Consolação. A 24 de outubro, apresentou-se à frente do seu coro em missa solene na Igreja São Luís. Fechando o ano de 1982, co-realizou o Festival de Natal na Igreja da Imaculada Conceição a 30 de novembro, com o Coral Gregoriano do Estado, e o Collegium Musicum sob a direção de Roberto Schnorremberg e com o acompanhamento ao órgão de Dorotéa Kerr. Tomou parte também de um concerto realizado em colaboração com a Associação Paulista dos Organistas, na Igreja de Nossa Senhora de Fátima, a 5 de dezembro, de uma missa cantada na Capela do Colégio de São Bento, a 13 de dezembro, e de uma missa de Requiem na Igreja de São Francisco, a 19 de dezembro. Um dos acontecimentos tristes do ano foi o fim de Sete Quedas, assunto que foi comentado em várias cartas. Em carta de 4 de novembro, escrevia a respeito, salientando também a situação política que vivenciava e que lamentava: "Pensei tanto em você quando fecharam as Sete Quedas e agora estão inundando as terras. Pessoalmente, acho um crime o que fizeram. Não sei se você ao voltar ao Brasil percebeu o quanto tudo está comercializado, abismado no materialismo? Me chocou, e vivendo agora a propaganda eleitoral, a corrupção, a vingança, a destruição de um candidato pelo outro, violência em toda a parte, surge tudo como tão triste, e todo aquele que pensa um pouco que seja, não pode não ficar profundamente angustiado e apreensivo pelo futuro próximo. Compreendo que você viva ligado com problemas e coisas brasileiras, pois apesar de tudo a gente ama a terra natal. Foi o que mais sentí ao voltar ao Brasil, o quanto amo a minha terra, a minha cidade, a cultura, etc. Sinto muito que você não se sinta realizado no seu trabalho. Pergunto-me, será que aqui na sua terra acharia um trabalho que o satisfaz e no qual se acharia plenamente realizado? Será que ciúmes, inveja, política-politicagem etc. deixariam você desabrochar? Mais penetro neste mundo musical mais decepcionada e triste fico - e o que dizer da política musical?"
Eleanor Dewey mostrando o Rio de Janeiro ao Prof. Dr. Hans Lonnendonker, Saarbrücken e outros participantes do Simpósio Internacional de 1981 Situação do Canto Gregoriano no Brasil e "stress"
O ano de 1983 foi marcado pela consideração internacional dos trabalhos de Eleanor Dewey a favor do Canto Gregoriano no Brasil.
Em encontros em Colonia, em 1982, haviam sido discutidos os novos caminhos que se abriam e as dificuldades que enfrentava a Sociedade Brasileira de Musicologia. Foi então convidada para escrever um trabalho para um livro em preparação pelos 70 anos do Mons. Johannes Overath e que deveria ser lançado no ano seguinte. Aceitando-o, enviaria o trabalho de título "Cantate Domino Canticum Novum - A Meditation". Nesse artigo, com verdadeira coragem civil e lealdade a seu mestre, salientou a obra de D. Cardine: "At this point, of course, a question may be raised: what about the theory, the semiology? The answer ist that of my revered master, Dom Eugène Cardine O.S.B.: Faites chanter, faites chanter!". Experience has shown me many a time what a weak group of singers can actually achieve, not to mention the quite astonishing results attained with better musicians and even with small children." (In: Musices Aptatio 1983, Roma: Urbaniana 1983, 95 ss., pág. 96-97)
A sua atuação no Brasil foi considerada em conferência proferida pelo autor deste texto em Simpósio Internacional de Canto Gregoriano e Educação Musical promovido pela Universidade Católica de Washington, D.C., através do seu Centro de Método Ward. Para a obtenção dos dados relativos a seus trabalhos e à situação de momento, realizou-se, a 29 de janeiro, uma entrevista por correspondência. Aqui, Eleanor Dewey respondeu a numerosas questões que oferecem um panorama de seu trabalho em São Paulo, das condições de trabalho junto à Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo e da situação do cultivo do Canto Gregoriano no país. De sua resposta, de 4 de fevereiro, pode-se compreender a razão de sua grande atividade na realização de missas cantadas e concertos, muito mais intensa do que seria de se esperar considerando-se a sua concepção fundamentalmente religiosa. Essa razão residia no fato de ser a isso obrigada, caso desejasse que o seu contrato fosse prolongado. Para isso, sentia-se levada a uma atividade quase que impossível de ser realizada e que era acompanhada por circunstâncias que surgiam como estranhas e pouco dignas para a sua consciência marcada pela exatidão e correção de antiga mestra de disciplina: "Respondo à última pergunta de você. O meu contrato... Para serem contratados novamente todos os regentes devem apresentar dez concertos até o fim de maio... Já cantamos uma missa na Abadia de São Bento domingo passado (dia 30), mas o atestado tem de ser datado do dia 5 de fevereiro, e cantaremos dia 6 de fevereiro na Consolação. Não dou concertos por princípio, pois acho que o canto gregoriano faz parte integral da liturgia para qual foi composto. (...) O que se pode fazer? (...) há uma corrupção inacreditável, é muito triste. (...) Não gostaria de recorrer às pessoas na política, porém conheço bem as filhas e a nora de (...), que foram minhas alunas, e sei que pessoas conhecidas farão o possível para que eu fique com o coral ou cargo semelhante, sem porém que precise pedir. (...) sei muito bem que Deus providenciará o que Ele achar melhor para mim. Às vezes acho difícil manter um perfeito equilíbrio psíquico e espiritual, me confiando totalmente no Senhor." "(....) Segue a programação dos 'concertos' planejados até o fim de maio, conforme