Doc. N° 2390
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
116 - 2008/6
68: Do Direito à difusão cultural Madrigal das Arcadas e Luís Roberto Borges
Revendo 1968 na vida musical paulistana. Trabalhos da A.B.E. 2008 40 anos de fundação da sociedade Nova Difusão constituidora da Organização Brasil-Europa
Dentre os vários grupos corais de São Paulo que em 1968 se dedicavam a uma renovação da vida musical havia aqueles que eram mais de perto vinculados a meios universitários. Prendiam-se em geral a concepções afins, embora houvesse diferenças quanto a imagens e a determinadas tendências no cultivo do repertório e na forma de apresentação. Também o Madrigal das Arcadas, originado na Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, com sede no tradicional edifício do Largo de São Francisco, caracterizado pelas suas arcadas, se propunha a divulgar privilegiadamente a música coral mais antiga e a música contemporânea. O seu ponto de partida tinha sido a música da Renascença, o que explicava o uso do conceito de "Madrigal". A ampliação do repertório dera-se gradativamente, incluindo primeiramente peças relacionadas com o folclore e, a seguir, música sacra de todos os tempos. Procurava por fim contribuir à divulgação de obras de compositores contemporâneos, "tão ao desabrigo nos repertórios dos corais brasileiros". Numa visão retrospectiva, constata-se nitidamente a inserção do Madrigal das Arcadas em corrente ampla de difusão coral. Também os grupos do Ars Nova de São Paulo, constituídos sobretudo por Klaus-DieterWolf e Diogo Pacheco, o Ars Nova de Minas Gerais, de Carlos Alberto Pinto da Fonseca, o Ars Viva de Santos e outros conjuntos corais apresentavam na denominação e no escopo características similares: o mesmo vínculo com conceitos da história da música européia, o mesmo interesse pela música de repertório "mais antigo", ou seja, anterior ao repertório clássico-romântico, a mesma intenção em criar uma ponte entre o mais antigo e o contemporâneo, e o mesmo interesse por obras relacionadas com o folclore. Houve, assim, um verdadeiro fenômeno mais abrangente constituído por grupos que se orientavam segundo ideais comuns de difusão cultural e representavam eles próprios resultados de uma determinada difusão. Tais elos constituídos por concepções e práticas similares eram fundamentados em geral na formação recebida pelos regentes. O Madrigal das Arcadas era liderado por Luís Roberto Borges, também formado pela Academia de São Francisco, e que se dedicava à música nas suas horas vagas. Havia-se apresentado como cantor, representando o Brasil, no Concurso Coral de Arezzo, em 1964, quando pertencia ao coral Cantoria Ars Sacra e ao Collegium Musicum de São Paulo. Recebera a sua orientação com Diogo Pacheco, Davi Machado e Roberto Schnorrenberg, e essa formação indicava claramente a corrente histórico-musical de pensamento no qual se inseria. Essa corrente levava, por último, ao mentor principal de alguns de seus orientadores, ou seja, a H.-J. Koellreutter. A atividade de Luís Roberto Borges distinguia-se pela sua particular proximidade à música sacra evangélica. Como organista, havia participado de concertos sob a regência de Roberto Schnorrenberg e Walter Lourenção. A sua atividade contribuía a uma maior presença da esfera sacro-musical evangélica na vida musical paulista e levaria nos anos posteriores à organização de festivais de música sacra. Com isso, foi um dos protagonistas de um desenvolvimento que vinha a preencher uma crescente lacuna aberta pela reorientação litúrgica da Igreja Católica após o Concílio Vaticano II, e que desviara a sua atenção do cultivo de um repertório sacro-musical de maiores exigências artísticas.
