Doc. N° 2395
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
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Estados Unidos-Brasil
68: Retorno às Variações sobre o Hino Nacional Brasileiro de L. M. Gottschalk (1829-1869) e The Stars and Stripes Forever Guiomar Novaes e Donald Iohanos
Revendo 1968 na vida musical paulistana. Trabalhos da A.B.E. 2008 40 anos de fundação da sociedade Nova Difusão constituidora da Organização Brasil-Europa
Guiomar Novaes a A.A.Bispo (Nova Difusão 1968)
"Eram 10 horas da manhã, quando o avião da VARIG, vindo dos Estados Unidos, aterrisou em Congonhas. Muitas pessoas esperavam-no. É que traria, para férias de alguns meses ao lado da família, a famosa pianista brasileira Guiomar Novaes, cujos sucessos de há muito se espalham pelo novo e velho mundos, principalmente nos Estados Unidos. Mal descera e já rodeavam-na reporteres, fotógrafos, cinematografistas.Sorrindo, atendeu-nos, embora dissesse estar cansada da viagem. Eramos a única mulher do grupo. Ela tomou-nos a mão e seus dedos extraordinários no teclado pressionaram os nossos com a mesma firmeza com que executa primorosamente as peças pianisticas. (...) Vim descansar - disse. Desta vez, mais do que do costume, foram seis meses que passei longe da família, sem ver meus netinhos Otavio e Luís Felipe. Estarei no Brasil até princípios de outubro. Então partirei novamente para a América do Norte ounde tenho extenso contrato a cumprir. (...) A pianista estava, realmente, emocionada. Confessou: 'Gostaria de ter uma vida meditativa e solitária. Deus deu-me, ao contrário, a responsabilidaade de, constantemente, enfrentar o público, não só dos palcos, mas como agora, estes simpáticos jornalistas". (Diário de Notícias, 13 de Agosto de 1968)
Essa descrição da recepção de Guiomar Novaes à sua chegada em São Paulo, em agosto de 1968, documenta o extraordinária ressonância das suas vindas regulares ao país, preparadas pelas notícias recebidas de jornais norte-americanos.
Embora vindo para descansar nesse ano de 1968, não deixaria de dar concertos, um no dia 21 de agosto, com a Orquestra Sinfônica Brasileira, no Teatro Municipal do Rio de Janeiro, e, outro, no Teatro Municipal de São Paulo, a 29 de agosto.
O cansaço que expressou à sua chegada era devido não só à viagem, mas a uma intensa atividade de concertos que desenvolvera recentemente nos Estados Unidos. No mês de junho daquele ano havia participado de dois festivais de verão, um na Filadelfia, outro em Nova Iorque. Além de vários concertos, havia gravado um programa com obras de Chopin. Outra gravação havia sido um LP com obras brasileiras, de Heitor Villa-Lobos e Camargo Guarnieri, empreendimento que Guiomar Novaes procurava salientar nas suas entrevistas no Brasil, demonstrando mais uma vez o seu labor a favor da divulgação da música brasileira na América do Norte. Após a sua breve estadia no Brasil, iria realizar novamente uma longa tournée pelos Estados Unidos e tomar parte na programação do Centenário de Louis Moreau Gottschalk (New Orleans 1829 - Rio de Janeiro 1869), a ser celebrado em 1969. No âmbito dessas comemorações apresentaria a peça que há décadas havia-se tornado quase que uma de suas marcas simbólicas: as variações sobre o Hino Nacional Brasileiro do grande virtuose-compositor do século XIX. Preparando esses eventos, voltaria a executar essa obra emblemática nos concertos de 1968 no Brasil.