estipulado no contrato assinado na Secretaria da Cultura. Loucura...: 5 de fevereiro: Abadia São Bento; 6 de fevereiro: Igreja da Consolação; 20 de março: Igreja Nossa Senhora de Fátima; 27 de março, Igreja São Francisco de Paula, Rio de Janeiro; 10 de abril, Igreja do Calvário; 24 de abril, Atibaia; 1 de maio, Igreja da Imaculada Conceição; 15 de maio, Basílica do Carmo; 22 de maio, Igreja da Imaculada Conceição. Depois de tudo isso, Deus só é que sabe o que vai acontecer." Para esses "concertos", o Coral do Estado contava com 20 cantores. As atividades que foram realmente desenvolvidas nesse ano foram as seguintes: Missas solenes no Mosteiro de São Bento de São Paulo (25 de fevereiro) e na Igreja da Consolação (26 de fevereiro, 6 de março) precederam concerto de Domingo de Ramos na Igreja de São Francisco de Paula, no Rio de Janeiro a convite da Sociedade Brasileira de Musicologia, levado a efeito no dia 27 de março. A 10 de abril, celebrou-se com Gregoriano a Abertura do Ano Santo na Igreja do Calvário. Seguiram-se várias outras missas solenes gregorianas: Capela do Colégio São Luís (24 de abril), Igreja da Imaculada Conceição (1 de maio, 22 de maio), Basílica do Carmo (15 de maio) e Basílica de São Bento (16 de outubro). Em outubro, no dia 16, apresentou-se na missa de encerramento da Semana "São Paulo para crianças", no Mosteiro de São Bento. O ano foi encerrado com concertos de Natal em colaboração com vários corais nos dias 4, 10 e 18 de dezembro. Em carta de 3 de agosto, Eleanor Dewey relatava o seu adoecimento por motivo do excesso de trabalho: "O trabalho foi uma loucura. (...) Infelizmente, por razões políticas, mas exatamente politicagem, nem todos os regentes foram contratados igualmente, houve diferenças berrantes. (...) conseguiu um contrato mais longo e com cachê muito mais alto. Teve três meses para preparar seu programa, que foi apresentado x vezes. Com o gregoriano, ainda mais com a quaresma e a páscoa, tive muito trabalho em organizar as missas, tentando diminuir o trabalho do grupo que assumiu ajudar-me, pois estava sem coral. Às vezes só 6 ou 8 pessoas apareceram para cantar a missa. O stress foi demais para mim. Em maio tive uma febre de 38.5°, altíssima para quem só tem 35 diariamente. Consegui transferir uma apresentação. Estudamos 40 peças em menos de quatro meses. Cleofe organizou um concerto no Rio para o coral de Roberto, no sábado antes do domingo de Ramos, e a missa cantada em conjunto com meu coral, no domingo. Nunca na minha vida vi uma cerimônia tal, é o que chamo de pandemônio. (...) tínhamos estudado o tracto, o mais longo do ano, todo, e o padre celebrante logo após iniciarmos o terceiro versículo nos cortou (...) o que fazer? parar - e aí por diante. (...) Amigas cotisaram para me pagar o avião de volta!" A situação da prática do Canto Gregoriano no Brasil, segundo os seus dados, era a seguinte: além do Coral Gregoriano do Estado não havia outro de maior significação em São Paulo, pois um outro grupo orientado por Eleanor Dewey era "sem interesse, pois não queriam participar da liturgia de forma alguma" (carta de 4 de fevereiro). Pretendia, por isso, atuar na Faculdade de Música Santa Marcelina, na esperança de ali formar um novo grupo. Havia também um pequeno coro dirigido por Paulo de Tarso, político, amante do Canto Gregoriano, assim como os monges do Mosteiro de São Bento, por ela orientados. Um grupo em Santos estava para ser dissolvido. "Não se canta gregoriano em igreja nenhuma em São Paulo. Para cantar a missa no Rio fomos obrigados a recorrer ao Bispo Auxiliar, e depois ao Cônego Amaro!!! Inimaginável. Desde quando se precisa de autorização para cantar uma missa polifônica com gregoriano, por ser em latim? Em alguns mosteiros ainda se canta o gregoriano: Santa Maria em Itapecerica da Serra e Campos de Jordão - Sorocaba, segundo informações fornecidas pelos Beneditinos. Nos seguintes lugares canta-se ainda o gregoriano: nos mosteiros beneditinos do Rio, Ponta Grossa, Serra Clara, Belo Horizonte, Uberaba, Juiz de Fora, Petrópolis, Caxambú, Olinda. Muito está traduzido em português. Não sei onde se cantaria ainda o gregoriano. A Escola Pio X fechou-se há muito tempo. Sei que de vez em quando Dom João Evangelista Enout do Rio canta (...) e faz palestras no rádio misturando polifonia e gregoriano, ou outros compositores de música profana (...)." Caso o contrato não fosse renovado após a mudança do Govêrno, Eleanor Dewey pensava em continuar com o grupo que estava trabalhando com ela há tempos, pois sem êle não haveria outro. Recomeçar outro grupo sob as condições impostas estaria fora de cogitação. "Com a alta de vida e a inflação (9% no mês de janeiro) não há dinheiro que chegue." (4 de fevereiro) A atuação de Eleanor Dewey no Brasil foi devidamente salientada no Simpósio Internacional de Washington, embora não tenha sido possível encontrar meios para o financiamento de sua viagem, apesar de todas as tentativas: "A não ser o fato que seria maravilhoso poder tê-la encontrado e que seria talvez interessante para a Sra. conhecer ou encontrar de novo algumas pessoas que a Sra. conhece, posso consolá-la dizendo que, do ponto de visto específico do Gregoriano, a Sra. nada perdeu (...)". (o autor a Eleanor Dewey, 19 de julho). Também não foi possível levar à frente o intento de conseguir que lhe fosse conferido o título de Doutor honoris causa pelo Istituto Pontificio di Musica Sacra: "Mais uma vez êles asseguraram a intenção de tudo fazer nesse sentido, acham, no entanto, que isso deveria ser feito numa solenidade