Doc. N° 2382
Prof. Dr. A. A. Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e curadoria científica © 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1999 by ISMPS e.V. © 2006 nova série by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados - ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
116 - 2008/6
Portugal-Brasil
D. Carlos I° (1863-1908) nos estudos histórico-culturais 1908-2008. Um século do assassinato do "Rei Diplomata"
Trabalhos da A.B.E. 2008
Em 2008, o regicídio cometido em Portugal há 100 anos motivou eventos, publicações e debates. O assassínio de D. Carlos I° e do Príncipe Luís Felipe marcou de forma trágica a história portuguesa no início do seculo XX, determinando o caminho posterior do país e a história cultural dos portugueses nos outros continentes, também na comunidade luso-brasileira.
O crime ocorreu no dia 1 de fevereiro de 1908. De retorno do palácio de Vila Viçosa, a família real viajara de trem até Almada e atravessara o Tejo até o Cais do Sodré. Em carruagem aberta, ao passar pelo Terreiro do Paço, foi atingida por tiros disparados do seio da multidão. D. Carlos pereceu de imediato e o Príncipe Luís Filipe, mortalmente ferido, faleceria dentro de menos de meia hora. O Príncipe Manuel, que seria então o último rei de Portugal como D. Manuel II (1908-1910), foi ferido no braço. A rainha, Dna. Amélia, guardaria para toda a vida a impressão trágica da perda de sua família e do fim de uma era. Os dois criminosos foram mortos no local.
Esse trágico acontecimento tem estado em geral pouco vivo na memória e na história européia e luso-brasileira. Enquanto o assassínio da família do Czar da Rússia após a Revolução tem sido relembrado, procurando-se até mesmo caminhos para revisão de imagens e consecução a posteriori de justiça histórica, o regicício português, em época tensa mas ainda de paz do período anterior à Primeira Guerra, tem sido silenciada e pouco analisada nas suas repercussões globais. O assassínio de D. Carlos e do Príncipe Luís Filipe Príncipe Luís Filipe anteceu de alguns anos ao do herdeiro austríaco em Serajevo, marcando o início da Primeira Grande Guerra. Esses regicídios posteriores, vinculados a hecatombes bélicas e revolucionárias, ofuscaram o de D. Carlos na memória histórica do Ocidente.
Nas rememorações de 2008, tem-se dirigido a atenção ao papel que cabe a D. Carlos I° na história cultural. Assim, independentemente de posicionamentos políticos, traz-se à memória uma personalidade da história do mundo de língua portuguesa que deu particular atenção à cultura e às ciências, apoiando artistas, intelectuais e cientistas. Foi grande patrocinador de empreendimentos científico-culturais e históricos. Em época que Portugal se conscientizava de seu papel na história dos Descobrimentos, tornou-se um apaixonado pela ciência dos mares, sobressaindo-se pelo seu apoio às comemorações dos 500 anos de nascimento do Infante D. Henrique, em 1894. Consequentemente, tem-se salientado o papel desempenhado por D. Carlos no desenvolvimento da Oceanografia, os seus elos com os Açores e com Monaco, manifestados sobretudo na criação do parque oceanográfico de Lisboa, nos seus próprios estudos.
A formação de D. Carlos sob o aspecto histórico-cultural
Já uma breve consideração da ascendência familiar e da formação de D. Carlos revela elos que o transformam em personalidade européia por excelência, com vínculos com famílias de diferentes países e tradições culturais. Nele uniam-se culturalmente esferas luso-bávaras e italianas.
Primogênito de D. Luís I° e de D. Maria Pia, filha do rei Vitório Emanuel, da Itália, Carlos (Fernando Luís Maria Vítor Miguel Rafael Gabriel Gonzaga Xavier Francisco de Assis José Simão de Bragança Sabóia Bourbon Saxe-Coburgo Gota) nasceu em Lisboa, a 28 de setembro de 1863. Na sua juventude, recebeu cuidadosa educação, sendo preparado para o exercício de suas funções como monarca constitucional. Realizou viagens por vários países da Europa, aperfeiçoando-se e observando desenvolvimentos nas várias áreas das ciências, da técnica e das artes. Desde a sua juventude demonstrara o seu fascínio pela natureza e pela cultura, aproximando-se de literatos e artístas, uma tendência à fruição estética que não se mostrava incompatível com um espírito enérgico e de marcante auto-consciência. Apesar de sua natureza por vezes fogosa, que se manifestava também na paixão por esportes, procurava a harmonia e a harmonização, uma atitude que teve dimensões políticas e que lhe traria o cognome de "Rei Diplomata". D. Carlos pensava unir-se matrimonialmente a uma princesa alemã, uma das filhas do imperador Friedrich III, ato que teria incalculáveis dimensões políticas, impedido porém pela diferença de confissões religiosas e pela pressão britânica. Casou-se então com a Princesa Amélia de Orléans, filha mais velha de Filipe, Conde de Paris e de Maria Isabel de Orleães-Montpensier.
