Doc. N° 2401
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116 - 2008/6
68: "Concerto do Ano" Arnaldo Estrela, João Carlos Martins, Gilberto Tinetti, Caio Pagano
Revendo 1968 na vida musical paulistana. Trabalhos da A.B.E. 2008 40 anos de fundação da sociedade Nova Difusão constituidora da Organização Brasil-Europa
sob o título de "O Concêrto do Ano", em promoção do Govêrno Abreu Sodré e em realização de Joe Kantor, realizou-se, no dia 21 de dezembro de 1968, às 15 horas, no Teatro Municipal de São Paulo, um concerto sinfônico sob a regência de Diogo Pacheco e que reuniu os renomados pianistas Arnaldo Estrela, João Carlos Martins, Gilberto Tinetti e Caio Pagano. O programa constou do Concerto em dó menor para dois pianos e orquestra, de J. S. Bach, executado por Arnaldo Estrela e João Carlos Martins, do Concerto em Lá maior para dois pianos e orquestra de W.A.Mozart, executado por Gilberto Tinetti e Caio Pagano e, na segunda parte, após a Sinfonia em Mi Bemol Maior op. 9 N° 2 de J. Chr. Bach, do Concerto para quatro pianos e orquestra de J. Sebastian Bach, tendo como solistas os quatro pianistas.
O concerto constituiu uma sensação e tinha sido como tal concebido. A reunião de tantos pianistas consagrados num só espetáculo, expressamente denominado de "Concerto do Ano" chamava necessariamente a atenção do público e da crítica. A possibilidade de comparação de qualidades técnicas, interpretativas e de personalidade dos pianistas despertava o interesse dos admiradores da música para piano e pianistas das diferentes escolas.
Havia, porém, indubitavelmente, o aspecto da atração de um cotejo que incluia aspectos menos nobres de vaidade artística e pessoal. O interesse do evento não decorria assim tanto do programa apresentado, cujas obras eram já há muito conhecidas. Mesmo a obra final, o Concerto para quatro pianos de J.S.Bach já havia sido realizado há poucos anos por Souza Lima e seus discípulos. O significado da apresentação também não derivava do interesse musicológico e de uma prática de execução fundamentada histórico-musicalmente. O interesse desse "Concerto do Ano" decorria não especificamente de qualidades musicais e interpretativas, mas sim do fascínio despertado pela presença de tantos nomes prestigiados e pela singularidade de aproximação de intérpretes tão diversosm ao contrário da usual animosidade pessoal que se conhecia do meio.
O concerto não deixava de manifestar intentos que poderiam ser considerados como sensacionalistas, uma crítica, de resto, que não era totalmente desconhecida de outros empreendimentos que incluiam o nome de Diogo Pacheco. Entretanto, seria injusto e inapropriado manter tal apreciação do evento em perspectiva histórico-cultural. Pelo contrário, o "Concerto do Ano" de 1968 demonstrava de forma emblemática uma das tendências do pensamento de difusão cultural da época. A necessidade que se sentia de renovação da vida musical levava a diferentes concepções e iniciativas. Reconhecendo-se que não apenas se tratava de uma atualização do repertório musical, com a apresentação de obras não usualmente cultivadas do passado remoto e do presente, procurava-se ativar o público de concertos e conquistar novas camadas de ouvintes, de diferentes esferas sociais. Alguns defendiam a popularização da música erudita através de arranjos elaborados de música popular e da participação de intérpretes populares em concertos. Outros, contrários a essa mistura de esferas e gêneros, preconizavam o aumento qualitativo como medida para o chamamento de público, e para isso defendiam a contratação de músicos estrangeiros e a realização de concertos com nomes altamente prestigiados.
O nome de Diogo Pacheco vinculava-se sobretudo com a tendência da popularização da esfera erudita. No caso do "Concerto do Ano", porém, misturavam-se as estrategias de difusão, uma vez que não incluia intérpretes ou obras da música popular, mas sim pianistas de grande renome. O sentido da popularização, aqui, era outro. Vinha de encontro a um interesse que preocupava estudiosos e práticos da época, ou seja, o da função cultural de imagens e de "estrelas" no processo comunicativo. O "Concerto do Ano" não era popular no seu conteúdo e nos seus nomes, utilizava-se, porém, de meios de difusão que até então eram mais conhecidos da esfera popular.
O aspecto inovador do acontecimento pode ser reconhecido sobretudo no desafio que representava para aquelas correntes de pensamento que até então haviam combatido uma vida musical de exterioridade virtuosística, de concertos-monstros e de uma pianolatria herdada do século XIX.
A.A.Bispo
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).