onde tomassem parte outras pessoas de vários países que deveriam também receber tal honra. Já existem vários nomes em cogitação. Trata-se, primeiramente, de uma questão financeira, já que tal cerimônia exige uma vultosa quantia. (...) Todos estão, no momento, muito atribulados devido à mudança do PIMS para uma antiga Abadia em Roma e sua reestruturação" (o autor a Eleanor Dewey, 19 de julho). Uma das maiores preocupações de Eleanor Dewey, nesse ano de 1983, disse respeito à Sociedade Brasileira de Musicologia. Com o falecimento de Roberto Schnorrenberg, o trabalho por correspondência aumentou. Em numerosas e longas cartas Eleanor Dewey tratava dos problemas financeiros e sobretudo humanos da entidade: "Cleofe e Você teriam de ter o tempo e amadurecer a situação. (...) achou o mesmo, e repetiu, não se devem precipitar demais as coisas. Nós não podemos ser precipitados agora. O futuro da obra de você está em jogo, e temos de ser muitíssimos prudentes e cautelosos (...). Deve ser alguém de pêso, e tanto quanto possível fora da politicagem do mundo musical, pelo menos em São Paulo. Pedi insistentemente a Cleofe que escrevesse para você expondo as idéias dela." (12 de novembro). O ano de 1984, ao lado do prosseguimento de intensos trabalhos para a Sociedade Brasileira de Musicologia, foi marcado pela realização de Cursos de Gregoriano pela Secretaria de Cultura do Estado de São Paulo, de 8 de abril a 31 de dezembro. Com a colaboração do Coral São Pio X, foram cantadas missas na Basílica do Mosteiro de São Bento (18 de agosto), Igreja Mãe de Deus (19 de agosto), Missa Cívico-Religiosa comemorativa da emancipação política de Alagoas na Capela de Santo Expedito da Polícia Militar (22 de setembro), Igreja da Consolação (24 de novembro) e na sede de O Estado de São Paulo. Menção especial merece a realização de uma conferência ilustrada em Pindamonhangaba, a 7 de outubro, a convite do Departamento de Artes e Ciências Humanas da Secretaria de Estado da Cultura de São Paulo. Também celebrou-se uma missa solene em Gregoriano de Natal no Condomínio Chatel Dijon, no dia 24 de dezembro.
Congresso Internacional de Música Sacra em Roma
O mês de janeiro de 1985 foi marcado por aulas de Canto Gregoriano a convite da CIMBRA, Conferência Inter-Monástica do Brasil. A 9 de março, realizou musicalmente a primeira missa solene de D. Mateus de Sales Penteado O.S.B., na Capela das Irmãs Mercedárias. De 23 de abril a 31 de julho, ministrou curso de Canto Gregoriano na Secretaria da Cultura de São Paulo. Com o apoio do seu Coral Pio X, cantou a 17 de agosto a Missa da Assunção no Mosteiro de São Bento de São Paulo, repetindo-a a 18 de agosto no Páteo do Colégio. A 15 de setembro, realizou missa solene na Igreja da Imaculada Conceição, a 6 de outubro, outra na Basílica de São Bento. Em outubro, no dia 20, participou dos festejos do Cinquentenário da paróquia Sagrado Coração de Jesus, no Brooklin Paulista. A 3 de novembro, deu-se o encerramento do mês missionário com a Missa de Todos os Santos celebrada no Mosteiro de São Bento de São Paulo.
No ano de 1985, por motivo da passagem dos 80 anos de D. Eugène Cardine, Eleanor Dewey procurou levar à frente o seu projeto de editar as obras do pesquisador no Brasil. Entrando em contacto com a Abadia de Solesmes, para pedir permissão, recebeu, a 28 de maio, a resposta positiva e a notícia triste de que o seu mestre D. E. Cardine havia sofrido um ataque cerebral: "Ma Soeur, En réponse à votre lettre du 12 février je suis très heureux de savoir que vous avez pu avoir une subvention de l'Etat por éditer en portugais la Première année de Chant Grégorien et la Sémiologie Grégorienne de D. Cardine. Vous pouvez éditer ces livres aux conditions suivantes: I. Inscrire sur les livres en portugais 'Publié avec l'autorisation de l'Abbaye Saint Pierre de Solesmes, France'; 2. Nous autoriser à reproduire sans frais cette traduction dans les cas où nous en aurions besoin. 3. Nous envoyer 3 exemplaires gratuits de ces deux livres pour notre bibliothèque; 4. Vendre éventuellement à notre librairie les livres (...) Le Père Cardine a eu dernièrement une petite attaque cérébrale dont il se remet assez bien. Il est encore un peu paralysé du côté gauche et n'a pas encore retrouvé l'usage parfait de sa main. Il commence à marcher un peu. Il a beaucoup de courage et son moral est tout à fait remarquable. Je le reommande à vos prières." Ponto alto do ano de 1985 foi a sua participação no VIII Congresso Internacional de Música Sacra, em Roma, realizado de 16 a 23 de novembro (Christus in Ecclesia Cantat, ed. J. Overath, Musices Aptatio 1985, Roma: CIMS 1986). Ali encontrou-se com outros participantes vindos do Brasil, tais como Prof. Dr. José Penalva e Pe. Dr. José Geraldo de Souza, de Portugal, sobretudo com a Dra. Júlia d'Almendra, com os especialistas que havia participado do Simpósio em São Paulo, em 1981, e com os membros do Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa, ISMPS, que então era oficialmente fundado como entidade de utilidade pública. Realizava-se, assim, um projeto que tinha sido acalentado há muitos anos e do qual Eleanor Dewey sempre tivera sido um dos principais protagonistas. A sua opinião sobre as execuções de Canto Gregoriano nas cerimônias do evento, apesar do renome dos grupos participantes, foi negativa. Ela se mostrava preocupada em ver que os princípios semiológicos não eram seguidos pelos diversos coros. Viajou também por outros países, visitando centros de estudos na Bélgica e sobretudo na França, salientando-se mais uma vez Solesmes.
