Doc. N° 2396
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
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68: Música popular e música para cravo na renovação do repertório Paulo Herculano e Samuel Kerr
Revendo 1968 na vida musical Paulistana.Trabalhos da A.B.E. 2008 40 anos de fundação da sociedade Nova Difusão constituidora da Organização Brasil-Europa
Os Seminários de Música Pró-Arte constituiram um dos principais núcleos de renovação musical de repertórios e de concepções estéticas de São Paulo. A instituição dava continuidade à tradição da Escola Livre de Música que, sob a ação e a influência de J.-H. Koellreutter, havia contribuido fundamentalmente à formação de professores e músicos que então surgiam como os principais protagonistas do movimento renovador. A Pró-Arte do Brasil não era uma instituição nova. Havia sido fundada em 1931, tendo sido reconhecida como de utilidade pública pelo Decreto Federal de número 37.817. Em fins da década de sessenta, a irradição da entidade entre círculos estudantís era possibilitada sobretudo pelas atividades do Grêmio Bela Bartok. Os concertos organizados no Auditório "Theodor Heuberger" ofereciam diversificados impulsos e incentivos a estudos e à prática inovadora.
O Grêmio Bela Bartok empenhava-se nesse ano de 1968, a dinamizar os Seminários de Música e manter o nível do Auditório Theodor Heuberger. O Grêmio convidava a todos os jovens musicistas ou universitários à participação no seu movimento artístico como sócios externos. Esses jovens podiam participar de conferências, debates, seminários de estudo, audições de discos, concertos aos sábados e outras atividades. Ponto alto nesse ano foi a realização de um III° Encontro Internacional de Música, levado a efeito de 1 a 27 de julho.
Algumas realizações
No dia 18 de maio de 1968, realizou-se um recital de canto e piano com Heloisa Fortes, José Luiz Sampaio e Hortência Christina Ravagnani. Foram executadas obras de Chatelain de Coucy, Thibaut de Champagne, Guilhaume de Machault, A. Scarlatti, G. C. Carissimi, W. A. Mozart, J. S. Bach, C. Debussy, F. Schubert, G. Fauré, A. Gretchaninoff, H. Villa-Lobos e S. Prokofieff.
Heloísa Fortes, que iniciara os seus estudos de piano com Antonio Munhoz, passando à orientação de Souza Lima, estudava então nos Seminários de Música Pró-Arte sob a direção de Gilberto Tinetti. Havia freqüentado os Cursos Internacionais de Férias da Pró-Arte, realizados em Teresópolis, em 1967 e 1968. Em abril de 1968, participou de concurso para jovens solistas da Orquestra Filarmônica de São Paulo.
José Luiz P. Sampaio era estudante de Física da Universidade de São Paulo e bolsista de canto nos Seminários de Música Pró-Arte. Estudava canto com Celina Sampaio. Além de ter-se apresentado em várias audições, cantara no Auditório do Colégio Des Oiseaux, no primeiro concerto realizado pelo grupo Música a Serviço do Bem (MASB).
No dia 25 de maio, realizou-se recital do violinista Paulo Gustavo Bosísio, acompanhado ao piano por Laís Figueró. O programa constou de obras de Veracini (Largo), Mozart (Sonata N° 6, em Sol Maior), Beethoven (Sonata Primavera, op. 24), Villa-Lobos (Canto do cisne negro), Sarasate (Romanza andaluza) e Bela Bartok (Dansas rumenas).
A programação incluiu também recitais de solistas convidados, entre êles o de Alberto César Moreira, do Rio de Janeiro, a 21 de setembro, e audições de jazz, por exemplo aquela realizada a 28 de setembro com Paul Urbach, Tibor Reisner e João Rodrigues Ariza.
Dois concertos devem ser aqui salientados por documentarem tendências do pensamento e da ação relacionadas com a difusão cultural. Representam também, exemplarmente, a atividade de duas personalidades particularmente influentes no movimento renovador: Samuel Kerr e Paulo Herculano.
