Doc. N° 2387
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
116 - 2008/6
68: Jovens talentos e renovação em relações internacionais Nelson Freire e Simon Blech
Revendo 1968 na vida musical paulistana. Trabalhos da A.B.E. 2008 40 anos de fundação da sociedade Nova Difusão constituidora da Organização Brasil-Europa
O ano de 1968 foi marcado, na vida musical paulista por esforços e expectativas de renovação e de atualização. Apesar das dificuldades econômicas e políticas, constatava-se um otimismo que justificava a realização de concertos com novos repertórios e iniciativas para a conquista de novo público e incentivo a jovens talentos. Nesse contexto, artistas brasileiros que, apesar da pouca idade, já alcançavam sucesso reconhecido no país e no Exterior contribuiam ao otimismo expansivo e surgiam como modêlos a serem seguidos.
A Sociedade de Cultura Artística, na sua 56a. Temporada, previa, para 1968, uma série considerável de artistas estrangeiros de alto renome. A temporada foi aberta com recitais do pianista Jörg Demus, nos dias 14 e 19 de março. Seguiu-se, a 22 de abril, concerto da English Chamber Orchestra, de Londres, sob a regência de Emanuel Hurwitz. A 8 de julho, apresentou-se um concerto sinfônico da Hallé Orchestra, também da Inglaterra, sob a regência de Sir John Barbirolli. A 9 de agosto, promoveu-se um recital do violinista norte-americano Isaac Stern, acompanhado por Alexander Zakin, ao piano. A 22 de agosto, apresentou-se o organista alemão Karl Richter na Igreja do Mosteiro de São Bento e, a 5 de setembro, deu-se o concerto do Quarteto Italiano (veja texto no número anterior desta revista). De artistas brasileiros, a Sociedade incluiu na sua programação dois pianistas: Roberto Szidon, em recital no dia 4 de junho, e Nelson Freire, que se apresentou a 1 de Agosto, perfazendo a apresentação n° 911 da entidade.
O concerto de Nelson Freire constituiu um dos pontos máximos da vida pianística de São Paulo de 1968. Constou das seguintes obras: Bach, Tocata e Fuga em do menor; Liszt, Sonata em si menor; Villa-Lobos, Prole do Bebê (Branquinha, Moreninha, Pobrezinha, Polichinelo), e Chopin, Sonata opus 58 em si menor.
Contra a imagem de menino-prodígio
O texto publicado no programa do concerto acentuava singularmente o fato de Nelson José Pinto Freire, nascido em 1944, apesar do seu talento precoce, não ter tido uma infância e uma juventude de "criança prodígio". "Nascido em Minas Gerais, na cidade de Boa Esperança, o talento de Nelson Freire revelou-se desde sua primeira infância, quando já compreendia os textos musicais antes de saber ler e escrever, e reproduzia aqueles textos ao instrumento, dentro de suas possibilidades limitadas pela própria idade. Seu desenvolvimento, todavia, deu-se de forma surpreendentemente rápida, e logo seus pais eram instados a transferir-se, com a família, para o Rio de Janeiro, onde poderiam encontrar mestres à altura do talento do menino. As professoras Lúcia Branco e Nise Obino encarregaram-se de seu desenvolvimento. Como o mais jovem entre cinco irmãos, porém, e sob uma educação altamente esclarecida, nunca foi o jovem exposto a uma tentadora imagem de criança prodígio. ao contrário, seguiu seus estudos primários e secundários de modo normal, terminando-os com brilhantismo (...)" Acentuava-se assim, de modo sensível e inteligente, a diferença do artista com relação aos muitos pianistas lançados precocemente na sua infância e que não haviam tido a possibilidade de um desenvolvimento pessoal e psíquico equilibrado, levando a problemas pessoais ou ao abandono posterior da carreira. Essa questão constituia já há anos um dos pontos da crítica em âmbito pedagógico e era sobretudo dirigida a pais e professores que, por vaidade e ambição pessoal, prejudicavam a vida de seus filhos e alunos. Com a menção às suas origens no interior de Minas, a sua ascenção movida por um ímpeto próprio, por assim dizer autônomo, que impusera a seus pais a mudança para o Rio de Janeiro, em 1950, o talento do pianista era acentuado: não surgia como um resultado do empenho familiar e do ensino, mas este como auxiliar de um imperativo interior. Sem citar o fato de que realizara o seu primeiro recital com quatro anos, que se apresentara com