Continuação das intensas atividades no Brasil e convite para viver em Maria Laach
O ano de 1986 foi marcado pela conferência que pronunciou para a inauguração de uma série dedicada à Música Litúrgica Brasileira. De 7 de maio a 31 de agosto, ministrou um curso intensivo de Canto Gregoriano na Secretaria de Estado da Cultura. A 18 de maio, dirigiu missa cantada de Pentecostes na Basílica de São Bento, repetindo-a na Igreja da Imaculada Conceição, no dia 19. A 17 de junho, cantou em missa televisionada celebrada na Igreja de São Dimas. De 19 a 31 de maio, participou do XIV Festival de Música e Artes Plásticas do Estado de Goiás (UFG), cantando, a 31 de maio, a Missa Solene de encerramento do Festival. Dentre as missas cantadas a seguir em São Paulo, salientaram-se missa nupcial na Basílica de São Bento, a 14 de junho, e a missa solene da Exaltação de Santa Cruz na Igreja da Imaculada Conceição, a 14 de setembro. Como regente convidada do Coral do Estado, dirigiu concerto no MASP e no Museu Histórico e Pedagógico Dr. Campos Salles, em Campinas, a 1 de outubro. Seguiram-se uma missa solene na Basílica de São Bento, a 12 de outubro. um novo concerto no MASP como regente convidada, a 28 de outubro e, a 1 de novembro, Missa Solene de Todos os Santos no Mosteiro de São Bento das monjas beneditinas de Campos de Jordão. O mês de dezembro foi marcado por três missas: a missa solene cantada pelo Coral do Estado na Igreja da Sagrada Família, no dia 7, a missa solene cantada na sede de O Estado de São Paulo, no dia 8, e a missa solene no Páteo do Colégio, a pedido da Associação dos Procuradores de São Paulo, com o coral Pio X, no dia 10.
A partir das inúmeras cartas com notícias preocupantes a respeito da vida que Eleanor Dewey levava em São Paulo, com a intensidade de concertos e com as dificuldades da Sociedade Brasileira de Musicologia, procurou-se possibilitar para ela uma posição de trabalho no Instituto de Estudos Hinológicos e Etnomusicológicos de Maria Laach. Com a saída do Dr. Robert Skeris, que assumira posto diretivo no Istituto Pontificio di Musica Sacra, a sua presença poderia ser útil ao Instituto, apesar das divergências quanto a métodos e concepções. Em carta de 24 de setembro, ela explicou a razão por não aceitar o convite: "Antes de mais nada, Bispo, achamos que, com 74 anos não é mais o momento de me desarraigar novamente após minha estadia pouco feliz na Inglaterra. Você foi o instrumento de Deus que me proporcionou uma vida nova no Brasil. Será razoável me afastar de tantos e tantos amigos para me isolar totalmente em Maria Laach, num país cuja língua é-me desconhecida, num lugar muito bonito, é verdade, mas longe de tudo, sem amigos, ladeada por senhores também desconhecidos? (...) sinto que não tenho condições psicológicas nem físicas de me desenraizar, nem mesmo sabendo que, se não der certo, poderia retornar ao Brasil. (...) Além do mais, tenho um contrato com M.H. e o Coral do Estado, com eventos marcados, parece-me impossível deixá-la agora."
I° Congresso Brasileiro de Musicologia em São Paulo
O evento central do ano de 1987 foi a realização do Primeiro Congresso Brasileiro de Musicologia, em São Paulo. Na preparação do evento, tomou parte ativa, realizando intensos esforços para a sua concretização. Colaborou na organização das sessões e das conferências, além de atuar como tradutora de trabalhos apresentados no âmbito do Encontro Regional para a América Latina e o Caribe do Conselho Internacional de Música/UNESCO que teve lugar paralelamente ao Congresso. Realizou súmulas e traduções de mais de 50 conferências. Como pesquisadora, apresentou conferência sobre o tema "A interpretação e o ensino do Canto Gregoriano à luz dos manuscritos pesquisados durante os últimos 60 anos". Nessa comunicação, tratou a problemática da interpretação musical e da estética do Canto Gregoriano à luz dos manuscritos pesquisados, limitando-se porém a considerar os de Saint Gall, na Suíça. Mais uma vez acentuou que a maioria dos presentes deveria ter estudado o Canto Gregoriano pelo Método de Solesmes, de modo que haveria a necessidade de discorrer a respeito do papel histórico-musical dessa Abadia na pesquisa paleográfica, sobretudo sobre a obra de D. André Mocquereau. Entretanto, outro monge de Solesmes, D. E. Cardine, teria feito descobertas quanto à execução e ao rítmo do Gregoriano que não poderiam deixar de ser consideradas. Concluindo a sua comunicação, um pequeno grupo do Coral Pio X cantou o Introitus da Missa do IV Domingo do ano litúrgico e que seria executada por completo no dia do encerramento. O presidente da sessão, Eurico Nogueira França, salientou a relevância da verdadeira aula que consistuiu a comunicação e o fato de o Gregoriano "ser um tesouro musical que se desdobra ante nós com as suas dificuldades específicas". Fêz um apelo para que o estudo do Gregoriano fosse intensificado no Brasil. Eleanor Dewey preparou, para a missa solene de encerramento do Congresso, celebrada em homenagem aos 80 anos do compositor Camargo Guarnieri, o canto do Proprium gregoriano; a missa polifônica, obra do homenageado, foi executada pelo Coral Camargo Guarnieri, de Poços de Caldas.