Coral do Centro Academico Manoel de Abreu
Dentre os coros estudantís e de profissionais relacionados com a esfera universitária salientava-se, em 1968, o Coral do Centro Acadêmico Manoel de Abreu da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo. O seu regente era Samuel Kerr. O repertório desse coro não decorria apenas de exigências práticas voltadas à atração e à manutenção de interesse de estudantes. Refletia também determinadas concepções relacionadas com a renovação da difusão musical. O Coral da Santa Casa inseria-se, aqui, na corrente representada também por outros grupos e que incluia no seu repertório obras mais remotas e obras contemporâneas e populares. O Coral regido por Samuel Kerr salientava-se porém por uma mais manifesta inclusão de músicas populares no seu programa. Esse fato foi constatado no concerto oferecido nos Seminários Pró-Arte, no dia 26 de outubro de 1968. Incluia Dorival Caymmi (Suite dos Pescadores), Caetano Veloso (Quem me dera), Tom Jobim (Luciana), ao lado de obras do folclore de vários países (A Maré Encheu; Meu boi Barroso; Llorona, do Folclore Mexicano), de negro spirituals, de compositores eruditos de orientação nacional, tais como Heitor Villa-Lobos (Cantos de çairé e Canide Youne) e Vieira Brandão (Trem de Ferro), assim como obras da Renascença e do Barroco (O. di Lasso, J. Dowland, T. L. da Vittoria, Pitoni) e peças da América Latina em geral, entre elas a Cantata para Campanyl y Tambor de Gustavo Becerra e Si vas para Chile de Chito Faro.
Recitais de cravo
Os anos sessenta foram marcados por um fascínio despertado pelo cravo. Ainda não foi escrita a história da recepção da música para cravo no Brasil e das concepções relacionadas com esse instrumento, de uma estética cravista na interpretação pianística ao cultivo do próprio instrumento segundo técnicas e formas de interpretação baseadas em pesquisas histórico-musicais. Nessa história não poderá ser esquecido o papel desempenhado pelos Seminários de Música Pró-Arte de São Paulo. No ano de 1968, a música para cravo em São Paulo teve como pontos altos de sua prática os recitais realizados por Paulo Herculano e Samuel Kerr no Auditório Theodor Heuberger. No primeiro recital, os cravistas incluiram obras de Antonio de Cabezón, Girolamo Frescobaldi, Pierre Attaingnant, J. P. Sweelinck, T. Tomkins, John Munday, William Byrd e John Bull. O segundo desses recitais deve ser aqui particularmente salientado. Incluiu, na sua primeira parte, obras de compositores para teclado portugueses dos séculos XVI/XVII e XVIII. O programa foi aberto com o Tento "Susana" de Manoel Rodrigues Coelho (1583-?). Incluiu a Toccata em Sol menor de Souza Carvalho (?-1798) e duas sonatas de Carlos Seixas (1704-1742). Nessa consideração do repertório português no ambiente renovador da prática musical voltado à música antiga pode ser visto o significado cultural particularmente relevante do empreendimento de Paulo Herculano e Samuel Kerr. Esse repertório foi confrontado com aquele já mais conhecido da Renascença e do Barroco inglês. Assim, os artistas ofereceram, na segunda parte, obras de William Croft (1677?-1727) - Suite XI, em Sol menor -, de John Blow (1648/9-1708) - Almand e Chacone -, e de Henry Purcell (1658?-1695) - Suite em Sol menor.
Concertos de encerramento do ano
No mês de dezembro, o Grêmio Bela Bartok promoveu três recitais de encerramento da programação artística do ano. Um recital da pianista Heloisa Fortes, no dia 11 de dezembro, um do pianista Amilcar Zani, no dia 14, e outro recital de cravo de Paulo Herculano e Samuel Kerr, no dia 18.
Heloisa Fortes executou obras de Beethoven (Sonata op. 28 em Ré Maior, Pastoral), Debussy (Suite bergamasque), Schubert (Sonata op. 120 em Lá Maior) e, de obras brasileiras, Edino Krieger (Prelúdio/Cantilena e Fuga /Marcha-rancho) e Camargo Guarnieri (Toccata).
Amilcar Zani interpretou Bach (Suite inglesa em Fá Maior), Beethoven (Sonata op. 10 N° 3 em Ré Maior); Mendelssohn (Prelúdio e Fuga em Mi menor), Chopin (Noturno op. 9 N° 3 em Si Maior), Fauré (Noturno N° 6 em Ré bemol Maior) e Ravel (Prelúdio, Forlana, Minueto e Toccata do Tombeau de Couperin).
Paulo Herculano e Samuel Kerr apresentaram obras do Pe. Giambatista Martini (Prelúdio e Fuga em Mi menor), Domenico Scarlatti (Duas Sonatas), Marcello/Bach (Concerto em Ré menor), Johann Jacob Froberger (Toccata em Lá menor) e, como revelação para grande parte do público, a Primeira Sonata Bíblica de Johann Kuhnau, peça de excepcional interesse histórico-cultural e que deu ensejo a debates.
A.A.Bispo
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).