Com Amélia, nascida na Inglaterra, no exílio, e ali tendo passado a sua primeira infância (Twickenham 1865 - Chesnay 1951), D. Carlos uniu-se a uma pessoa que exerceria, com a sua presença, porte aristocrático, educação refinada e ação religioso-caritativa grande fascínio na sua época. Estava inicialmente destinada a casar-se com o arquiduque Francisco Fernando da Áustria, que seria assassinado em Serajevo, união impedida, segundo alguns, por influência de Otto von Bismarck. As núpcias foram solenizadas em 1886, um dos grandes acontecimentos da história social de Portugal de fins do século XIX. Tiveram como filhos D. Luís Filipe, D. Manuel e D. Maria Ana, esta logo falecida.
As suas relações com outros países europeus, em particular com a Áustria e a Espanha, seriam de particular significado para as relações luso-espanholas na época, marcando um período de aproximação entre as duas nações.
Foi uma amante das artes, em particular da ópera, do teatro, da pintura e da literatura, apoiando museus e, sobretudo, instituições beneficientes e de saúde pública, fundando sanatórios, cozinhas populares, creches, o Instituto de Socorros a Náufragos, a Assistência Nacional aos Tuberculosos e o Instituto Pasteur. Um dos reconhecimentos pelo seu trabalho caritativo foi o recebimento da Rosa de Ouro, em 1892, enviada por Leão XIII, repetindo, em Portugal, a homenagem prestada há poucos anos à Princesa Isabel por ocasião da abolição da escravidão no Brasil. Posteriormente, pelos trágicos acontecimentos na sua vida, tornar-se ia um vulto de considerável carga simbólico-emocional para círculos de portugueses e luso-brasileiros. A época de D. Carlos I° e Dna. Amélia é, assim, sob diferentes aspectos, particularmente produtiva para estudos histórico-culturais.
Portugal à época de D. Carlos e o Brasil
As relações entre Portugal e o Brasil à época de D. Carlos necessitariam ser melhor estudadas. Do ponto de vista da história cultural, vários fatos indicam a intensidade dos elos entre os dois países. Como a subida ao trono de D. Carlos ocorreu à época da proclamação da República no Brasil, o estudo desses laços culturais e político-culturais deveria considerar sobretudo a época imediatamente anterior, de sua juventude.
Sabe-se que, à época de seu pai, D. Luís, os laços entre os meios intelectuais e culturais portugueses com o Brasil foram intensos. Sobretudo as regiões e cidades com considerável parcela de portugueses na sua população, como Belém do Pará, mantiveram contatos estreitos com Portugal e sua vida intelectual. Assim, em 1880, Ricardo José Correia de Miranda, residente em Belém, publicara um livro comemorativo do aniversário de D. Luís I, a este enviado oficialmente através do Presidente da Província, engenheiro José Coelho da Gama Abreu e do Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário do Brasil em Portugal, o Barão de Japurá (Miguel Maria Lisboa).
Em 1882, com a autorização de Pedro II°, o retrato do imperador brasileiro foi impresso no Almanaque d. Luís I, redigido por Ana d'Albuquerque. do qual o Pedro II° subscreveu 30 exemplares. Dentre as associações, destacavam-se as de fins sociais e caritativos, entre elas a Sociedade de Beneficiência Brasileira em Portugal. Em 1884, a Associação Promotora da Instrução Pública, através de Frederico de Carvalho ofereceu um exemplar dos Lusíadas para ser oferecido como prêmio a premiados da Imperial Escola da Quinta da Boa Vista.
Dentre os ministros brasileiros que desempenharam relevante papel na manutenção e estreitamento de laços luso-brasileiros salientaram-se o Barão de Aguiar de Andrada (Francisco Xavier da Costa Aguiar de Andrada) e Barão de Carvalho Borges (Antonio Pedro de Carvalho Borges). Entre os livros oficialmente enviados de Portugal ao Brasil no período imediatamente anterior a D. Carlos cita-se obra de João de Deus, em 1882, o poema histórico-político A Terceira e a Liberdade, de Carlos Augusto Schiappa Pietra, cirurgião-mór do Exército Português, o drama histórico Os Portugueses em 1640, de Miguel Osório Cabral, o Bosquejo métrico da História de Portugal, , do conselheiro Antonio José Viale, o livro de versos Sonetos e Rimas, de Luís Guimarães, enviados em 1887. (Dados histórico-diplomáticos em: Maria Walva de Aragão Araújo (Coord.), Dom Pedro II e a Cultura, Rio de Janeiro: Ministério da Justiça/Arquivo Nacional 1977)
Entre muitos outros aspectos, poder-se-ia aqui lembrar, na esfera musical, a recepção da obra de Antonio Carlos Gomes em Portugal. A 31 de março de 1880, O Guarani foi levado no Teatro de São Carlos, com a presença do compositor e participação de renomados artistas, entre eles Adelaide Borghi Mamo e Francesco Tamagno. A 18 de março de 1895, o Rei D. Carlos condecorou o compositor com a comenda da Ordem de São Tiago. No dia 20 de março, assistiram a concerto organizado pela Real Academia de Amadores de Música. (Luís Heitor Correa de Azevedo, "Carlos Gomes: Projeção no Exterior", in: Vicente Salles et alii, Carlos Gomes: Uma obra em foco, Rio de Janeiro: FUNARTE, 1987, 67ss.pág. 72). D. Carlos apoiou também o compositor e violinista brasileiro Nicolino Milano,(1876-1962), nomeando-o a instrumentista da Real Câmara. (Veja texto em número anterior desta revista)
A coroação do rei português, em 1889, foi assistida por Pedro II°, então recentemente banido do Brasil pelo golpe militar republicano. Também seria sob a égide de D. Carlos que, à morte de Pedro II°, o ex-imperador brasileiro receberia uma das mais significativas homenagens na Europa, promovidas pelo Instituto dos Arquitetos e Arqueólogos portugueses.