A 29 de novembro de 1987, Eleanor Dewey escrevia a respeito do incentivo que o Congresso representou para o seu grupo: "O Coral Pio X vai muito bem. O sucesso do congresso deu asas à turma. Vou tentar registrá-lo em cartório e depois no MinC, o que permitirá receber patrocínios para viajar, e dar o recibo que permite deduzir a doação do IR. (...) Vou cantar em Campinas na festa de Assumpção, em Santos em setembro, e vamos ver onde depois. (...) Recebi um convite do Rio para o II Congresso Nacional de Música em homenagem aos 80 anos de José Siqueira, mas acho que não vou, pois será muitas coisas em seguida. Estou ficando experta em quedas... no domingo de Páscoa caí subindo as escadas e parei no Pronto Socorro, graças a Deus nada quebrado. Quarta-feira passada tropecei na sarjeta no meio da Consolação e lá fui de todo o meu comprimento (...) mas só estou trincada, as costelas, não sei se é uma ou duas, mas sofrendo um bocado..." De 18 a 25 de abril, na Universidade Federal de Ouro Preto, como conseqüência de sua conferência realizada em São Paulo, apresentou um trabalho sob o título de "Histórico do Canto Gregoriano e sua Espiritualidade". Com um grupo de participantes voluntários, executou o Proprium da missa de encerramento. Nesse ano houve muitas apresentações do Coro Pio X: no dia 31 de maio, no Mosteiro de São Bento, de São Paulo, no dia 28 de junho, com a missa de São Pedro e São Paulo, na Basílica do Carmo, no dia 17 de agosto, com a missa da Assunção, na paróquia do Divino Salvador, em Campinas, no dia 26 de setembro, com a missa de encerramento da Semana de Música "Maria Luiza", em Santos, no dia 29 de novembro, com missa solene na Catedral São Francisco de Assis, em Taubaté, promovida pela Prefeitura Municipal e Departamento de Educação e Cultura de Taubaté, no dia 8 de dezembro, com missa na sede do jornal O Estado de São Paulo, no dia 15, com missa no Páteo do Colégio, promovida pela Procuradoria do Estado e, por fim, no dia 18 de dezembro, com concerto de Natal na paróquia Santa Margarida Maria.
Publicação de obras de D. Cardine em português
Já na sua comunicação ao Primeiro Congresso Brasileiro de Musicologia, Eleanor Dewey anunciara que a sua intenção seria a de publicar, em português, obras básicas de D. Eugène Cardine, possibilitando a difusão dos conhecimentos no Brasil. Essa preocupação acompanhou-a no ano de 1988, sendo os trabalhos porém sempre interrompidos pelas numerosas apresentações do seu Coro Pio X e da sua intensa atividade de ensino. O primeiro semestre de 1988 foi marcado por concertos de Páscoa promovidos pelo Instituto Hans Staden, respectivamente na Igreja da Paz, a 24 de abril, e no Mosteiro de São Bento, de São Paulo, a 30 de abril. Seguiu-se a Novena do Espírito Santo em Gregoriano, realizada na Paróquia do Divino Espírito Santo e, a 13 de maio, a missa solene de Pentecostes na Capela do Hospital Santa Catarina. Eventos relevantes do segundo semestre de 1988 foram: missa da Assunção de Nossa Senhora na Basílica de São Bento, a 21 de agosto, concertos na Fundação das Artes de São Caetano do Sul, a 9 de setembro e 6 de novembro, gravação, na Televisão Bandeirantes, do programa Anunciamos Jesus; missa solene no Mosteiro de São Bento de Sorocaba, a 27 de novembro, missa na sede do Tribunal da Justiça, a 6 de dezembro, concerto de Natal na Paróquia Santa Margarida Maria, a 9 de dezembro, concerto na Igreja da Imaculada Conceição, promovido pela Associação Paulista de Organistas, a 13 de dezembro e a 18 de dezembro, e, por fim, concerto de encerramento do ano na Basílica do Carmo, a 20 de dezembro. O ano de 1989 abriu-se com missa da Epifania cantada na Basílica do Mosteiro de São Bento de São Paulo, a 8 de janeiro. Seguiu-se um concerto no âmbito da apresentação de obra de François Couperin, em conjunto com a Associação Paulista de Organistas e com o apoio do Prof. Dr. Roger Cotte, a 23 de abril, e concerto de Páscoa com Canto Gregoriano e órgão na Basílica do Carmo, no dia 7 de maio. Além do canto da missa solene dos Apóstolos Pedro e Paulo, na Basílica de São Bento, a 2 de julho, participou da missa de ordenação diaconal celebrada no mesmo Mosteiro, no dia 2 de agosto. Ponto alto desse ano foi o lançamento dos livros Primeiro ano de Canto Gregoriano e Semiologia Gregoriana de D. Eugène Cardine, por ela traduzidos, ocorrido no dia 16 de agosto (Eugène Cardine, Primeiro ano de canto gregoriano/Semiologia gregoriana, trad. E. F. Dewey, São Paulo: Palas Athena/Athar 1989). Realizava-se, assim um dos sonhos da sua vida, - tinha outros ainda -, como bem salientou. A publicação foi possibilitada pelo patrocínio do Dr. José Mindlin e do Dr. Luiz Diederichsen Villares. Eleanor Dewey ressalta nas suas palavras introdutórias um fato que não correspondia bem à realidade que ela própria experimentara amargamente nos círculos sacro-musicais europeus: "(...) pacífica é a aceitação das descobertas de D. Cardine ..." (pág. 8). Tão pacífica não era, pelo contrário! Era a causa de graves e odiosas animosidades nos meios sacro-musicais. A edição foi feita a partir de uma tradução inicial feita por Egle Conforto por ocasião de um curso de semiologia gregoriana que E.F.Dewey ministrara em 1976/77. A obra contou também com o apoio de seu discípulo Marcos Isola Pavan, assim como de Alvaro de Souza Machado, Augusto Rissuke de Moraes Tada, Jane Dias Allessandrini, Antonio Roberto Morelli e do Dr. José Pinheiro Neto. Nessa obra, Teresinha S. Schnorrenberg assim apresenta Eleanor Dewey: "Personalidade adorável, competente, de sólida formação musical, batalhadora incansável da causa do Canto Gregoriano no Brasil. (...) O presente trabalho confirma a vivência, dedicação e domínio alcançado pela sensível amiga." No dia 20 de agosto, cantou missa solene da Assunção de Nossa Senhora na Basílica de São Bento, a 8 de dezembro missa solene na sede do jornal O Estado de São Paulo. O ano foi encerrado com concertos de Natal na Basílica do Carmo, a 18 de dezembro, e na paróquia Santa Margarida Maria, a 22.
