Doc. N° 2374
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
115 - 2008/5
Tema em debate
1968 na História Contemporânea das Relações Interculturais Questões de difusão cultural refletida
pelos 40 anos de fundação da Sociedade Nova Difusão entidade constituidora da Organização Brasil-Europa
Trabalhos da A.B.E. 2008
A.A.Bispo
O ano de 1968, pelos seus movimentos, manifestações e demonstrações, é muitas vezes considerado como sendo um marco na história cultural em contextos globais da segunda metade do século XX. O seu significado não diz respeito apenas a um determinado ano do calendário e a um passado encerrado. Muitos dos impulsos de então desencadearam processos que determinaram o desenvolvimento posterior em várias áreas do conhecimento, das relações culturais e artísticas, e cujas conseqüências se fazem ainda hoje sentir. Pela passagem dos seus 40 anos, os acontecimentos de 1968 estão sendo relembrados em exposições, publicações, filmes e debates. Procura-se refletir sobre as circunstâncias que levaram à eclosão de movimentos de intuitos renovadores, suas causas e conseqüências. Tem-se a consciência de que acontecimentos de então trouxeram transformações significativas de valores e de atitudes. Hoje, aos olhos de uma nova geração, nascida nos anos setenta, nem todos os anseios, e sobretudo nem todos os protagonistas de então são vistos apenas positivamente, podendo-se, em visão retrospectiva medir os ideais então defendidos, à luz de fatos e atuações nas décadas que se seguiram. A necessidade de balanços, de revisões e de considerações contextualizadas se impõe. Um desses eventos foi a exposição organizada pelo Museu Histórico de Frankfurt a.M. (01 de maio a 31 de agosto de 2008). Uma das preocupações foi a de contextualizar os acontecimentos de 1968, considerando a vida quotidiana, as condições da época e os anseios de renovação da juventude de então, sobretudo daqueles de superação de uma atmosfera restrita, pequeno- burguesa, sentida então como asfixiante e hipócrita. Cada vez mais se constata a surpreendente dimensão global dos acontecimentos de 1968. Em eclosões quase que simultâneas, em diversos países e continentes, estudantes, trabalhadores e ativistas de diferentes causas, sobretudo emancipatórias e antidiscriminatórias, manifestaram-se contra situações e estruturas. Expressões mais conhecidas desse fenômeno foram as dos estudantes na França e na Alemanha, aqui contra a imutabilidade da universidade hierárquica e contra o "mofo dos talares", nos EUA, as demonstrações contra a guerra do Vietnam, o movimento do Black Power e o movimento Hippie, este generalizado. Também no Leste europeu houve eclosões renovadoras nessa época, tais como a "Primavera de Praga" e outros movimentos na Hungria, na Polonia, na Rumênia e na então Iugoslávia. Nova Difusão. 40 anos de fundação: 1968-2008 Cada vez mais tem-se constatado que também fora dos EUA e da Europa ocorreram, na época, movimentos que, apesar de todas as diferenças de objetivos e de formas de expressão apresentam certas similaridades quanto ao intuito renovador de instituições e situações, seja na Ásia, por exemplo no Japão, na África, por exemplo no Senegal, seja na América Latina, por exemplo no México. Trata-se, assim, de um fenômeno quase que mundial que exige não apenas análises contextualizadas nas diferentes regiões, mas sim também estudos amplos e mais diferenciados de processos supra-regionais e supra-nacionais. O estudo do ano de 1968, da "geração de 68", de suas causas e conseqüências surge, assim, como tarefa por excelência da história intercultural contemporânea e de estudos culturais em contextos globais. Também o Brasil conheceu nessa época tendências, movimentos e expressões culturais de cunho crítico-renovador. Tem-se estudado essas manifestações sobretudo na área da cultura popular. Assim, em seminários realizados em cooperação com a A.B.E. em universidades européias, considerou-se sobretudo o Tropicalismo, também sob a perspectiva global de ocorrências em outros países da época. O aprofundamento dos estudos de relações interculturais que permitam elucidar tais fenômenos, para além de todas as diferenças determinadas pelos diversos contextos, dirige a atenção a processos que são mais amplos do que fenômenos mais ou menos restritos a determinadas áreas de expressão e escopos, sejam eles musicais, artísticos, políticos, emancipatórios ou outros. Além da superação de enfoques nacionais, a perspectiva interdisciplinar surge como uma exigência dos estudos da história cultural contemporânea que focaliza 1968. Na literatura dedicada ao tema, tem-se procurado analisar a razão da eclosão desses movimentos nos anos do fim da década de 60 em contextos tão diversos e sob condições políticas até mesmo contrárias. Entre os fatores, tem-se considerado processos estruturais mais ou menos globais, entre eles acarretados pela diminuição do crescimento econômico vigente desde os fins da Segunda Guerra Tem-se apontado também um maior esclarecimento da juventude pelo acesso mais amplo às universidades. Com relação à América Latina, um estudo histórico de contextos políticos não poderia deixar de considerar a situação do autoritarismo militar em alguns países nas suas relações de tensão com a Revolução Cubana. Entretanto, a situação das análises específicas parece estar ainda distante de ser satisfatória. Algumas esferas da cultura quase não têm sido consideradas no âmbito dos estudos de 68. Entre outras, para a América Latina, não se poderia deixar de considerar a religião, marcada então por atividades múltiplas que procuravam uma reforma do culto e uma renovação da vida religiosa e eclesial segundo os impulsos que haviam sido dados pelo Concílio Vaticano II. Uma das principais tarefas que se colocam reside na adequada consideração das reflexões culturais da própria época. Não se tem aqui um período da história que possa ser considerado apenas retrospectivamente, como se, na época, as ocorrências e manifestações não tivessem sido resultados de idéias, correntes de pensamento e concepções debatidas e discutidas. Pelo contrário, na maior parte dos manifestos de 68, a preocupação intelectual por fundamentações teóricas foi marcante. A história cultural contemporânea vincula-se aqui estreitamente com a história do pensamento e das rêdes sociais da produção e difusão de conceitos e formas de expressão.