Como exemplo dessa inserção das atividades em círculos evangélicos pode-se citar a participação do Madrigal das Arcadas no programa de entrega dos certificados do 1° Curso Dominical da Classe Mensageiros da Luz, a 4 de maio de 1968. A cerimônia teve como paraninfo o Prof. Rev. Otto G. Otto, Reitor da Faculdade de Teologia da Igreja Metodista do Brasil. O programa musical constou de obras de Palestrina,Sweelinck, Stravinsky e Scarlatti, Morley, Arcadelt, Lasso, além de Canções Portuguesas arranjadas por J. Chailley, Pe. José Maurício, C. Guarnieri, Villa-Lobos e D. Caimmy. A acompanhante do Madrigal foi Maria de Lourdes Cutolo. Apesar das diferenças teológicas relacionadas com o emprêgo do termo "música sacra", difundiu-se o uso indiferenciado do termo, compreendido no sentido amplo de "música para a igreja". O interesse pela música sacra nesse sentido possibilitava o diálogo mais intenso com músicos católicos que defendiam uma orientação mais qualificada artisticamente da prática musical litúrgica e, sobretudo, que se dedicavam a estudos sacro-musicais e à pesquisa histórica. Assim, seguindo o exemplo de Roberto Schnorrenberg, que no Festival Internacional de Curitiba apoiara a realização do Te Deum de Luís Álvares Pinto (1719-1789), descoberto e difundido pelo Pe. Jaime A. Diniz, o Madrigal das Arcadas, sob a regência de Luís Roberto Borges, tomou a si a tarefa de reapresentar essa obra em São Paulo. A execução seria realizada em versão instrumental preparada por Paulo Herculano, tendo como solista Samuel Kerr. Também aqui evidenciava-se, assim, apesar das diferenças de concepções e de personalidades, uma rêde de contatos e de concepções que levava, por último, a círculos da Escola Livre de Música. A música do período colonial brasileiro inseria-se assim numa determinada corrente marcada por concepções de cunho difusivo-cultural e surgia no âmbito de debates que levava à conscientização de que a preconizada expansão da música mais antiga para a renovação de repertórios não poderia deixar de lado o passado brasileiro. O Madrigal, à época de sua inserção na difusão da música do período colonial brasileiro. era constituído pelos seguintes cantores: Alice Barini, Erika Koberle, Maria da Graça M. Couto, Maria de Fátima M. Couto, Maria de Lourdes Cutolo, Maria do Carmo Vendramini, Maria Helena Pimentel, Marisa del Nero, Rosa Maria Monteiro (sopranos); Joanna Pahor, Lídice M. Castro, Luci Bankis Leite, Maria Flora R. da Silva, Silvanira B. de Souza, Silvia Scarabottolo, Wanda M. Liberatore (contraltos); Carlos Monteiro, Edson Carbone, Francisco José Couto, Guilherme de Almeida Machado, José Luiz Pimenta Pinheiro, Marcos Guerra de Oliveira, Paulo Afonso Cardoso, Roberto Dante Cavalheiro Filho, Ruben Antonio Bankis Leite (tenores), e Celso de Paula, Cid Wagner da Silva, Edmundo Fujita, Franco Scarabottolo, João Semir, José Carlos Azevedo Leme, Jusmar Gomes, Natalício José Rachadel e Reynaldo Bataglia Nogueira (baixos). Concerto inaugural da Nova Difusão
A inauguração da sociedade Nova Difusão, a 27 de outubro, deu-se com um concerto do Madrigal das Arcadas. O grupo, na época, apesar de existir há apenas dois anos, já havia realizado vários concertos na capital e no interior do Estado, tendo-se apresentado em São Carlos, São Simão e Campinas. Apresentara-se também em Joinville e em Curitiba, onde tomara parte do IV Festival de Música. O programa apresentado na solenidade realizada no Auditório do Colégio Maria Imaculada, na Av. Paulista, constou de canções portuguesas em arranjos de J. Chailley, de obras do Pe. J. Maurício, de C. Guarnieri, de H. Villa-Lobos, além de peças do repertório "antigo", de Lasso, Encina, Sweelinck, Arcadelt, Morley, Certon, Monteverdi e Scarlatti. Evitando a organização do concerto segundo blocos (música antiga, música contemporânea, música brasileira), como usual em concertos de grupos corais da época, o programa inaugural distinguiu-se por uma mistura de gêneros e épocas, estabelecendo, através de contrastes e afinidades, pontes entre continentes, culturas e períodos históricos. Como elucidado nas palavras inaugurais e no programa do concerto, a sociedade recém-fundada não pretendia, porém, oferecer o conteúdo do concerto como proposta de seu trabalho. O que propunha, entre outros aspectos, era desenvolver um trabalho de reflexão sobre a inserção da prática de difusão cultural em determinadas correntes histórico-musicais e sociais, salientando a sua própria historicidade e relatividade, transformando-a em objeto de estudos culturais.