D. Carlos e o movimento intelectual português: tentativas de diferenciação
A apreciação do papel desempenhado por D. Carlos na história cultural de Portugal e das relações luso-brasileiras tem sido considerada em geral a partir de sua aproximação a um círculo de intelectuais portugueses ao qual pertenciam personalidades de alto significado, tais como Joaquim Pedro Oliveira Martins, José Duarte Ramalho Ortigão, Eça de Queirós, Guerra Junqueiro, António Cândido Ribeiro da Costa, Luís de Soveral, III° Conde de Ficalho (Francisco Manuel de Melo Breyner), IX° Conde de Sabugosa (António Maria Vasco de Mello Silva César e Menezes), Carlos de Lima Mayer e Carlos Lobo de Ávila.
Com relação a esse círculo, mais do que princípios e tendências de concepções e de orientações políticas, tem-se salientado a existência de um estado de espírito comum, de similaridades de experiências e de situações psíquicas e mentais, de práticas de convívio e de condução de vida. A própria designação sob a qual o grupo passou a ficar conhecido, "Vencidos da Vida", indica que a identidade do círculo foi e tem sido definida primordialmente a partir da experiência de vida de seus membros, de co-participação de intelectuais em determinado desenvolvimento da história político-cultural. Mais do que objeto de uma história literária no sentido convencional do termo, o estudo desse círculo e de suas obras diz respeito a uma história das mentalidades, ou seja, a uma história cultural que pode, sob outros enfoques, proceder de forma mais adequada a análises e interpretações. Somente sob essa perspectiva poder-se-á considerar a função do convívio social e das relações individuais na criação e manutenção de laços entre os seus participantes, no estabelecimento de uma linguagem de sinais e símbolos, e de uma identidade marcada por estados mentais, de sentimentos e emoções. Tem-se aqui lembrado do papel desempenhado pelos encontros semanais dos membros do grupo no seu vir-a-ser, fosse em casas particulares, fosse em bares e restaurantes, tais como o Café Tavares e o Hotel Bragança. Trata-se, portanto, de um fenômeno da história social e da cultura urbano-cosmopolita também conhecido de outras partes do mundo, sobretudo da França e das capitais latino-americanas, de Buenos Aires, do Rio de Janeiro e de São Paulo. Também na França os grupos "jantantes" desempenharam importante papel na história cultural e até mesmo científica de fins do século XIX, lembrando-se aqui da função de encontros e ceias para o grupo bretão tratado em números anteriores dessa revista e ao qual pertencia Renan. Ao mesmo tempo, porém, independentemente da similaridade de ocorrências sociais em diversos contextos e países, de uma cultura de convívio intelectual em cafés, de tanto significado para a América Latina, deve-se dar atenção aos aspectos diferenciadores desses círculos de intelectuais nos diversos contextos. A própria designação desse grupo sugere um estado de abatimento, de desilusão, de perda de sonhos que ter-se-iam revelado como utópicos. Tem-se visto aqui expressão de um intelectuais que, na sua juventude, acalentaram ideais reformadores, modernizadores e até mesmo revolucionários, decepcionando-se com o real desenrolar de acontecimentos. Seria, assim, resultado mental e psíquico de ideais reconhecidos como inalcançáveis, de intelectuais que teriam acabado de sair de sua juventude. Essa apreciação, porém, mereceria ser mais diferenciada. Dever-se-ia distinguir entre atitudes e posicionamentos filosóficos no encaro da vida, incluindo estrategias na arte de sua condução, e as intenções e os ideais. O termo poderia ser entendido sob o pano de fundo de uma cultura ou culto do tédio (Fidelino de Figueiredo, Sob a Cinza do Tédio: Romance duma consciencia, Lisboa: Empresa literária fluminense, 1923). Estudos mais pormenorizados e diferenciados dessas relações poderão trazer contributos também para a história das mentalidades no Brasil. Que apesar dessa atitude de "tédio amargo, de tédio dos suspiros, de tédio de ansiedades" (Cruz e Souza) o idealismo dos intelectuais da época de D. Luís I ainda não havia morrido, isso o indica a esperança de surgimento de uma nova era que despontara com a subida ao trono de D. Carlos. Aponta-se, aqui, em geral, aspectos políticos internos e externos: o ideal acalentado de uma superação de impasses oligárquicos e de novas perspectivas nas relações internacionais, de maior independência com relação à Inglaterra. Os aspectos culturais, porém, não devem ser subestimados. Em poucas outras épocas da história portuguesa houve uma situação tão favorável para uma maior influência de intelectuais nos desígnios da nação. Essas novas esperanças em Portugal terminariam com o assassínio de D. Carlos e do príncipe Luís Filipe. O período do reinado de D. Carlos I° apresenta assim elos estreitos com uma determinada fase da história intelectual, mental e cultural não apenas portuguesa, e tudo indica que uma focalização mais decididamente cultural e em contextos internacionais na apreciação dessa época poderá abrir novas perspectivas para análises adequadas e mais justas da própria história política. Um dos aspectos mais problemáticos nesse estudo histórico de mentalidades é a da recepção pouco crítica de vozes do tempo. A consideração de comentários de imprensa ou de rivais não deveria ocorrer sob o aspecto mais superficial e literal de testemunhos documentais, mas sim analisados eles próprios como objeto da pesquisa histórico-cultural. Repetir, sem maiores diferenciações, de que se tratava de um mundo marcado por um certo aristocratismo enfastiado de modos de vida, de ironia e sarcasmo elegantes, de pessimismo existencial, sobretudo formulados por uma crítica eivada de intuitos ridicularizadores e satíricos, pouco auxilia aos estudos que procuram ser mais aprofundados. Tais características da vida de convívio social também são conhecidas de outros contextos e ambientes. Não se pode esquecer que o spleen, aliado a sátira, ao cultivo do grotesco e do paradoxal haviam marcado tanto a imprensa nos últimos anos do Império do Brasil como também o fim do século em Portugal.