Universidade de Temple, Filadélfia, Ohio e New Jersey
O ponto alto de sua recente atuação nos Estados Unidos havia sido a experiência que tivera na Universidade de Temple, na Filadélfia. Convidada pela Universidade para proferir um curso de alta virtuosidade, teve alunos de diversas partes do mundo, inclusive do Brasil, do Hawai, do Japão e do Canadá. A temporada artística dessa Universidade foi inaugurada com um concerto de Guiomar Novaes, sendo sucedido por diversos concertos ao ar livre, por outros artistas. Tal foi o sucesso alcançado como pedagoga e artista que a Universidade de Temple pediu-lhe que desse um novo curso em 1969, com duração mais longa. Guiomar Novaes freqüentemente salientava o fascínio que sentia pelo amor à Natureza que constatava nas universidades americanas, manifestado no respeito às árvores centenárias de seus parques. Sentia a falta dessas árvores e, portanto, do amor à Natureza nos edifícios e nas áreas universitárias do Brasil. "O Campus da Universidade de Filadelfia, bem como seus arredores, é conhecido pela beleza de suas árvores seculares e cultivadas, onde existe uma grande tenda, com capacidade para 4500 lugares. Aí, Guiomar Novaes realizou, também o Concerto de Encerramento da Estação musical de 1968". (Hebe Machado Brasil, "Nova Tournée de Guiomar Novaes, Ao Redor da Música", Jornal da Bahia, Salvador, 13 de outubro de 1968)
No Brasil, tomava-se conhecimento da ressonância de suas atividades na crítica norte-americana. Assim, recebia-se cópia do artigo de Samuel L. Singer, publicado em The Philadelphia Inquirer, documentando o recital de Guiomar Novais no Temple Festival:
"Guiomar Novaes, pianist from Brazil, is on the faculty of the Institute that is concurrent with the Temple University Festival on the Ambler campus this summer, and at Tuesday's faculty concert she demonstrated how Chopin should be played. Madame Novaes provided the second half of the program that began with William Yeats, Philadelphia tenor, accompanied by Sarah Morris. (...) Insistent applause that led to a standing tribute brought four encores (...) Polichinelle by Villa-Lobos and the March of the Little Soldiers from Memories of Childhood by the pianist's late husband, Octavio Pinto." (The Philadelphia Inquirer, 10 de julho de 1968)
Em Ohio, a pianista realizou um recital na Universidade. Também em New Jersey ficou Guiomar Novaes impressionada com prática da música ao ar livre. Salientava nas suas entrevistas a existência de anfiteatros em locais históricos, possibilitando o alcance de numero público e, portanto, servindo à expansão e à difusão musical ampla. Mencionava a importância da ação mecenática nos EUA. Assim, em New Jersey, havia um reduto de artistas que possuia um anfiteatro com capacidade para 5000 espectadores, funcionando também ao ar livre, em local denominado Waterloo, de grande significado histórico e simbólico.
"Embaixatriz da música brasileira" e "cidadã do mundo"
Em fins do ano anterior, antes de ter partido para os Estados Unidos, havia sido ela mais uma vez homenageada pela sua ação de representação cultural do Brasil no Exterior. Ao mesmo tempo, salientara-se que ela nunca perdera os vínculos com o país, atuando intensamente mesmo em cidades menores e em organizações culturais, sociais e beneficientes. No dia 27 de dezembro de 1967 fora nomeada "Cidadã Emérita" pela Câmara Municipal de Santos, com documento outorgado pelo Secretário da Educação, João Carlos de Alencastro Guimarães. Fizeram parte da Mesa, além do presidente Álvaro Fontes, a bailarina Maria Cecilia Botto de Barros Morgan, André Hipólito, representante do superintendente do SASC e o tenente Osvaldo Albuquerque, representante da Polícia Marítima e Aérea. Na sua saudação, o vereador Aristóteles Ferreira salientou que Guiomar Novaes, como expoente máximo da arte pianística, universalmente festejada, seria, na realidade, uma "cidadã do mundo". Santos, porém, orgulhava-se de ser visitada periodicamente por aquela grande embaixatriz da música brasileira. Na mesma cerimônia, a pianista recebeu a medalha dos Andradas, do Instituto Histórico e Geográfico de Santos, além de homenagens do Instituto Musical Carlos Gomes e títulos de sócia honorária de sociedade beneficiente (A Tribuna, 28 de dezembro de 1967).
