Doc. N° 2372
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
115 - 2008/5
Portugal-Brasil
Sequeira Costa 1968 na História Contemporânea das Relações Interculturais Questões de difusão cultural refletida
pelos 40 anos de fundação da Sociedade Nova Difusão entidade constituidora da Organização Brasil-Europa
Trabalhos da A.B.E. 2008
A.A.Bispo
A presença portuguesa na vida musical de São Paulo foi marcada, no ano de 1968, pelo recital do pianista Sequeira Costa. O artista era antecedido por considerável renome e o seu recital foi aguardado com particular interesse. Tinha-se, com esse concerto, sobretudo para os luso-brasileiros, a oportunidade de tomar conhecimento da vida artística de Portugal, tão pouco difundida no Brasil. Para muitos, a imagem de Portugal estava demasiadamente marcada pela cultura da imigração. Sentia-se que o retrato do português sem interesses culturais, que apenas procurava o sucesso no comércio e na indústria precisava ser corrigido no sentido de uma maior diferenciação. Portugal fora conhecido, até em passado não muito remoto, por uma ampla política de difusão cultural: exposição de obras impressas, envio de professores e pesquisadores, realização de concertos e outros eventos que haviam dado ao país uma imagem de nação que dedicava particular atenção à cultura e à ciência. Devido às conotações políticas da propaganda científico-cultural portuguesa, porém, assumia-se uma atitude crítica com relação a esse passado de difusão cultural. Em fins da década de 60, alguns círculos sentiam o predomínio de uma visão negativa do nível cultural de Portugal, marcada por uma certa estagnação e orientação passadista. A vinda de um renomado pianista português foi vista, assim, como importante impulso à auto-estima de luso-brasileiros e a uma nova consciência cultural concernente às relações Portugal-Brasil. O concerto de Sequeira Costa representou um marco simbólico, até mesmo preparatório para o que nos anos seguintes levaria à idealização do que se tornaria o Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa.
Sequeira Costa, o discípulo de Vianna da Motta
José Carlos Sequeira Costa, nascido em Angola (Luanda, 18 de julho de 1929), trazia a fama de ter sido aluno de um dos maiores músicos portugueses, José Vianna da Motta, um dos últimos discípulos de Liszt. Tendo vindo com 8 anos para Lisboa, foi seu aluno até 1948, ano da morte de Vianna da Motta, dando continuidade a seus estudos em Londres, com outro discípulo de Listz, Mark-Hamburg. Na sua formação, trabalhara também com Marguerite Long e Jacques Fevrier, em Paris, e com Edwin Fischer, na Suíça. Com apenas 22 anos, recebera o Gran Prix Ville de Paris do Concurso Internacional de Piano Marguerite Long. Mais tarde, Sequeira Costa dera início, em Lisboa, ao Concurso Internacional que traz o nome do seu mestre, uma das muitas provas do empenho do pianista em manter viva e dignificar a sua memória. O I Concurso internacional de Piano Viana da Mota foi realizado em Lisboa, de 14 a 19 de Outubro de 1957.Desde 1958, a convite de Dmitri Shostakovich, atuou como membro do juri do Concurso Tchaikovsky, em Moscou.
Sequeira Costa surgia como uma personalidade com surpreendente experiência internacional. Apresentara-se na Inglaterra, França, Rússia, Polonia, Espanha, Áustria, Portugal, bem como no Brasil, China, África do Sul e países do Extremo Oriente. Apresentara-se com orquestras de alto renome, entre outras, com a da Sociedade de Concertos do Conservatório de Paris, Pasdeloup. Atuara sob a regência dos maestros Pedro de Freitas Branco, Paul Klecki, Jean Martinon, Geoffrey Miller, Enrique Jorda, Alberto Wolf, Louis de Frement, Joseph Keilberth e Van Remortell. Em 1963, após uma tournée pela Rússia e Médio Oriente, fora nomeado professor do Conservatório Real de Teheran. Atuara intensamente no Festival Internacional Gulbenkian, no Festival de Sintra e em recitais em Angola e Moçambique. Em novembro de 1966, dera um concerto em Bagdad. Iria atuar, depois de São Paulo, em Moçambique e na Africa do Sul. Sequeira Costa surgia, assim, para os meios pianísticos paulistas, não só como representante de tradicionais escolas pianísticas, também cultivadas no Brasil, a francesa, de Marguerite Long, e a alemã. Realizava por assim dizer, em tradição de Liszt, uma inserção das principais escolas européias na corrente histórica portuguesa marcada por Vianna da Motta. Sequeira Costa surgia sobretudo como um músico do mundo de língua portuguesa por excelência, integrando-o no panorama internacional. Ele próprio nascido em Angola, incluia na sua trajetória internacional os países lusófonos da África. Surgia, assim, como um modêlo a ser seguido.
Souza Carvalho e Camargo Guarnieri
Sequeira Costa era sob um outro ponto de vista um pianista que surgia como exemplar: o da inclusão de compositores portugueses e brasileiros no seu repertório. Colocando-os ao lado de grandes nomes da história da música européia, manifestava de forma óbvia a sua validade internacional. Assim, o programa apresentado em São Paulo foi aberto com uma obra do compositor português Souza Carvalho, Tocata e Andante, e incluiu, na segunda parte, uma obra brasileira, a Dança Negra de Camargo Guarnieri.
Vozes do mundo luso-africano
De Moçambique, conhecia-se no Brasil a crítica de um de seus concertos oferecidos em Lourenço Marques, a 22 de agosto de 1956:
"Em concerto extraordinário, apresentou o Círculo de Cultura Musical ao público de Lourenço Marques, na passa segunda-feira, no Teatro Gil Vicente, o jovem e marcante português Sequeira Costa. Que Sequeira Costa representa, no nosso país, um exemplo raro de valor e dignificação é juízo que não pode pôr em dúvida uma séria e ponderada apreciação de cultura artística. Num mundo onde são tantos os grandes intérpretes musicais e tratar-se de jovem de um país onde o desânimo e a ociosidade de todos têm por fatalidade cortar, sempre à nascença, as raras iniciativas de cada um, o valor de Sequeira Costa requer que se brinde com mais uma notável qualidade: o heroismo! São de heroicidade a persistência e abnegação necessárias à preparação capaz e elevada com que este jovem e já bem conceituado intérprete nos deslumbra. (...) (...) o que dá a Sequeira Costa a marca de grande concertista é a posse, já assegurada, de um estilo definido, como o denotam o domínio do seu virtuosismo, a elegância e acentuação interpretativas, comuns aos invulgares intérpretes da escola e de categoria, e tão em evidência na sua interpretação do número Caprichos (da Fantasia) de Schumann e principalmente no Final, Presto da Sonata de Chopin. Siqueira Costa irá brevemente dar vários recitais na Austrália, Nova Zelândia e, talvez, no Japão. Que lá ou em qualquer parte, fora de Portugal, a consideração do C.C.M., o carinho e a compreensão do público de Lourenço Marques - nunca avaliáveis pela quantidade - e esta modesta apologia não lhe admitam, um momento que seja, pensar na falta de milagres a santos de casa - esta a nossa saudação." (Daniel de Souza, "O recital de piano de Sequeira Costa", Notícias, de 22 de Agosto de 1956, in: Críticas e Estudos sobre Música, Arte, História e Sociologia, Lourenço Marques: Minerva, 1959, 177-180)
Nova Difusão. 40 anos de fundação: 1968-2008
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).