Questões de mentalidade. Ramalho Ortigão
Os estudos histórico-culturais de um estado de espírito marcado pela melancolia, culto ao tédio, de um fadismo associado a uma tendência à crítica ferina necessitam assim maior profundidade temporal. Seria inadequado relacioná-lo com o período de D. Carlos, cujas expectativas promissoras se baseavam a princípio justamente em tentativas de revigoramento e de ação mais enérgica. O culto a uma crítica ferina mas inerme era muito anterior. Deve-se lembrar aqui o significado das Farpas de Ramalho Ortigão, iniciado em 1871, e em cujos primeiros números trabalhara também Eça de Queiróz. Essa publicação representava por excelência um estado de espírito marcado pelo sarcasmo e pela paradoxia, pelo ideal do "blague" que se transformaria segundo alguns em órgão de vulgarização da doutrina positivista. O espírito das Farpas remontava à década de 70, não nasceu à época de D.Carlos. Um observador da literatura portuguesa da época, Louis-Pilate de Brinn' Gaubast, considerava assim negativamente obras de Ramalho Ortigão: "... mais surtout dans la collection du terrible pamphlet Les Chats, publication d'enquête sur la vie portugaise), pour berner, persifler, parodier, bafouer, mécaniser jusqu'à la mort, avec une cruauté sereine, les grotesques, les suffisants, les faux bonshommes, les mille cabotins moutonniers de la conventionnelle comédie citadine (...)" ("La Littérature Portugaise depuis 1865", Le Portugal, Paris: Larousse, s/d, 161). Para esse crítico, as Farpas surgem como modêlo de um gênero que não deveria ser considerado como uma contribuição ao pensamento social, pois permaneceria apenas na crítica negativa, sem propor soluções construtivas. Uma real crítica de costumes, para ser produtiva, deveria partir de um outro espírito: "mais pour produire des fruits salubres, substantiels et salutaires, c'est un tout autre tour d'esprit que réclame la culture de la Critique des moeurs." (op.cit. 161) Desenhos da época com base em fotografias: Partida dos reis na Estação do Rossio, almoço aos pobres, apresentação de marinheiros e retorno nas ruas ornamentadas de Lisboa (de O Occidente, 487, 1892) Ramalho Ortigão, já em idade madura, pertencia de fato ao círculo mais próximo de D. Carlos, e Eça de Queirós (1846-1900), também de idade avançada, atuaria na vida diplomática sob o reinado de D. Carlos, sendo cônsul em vários países, em Cuba, em Bristol e em Paris. Havia, porém, personalidades marcadas por atitudes distintas, de espírito empreendedor e de ação e que, independentemente de suas orientações políticas foram apoiados por D. Carlos e puderam contribuir para o desenvolvimento cultural e científico experimentado por Portugal na passagem do século.
Período de Oliveira Martins
Entre eles, pode-se aqui salientar Joaquim Pedro de Oliveira Martins (1845-1894). Não podendo seguir a Engenharia, dedicara-se ao comércio e à indústria, tornando-se deputado pelo Porto e, mais tarde, Ministro da Coroa. Inicialmente tendendo ao socialismo, posteriormente republicano moderado, tornou-se representante dos ideais progressistas no seio da monarquia constitucional. Unindo na sua visão por assim dizer interdisciplinar História, Economia e Crítica literária, deixou obras de alto significado para a história da cultura e das ciências, entre elas História de Portugal; O Brasil e as Colonias Portuguesas; Navegações e descobertas dos portugueses O Helenismo e a Civilização Cristã. Foi o fundador da Biblioteca de ciências sociais (Elementos de Antropologia, As Raças humanas e a civilização primitiva; Sistema de mitos religiosos). Tudo indica, assim, que a época de D. Carlos tem sido marcada por uma imagem pouco diferenciada. Ela não teria sido tanto a época do spleen dos "Vencidos da Vida", mas sim justamente o contrário, o da tentativa de recuperação de uma têmpera perdida, de superação de um estado por muitos criticados como sintomático de um enfraquecimento, de uma decadência, de uma perda de fibra.
