Doc. N° 2377
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
115 - 2008/5
Polonia-Brasil
Stanislaw Wislocki (1921-1998) 1968 na História Contemporânea das Relações Interculturais Questões de difusão cultural refletida
pelos 40 anos de fundação da Sociedade Nova Difusão entidade constituidora da Organização Brasil-Europa
Trabalhos da A.B.E. 2008
A.A.Bispo
Numa visão retrospectiva da vida músico-cultural do Brasil de fins da década de 60 percebe-se um singular interesse pela cultura de países do então mundo socialista do Leste europeu. As razões desse interesse foram múltiplas, uma delas, talvez a principal, certamente relacionada com a situação política da época. Sistemas opostos de govêrno, distanciamento nas relações, encerramento por detrás de muros e do silêncio, assim como falta de informações tiveram como singular correlato um crescente interesse pela vida cultural e pelo desenvolvimento de países dos quais tão pouco se sabia. Dentre esses países, a Polonia ocupava uma posição especial. Os elos entre a Polonia e o Brasil eram de longa data, e a história mais antiga da Polonia sempre estivera estado presente na vida cultural, sobretudo através da música. Principalmente o culto a Chopin, tão intenso no Brasil, sempre mantivera a Polonia presente na consciência de círculos de interesses culturais. (Veja textos em números anteriores desta revista) Nos anos 60, o interesse pela Polonia foi intensificado pela difusão de informações relativas à música contemporânea polonesa. Estudantes de composição e um público mais aberto às experiências da música nova tinham notícia do significado internacional alcançado por compositores poloneses vivos. O país e sua cultura eram, assim, alvo de interesse tanto do público que tradicionalmente freqüentava as salas de concerto e que se prendia tradicionalmente ao repertório clássico-romântico, como daqueles círculos voltados à música do século XX.
Polônia e a Difusão Cultural
A Polonia, em 1968, ocupava uma posição particular sob o aspecto da problemática da difusão cultural. Era, ao mesmo tempo, um dos países mais relacionados com a tradição romântica do repertório de ensino e de concertos, então alvo de crítica por aqueles que procuravam a renovação do público e da difusão musical, e um dos países sempre lembrados quando se tratava da necessidade de uma mais intensa difusão da música contemporânea. As questões levantadas tinham necessariamente conotações político-culturais, uma vez que tematizavam de forma particularmente intensa as relações nacionalismo/internacionalismo. Para aqueles que representavam o movimento de uma Nova Difusão através da observação participante, refletida e consciente de processos de difusão cultural, uma das questões que despertavam interesse era a da situação da vida musical convencional de concertos e do repertório clássico-romântico na própria Polonia. Uma oportunidade para a obtenção de informações e para um contato mais estreito e sensível com a realidade polonesa do cultivo e da difusão músico-cultural deu-se com a visita de um dos mais renomados regentes do país da época, Stanislaw Wislocki, então maestro da Orquestra Filarmônica de Varsóvia e professor de regência do Conservatório de Varsóvia. A sua atividade era conhecida nos meios musicais brasileiros sobretudo por gravações em disco. Obtivera, em 1960, o Grand Prix du Disque, de Paris, regendo o 2° concerto para piano e orquestra de Rachmaninoff, tendo Sviatoslav Richter como solista. O programa do seu concerto em São Paulo incluia vozes da crítica internacional, entre elas de jornais de Baltimore, Ottawa, London, Buffalo, Helsinki, Lausanne, Paris, Buenos Aires, Caracas, Viena, Essen.