Guiomar Novais e Eleazar de Carvalho no Rio de Janeiro. O sentido emblemático de Gottschalk
O concerto realizado no Rio de Janeiro, a 21 de agosto, foi regido por outro vulto da vida musical brasileira estreitamente vinculado com os Estados Unidos: Eleazar der Carvalho (1912-1996). Não passou despercebida à crítica a apresentação, como número extra-programa, da composição de L.M. Gottschalk sobre o Hino Nacional Brasileiro. Havia aqueles comentaristas que, sem colocar em dúvida a excelência da execução, criticavam a inclusão dessa peça por motivos estéticos e culturais. Havia outros, porém, que salientavam positivamente a reinclusão dessa versão do Hino nos concertos da pianista. Entre aqueles que mantinham certa distância para com essa obra achava-se o crítico do Diário de Notícias do Rio de Janeiro. No seu comentário, salientava também a inserção do concerto na nova fase da Orquestra Sinfônica Brasileira, que estava sendo revitalizada pelos músicos estrangeiros que haviam sido contratados. Estes estrangeiros teriam fomentado um espírito de competição com os músicos nacionais, o que teria sido positivo para a elevação do nível qualitativo da orquestra e de suas apresentações. "Mais um concerto da Orquestra Sinfônica Brasileira, desta vez sob a direção de Eleazar de Carvalho, tendo como solista a pianista Guiomar Novais, teve lugar no Teatro Municipal, para uma platéia entusiasta. Teve início o programa com a Sinfonia Concertante, de Haydn, para pequena orquestra e quatro solistas, de acordo com a intenção do autor de fundir o Concerto Grosso com a Sinfonia, gênero, este último, que lhe valeu o renome haver sido o criador. (...) Morte e Transfiguração de Richard Strauss foi o número seguinte. (...) Ekeazar de Carvalho se sente bem, por temperamento, em peças dessa envergadura. Motivo por que deu à mesma uma realização colorida e valiosa, embora um ou outro senão que sem passar despercebido, não comprometeu o resultado geral. Para tanto, contribuiram os novos elementos que trouxeram um sangue novo à OSB, imprimindo no natural cotejo entre os nacionais e os estrangeiros um espírito de rivalidade positivo e inegável. O Prelúdio de "Os Bandeirantes", de Francisco Braga, abertura da segunda parte do programa, teve interpretação pálica, como pálida é a própria composição do eminente mestre patrício. E viria após o Concerto n° 4 de Beethoven, que juntamente com aquele por número 5, é considerado como das maiores obras do compositor alemão. (...) Guiomar Novais vivendo-o com especial emoção, amparada por uma sonoridade rica de matizes contradições de sentimentos, revelou, mais uma vez sua maneira pessoal de sentir Beethoven que situa entre os primeiros dos românticos, de preferência ao último dos clássicos. (...) Sua realização foi um mimo de arte purificada e um verdadeiro encanto, as vezes dentro de uma dialética nova nos seus acentos e nos seus ímpetos, mas Beethoven falando a sua linguagem, de homem livre no entanto submetido à dor e ao sofrimento. A Cadência que executou, de autoria de Saint-Saens, não nos parecu muito acorde com o estilo da obra. Todavia, teve uma bela exposição por parte da pianista, que diante dos aplausos executou uma página de Chopin e, fechando o programa, as Variações sobre o Hino Nacional Brasileiro de Gottschalk, que deve fugir de tocar em seus concertos, malgrado as solicitações do público." (D'Or, "Ciclo Bach, Orquestra Sinfônica Brasileira", Diário de Notícias, 22 de agosto de 1968).
Eurico Nogueira França, em O Correio da Manhã, do mesmo dia, salientou de forma muito mais positiva o "retorno" de Guiomar Novais à execução das variações de Gottschalk em seus programas:
"Personalidade nacionalmente representativa, a pianista Guiomar Novaes alçou-se a mais um dos seus tradicionais triunfos, no concerto do Municipal, em que se apresentou como solista da OSB, regido com a autoridade costumeira pelo maestro Eleazar de Carvalho. É ela uma concertista que há mais de meio século faz extensas tournées norte-americanas; mas sem perder a nacionalidade brasileira, antes reforçando-a, pela constância com que, ano após ano, decênio após decênio, leva o nome deste país ao Exterior.
