Doc. N° 2345
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
114 - 2008/4
Resenha
Sônia Maria de Freitas. Presença Portuguesa em São Paulo. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo: Memorial do Imigrante, 2006. 296 p.; il. ISBN 85-7060-484-X
A.A.Bispo
A autora é Doutora em História social pelo Departamento de História da FFLCH, da Universidade de São Paulo. Realizou especialização em História Oral na Universidade de Essex, Grã-Bretanha, em 1988. Foi coordenadora do setor de História Oral do Museu da Imagem e do Som de São Paulo (1988-1992) e organizadora do I Encontro de História Oral desse museu (1991). É historiadora do Memorial do Imigrante/Museu da Imigração de São Paulo e iniciadora do setor de História Oral (1993). Foi idealizadora e produtora do projeto Festa do Imigrante (1996-1998), além de curadora de várias exposições, entre elas: A Viagem do Dragão: Arte e Imigração Chinesa (1997), Memórias da Imigração Espanhola (1998) e Os Novos Descobridores (2006). Além de ter participado em encontros e congressos, por exemplo do XIII Congresso Internacional de História Oral (Roma, 2004) e do seminário Contribuição de Imigrantes Asiáticos e seus descendentes na América Latina e Caribe (Okinawa 2004), é autora de vários artigos dedicados sobretudo a questões de imigração e história oral. No Prefácio da obra, Carlos Guilherme Mota, Professor da USP e da Universidade Presbiteriana Mackenzie, orientador da autora no mestrado e no doutorado, dá à sua apresentação o título Em busca da identidade luso-brasileira . Salienta que a presente obra abre novos horizontes para a compreensão da contribuição dos portugueses na formação da sociedade brasileira mas, ao mesmo tempo, que a pesquisa nessa área não está concluída, havendo muito ainda a ser revelado e analisado. Partindo do estudo dos imigrantes que vieram no século XIX para trabalhar ao lado de colonos de outras nacionalidades européias, a autora chegou à consideração de personalidades contemporâneas das comunidades de ascendência portuguesa. Refletiu sobre problemas de identidade desses imigrantes e as dificuldades de adaptação que encontraram, salientando porém a capacidade de agregação da comunidade. O prefaciador menciona que a obra abre novos caminhos para a pesquisa. Salienta que, ao lado de suas qualidades de historiadora, a autora se dedica à preservação e divulgação da pesquisa histórica. A obra está dividida em seis capítulos, precedidos por uma introdução. Segue-se um álbum fotográfico, vários anexos e referências bibliográficas. Na sua introdução, a autora parte da afirmação de que a imigração portuguesa representa assunto de fundamental importância para a compreensão da história do Brasil e, em particular, da história de São Paulo. Escrevendo que os trabalhos dedicados a esse tema começaram a surgir por volta da década de 1990, sugere porém um desenvolvimento histórico que não corresponde aos fatos. Já em fins dos anos sessenta desenvolveram-se trabalhos de história oral e cultura do quotidiano, assim como de estudos de identidade ou ethos luso-brasileiro no âmbito do antigo Museu de Artes e Técnicas Populares de São Paulo. Esses estudos constituiram importante escopo do Instituto de Estudos Culturais do Mundo de Língua Portuguesa nas décadas seguintes e levaram a cursos, seminários e conferências. A autora parte, assim, de uma lacuna que supôs ou sentiu existir pela falta de publicações ou dificuldade de seu alcance. Esse fato, porém, não diminui os méritos da obra no seu escopo de dar uma contribuição à elucidação da especificidade da imigração portuguesa no processo imigratório. Uma de suas principais atenções foi dedicada à herança cultural através de depoimentos e testemunhos da comunidade portuguesa: Num entrelaçamento de Memória e História, construiu-se uma memória compartilhada, pois a história portuguesa se cruza com a história brasileira . (pág. 9) A autora salienta que os registros da antiga Hospedaria de Imigrantes mostram que grande parte dos portugueses que por ali passaram foram trabalhar nos cafezais paulistas, o que refutaria a suposição de que o português teria imigrado apenas para as zonas urbanas. Lembra que um aspecto importante foi o da atuação de portugueses na indústria e no comércio. A presença de intelectuais demonstra, porém, que a imagem do português como comerciante e homem sem formação cultural é altamente estereotipada. A autora procurou salientar no seu estudo a presença dos portugueses nos movimentos sociais, organizações anarco-sindicalistas, político-partidárias e na luta pela democracia no Brasil e em Portugal. Teve a intenção de realizar uma obra que tratasse desse grupo étnico como um todo e não de forma fragmentada. Procurou dar atenção à grande História, mas registrou também as pequenas histórias. Constatou que a documentação específica é escassa e está dispersa, e memória da comunidade encontra-se praticamente