apenas oito anos como solista de um concerto de W. A. Mozart com a Orquestra Sinfônica Brasileira, e ter obtido o primeiro prêmio para jovens da OSB, salientava-se, na sua biografia, a sua classificação como finalista no 1. Concurso Internacional do Rio de Janeiro, em 1956, e o estudo no Exterior com bolsa do Govêrno. Na Áustria, apefeiçoara-se sob a direção de Bruno Seidelhofer e, posteriormente, com Stefan Askenazy e Nikita Magaloff. íambém aqui procurava-se mostrar que a trajetória internacional de Nelson Freire, que incluia concertos na Alemanha (Colonia), nos Países Baixos, em Portugal e na Áustria, não fora guiada pela procura do sucesso, mas ter-se-ia dada naturalmente. "Daí para diante, a construção de sua carreira foi serenamente iniciada, atingindo novos pontos notáveis com o primeiro lugar no Concurso Internacional Vianna da Motta (1964, com o russo Vladimir Krainev), em Lisboa, e a medalha Dinu Lipati concedida pela Associação Harriet Cohen, da Inglaterra (1964). O recebimento dessa medalha foi tanto mais significativo para o jovem artista porquanto àquela altura nem se havia ainda apresentado na Inglaterra, país no qual não dispunha, então, de qualquer contato pessoal. Estes dois eventos aceleraram, sem dúvida, os grandes êxitos obtidos daquela ocasião em diante." Nelson Freire acabara de gravar discos com a Filarmônica de Munique, regida por Rudolf Kempe (1967). Sabia-se que tinha sido convidado a se apresentar em fins de abril, em Lisboa, sob a direção de Cyrill Kondrashin, regente da orquestra de Moscou. Tendo sido já há muito contratado pela DECCA de Londres, gravações suas eram conhecidas no Brasil e constatava-se a sua atenção à difusão de obras de compositores brasileiros. Assim, havia apresentado obras de Villa-Lobos (Impressões Seresteiras) e Cláudio Santoro (Toccata) na Áustria (1964), e de Camargo Guarnieri, em Portugal.
Nelson Freire e Simon Blech
A 10 de agosto de 1968, Nelson Freire voltou a se apresentar em São Paulo, desta vez como solista de concêrto sinfônico da Sociedade da Orquestra Filarmônica de São Paulo. O programa constou das seguintes obras: W. A.Mozart, Abertura de Don Giovanni e Concerto n° 20 em ré menor K.V. 466 para piano e orquestra, Mendelssohn-Bartholdy, A Gruta de Fingal, Abertura op. 26, e P. I. Tschaikovsky, Concerto n° 1, em si bemol menor, op. 23 para piano e orquestra. Simon Blech, novo regente da Orquestra Filarmônica de São Paulo, conseguira, em pouco tempo, elevar sensivelmente o nível qualitativo das apresentações: "Acertadamente foi a Orquestra Filarmônica de São Paulo procurá-lo nas sulinas plagas (i.e.Argentina), convidando-o para as altas, exaustivas responsabilidades de regente-titular e diretor artístico da notável instituição. O acerto da escolha é mais que indiscutível. em um ano de trabalho intensivo e construtivo, o Maestro Simon Blech formou um conjunto sinfônico do qual São Paulo e o Brasil podem a justo título se orgulhar. De fato, a Orquestra Filarmônica de São Paulo converteu-se na melhor orquestra do país e da própria América Latina, ao parecer de abalizados críticos musicais norte-americanos" (do programa do concerto). Nascido na Polonia, em 1924, e naturalizado argentino, Simon Blech havia estudado no Conservatório Nacional de Buenos Aires, aperfeiçoando-se com professores de renome internacional (Petchnikov, Spiller, Graetzer, Scherchen e Fuchs). Sobretudo a formação com H. Scherchen havia consolidado o seu renome de regente. A partir de 1950, havia desenvolvido uma intensa atividade de regente de grupos de câmara e orquestrais, salientando-se as suas atividades junto à Orquestra Filarmônica do Chile. Tornou-se diretor da Orquestra de Bahia Blanca, de onde passou em 1959 ao corpo dirigente do Teatro Colón, de Buenos Aires. De 1961 a 1963 havia sido diretor da Orquestra Sinfônica de Rosário e professor do Instituto Superior de Música da Universidade do Litoral. Como regente convidado, havia dirigido concertos em vários países latino-americanos com artistas de renome internacional, entre eles Badura-Skoda, Iturbi, Lili Kraus, Malcuzynski e Ricci. Em 1965, havia dirigido, em Cordoba, um primeiro ciclo de música contemporânea.
A.A.Bispo
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).