Doc. N° 2392
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
116 - 2008/6
68: Órgão como instrumento solista e intuitos renovadores do movimento Bach Karl Richter
Revendo 1968 na vida musical paulistana. Trabalhos da A.B.E. 2008 40 anos de fundação da sociedade Nova Difusão constituidora da Organização Brasil-Europa
Uma das questões que se impunham nas discussões a respeito da Difusão Musical do ano de 1968 encontrava-se a da situação do órgão no Brasil. Em trocas de idéias com organistas e professores de órgão, sob a especial orientação de Angelo Camin, salientava este a sua preocupação com o presente e o futuro da prática organística e da conservação e recuperação de órgãos no Brasil. A principal questão decorria da diminuição e até mesmo perda de função do órgão na liturgia católica devido aos novos impulsos decorrentes do Concílio Vaticano II. Os anseios por uma música acomodada culturalmente ou "inculturada" levava à criação de novo repertório, em português, assim como de práticas de canto comunitário com acompanhamento de violões e outros instrumentos populares, em detrimento de coros e órgãos. Havia o perigo de deterioração de instrumentos que haviam sido adquiridos no passado com grande empenho econômico de comunidades, instrumentos importados, de alto custo, e que representavam parte significativa do patrimônio cultural do país.
Algumas perspectivas básicas se abriam sob o pano de fundo do desenvolvimento nas igrejas católicas. Havia a necessidade de criação de um novo repertório e, sobretudo, de desenvolvimento da improvisação organística para a melhor adaptação do órgão às novas necessidades do canto comunitário, colocando-o em posição de responder mais flexivelmente às inúmeras inovações da prática litúrgica. Para isso, porém, tornava-se necessário uma reorientação na formação de organistas. Por outro lado, cumpria valorizar o trabalho sacro-musical das igrejas evangélicas, uma vez que haviam-se tornado as principais instâncias portadoras de uma prática musical qualitativamente elevada após as mudanças ocorridas na liturgia católica. Para os organistas e para o próprio futuro do instrumento no Brasil, cumpria fomentar o uso concertístico do instrumento, ou seja, fora de sua função litúrgica. Isso poderia em parte salvar a existência e a conservação dos órgãos nas igrejas brasileiras, pressupunha porém o anuência de autoridades eclesiásticas, que nem sempre estavam de acordo em colocar os templos à disposição de artistas para a realização de concertos. Também pressupunha a formação ou à ampliação de um público interessado e amante da arte organística. Tratava-se portanto de problemas de cunho de difusão musical, e também aqui observavam-se várias tendências para a solução de problemas difusivos: alguns propunham uma maior popularização da prática organística, com a inclusão de músicas populares, se necessário com o uso da improvisação, outros defendiam a renovação do repertório com a inclusão de obras de relêvo mas pouco executadas do passado, e isso por meio de executantes de renome internacional. Com o novo entusiasmo pela assim-chamada música antiga, abria-se também novas oportunidades através da redescoberta do cravo e de outros instrumentos históricos de teclado. Debates nesse sentido puderam ser conduzidos com alguns cravistas brasileiros e, entre os estrangeiros, com Marilyn Mason, atuante nos Cursos Internacionais e Festivais de Música de Curitiba.
Marco: concerto de Karl Richter
Ponto alto da música para órgão de 1968 foi a apresentação do organista Karl Richter na Igreja do Mosteiro de São Bento, em São Paulo, a 22 de agosto, em concerto sob o patrocínio da Sociedade de Cultura Artística. Tratava-se da apresentação N° 912 da entidade. Karl Richter nascera em 1926 em Plauen. Pertencera ao Kreuzchor de Dresden e estudara música sacra em Leipzig, com Karl Straube. Fora organista da Igreja de São Tomás de Leipzig a partir de 1949. Havia sido condecorado com o Prêmio Internacional Bach. Desde 1951 exercia a direção do Coral Bach e era professor da Academia Superior de Música de Munique. Tinha sido diretor das Semanas Bach de Arnsbach, de 1958 a 1964, e, desde 1965, era diretor artístico do Festival Bach de Munique. Atuava como regente, cravista e organista em concertos nos diversos países da Europa, dos Estados Unidos e do Canadá, e já percorrera muitos países latino-americanos. No Brasil, era conhecido sobretudo pelas suas gravações (Decca, Deutsche Grammophon Gesellschaft). Para além do interesse despertado pelo renome e pelas qualidades artísticas do executante, o concerto assumia principal relêvo sob o pano de fundo do debate relativo à difusão da música de Bach. O movimento Bach no Brasil, representado há décadas pela Sociedade Bach de São Paulo, dirigida por Martin e Renata Braunwieser, passava na época por um período de reconsideração de suas bases teóricas e estéticas, confrontado que era com novas tendências voltadas à difusão da assim-chamada música antiga. O programa, dedicado exclusivamente a J.S.Bach, constou da Toccata e Fuga em ré (chamada Dórica), o Coral para órgão "O Mensch bewein dein Sünde gross", a Trio-Sonata n.6, em sol maior, os corais para órgão "Kommst Du nun, Jesus, vom Himmel herunter auf Erden?" e "Wachet auf, ruft uns die Stimme", e a Fantasia e Fuga em sol menor.
Sociedade Bach de São Paulo no Instituto Goethe
A 12 de outubro, de 1968, no âmbito das novas aspirações de expansão cultural, a Sociedade Bach de São Paulo realizou, no auditório da Casa Goethe, o seu 23° concerto extraordinário de juventude.
Esse concerto documentava os esforços renovadores da Sociedade Bach de São Paulo. Despertou particular atenção pela participação de violonistas, representando um significativo passo na nobilitação desse instrumento.
Participaram do programa a pianista Vanya Elias José (Prelúdio e fuga em Do sustenido Maior N° 3 do segundo volume do Cravo Bem Temperado e Partita em Si bemol Maior N° 1), o violonista Henrique Pinto (Prelúdio em Ré Maior da primeira Suite para violoncelo solo e Gavotte da Partita n° 3 em Mi Maior para violino solo), o violonista Antonio Carlos Sarno (Beurrée da Suite n° 3 em Do Maior para violoncelo solo, de J.S.Bach e a Gavotte, de D. Scarlatti), e, juntamente com Henrique Pinto, para dois violões, Andante e Courante de A. Vivaldi. A segunda parte do programa constou da Sonata para violoncelo e piano em mi menor de B. Marcello, executada por Monica Muehleise (celo) e Eva Barreto Gomyde (piano), e obras de J. S. Bach executadas ao piano por Joaquim Paulo do Espírito Santo (Prelúdio e Fuga em Fá menor n° 12 do segundo volume do Cravo Bem Temperado e a Partita em Mi menor N° 6).
A.A.Bispo
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).