História cultural e história colonial européia
O reinado de D. Carlos I° , tão esperançosamente iniciado à época de sua subida ao trono, a 19 de outubro de 1889, teve logo de enfrentar graves problemas econômicos e, sobretudo, nas relações internacionais com a Inglaterra. A sua época coincidiu com o crescente interesse de potências européias pela África. Assim, a história cultural do período de D. Carlos I° se une à história colonial do imperialismo europeu e à história das relações diplomáticas.
A Inglaterra dirigia a sua atenção a regiões da África austral que futuramente constituiriam a Rodésia. Tanto Portugal quanto a Grã-Bretanha defendiam direitos e pretensões sobre a terra de Makololo, onde já atuava o major português Serpa Pinto. O anelo português era o de unir Angola e Moçambique. A 11 de janeiro de 1890, o govêrno inglês apresentou um Ultimatum a Portugal para que evacuasse a região. Apesar das negociações, chegou-se a um tratado, assinado no dia 28 de maio de 1891, no qual uma parte do território, ao norte do Zambèze, foi deixada a Portugal, proclamando-se a liberdade de navegação no Zambèze e no Chiré. Esse tratado, porém, embora a serviço da paz, foi considerado como negativo aos interesses portugueses, prejudicando a imagem e a popularidade de D. Carlos.
Comemorações de Colombo e relações Portugal/Espanha
Como um dos principais desenvolvimentos da história político-cultural e diplomática ibérica da época de D. Carlos pode ser vista a aproximação das duas nações ibéricas. Essa aproximação, significativa histórico-culturalmente sob o pano de fundo de tradicionais reservas existentes entre os dois países, pode ser analisada sob diferentes aspectos; um de seus fatores foram os bons contatos e os elos familiares de Dna. Amélia com a casa real espanhola. A ela contribuiu também a escolha de uma personalidade adequada para a representação portuguesa na Côrte, o Conde de São Miguel, formado na Universidade de Coimbra, especialista em Direito Internacional. Ele surgia como um vulto que, pelas suas origens e atitudes, representava um protesto vivo ao estado de espírito reinante na época, alvo contínuo da crítica de costumes. "O meio deprimente contemporâneo que nos envolve, (...) amolleceu a coragem, amesquinhou as ambições e corrompeu n'um mercantilismo ganancioso a pureza dos antigos caracteres firmes e austeros. A fluctuação de ideaes e a ferocidade egoista substituiram a antiga fortaleza d'animo e o intemerato ideal do sentimento christão que inspirava todas as almas e affagava carinhosamente todas as existencias. (...) (...) o sr. conde de S. Miguel será sem duvida uma fiança de paz e de dignidade nacional como ministro Plenipotenciário e Enviado Extraordinario na corte de Madrid, juncto d'uma soberana regente que é uma senhora esmaltada pelas mais altas virtudes, e aureolada por um justo prestígio" (Antonio Cavalleiro, "O Conde de S. Miguel", O Occidente Nr. 487, 1 de julho de 1892, 146) Nesse processo de aproximação entre a Espanha e Portugal, um marco de importância foi a visita dos reis portugueses à Espanha, em 1892. O significado dessa viagem apenas pode ser avaliado levando-se em consideração as suas implicações histórico-culturais e das preocupações relativas à memória nacional. Naquele ano, comemorava-se a passagem do IV centenário do Descobrimento da América por Colombo, data de excepcional sentido simbólico para a história íbero-americana e, em particular, para a Espanha. Compreende-se, assim, que o gesto dos soberanos portugueses haja sido recebido com manifestações de alto apreço por parte da Espanha.
"Terminaram as festas colombinas na côrte hespanhola com a visita dos monarchas portuguezes, que foi como que o laço de solidariedade dos dois povos da peninsula n'essa brilhante commemoração que a Hespanha acaba de realisar, do grande serviço de Christovão Colombo feito á civilisação do novo e do velho mundo, sob a protecção dos Reis Catholicos. Nas grandes descobertas do XV e XVI seculos andaram a par portuguezes e hespanhoes. As glorias de uns não offuscam as glorias dos outros, e se assim foram nas grandes emprezas com que franquearam á velha Europa os caminhos do novo mundo, assim deviam ser na commemoração gloriosa d'essas empresas. Os reis de Portugal, como representantes da nação portugueza não podiam deixar de se associarem ás festas que tiveram lugar em Madrid" (In: O Occidente, N° 501, 21 de novembro de 1892, 259) As comemorações colombinas serviram, por outro lado para o despertar da consciência portuguesa relativamente ao próprio papel desempenhado por Portugal na história dos Descobrimentos.