Infelizmente, Eleanor Dewey não teve a oportunidade de participar do Colóquio Internacional de Estudos Culturais levado a efeito na Alemanha com um grupo de pesquisadores brasileiros. O seu objetivo, para o qual na época procurava meios, era o de trazer o seu Coro Pio X para a Europa, com o escopo de demonstrar nos centros europeus as qualidades interpretativas possibilitadas pelos preceitos semiológicos. Assim, em 30 de agosto de 1989, escrevia: "Falando de meus sonhos, resta um, que só poderia se realizar com ajuda de você, Bispo. Quero levar o meu coral para o próximo congresso de canto gregoriano, suponho em 1990, é só isto meu sonho !!! e porque não? Se (...) e outros podem levar os seus, e exigir a viagem por avião, porque o Brasil não pode mostrar aos europeus que sabe cantar o Gregoriano? Quero levar as vozes femininas que estão cantando lindamente, e os homens, já em número de 11, que cantam bem, mas a maioria é de novatos, embora sensíveis à música. (...) Que tal? Onde devo começar? Deixando tudo nas suas mãos? Missas e concertos não me preocupam, temos bastante peças etudadas para enfretar as críticas dos 'nossos' amigos."
Em 26 de dezembro, insistia mais uma vez na necessidade de trazer os seus cantores à Europa, embora a situação, pelo menos na Alemanha, se mostrasse muito difícil: "O tempo está passando, e não acredito que o projeto não esteja em andamento já, apesar do que a Julieta (de Andrade) me disse. Por favor me responda au retour du courrier, não posso definir nada sem você agora." Uma de suas grandes preocupações continuava a ser a Sociedade Brasileira de Musicologia. Em longas cartas onde transmitia pormenores de reuniões e encontros, salientava a crise por que passava a entidade: "Bispo, se eu não te conto, ninguém vai te dizer nada. Aja enquanto há tempo. Não quero ver seu sonho arruinado, não. Brasileiro não sabe fazer um trabalho desinteressado, sempre procura a sua própria promoção." Com a obra traduzida, Eleanor Dewey realizou uma viagem à Europa com o intuito, entre outros, de apresentá-la nos principais centros com os quais tinha relação. Visitou Lisboa, Coimbra, e sobretudo Saint Gall e Einsiedeln, na Suíça, assim como Solesmes na França e outros conventos da Bélgica e da Inglaterra. Na Bélgica, realizou-se um encontro com membros da Academia Brasil-Europa, então em fase de atualização. Promoveu-se uma apresentação do livro em Colonia. O primeiro semestre de 1990, além de possibilitar a celebração gregoriana de missas de casamento (3 de fevereiro, 8 de junho Mosteiro de São Bento) e de sétimo dia (9 de março, Igreja de Nossa Senhora do Rosário), incluiu a celebração de várias missas gregorianas: missa solene da Ascenção na Faculdade de Música Santa Marcelina, a 27 de maio, a de Pentecostes no Mosteiro de São Bento e Maria, Mãe da Igreja, a 3 de junho. A 15 de agosto, celebrou musicalmente a missa solene da Assunção na Capela do Colégio Assunção. A 26 de agosto, realizou concerto comemorativo dos 437° anos de fundação de São Bernardo do Campo e dos 900 anos de morte de São Bernardo. A 30 de setembro, cantou missa solene na Fundação Antonio Prudente e, dando seqüência a uma prática que já se tornara tradicional, solenizou com Gregoriano missa na sedo do jornal O Estado de São Paulo, a 7 de dezembro. O ano foi encerrado com um concerto no Santuário do Sagrado Coração de Jesus.