Concerto de Natal
A 19 de Dezembro, o Madrigal das Arcadas, juntamente com o Grupo Coral do Instituto Cultural Ítalo-Brasileiro e o Coral Juvenil do Liceu Pasteur, sob a direção geral de Walter Lourenção e participação da Orquestra de Cordas de São Caetano do Sul (Musicâmara), regida por Moacyr del Picchia, participou de um Concerto de Natal levado a efeito no Teatro Municipal de São Paulo. Solistas foram Aura Mendoza, Uni Koh e Kiyung Hi Chih. Entre os artistas convidados estavam Dino Pedini, Jayre Leão da Silva, Francesco Pezzella e Salvador Masano. O programa constou de obras de A. Corelli (Concerto de Natal op. 6 N° 8 em sol menor), V. Manfredini (Concerto feito para a Santíssima Noite de Natal), A. Vivaldi (Gloria para côro misto, solos e orquestra) e, como música brasileira, Invocação e Ponto de Osvaldo Lacerda, para trombeta e orquestra, composto naquele ano de 1968.
Wlater Lourenção, nascido em Jundiaí, formado em Filosofia pela Universidade de São Paulo, especializara-se em Estética e História da Filosofia Moderna. Era professor de Filosofia no Colégio Dante Alighieri. Atuava intensamente como conferencista do Instituto Cultural Ítalo-Brasileiro. Formara-se no Curso de Formação de Professores da Comissão Estadual de Música, tendo também ensinado Didática e Psicologia. Participara como maestro substituto de temporadas líricas do Teatro Municipal de São Paulo, em 1963 e 1964. Colaborava no Suplemento Literário do Estado de São Paulo. As suas atividades em pról da difusão cultural ítalo-brasileira foram reconhecidas pelo prêmio "Presença da Itália no Brasil", em 1966, outorgado pelo Circolo Italiano. Atuara como professor de História da Música na Pró-Arte e no Curso Internacional de Curitiba e de Teresópolis. Havia tomado parte da Comissão que organizara o Primeiro Festival de Canto Coral de São Caetano do Sul, levado a efeito em novembro de 1968, assumindo a seguir a direção da nova Escola de Música da Fundação de Artes de São Caetano.
O Grupo Coral do Instituto Cultural Ítalo-Brasileiro, sob a direção de Walter Lourenção, completava à época o seu sexto ano de atividades. Havia obtido, em 1964, o primeiro lugar em concurso de canto coral promovido pelo Município de São Paulo. Em 1965, recebera o prêmio de melhor conjunto vocal da Associação Paulista de Críticos Teatrais e lançara o disco de título "Obras Corais do Brasil antigo e moderno". No ano de 1968, desenvolvera intensa atividade de concertos, apresentando-se em cidades de São Paulo (São Paulo, São Caetano, Descalvado, São José dos Campos) e Paraná.
O Coral Juvenil, também dirigido por Walter Lourenção, era formado por alunos do Liceu Pasteur. O seu repertório era constituído de obras de autores diversos, incluindo sobretudo peças relacionadas com o folclore. Apresentara-se em Campinas, com a Juventude Musical de São Paulo, em 1966.
A Orquestra de Cordas de São Caetano do Sul remontava à Musicâmara, fundada em 1964 na Bahia como orquestra e sociedade de concertos. Reiniciando os seus trabalhos em São Paulo, em 1966, passara dois anos depois a constituir a Orquestra de cordas da Fundação de Artes de São Caetano do Sul e de sua escola de música. A orquestra havia apresentado, em julho de 1968, 28 primeiras audições de autores brasileiros no Primeiro Festival Nacional de Música de Câmara. Em concertos matinais recentemente iniciados, e nos quais já participara a Orquestra Gulbenkian, de Portugal, desempenhava importante papel. O seu trabalho de difusão cultural compreendia audições em escolas da Grande São Paulo, de todos os níveis, já tendo alcançado mais de 3000 jovens. O seu repertório compunha-se de obras de autores nacionais, de compositores barrocos e contemporâneos (Genzmer, Warlock, Hindemith). Os seus componentes dedicavam-se à difusão do aprendizado de instrumentos de orquestra. O trabalho, apoiado pela Prefeitura de São Caetano do Sul, iniciado sob a administração de Hermógenes Walter Braido, tinha como escopo tornar São Caetano uma cidade onde "cultura não seria problema". A orquestra era constituída de Moacyr del Picchia, José Eduardo Gramani, Tosio Takeda, Reinaldo Couto, Carlos Jurandir, Waldemar Pellegrino (violinos), Baldur Lisenberg, Yoshitame Lukuda, Marília Pini (violas), Flávio Russo, Nader Tanus (violoncelo), Guido Bianchi (contrabaixo), Joaquim Thomás Jayme (contínuo) e Geraldo Moreno (copista, arquivista e montador).
A.A.Bispo
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).