"Sem querermos amesquinhar a memoria do grande navegador que n'esta occasião está sendo o objecto dos mais estrondosos encomios, não nos soffre o animo de português deixar passar sem protesto a facilidade, para não dizermos cegueira, com que a imprensa e a Academia das Sciencias d'este paiz entram no côro universal da apotheose ao já agora immortal genovês, não procurando investigar ou deixando reprehensivelmente esquecer as gloriosas tradições nacionaes. Se até agora Portugal não curou, como devia, de reivindicar para si glorias de que outros se foram apoderando, sirva ao menos a ruidosa festa centenaria do mais apregoado de todos esses para accordarmos do longo somno que temos dormido. (...) Seja como for, colombo, que antes da sua estada na Madeira não se offerecera a nenhuma côrte para emprehender descobrimentos, volta agora cheio de confiança ao continente e propôs a Genova, a Portugal e a Inglaterra o ir achar pelo O. uma nova communicação com as Indias. Genova e Inglaterra não prestam fé á proposta, e Portugal, muito occupado com os seus proprios emprehendimentos, rejeita os planos do piloto genovês que, sem o desinteresse e abnegação dos homens superiores, pretendia para si e para os seus a certeza de altas honras e larguissimas prebendas. (...) Para mais diminuir o valor do feito colombino, succede que dois annos antes aportara a uma das terras do sul (S.. Paulo, no Brasil), um português chamado João Ramalho e alli vivera o resto dos dias. Sabe-se isto pelo testamento que elle deixou, feito em 1520, e existe nos archivos do Brasil (...). (Francisco de Almeida, "Para os Colombistas", O Occidente, N° 501, 21 de novembro de 1892,
Os cronistas portugueses salientaram a surprêsa causada em Portugal pela recepção triunfal preparada aos reis portugueses em Madrid.(Gervasio Lobato, "Chronica Occidental", O Occidente 501, 21 de novembro de 1892, 258). A viagem de D. Carlos I° e sua comitiva iniciou-se no dia 9 de novembro, quando saíram de Lisboa por via férrea, terminando com o seu retorno à capital portuguesa, no dia 18. Os nove dias da viagem foram, como salienta Gervasio Lobato em sua crônica, "nove dias de festa, de alegria, de acclamações que estreitaram muito mais as nossas relações com a Hespanha e os laços de amisade, de parentesco, que nos une a esse povo visinho, e que devem ter enchido de jubilo todos os portuguezes, por verem a sympathia, a consideração, o alvoroço, o enthusiasmo com que os nossos soberanos foram recebidos pela corte e pelo povo hespanhol." (loc.cit.) Seria difícil segundo o cronista fazer uma resenha das festas realizadas em Madrid durante a estada dos reis de Portugal: "Foram festas successivas, de que nos seus jornaes respectivos deram longa noticia todos os jornalistas (...)." (loc.cit.) "E em todas estas festas, os reis de Portugal foram alvo das mais enthusiasticas demonstrações de sympathia, tanto da Rainha regente e da corte, como do povo, que por toda a parte acclamava os seus augustos hospedes, como dos jornaes de Madrid que, sem distincção de cor política e partidaria, encheram as suas columnas de artigos os mais amaveis e mais lisongeiros para os soberanos portuguezes e para Portugal." (loc.cit.) Na comitiva portuguesa tomaram parte, além do Presidente do Conselho, do Ministro dos Estrangeiros, o renomado artista Raphael Bordallo Pinheiro e o correspondente do Figaro em Lisboa, o Visconde de Claverie. Os reis foram esperados na fronteira espanhola pelo Ministro de Portugal em Madrid, o Conde de São Miguel. Em Hiecas, foram recebidos pelo Presidente do Conselho de Ministros da Espanha, Canovas de Castillo, assim como pelos ministros do Exterior e das obras públicas. Na estação de Madrid, foram aguardados pelos mais destacados representantes da comunidade portuguesa, entre residentes e aqueles que ali se encontravam de passagem. Destacavam-se, entre os intelectuais portugueses presentes, Pinheiro Chagas e Ramalho Ortigão. Da estação de Madrid, acompanhados pela rainha da Espanha, seguiram para o paço real, por entre alas formadas por toda a guarnição de Madrid que, em número de 12000 homens, desfilou em frante ao palácio do Oriente, na presença de uma multidão calculada em 50000 pessoas. A programação festiva para a recepção dos portugueses denota o cuidado dos seus organizadores em oferecer espetáculos diversificados para os diversos grupos da população. Incluiu um baile no paço, decantado pelo seu extraordinário brilho, uma récita de gala no Teatro Espanhol, com a peça de Calderon "Casa com duas portas é má de guardar"; um récita no Teatro Real com a ópera Garin, de Breton, manifestando a recepção wagneriana na Espanha, uma retreta militar com "flambeaux" e lanternas, uma cavalgada histórica e um grande jantar na legação portuguesa.