O ano de 1991 foi aberto com as preocupações relacionadas com os graves problemas enfrentados pela Sociedade Brasileira de Musicologia. Assim, no dia 11 de janeiro, escrevia: "Ontem, após uma longa conversação com o Pe. José Geraldo de Souza muito amical (aliás a terceira), estava num estado de colapso, não por falta de entendimento, em absoluto, mas pela atitude negativa e sobretudo confusa dela. (...) Nunca sonhei que seu projeto ia me proporcionar tanto trabalho. Creio que está bem acima das minhas forças físicas; não esqueça que estou no meu 79 ano, e não tenho mais o ânimo dos meus 70. (...) Sua idéia de formar um grupo coeso é excelente, mas pela conversa de ontem com o Pe. José Geraldo de Souza não sei se ele o faria, por falta de tempo (...) Sei que posso contar com ele, mas ele torna tudo tão complicado." De 4 a 9 de junho de 1991, ministrou curso de extensão promovido pela Universidade Federal de Uberlândia, sob a direção de Calimério Soares, com missa de encerramento na Catedral Santa Terezinha, cantada pelos alunos do curso. (veja video) A seguir, dirigiu-se de novo à Europa, onde visitou, de 10 de junho a 18 de julho instituições da Inglaterra e da Bélgica, e, de 15 de setembro a 1 de novembro, Solesmes. Esteve novamente na Inglaterra e na Bélgica, participando de encontros do ISMPS e da Academia Brasil-Europa. Do segundo semestre desse ano, destacam-se a missa solene da Assunção de Nossa Senhora em Bom Jesus dos Passos, a 18 de agosto, a missa solene da Imaculada Conceição na sede de O Estado de São Paulo, a 6 de dezembro, e a missa de sétimo dia por Martin Braunwiser na Basílica do Carmo, no dia 7 de dezembro.
II° Congresso Brasileiro de Musicologia, Rio de Janeiro
O ano de 1992 foi marcado pela realização do II° Congresso Brasileiro de Musicologia, no Rio de Janeiro, em cujo âmbito realizou-se o III° Simpósio Internacional Música Sacra e Cultura Brasileira. Antes desse evento, Eleanor Dewey dirigiu um concerto promovido pelo Centro de Expansão Cultural de Santos na Capela do Colégio Stella Maris, a 11 de abril. Na sessão de abertura do evento, no Salão Leopoldo Miguez da Escola de Música da Universidade Federal do Rio de Janeiro, representou o Prof. Dr. Roberto Stevenson, do Departamento de Musicologia da Universidade da California, impossibilitado de estar presente, lendo a sua conferência de título Musical Remembrances of Columbus's Voyages. A sua principal atuação deu-se na sessão do dia 23 de abril, realizada no Auditório do Mosteiro de São Bento, dedicada ao Canto Gregoriano. Após a missa de abertura, cantada pelos monges a Abadia, os trabalhos foram presididos pelo Prior do Mosteiro, D. João Evangelista Enout O.S.B.. A primeira conferência foi proferida pelo Abade Prof. Dr. Bonifacio Baroffio O.S.B., Preside do Pontificio Istituto di Musica Sacra, de Roma, dedicada ao tema "O canto litúrgico monódico na Península Ibérica no contexto geral da história do Canto Gregoriano na Europa." Seguiu-se conferência do Prof. Dr. Hans Schmitt, da Universidade de Colonia e a comunição do Cónego Dr. José Augusto Alegria, da Universidade de Évora. Para o Congresso, Eleanor Dewey realizou um pormenorizado levantamento da situação da prática e do estudo do Canto Gregoriano nos mosteiros do Brasil, apresentando os resultados da pesquisa em sessão realizada no auditório do Mosteiro de São Bento do Rio de Janeiro. Enviara 67 questionários, recebendo 39 respostas. A conferência, de título Estudo e prática do Canto Gregoriano e sua fundamentação conceitual, histórica e interpretativa foi posteriormente publicada nos anais do evento. Salientou que as instruções do Concílio Vaticano II não foram bem interpretadas no Brasil, causando problemas para a prática musical. O quadro geral era "lastimável, desanimador; transparece a total falta do mínimo esforço, tanto nos seminários, quanto nos mosteiros e conventos para ensinar o Canto Gregoriano e ainda menos os fundamentos musicais que permitam uma execução razoável de outras formas musicais convenientes, quando o forem" (In: Correspondência Musicológica 20/6, 1992, 12 ss., 13). Participou, juntamente com alunos seus do Mosteiro de São Bento de São Paulo, da missa solene de encerramento do Congresso, na igreja do Mosteiro, regendo o Proprium gregoriano para a apresentação da Missa de 2 de fevereiro do Pe. José Maurício Nunes Garcia, regida por Cleofe Person de Mattos. Após o Congresso, participou ativamente dos trabalhos que se seguiram para a elaboração de seus resultados. Mesmo assim, encontrou tempo para cantar missa de ordenação sacerdotal alternada com os monges do Mosteiro de São Bento, no dia 7 de junho e na missa de um dos setores das equipes de Nossa Senhora na Igreja Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, no dia 22 de junho. O ano foi encerrado com um concerto na Igreja de Nossa Senhora da Conceição, no Tatuapé.