Um dos aspectos do cálido nacionalismo de Guiomar Novaes é que inclui no repertório no repertório as Variações de Gottschalk sobre o Hino Nacional Brasileiro. Essa peça brilhante, desde sempre, a acompanha na trajetória, como página extraprograma, de encerramento de suas audições, a ponto de, antigamente, há vinte ou trinta anos, não haver uma aparição de guiomar Novaes entre nós que não fosse coroada pela execução da difícil paráfrase da composição de Francisco Manuel. Nos anos que se seguiram, salvo alguma esporádica ocasião, parecia, entretanto, encerrada a carreira do Hino nas mãos da extraordinária intérprete, que torna grandiosa a fantasia virtuosística do compositor norte-americano. Cansara-se Guiomar Novaes do Hino ou achava que a sua repetição se tornava excessiva. Mas agora, depois de nos ofertar o Concerto em sol maior de Beethoven, como parte do programa, e de nos oferecer, para atender aos aplausos, um belo Noturno de Chopin, Guiomar Novaes, inopinadamente, sentou-se ao piano e, em atmosfera de intensa vibração, atacou a música de Gottschalk. Era a artista brasileira que ali extraía do instrumento sonoridades que só ela sabe produzir, efeitos sonoros, principalmente da mão esquerda, que lhe são peculiares, e deslumbram os próprios entndidos. Seu Hino Nacional - embora haja passado pela mão de um norte-americano, circunstância que, nesta época, poderia sugerir conotações maliciosas - se nutre flagrantemente de amor a esta terra, e compreende-se também que Guiomar Novaes o execute por ser a paráfrase de um músico ianque de relêvo, de certo o maior pianista que já deu o país onde a carreira da concertista se desdobra desde a fase da Primeira Grande Guerra. E há outro motivo, da maior oportunidade, para que Guiomar Novaes volte ao Hino: aproximamo-nos do centenário de Louis Moreau Gottschalk, que morreu no rio de Janeiro, a 18 de dezembro de 1869, depois de uma série triunfal de concertos, e cuja estada no Brasil é estudada por historiadores como Curt ange, entre outros. (...)" (Eurico Nogueira França, "Guiomar Novaes retorna ao Hino Nacional", Correio da Manhã, 22 de agosto de 1968).
Guiomar Novaes e Donald Johanos em São Paulo: Dvorak
No dia 29 de Agosto de 1968 realizou-se o concerto de Guiomar Novaes em São Paulo, no Teatro Municipal de São Paulo, em promoção conjunta do Departamento de Cultura do Município e da Comissão Estadual de Música do Estado. O regente, pela segunda vez visitando o Brasil, foi Donald Johanos- O programa constou da abertura da ópera Iphigenia in Aulis, de Gluck, do Concerto em ré menor K. 466 para piano e orquestra de W.A.Mozart e, na segunda parte, da Sinfonia em sol maior op. 88 de Dvorak. Donald Johanos era recebido no Brasil como uma das revelações da regência norte-americana. Originario de Cedar Rapids, Iowa, onde iniciara a sua trajetória como regente no ginásio local, estudara na Escola de Música de Rochester. Seu primeiro cargo profissional tinha sido na Orquestra Sinfônica de Altoona, Pensilvânia. A partir de 1955, com auxílio da American Symphony Orchestra League, estudara na Europa, aperfeiçoando-se a seguir com Eugene Ormandy, na Filadélfia. Tendo vencido um concurso de regência, voltou duas vezes à Europa, dirigindo a Orquestra da Rádio dos Países Baixos e a orquestra do Concertgebouw de Amsterdam. Na capital holandesa, apresentara-se ainda várias outras vezes. Era, desde 1972, regente-titular da Orquestra Sinfônica de Dallas, no Texas.