Festas no retorno a Portugal
Em Portugal, govêrno e povo estavam conscientes do significado da visita efetuada na Espanha e da recepção grandiosa, inesperadamente triunfal que havia sido dada aos reis portugueses. Uma comissão presidida pelo Conde da Folgosa organizara os festejos para o recebimento dos reis em Lisboa. As festas deveriam incluir atos sociais e filantrópicos, ao lado de extenso programa cultural. No dia da chegada, realizou-se um bodo para 1500 pessoas pobres de Lisboa em barracas armadas ao ar livre. Pelas ruas em que o cortejo deveria passar, levantaram-se arcos e bandeiras, desde a estação do Rocio até ao Palácio das Necessidades. A estação foi adornada com arbustos, plantas e bandeiras. A comitiva foi esperada pela rainha D. Maria Pia, pelo príncipe real, pelos infantes, pelo ministério, por altos funcionários, além do corpo diplomático, de políticos, homens de letras, jornalistas e artistas. Os monarcas, recebidos musicalmente pela banda da guarda municipal com o hino real e com fogos de artifício, seguiram em carro aberto ao palácio, por entre alas formadas pela tropa da guarnição e em meio a multidão de espectadores. Os edifícios oficiais e as ruas foram iluminadas festivamente, realizando-se um espetáculo pirotécnico na Avenida. No Ginásio, apresentaram-se, em récitas gratuitas, as peças Hotel Luso-Brazileiro e A Gente vê caras. Um dos poucos empreendimentos menos felizes da programação foi o de uma récita que deveria haver no Teatro São Carlos com a cantora Gabbi e o Mtro. Mancinelli, que se encontravam em Lisboa de passagem, vindos do Brasil. Esse espetáculo, não realizado pelos artistas, foi substituído por uma representação do Fausto pela companhia que estava atuando no Real Coliseu: " e no fim de contas o espectaculo pouco importava porque o que todos queriam ver era o aspecto da Tribuna Real, o effeito da sala com as senhoras em grande toilette, que é sempre o attractivo principal das recitas de gala". (op.cit.) "O effeito da sala era deslumbrante, e poucas vezes se tem visto em S. Carlos tantas toiletes elegantes, tanto luxo, tantos brilhantes como n'essa noite". Entretanto, por motivos técnicos relacionados com a iluminação do teatro, o espetáculo não pode ser efetuado.
Papel da mulher na história cultural: D. Amélia e D. Maria Christina
Um aspecto que deveria ser salientado nessa visita de tanto significado simbólico-cultural para a aproximação dos dois países ibéricos é o papel representado pelas rainhas. Crônicas da viagem salientam a função diplomática exercida por D. Amélia: "A rainha D. Amelia é a heroina do dia! Nos salões, clubs e centros de reunião, todos lhe celebram a belleza e rara distincção. Na opinião geral a rainha portugueza é uma das mais formosissimas damas que n'estes dias teem abrilhantado as festas de Madrid. Não tem a beleza regular, quasi classica da hespanhola. Tem mais do que isso; tem a suprema e fascinante graça. é uma soberba cabeça dominadora, olhos nadando em effluvio, sempre com um sorriso nos labios, porte aristocratico de raça, a cintura flexivel, as linhas do busto esculpturaes. Nas gazetas e nos centros de reunião de Madrid, desde o café Fornos aos salões da Castellana, os assumptos de todas as conversas é a belleza e a refinada elegancia da rainha de Portugal. A rainha D.Amelia conquistou Madrid sem precisar d'um exercito!" (loc.cit.) Como gesto de retribuição às atenções dispensadas a Dna. Amélia em Madrid, a revista O Occidente publicou, na sua página de rosto, um retrato da rainha espanhola e um longo texto dedicado à sua pessoa. "À frente d'essas festas vimos a rainha regente de Hespanha, esse sympathico vulto, que tem despertado em todo o mundo as mais merecidas attenções e justos respeitos, pela sabedoria e prudencia com que tem presidido ao governo do seu paiz, sustentando em suas delicadas mãos o pesado sceptro das Hespanhas, como precioso penhor que um dia terá de entregar a seu desvelado filho, o pequenino rei D. Affonso XIII. Raro exemplo de valor femenino tem dado ao mundo a rainha D. Maria Christina, e quantos ao verem-n'a viuva e assumir a regencia de Hespanha, em 30 de dezembro de 1885, recearam pela jovem princeza, pelo futuro successor da coroa de Castella, no meio das agitações politicas, das paixões partidarias de que o seu paiz tem sido theatro. (...) Nas festas que acabam de se celebrar em Hespanha, a Rainha Regente foi alvo das mais enthusiasticas manifestações por parte dos povos que visitou, em companhia do infantil rei D. Affonso XIII. Essas festas tiveram a sua chave de ouro em Madrid, onde a Rainha Regente recebeu a visita de El-Rei D. Carlos e da Rainha D. Maria Amelia, com a gentileza e primores que distinguem a côrte de HEspanha e não menos a côrte austríaca, berço da viuva de D. Affonso XII." (In: O Occidente 501, 21 de novembro de 1892, 259).
Um aspecto que deveria ser salientado nessa visita de tanto significado simbólico-cultural para a aproximação dos dois países ibéricos é o papel representado pelas rainhas. Crônicas da viagem salientam a função diplomática exercida por D. Amélia: "A rainha D. Amelia é a heroina do dia! Nos salões, clubs e centros de reunião, todos lhe celebram a belleza e rara distincção. Na opinião geral a rainha portugueza é uma das mais formosissimas damas que n'estes dias teem abrilhantado as festas de Madrid. Não tem a beleza regular, quasi classica da hespanhola. Tem mais do que isso; tem a suprema e fascinante graça. é uma soberba cabeça dominadora, olhos nadando em effluvio, sempre com um sorriso nos labios, porte aristocratico de raça, a cintura flexivel, as linhas do busto esculpturaes. Nas gazetas e nos centros de reunião de Madrid, desde o café Fornos aos salões da Castellana, os assumptos de todas as conversas é a belleza e a refinada elegancia da rainha de Portugal. A rainha D.Amelia conquistou Madrid sem precisar d'um exercito!" (loc.cit.)
