Doc. N° 2404
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
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68: Conceito de "ars nova" e difusão cultural. Ars Nova da UFMG Carlos Alberto Pinto da Fonseca
Revendo 1968 na vida musical brasileira. Trabalhos da A.B.E. 2008 40 anos de fundação da sociedade Nova Difusão constituidora da Organização Brasil-Europa
Dentre as inúmeras atividades relacionadas com o conceito de "ars nova", que na época de 60 surgia como designativo de movimentos e corais, salientava-se o Coral deste nome da Universidade Federal de Minas Gerais.
Esse singular fenômeno do uso do conceito em iniciativas de diversas proveniências surge como significativo de determinadas tendências da Difusão Cultural da época. Tratava-se de um conceito da Idade Média, refletindo assim o renovado interesse pela música mais antiga no Brasil da época, e sugeria, ao mesmo tempo, de forma emblemática, uma determinada intenção de renovação da vida musical e do repertório. Em São Paulo, o movimento Ars Nova era conhecido sobretudo pelas iniciativas de discípulos de H.-J. Koellreutter, em particular através das atividades de Klaus-Dieter Wolff e Diogo Pacheco. Nesse ano, porém, apresentou-se no Teatro São Pedro, então recentemente transformado de cinema a sala de concertos, o Coral Ars Nova, que era internacionalmente o mais conhecido portador dessa denominação. Segundo a sua própria descrição, o Ars Nova, como coral da Universidade Federal de Minas Gerais, dirigido por Carlos Alberto Pinto Fonseca, era um grupo vocal mixto que procurava fazer da antiga prática de cantar em conjunto uma "arte nova". Essa arte nova era compreendida não apenas no sentido da divulgação de obras desconhecidas, embora o coral já houvesse apresentado várias obras em primeira audição, tais como a Missa em Aboio, de Pedro Marinho, considerada como "missa luba brasileira" e a Sexta Missa, de Francisco Mignone. O termo "arte nova" era entendido também no sentido da ampliação do repertório. O conjunto via-se aqui com uma missão: a de difundir "os estilos anteriores e posteriores ao usual limite clássico-romântico". Ao mesmo tempo, impunha-se a tarefa de revalorizar o folclore brasileiro por entender que este representava o ponto de contato da "arte com o povo". Essa revalorização era pretendida através de arranjos que procuravam "traduzir" a música folclórica à linguagem polifônica, sem porém perder a espontaneidade de suas origens. Nesse intuito, o coral vinha de encontro, em linhas gerais, a outros grupos e movimentos com similares objetivos e concepções. Sob que aspecto diferenciava-se o Ars Nova de Minas Gerais de outros "Ars Nova" de São Paulo? A distinção não seria apenas sob o aspecto de seu particular renome internacional. De fato, em escolha do diretor do II° Festival Internacional de Corais Universitários patrocinado pelo Lincoln Center, de Nova York, James Bjorge, o Ars Nova da UFMG havia sido selecionado para representar o Brasil no certame em março de 1969.
Uma diferença com relação aos outros grupos que se utilizavam do conceito podia ser vista no emprêgo mais amplo do termo folclore. Enquanto os paulistas preferiam já falar de música popular, apesar do protesto de folcloristas, nela inserindo peças tradicionais, o grupo de Minas Gerais ampliava o âmbito do folclore, nele incluindo elaborações a várias vozes de peças de conhecidos compositores populares. Para o observador familiarizado com o debate teórico-cultural, essa acepção de folclore parecia inaceitável. Em geral, porém, o procedimento era o mesmo: a integração, no intuito de difusão cultural de obras de compositores eruditos baseados em temas tradicionais ou de cunho nacional (por ex. Rosa Amarela, de H. Villa-Lobos; Padre Francisco, de Osvaldo Lacerda) e de arranjos de música popular (por ex. Galo Garnizé, de Almirante). A discussão conceitual e teórica não se resumia à questão de conceitos e àquela subjacente de distinção de esferas culturais. A concepção de difusão, o escopo e a sua fundamentação teórica ou até mesmo ideológica surgiam em si como merecedores de reflexões. Levavam não apenas à valorização de uma parte do repertório brasileiro - aquela de orientação nacionalista - como também a uma nova produção. Assim, o diretor do conjunto, Carlos Alberto Pinto Fonseca, atuava êle próprio como elaborador de arranjos, tal como o de uma serenata de Diamantina, "A a ti, flor do céu", de um ponto de Umbanda, "Ponto de Oxun-Iemanjá", de "Muié Rendera", entendida como "cantiga do bando do Lampeão" ou de "Jubiabá", baseado na obra de Jorge Amado. Uma orientação nacional e social, de simpatia pela expressão popular, independentemente de reflexões teórico-culturais unia-se paradoxalmente a uma posição singularmente conservadora sob o ponto de vista técnico-estético, uma vez que os arranjos se mantinham no contexto tonal, obedecendo no geral a convenções formais, rítmicas e de gênero. O concerto do Ars Nova em São Paulo, levado a efeito no Teatro São Pedro, nos dias 16 e 17 de dezembro de 1968, incluiu três grupos de obras. O primeiro, constituia-se de obras da Idade Média, Renascença e Barroco (Alle psalite, Alleluia; Palestrina; G. da Venosa; O. di Lasso; G. Gastoldi, H. Schütz, A. Scarlatti). O segundo, era singularmente constituido de obras do Romantismo Alemão (Sechs Lieder, de F. Mendelssohn), o terceiro, de composições e arranjos relacionados com o folclore brasileiro.
A.A.Bispo
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).