O programa do concerto salientava o significado de Guiomar Novaes para a música brasileira e a imagem do país no Exterior: "Guiomar Novas constitui a glória máxima do Brasil como artista-intérprete. Seu legendário prestígio nas Américas se prolonga por várias décadas: - linha cuja curva ascensional os anos só conseguem acentuar. De Nova York, centro musical mais importante dos EUA, a celebridade de Guiomar Novaes irradia para todos os quadrantes do globo. Não há platéia do imenso país que se mantenha imune ao influxo poético de sua arte. O renome justíssimo, ela o construiu sòzinha ao lado de Octávio Pinto, seu marido, cujo apoio e grata memória traz sempre vivos em seu coração. (...) Triunfos se sucederam, como ondulações concêntricas que se propagam por sua natural força expansiva. Guiomar Novaes é a grande embaixatriz de nossa música. E à nação-líder do mundo ocidental ela produziu idéia altamente honrosa do que somos".
Retorno aos EUA: The Stars and Stripes Forever
O retorno de Guiomar Novaes aos Estados Unidos e os concertos que realizou após a sua permanência no Brasil foram considerados em entrevistas e comentários jornalísticos. Assim, Hebe Machado Brasil, em matéria para o Jornal da Bahia, em coluna que terminava com a frase "Ouvir música é índice de cultura", anunciava os eventos previstos para a América do Norte:
"A pianista brasileira Guiomar Novaes que nos deu a satisfação de passar dois meses divididos entre São Paulo - sua residência e Guanabara - cidade a que se sente ligada pela alma de artista, segue amanhã para os Estados Unidos. Ai a aguardam diversos contratos, devendo atuar quase que diariamente nos principais salões de concertos. (...) A nova tournée que a artista insigne fará na América do Norte, e de dois concertos por semana, devendo tocar no Sul, na California, em Filadelfia e no Centro dos Estados Unidos, só retornando a nosso país pelas proximidades do Natal." (Hebe Machado Brasil, "Nova Tournée de Guiomar Novaes, Ao Redor da Música", Jornal da Bahia, Salvador 13 de outubro de 1968, loc.cit.)
Os sucessos da pianista no Exterior eram seguidos no Brasil através de notícias da imprensa e da crítica enviadas. Algumas dessas notícias traziam até mesmo informações de cunho mais pessoal, e que salientavam expressamente o "status de culto" que a pianista gozava nos Estados Unidos.
Assim, o Savannah Morning News, de 11 de outubro de 1968, relatou a chegada de Guiomar Novaes na cidade, após ter realizado um concerto em Nova Iorque, mencionando as peripécias para encontrar um instrumento onde a artista pudesse ensaiar e salientando o aspecto humano, aparentemente ingênuo mas cativante da personalidade da artista:
"Most of the crowd awaiting the arrival of planes at Travis Field Thursday afternoon wore summer clothes, but Madame Guiomar Novaes stepped oof a jet in a sweater topped by a lightweight coat. The famed Brazilian pianist explained that she had last played in New York, where the weather was much cooler, and she was not prepared for Savannah's Indian summer. Noting this is her first trip here, she remarked on what she termed the city's Indian name and said she liked the beautiful trees here.
The petite, black-haired musician was anxious to find a piano for a little practicing before dinner. (...) Mrs Alna Thomas, of the Savannah Symphony guild, which met Maame Novaes at the airport, offered her own piano, but then realized that it needed tunin. Tje problem was solved when someone in the party realized that the DeSoto Hilton Hotel, where the pianist would be staying, might have a piano for use. (...) When she appears at the Municipal Auditorium Saturday as the guest of the Savannah Symphony, she said she will play selections from Bach, Beethoven, Chopin and Debussy, among others: (...) Madame Novaes has been on tour in the U.S. since February, excluding a short visit home last month for a rest." (Barbara Dlugozima, "Madame Novaes: Brazilian Pianist Here For Concert", Savannah Morning News, Oct. 11, 1968).