Concretização de projeto: apresentações do Coral Pio X na Europa
Um dos grandes projetos de Eleanor Dewey foi realizado em 1994, quando esteve na Europa com alguns de seus cantores do Coral Pio X. Mais tarde (1999), recordaria:
"We decided to go ahead and try to raise the necessary funds. It was certainly an ambitious project. Somehow we had to raise money, which was not going to be at all easy. I started by going to her Majesty's Consul General, and he referred me to the British Council. the Council's Director Mr. John Coope suggested that we should try to raise the money on our own and let him know our progress. Over fifty fund-raising letters were sent to Banks and influencial firms. All the replies were negative. Time was running short so I rang John to let him know how our position was. Two days later I was summoned to the offices of the Cultura Inglesa de São Paulo and was presented with 15.000 dollars in hand." Em Watou, na Bélgica, cantaram uma missa pré-abertura do International Congress of Grégorian Chant Choirs. Ficou surprêsa em constatar que toda a comunidade cantou o segundo Kyrie, assim como o Gloria, dialogando com a Schola. Após a missa, dirigiram-se a Brügge, onde assistiram à procissão do Santíssimo Sangue. Essa experiência foi única, pois constatou que os cantores sabiam ouvir-se mutuamente, fruto do trabalho do seu diretor. Um de seus principais discípulos, Marcos Pavão, veio de Roma para o encontro, não podendo porém seguir a Solesmes. Sobre esse seu discípulo, escreveria (1999): "He left for Rome to study for the priesthood, and soon his musical aptitudes were put to good use. He was soon invited to sing at some of the Pope's Masses, including the Exsultet!at Easter and the Martirology before Midnight Mass. In 1998 he was appointed director of the boys'choir of the Sistine Chapel. He was ordained in 1997 and has continued in Rome preparing for his doctorate. With Marcos's arrival our number was complete." Após o Congresso, em Solesmes, muito bem recebidos, cantaram para os monges. No cemitério do Mosteiro, cantaram Misericordias Domini perante o túmulo de D. E. Cardine. Em Chartres, realizaram um concerto na catedral. De retorno ao Brasil, cantaram cinco missas e realizaram um concerto.
As atividades musicais em São Paulo prosseguiram nos anos seguintes. Em 1995, cantaram 20 missas e realizaram 2 concertos. Em 1996, festejando o seu jubileu de diamantes, celebrou-se uma missa cantada na Basílica de São Bento. No dia 2 de julho, data da ordenação de Marcos Pavan, o Coral Pio X cantou na sua primeira celebração solene, em latim. Em 1997, o Pio X cantou para os funcionários da Caixa Econômica de São Paulo, solenizou uma missa em ação de graças para a Associação Santo Agostinho e realizou um concerto para a Academia Paulista de Letras. Em 1998, entre outras realizações, cantou para a Associação Médica do Hospital de São José e, na Páscoa, na Catedral de Piracicaba, em missa celebrada pelo bispo D. Eduardo Koiak. Também apresentou-se com o seu coro no Teatro Universitário de Baurú e em missa solene na Catedral de Taubaté.
Congresso de abertura das comemorações dos 500 anos
O último grande evento no qual Eleanor Dewey participou foi o Congresso Internacional "Brasil-Europa 500 anos: Música e Visões", realizado em 1999 em Colonia e em Bonn, abertura do triênio de eventos científicos pelas comemorações do V° centenário do Descobrimento do Brasil. Alguns meses antes, em visita à Academia Brasil-Europa, havia sido entrevistada e as suas memórias registradas. Tratava-se, agora de possibilitar a sua participação como conferencista, apesar de sua já avançada idade. Paralelamente ao Congresso, realizar-se-ia o IV Simpósio Internacional Música Sacra e Cultura Brasileira, em Maria Laach, e a sua presença, como co-organizadora dos simpósios anteriores, surgia como particularmente importante. Entretanto, após tantos anos de relativo afastamento dos meios musicológicos e até mesmo da prática musical, sentia receio de não estar em condições de oferecer uma contribuição significativa para o evento, sobretudo por tratar-se em primeiro lugar de um evento dedicado a temas mais genéricos das relações euro-brasileiras.
Assim, no dia 7 de julho de 1999, escrevia: "(...) fiquei abismada perante o fato que devo fazer uma palestra para um público acadêmico. Não tenho a mínima idéia do que deveria ser o assunto, tenho mêdo de que os conhecimentos da gente presente sejam muito superiores aos meus. Será que você sugeriria umas idéias para mim? É que estou totalmente isolada do resto do mundo, também do mundo gregoriano!!" Em resposta, procurou-se demonstrar a conveniência de que a sua contribuição possibilitasse um tratamento teórico mais profundo da questão da semiologia, uma vez que diz respeito a sinais, ao visível e ao audível, e a interpretações de conteúdo e de interpretação, e o tema do Congresso era o de visões e música e, portanto, de imagens:
"(...) Talvez a Sra. pudesse salientar o tema Visão, pois é o título do Congresso. Qual era a imagem que a Sra. tinha do Brasil antes do partir e como a sua imagem modificou-se no decorrer do tempo? Houve mudanças na imagem que se tem do Canto Gregorio e de sua interpretação? Essas são apenas sugestões." (9 de agosto)
A 5 de agosto, anunciava, com alegria, que a APCM (Associação Paulista de Canto Medieval) pagaria a sua passagem e que tomaria parte no evento.
No dia 9 de agosto, escrevia: "(...) Visão, tudo bem, mas a visão é triste sem esperança de melhorar o nível cultural... que permanece lamentable."
A sua conferência, de título "Three Decades of Gregorian Chant in Brazil", retomou de forma atualizada o tema que havia tratado em 1981, na Collectanea Musicae Sacrae Brasiliensis. Assim, iniciou a sua comunicação com a última frase daquele seu artigo, onde acentuara a necessidade do entusiasmo. O seu entusiasmo, pelo menos, permanecia vivo, e assim anunciava o seu próximo projeto, o realização de um CD no primeiro semestre do ano 2000.
A última participação de E. Dewey em evento de relevância musicológica deu-se por ocasião do encerramento do triênio científico pelos 500 anos do Brasil, em 2002. Nessa ocasião, porém, por motivo de suas condições de saúde, já não pode estar presente. Enviou porém a sua mensagem por discípulos que a representaram após a sessão efetuada no Teatro São Pedro, em São Paulo, no dia 23 de setembro. Eleanor Florence Dewey, Mère Marie du Rédempteur C.S.A., faleceu no dia 28 de abril de 2008.