Apesar dos encômios à cultura austríaca da regente espanhola, os cronistas portugueses não deixavam de salientar a imagem mais brilhante e latina que teria Dna. Amélia e a familia real portuguesa:
"Uma das folhas madrilenas mais importntes, o Heraldo, publicou (...) um interessante artigo, fazendo uma comparação entre as familias reinantes de Hespanha e Portugal, comparação muito lisongeira para os nossos reis. Este artigo foi (...) muito discutido e geralmente approvado. Na verdade o Heraldo tinha razão. Na Hespanha, uma rainha d'um caracter completamente opposto ao caracter effusivo dos hespanhoes, e um rei que ainda hontem deixou os coeiros, tuberculoso, quasi sempre doente, passando os dias ou a brincar com as bonecas, ou a fazer dodó nos braços da aia que o não deixa; do lado de Portugal, uma rainha elegantissima, latina no coração e no sangue, amando as festas profundamente peninsulares, doce, effusiva, sempre com um dito de espirito ou uma palavra de bondade para todos que a rodeiam e tendo por companheiro um rei moço, cheio de vida, de saude, corajoso, um homem energico e viril, de pulso rijo, bom arcaboiço, um homem emfim. Vê-se por tanto d'aqui, como a comparação entre as duas familias reinantes não pode deixar de ser favoravel para Portugal. Ao menos valha-nos isso..." (Gervasio Lobato, "Chronica Occidental2", O Occidente, 21 de novembro de 1892, 258)
Considerando-se o papel da mulher na história político-diplomática da época, não se pode esquecer também da embaixatriz de Portugal em Madrid, a Condessa de São Miguel: "Para viver n'uma côrte altiva como a de Madrid e entre uma nobreza orgulhosa como a hespanhola é vantajoso descender de reis e de senhores feudaes de épocas medievicas como a senhora condessa de S. Miguel que conserva o typo distinctamente senhoril de fidalga (..), alma fina e cultivada cujo coração é um sanctuario dos mais puros affectos. O verdadeiro espirito d'uma embaixatriz deve ter como a sr.a condessa de S. Miguel qualidades de diamante, deve ser brilhante e solido. Muitas senhoras a desejarão imitar, mas tambem o pyrilampo quer parecer-se com uma estrella e a violeta com a palmeira. Não é tarefa fácil, por isso nem a tentamos - o desprender das complexas e vetustas genealogias o nome preclaro da senhora condessa de S. Miguel (...) É filha morgada com vinculo registado do 10° conde dos Arcos, casa que descende de D. Izabel filha do rei de Portugal D. Fernando I e do conde de Gijon D. Affonso filho d'El-rei D. Henrique II de Castella"" (Antonio Cavalleiro, loc. cit.)
Um atentado na Espanha antecedente ao português
Em 1906, D. Carlos I° realizou outra visita a Madrid. Neste ano comemoraram-se dois matrimônios de significado para as relações entre os países europeus. Celebrou-se nesse ano o casamento do príncipe Ferdinando Maria da Baviera com a irmão do rei D. Alfonso, Dna. Maria Teresa. No dia anterior ao casamento, o monarca espanhol presidira um capítuo da ordem de Montesa na igreja de Calatrava, em Madrid, uma ordem fundada em 1316. Jantar festivo por ocasião da visita de D. Carlos à Côrte da Espanha, 1906. Da esquerda para a direita na visão do leitor: Infante Carlos de Bourbon; D. Carlos I°; Alfonso XIII; Príncipe Ferdinando da Baviera e o Prefeito de Madrid (Universum-Jahrbuch 1906) Outro acontecimento importante desse ano foi o do noivado do rei Alfonso com a princesa Ena de Battenberg, realizado na Villa Mouriscot, em Biarritz, fortalecendo os elos com a Inglaterra. Pouco antes, no dia 7 de março, a princesa tinha-se convertido ao Catolicismo, em cerimônia levada a efeito em San Sebastian. No dia 1 de junho de 1906, celebrou-se o matrimônio do rei espanhol com a princesa, tornando-se esta rainha da Espnha sob o nome de Vitoria. No retorno a cerimônia, foi atirada uma bomba na carruagem real, camuflada em bouquet de flores. Morreram no atentado soldados e cavaleiros, havendo vários feridos. O casal não foi atingido. Após alguns dias, nova tentativa para um atentado foi descoberta. Deveria ocorrer durante uma visita do rei ao Teatro de Madrid. Congresso Médico em Lisboa, 1906. Sessão de abertura por D. Carlos (Universum-Jahrbuch 1906) Neste ano, D. Carlos apoiava vários empreendimentos científicos em Portugal, alguns deles de relevância internacional. Assim, o 15° Congresso Internacional de Medicina, por ele solenemente inaugurado, foi aclamado como dos mais importantes acontecimentos científicos do gênero. Nela tomaram parte nada menos do que 16 delegados da Alemanha. Teve lugar à época em que institutos de ciências naturais e médicas portugueses eram considerados como modelares por outras nações, em particular o Instituto Bateriológico e a Nova Escola de Medicina. Instituições científicas da época de D. Carlos: Instituto Bacteriológico (Universum-Jahrbuch 1906)
Instituições científicas da época de D. Carlos: Instituto Bacteriológico (Universum-Jahrbuch 1906)
A.A.Bispo
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui notas e citações bibliográficas. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição (acesso acima).