Um de seus maiores triunfos na tournée realizada pelos EUA em 1968 deu-se, mais uma vez, na Filadélfia. Os comentários de The Philadephia Inquirer foram divulgados pelos jornais brasileiros:
Guiomar Novais pode ser chamada a Vladmir Horowitz do Brasil. A primeira mulher pianista da América do sul que teve sempre uma legião de seguidores que formam o culto a Novais. Ela os conquistou através de suas formidáveis possibilidades e de suas sensíveis interpretações de Chopin. Mas, na noite de quarta-feira, no Concerto anual da Associação de Concertos no Radnor Júnior High School ela apareceu a um Auditório com remanescentes de Horowitz nas Variações em "The Stars and Stripes Forever" ou na Marcha Nupcial de Mendelssohn. Ovacionada de pé. A interpretação destas peças e mais as Variações de Gottschalk suscitaram fortes aplausos. Gottschalk foi o primeiro concertista e compositor de fama internacional da América do Norte. Sua Suite de variações é uma peça que retrata a marcha dos graves e curvas melódicas e artifícios que fazem parecer dois pianistas ao invés de um só. A interpretação de Mrs. Novaes valeu por uma ovação de pé.
(...) A pianista terminou com um grupo de peças de Villa-Lobos, o maior compositor de seu país. Seu primeiro bis foi uma melodia, Orfeu, de Gluck-Sgambati. Vieram, depois aquelas Variações de Gottschalk. Foi maravilhoso! A arte e o culto de Guiomar Novais nunca morrerão! (D'Or, "Guiomar Novaes Aclamada em Filadélfia", Diário de Notícias, 3 de dezembro de 1968).
Guiomar Novaes e o papel da iniciativa privada na difusão cultural
As apresentações de Novaes no Brasil, em 1968, inseriram-se no debate que então se desenvolvia relativamente à renovação de platéias e à função do patrocínio particular de concertos. Em situação político-social marcada por dificuldades econômicas, via-se no apoio de firmas comerciais e industriais uma possibilidade concreta para a manutenção e a expansão da vida musical. Como pianista integrada e cultuada nos Estados Unidos, ao lado de outros brasileiros que ali atuavam, chamava a atenção para a intensidade da vida musical norte-americana, possibilitada sobretudo pela iniciativa de mecenas e pelo apoio financeiro de empresas. No Brasil, sobretudo São Paulo, surgia como exemplo de uma por assim-dizer norte-americanização da vida cultural pelo papel já significativo desempenhado por firmas particulares na possibilitação de concertos:
"São Paulo que, sob certos aspectos artísticos está aquém do Rio, noutros se acha muito mais avançado, como era justo acontecesse num Estado que, sem dúvida alguma se encontra na vanguarda do progresso brasileiro. Queremos nos referir à maneira como ali já vem sendo encarada a música como elemento da maior importância nas realizações e iniciativas industriais e comerciais, dando os responsáveis por esses setores na capital paulista mais do que um exemplo, uma lição de compreensão que bem merece ser assimilada e posta em prática por outros meios, sobretudo os nossos do Rio, centro cultural do país. Faz pouco tempo, aqui comentamos a realização de concertos sob o patrocínio de grandes firmas de São Paulo, empenhadas em promover a divulgação da música no seio da coletividade. Hoje, voltamos ao assunto, para desta vez salientar a maneira como as Indústrias Votorantin comemoraram o seu quinquagésimo aniversário, fazendo realizar sob o seu patrocínio um grande concerto no Teatro Municipal, por sinal a cargo da nossa Orquestra Sinfônica Brasileira, dirigida por Eleazar de Carvalho, tendo como solista a grande pianista patrícia Guiomar Novais, chegada há pouco dos Estados Unidos, onde novamente obteve o maior sucesso em suas aparições." (D'Or, "Fatos e Comentários", Diário de Notícias, 13 de dezembro de 1968)
"Salada da música popular com a de classe" ou importação de músicos?
Ao lado do papel a ser desempenhado por indústrias e firmas comerciais no financiamento da vida cultural, discutido sob diferentes pontos de vista, de acordo com posicionamentos políticos, debatia-se o caminho a ser seguido para o aumento e o rejuvenescimento do público. Sobretudo duas estrategias podiam ser constatadas. A daqueles que procuravam conquistar camadas da população que não frequentavam salas de concerto através de uma aproximação à música popular, e aquela dos contrários a esse procedimento, e que defendiam simplesmente o aumento da qualidade das apresentações por meio de uma nova competitividade a ser fomentada pela contratação de músicos estrangeiros.