Stanislaw Wislock: 10 anos do falecimento
Stanislaw Wislock, nascido em Rzeszów, em 1921, teve a sua formação com Seweryn Barbag, professor do Conservatório de Lwow. Estudou composição e regência com George Simonis, na tradição da Schola Cantorum de Paris, e piano com Emil Miachail na Academia de Música de Timisoara, na Rumênia. Era, portanto profundamente enraizado na tradição musical européia, tal como representada no Leste europeu. Ao mesmo tempo, desempenhou um papel de particular relevância na organização da vida orquestral de países do Leste. Nos últimos anos da Segunda Guerra, de 1942 a 1945, recebera orientação e atuou com George Enesco em Bucareste alcançando ali renome como pianista, regente e compositor. Foi um dos primeiros que realizou um concerto de auxílio à Varsóvia destruída, com a Orquestra Sinfônica da Rádio Rumena, em dezembro de 1944. Após a Segunda Guerra Mundial, retornando à Polonia, ali organizou, em 1947, a Orquestra de Câmara da Polonia com músicos da época anterior à Guerra, e a Orquestra Filarmônica de Poznan, desenvolvendo-a, sob a sua direção, em cerca de onze anos a uma das mais prestigiadas do país e da Europa. Colaborou também na direção da Orquestra Sinfônica da Rádio Nacional Polonesa, em Katowice. Paralelamente às suas atividades como professor do Conservatório de Poznan, a partir de 1948, dedicou-se intensamente à realização de festivais com obras dos grandes vultos da tradição clássico-romântica, tais como Bach, Beethoven, Brahms, Mozart, incluindo também compositores poloneses. Não deixou também de apresentar obras da música contemporânea. Tornou-se um dos mais renomados regentes da Polonia, dirigindo as principais orquestras do país. Representando assim sobretudo a permanência de uma cultura musical clássico-romântica em país do Leste, tornou-se também um dos principais representantes da Polonia na vida de concertos da Europa Ocidental e da América do Norte e do Sul. O seu renome internacional tinha-se solidificado com as suas participações em prestigiados eventos, tais como nos Concerts Lamoureaux, de Paris, e no Maggio Musicale, de Florença. Na América Latina, era conhecido sobretudo na Argentina, no Uruguai e na Venezuela. Também como compositor filiava-se à tradição sinfônica herdada do Romantismo, tendo escrito noturnos, sonatas e suites para piano, trios, quartetos e sobretudo obras orquestrais, entre elas poemas sinfônicos, sinfonias "da Dança" e "Noturna", uma abertura e um concerto para piano e orquestra.
O regente no debate sobre a Difusão Cultural
A visita de Wislocki em São Paulo assumiu particular significado devido às reflexões que então se encetavam a respeito do papel do regente na Difusão Cultural. Considerava-se que, tradicionalmente, o "maestro" designava muito mais do que apenas um regente, assumindo uma posição de competência músico-cultural quase que global, de alto prestígio social e de autoridade, sendo em geral responsável pela constituição de repertórios e programas. Na crítica da vida musical de então, os maestros ofereciam a oportunidade a que fossem personalizados os problemas que se registravam quanto à difusão cultural. A crítica da difusão músico-cultural e de uma política de difusão era, em grande parte, uma crítica de maestros. Surgindo como principais agentes da difusão, poderiam tornar-se também principais protagonistas de uma renovação, não apenas de uma atualização de repertórios, mas também de formas de apresentação e de propostas programáticas. Necessária seria assim uma transformação de orientações e atitudes, e sobretudo de conscientização do papel sócio-político-cultural transformativo que o regente poderia desempenhar. Sob esse pano de fundo, compreende-se o novo interesse de jovens músicos pelo estudo da regência em fins da década de 60. Com Wislocki, uma parte desse complexo de preocupações poderia ser exemplarmente tematizado. Tratava-se sobretudo do regente na sua condição de iniciador, de mola propulsora, de organizador de conjuntos e orquestras. Tal como agira nos países do Leste em fins da Segunda Guerra, contribuindo decisivamente à reorganização da vida musical, também os novos regentes, no Brasil, poderiam vir a ser motores de iniciativas camerísticas, orquestrais e corais necessárias para a revitalização e diversificação da vida musical. Um novo entusiasmo, quase que messiânico, podia ser observado em círculos de jovens músicos que passaram a se dedicar à regência e a organizar grupos instrumentais e de coros ao redor de 1968. O sentido da difusão cultural consciente era aqui dirigido sobretudo à procura de obras pouco conhecidas do repertório e de arregimentação de novos músicos e cantores em círculos até então pouco considerados, em faculdades, hospitais e empresas industriais. Esse intensificado interesse não era novo, sendo que a sua atualidade consistia sobretudo na nova intensidade e na consciência de uma co-operação espontânea, não dirigida em processos de difusão cultural. O debate de uma Nova Difusão, porém, ia mais longe. Tratava-se não apenas de um aumento do número de regentes como caminho para uma quase que automática multiplicação de conjuntos, mas sim da contínua sensibilização desses líderes da vida musical pelas questões que se colocavam quanto à forma convencional de difusão e que contribuia à perpetuidade de valores, à solidificação de hierarquias e de esferas culturais, sociais e até mesmo étnicas.
Nova Difusão. 40 anos de fundação: 1968-2008
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).