Questionamento da Difusão Cultural
Para a A.B.E., nesse sentido, a pesquisa de 1968 adquire significado particular. A organização Brasil-Europa de estudos culturais em contextos internacionais, embora concepcionalmente em constante renovação, tem a sua origem institucional em sociedade fundada e registrada em outubro de 1968, em São Paulo. Os pressupostos dessa iniciativa, a sua organização, o seu escopo e as suas atividades apenas podem ser compreendidos no contexto geral do espírito renovador de estruturas e concepções da segunda metade dos anos sessenta. Tratava-se aqui, em linhas gerais, como a própria designação da entidade indicava - Nova Difusão -, do questionamento de estruturas de difusão cultural que colocavam o recipiente em posição quase passiva de assimilador de informações, de formas de expressão artística, de repertórios e de concepções. Via-se, nessa concepção de difusão cultural, um dos fatores para a manutenção de esferas culturais mais ou menos fechadas em si, com conseqüências para a sociedade e para os próprios estudos culturais. O próprio desenvolvimento cultural da época, marcado pela mobilidade, pela crescente aproximação de grupos, pela ação dos meios de comunicação, exigia uma revisão teórica de modêlos de difusão cultural. Procurava-se superar a idéia de que a difusão se basearia num agente transmissor de valores, conhecimentos e expressões de um lado e de um receptor do outro, quase a modo de professor e aluno. A própria dinâmica cultural, sobretudo nas metrópoles, sugeria uma outra concepção, mais adequada, antes inspirada no processo osmótico em uso metafórico de processos químicos. Pela própria inserção do receptor na dinâmica cultural, a opção seria a de que, numa Nova Difusão, o receptor estivesse consciente dos processos de difusão a que estava sujeito e que neles participasse de forma refletida. Seria assim, observador ou analista participante e protagonista consciente. As conseqüências dessa concepção eram múltiplas. Rejeitava-se, assim, por exemplo, iniciativas de difusão cultural que partiam apenas do intuito de educação de platéias ou de arregimentação de jovens para a formação de novos públicos se o repertório a ser difundido continuasse a ser apresentado sem os necessários impulsos à reflexão. A transpassagem de barreiras entre esferas culturais dizia respeito não apenas àquelas entre a cultura erudita, popular e folclórica, às classes sociais, aos diferentes grupos étnicos da sociedade. Procurava-se também refletir sobre as limitações impostas pelas diferentes nações, atentando também aqui às possibilidades de superação de fronteiras. A atenção deveria ser aqui dirigida também a processos quase que osmóticos que vinculam as nações entre si. Também aqui o conceito de difusão cultural passou a ser questionado. A visita de artistas e pensadores estrangeiros procurava não mais ser vista como expressões de difusão de cultura européia ou norte-americana a um público sedento de informações e ávido de fruição artística, mas sim como oportunidade para o reconhecimento de estruturas e anseios comuns, de inserções em processos abrangentes, de intercâmbio de idéias e de aproximação na reflexão cultural e no agir consciente. A presente edição desta revista é sobretudo dedicada a alguns aspectos dos anseios do ano de 1968 em São Paulo. Ao contrário dos debates até hoje desenvolvidos e que visaram sobretudo expressões da cultura e da música popular, os textos aqui incluidos tratam de reflexões de intuitos renovadores da época em função da presença de artistas europeus e norte-americanos na vida de concertos da metrópole paulista.
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).