"Terminada a temporada deste da ano da Orquestra Sinfônica Brasileira (...) sofrendo as influências de alguns elementos preocupados em levar o dito conjunto a uma atmosfera popularesca com prejuízo de sua importante e tradicional posição no meio musical do país, cumpre a todos nós, obrigados por dever de profissão a olhar pelo ambiente artístico nacional, falar a respeito da OSB. Sabe-se perfeitamente que a mesma sofre no momento as contingências que igualmente sofrem todos os setores da vida brasileira, de alto a baixo, mercê das dificuldades de toda ordem que atravessa o país. (...) Lembremo-nos que a OSB já teve um número tão grande de sócios que o mesmo programa era levado em dois concertos, à tarde e à noite. E lembremo-nos ainda dos memoráveis concertos que apresentou sob a batuta de grandes maestros estrangeiros, com salas superlotadas. Um público bastante expressivo foi então conquistado pela música sinfônica, tudo fazendo crer que cada vez maior se tornaria. Entretanto, não obstante as subvenções aumentadas e os quadros de instrumentos acrescidos de elementos importados do exterior, isto não aconteceu, dando causa a essa diminuição de freqüência das audições a que se procurassem melhor a situação com a tal salada da música popular com a de classe. Não é este o meio que se deve empregar. Provado já ficou aliás a inutilidade de tal processo quando a enchente para assitir ao arranjo de Carolina, de Chico Buarque, enquanto o autor fingia que cantava, em nada influiu para que os concertos subseqüentes atraíssem um grande auditório. Está mais do que visto que quando se apresentam (...) realizações de alto valor, os recintos ficam completamente cheios. O que urge, portanto, é tornar uma constante as audições musicais de alto nível mediante bons programas e boas execuções.
Diminuamos, se necessário for, o número de realizações, em favor da melhor qualidade das mesmas. Façamos vir de fóra maestros competentes, solistas de primeira ordem, renovemos o repertório e nada haverá a temer". (D'Or, "Orquestra Sinfônica Brasileira", Diário de Notícias, 3 de dezembro de 1968).
Guiomar Novais, o princípio da excelência e a difusão cultural
Esse debate sobre os procedimentos a serem empregados para a intensificação da vida musical e a conquista ou recuperação de público possuía claras conotações políticas e político-culturais. Trazia à tona a complexidade, nas suas múltiplas implicações, da questão da difusão cultural. Guiomar Novaes oferecia aqui, pelo seu renome e pelos seus estreitos elos com os Estados Unidos, possibilidades para a diferenciação das reflexões. Ela vinha de encontro não daqueles que defendiam a popularização da esfera musical erudita através da integração de cantores populares, uma vez que a sua imagem era marcada pelo critério de excelência artística e de uma distinção designada por muitos como "de classe". Embora nada havendo de música popular nas suas apresentações, não deixava de corresponder ao interesse do público quanto ao repertório, alcançando grande ressonância e gozando assim de popularidade no público específico. Havia aqui um aparente paradoxo: embora não integrando a música popular nos seus concertos, medida defendida por muitos que preconizavam também um cunho brasileiro, nacional da prática de concertos, surgia como artista profundamente patriota, que difundia a música do Brasil no Exterior e que, apesar de tantos anos de vida e de carreira nos Estados Unidos, nunca havia perdido a sua nacionalidade. O caminho aqui sugerido era aquele da criação de grandes festivais, de cursos internacionais, de novas e grandiosas instalações para apresentações ao ar livre, no modêlo das grandes universidades e festivais dos EUA. O princípio da qualidade não era contrário ao princípio da quantidade, obedecia, porém a outros critérios e cânones. Dessa concepção derivava sobretudo a convicção da necessidade de uma expansão músico-cultural e da criação de novas elites segundo altos critérios qualitativos. Um exemplo das iniciativas para a motivação de jovens talentos no âmbito dessa concepção expansionista foi a instituição do "Prêmio Guiomar Novaes" pela Juventude