perdida. Apesar da estreita relação histórica de Portugal com o Brasil, pouco se ensina sobre a história e a cultura portuguesas. Para a autora, seria verdade que a cultura brasileira representaria uma síntese (!) de diversas culturas, mas os portugueses teriam sido os desencadeadores da miscigenação no Brasil (pág. 12). Ignorar-se-ia em geral o quanto da cultura brasileira tem de origem portuguesa. A seguir, a autora trata em brevíssimos esboços da presença portuguesa no Brasil antes de 1822 e da presença portuguesa em São Paulo até a primeira metade do século XIX . O Capítulo 1, de título Imigração Portuguesa para São Paulo , é dedicado aos ítens As primeiras experiências , A Colônia Ibicaba, A Colônia Nova Louzã, e A Grande Imigração: primeiras décadas da República (1889-1930). Digno de particular atenção é o texto referente à Colônia Nova Louzã, Espírito Santo do Pinhal, valioso pela quantidade de novas informações que encerra, pela sua tabela de imigrantes com diferentes indicações e pelas análises que oferece. Tratando do vulto e das idéias de João Elisário de Carvalho Monte-Negro, salienta que o seu estudo representa um desafio para a historiografia brasileira: A verdade é que a experiência de Nova Louzã tornou-se um símbolo dos ideais de liberdade para muitos brasileiros e ocupa uma posição histórica na luta entre os abolicionistas e os escravocratas, colaborando na instituição do trabalho livre no país . (pág. 39) No texto referente à Grande Imigração, a autora considera as relações da emigração com a navegação, analisa a quantidade dos imigrados, os fatores de expulsão e de atração , o desembarque e as hospedarias, o acesso à terra, a imigração a partir dos anos 30 e Salazar e a imigração. Entre os fatores que incentivaram a vinda de portugueses para o Brasil destaca o trabalho livre e assalariado, e a política imigratória. Com razão e sensibilidade, a partir dos depoimentos colhidos, salienta que a morte de familiares, os casamentos forçados para compor uma família, as perdas de referência e de identidade levaram pessoas ao enlouquecimento e, às vezes, ao suicídio. (pág. 60) O Capítulo 2, de título Presença dos Portugueses nas Cidades , é dedicado aos ítens Os portugueses na cidade de São Paulo, Portugueses operários, Portugueses empresário, O Português e a padaria, Destaques em outros ramos de atividades, Bairros portugueses e Os portugueses na cidade de Santos. O Capítulo 3, de título Presença dos Portugueses nos movimentos sociais inclui os ítens Militância operária e político-partidária, O jornal Portugal Democrático, O Centro Cultural 25 de Abril e A luta contra a ditadura brasileira e a condição da mulher . O Capítulo 4, de título Vida Associativa: entidades e instituições é dividido nos ítens: Beneficiência Portuguesa de São Paulo, Arouca São Paulo Clube, Centro Trasmontano, Clube Português, Associação Portuguesa de Desportos, Casa de Portugal de São Paulo, Casa Ilha da Madeira de São Paulo, Casa dos Açores, Clube de Portugal do Grande ABC, Elos Clube, Associação Beneficiente São Pedro do Pari, Tertúlia Acadêmica de São Paulo, Lar da Provedoria e Câmara Portuguesa de Comércio no Brasil. O Capítulo V, de título Vida Cultural e Vida Religiosa, trata dos seguintes ítens: Homens de cultura, letras e arte, Ricardo Severo, o patriarca da colônia portuguesa no Brasil na Primeira República, O livreiro e conselheiro Saraiva, Silêncio: vai-se cantar o fado, Programas de rádio e televisão, Artistas plásticos: pintores, escultures e ilustradores e Homens de fé. Por fim, o Capítulo VI é dedicado ao tema Os novos descobridores: memórias de imigrantes portugueses no século XXI. Nesse capítulo, a autora publica depoimentos de 38 pessoas, de diferentes ramos profissionais e posições sociais. Esses testemunhos não querem representar um apêndice do trabalho. Segundo a autora, constituem um complemento que acrescenta elementos importantes da história e da cultura portuguesas. A obra pode ser considerada como uma contribuição de excepcional significado para os estudos da imigração e para os estudos portugueses em contextos globais. Essa contribuição reside sobretudo no estudo que a autora faz de documentos da imigração, revelando contextos e abrindo perspectivas para futuros estudos. Poder-se-ia certamente apontar aspectos do trabalho que mereceriam ser tratados mais diferenciadamente, sobretudo aqueles referentes aos esboços históricos das relações Portugal-Brasil ou mesmo da história dos portugueses em São Paulo. Um capítulo que mereceria maior atenção é o quinto, concernente à vida cultural e à vida religiosa dos portugueses. Uma orientação mais especificamente culturológica da pesquisa, acompanhada de necessárias reflexões teórico-conceituais, poderá levar a tratamentos mais aprofundados dos processos culturais em questão. Essas perspectivas, porém, não desmerecem um trabalho que surge desde já como obra básica de referência.