Musical de São Paulo. Era destinado a jovens até 18 anos de idade. O Prêmio obedecia a uma organização sui-generis. Não seria concedido através de concursos, mas sim por reconhecimento de mérito a ser feito por uma comissão de três membros reunidos em ocasião adequada. Assim, aproveitando a realização do "Concurso Estímulo de Música", promovido pelo Conselho Estadual de Cultura, em todo o interior do Estado, uma comissão formada por Isabel Mourão, Lydia Alimonda, e pelo crítico José Luis Paes Nunes, este o principal motor da Juventude Musical, decidiu entregar o prêmio ao jovem Cláudio Richerme, com então apenas 16 anos. ("Música", Diário Nacional, Rio de Janeiro, 21 de novembro de 1968) O debate sobre a difusão musical necessitava, porém, segundo os intuitos da então fundada sociedade Nova Difusão, ser conduzido de forma muito mais profunda e diferenciada, uma vez que dizia respeito a esferas culturais-artísticas de implicações sociais. A própria Guiomar Novae não vinha como divulgadora explícita da música norte-americana. Pelo contrário, trazia sempre a imagem de uma artista que se empenhava particularmente na difusão de obras brasileiras nos Estados Unidos. Na sua pessoa e nas suas atividades, porém, manifestava-se a complexidade das questões que se relacionavam com processos difusivos, que não ocorriam numa só direção, eram recíprocos e interrelacionados, e sobretudo não diziam apenas respeito à divulgação de obras.
Guiomar Novaes como "culto" e a-temporalidade
Havia ainda uma outro fenômeno que necessitava ser considerado no complexo relacionado com problemas de difusão. Como já citado, Guiomar Novaes era alvo de um "culto", fato salientado explicitamente em comentários de jornais norte-americanos. Também no Brasil, porém, de forma muito mais intensa do que em outros casos de renomados artistas e professores, havia um círculo de admiradores incondicionais de sua arte e de sua personalidade. As próprias expressões da imprensa das grandes e pequenas cidades do Brasil, assim como a recepção de manifestações do Exterior representavam por si documentos histórico-culturais. Algumas dessas vozes, em textos que deixam perceber o cuidado na sua elaboração, eram até mesmo repetidos pelos seus autores por ocasião das freqüentes visitas de Guiomar Novaes ao Brasil. Há, assim, comentários quase que clássicos da apreciação de Guiomar Novaes.
"A sonoridade de Guiomar Novaes, a plasticidade por vêzes miraculosa do seu legato, a agudeza do seu staccatto, a riqueza das suas meias-tintas, a alternância ou mesmo conjunção de doçura e impulso felino dos ataques, a cristalinidade e beleza do timbre - compõem um estilo pianístico único, que a individualiza, em plano singularmente honroso, no panorama musical do nosso tempo. É espetáculo comovedor vê-la, ano após ano, lustro após lustro, decênio após decênio, geração após geração, sempre com a sua bela figura, aparecer ante esse Teatro lotado, que lhe prodigaliza manifestações de entusiasmado carinho público. Exalta em Guiomar Novaes um padrão de glória da arte musical brasileiro. E o faz até hoje sem nenhum ressaibo de saudosismo, nenhuma intenção de cultuar uma grande artista do passado. É que Guiomar Novaes, ausente de nós longos períodos, atuando intensamente nos EUA, renasce do seu silêncio, para se reconstituir igual, em substância, ao que sempre foi. Ouvimos, nos intervalos entre uma e outra de suas rentrées, dezenas de pianistas; mas quando retorna, e começa a tocar, sua maneira inconfundível nos atinge, seu encanto peculiar nos envolve, e reverificamos que toca um piano artisticamente raro que não se parece com nenhum outro. Aplica, esses dons de estilo próprio, e estilo verdadeiro é atributo precioso em qualquer parte - com extraordinária intuição, fértil de trouvailles deliciosas e aprofundamentos emocionais, à síntese interpretativa que nos dá das obras. Cumpre, na realidade, falar de uma síntese viva, em que todos os elementos se caldeiam, no fogo brando ou intenso, da interpretação da artista". (Eurico Nogueira França, Correio da Manhã, 15 de agosto de 1965).
(...)
A.A.Bispo
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).