Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

_________________________________________________________________________________________________________________________________


Índice da edição     Índice geral     Portal Brasil-Europa     Academia     Contato     Convite     Impressum     Editor     Estatística     Atualidades

_________________________________________________________________________________________________________________________________

Berlin-Charlottenburg. Foto A.A. Bispo

Berlin-Charlottenburg. Foto A.A. Bispo

Berlin-Charlottenburg. Foto A.A. Bispo

Berlin-Charlottenburg. Foto A.A. Bispo

Berlin-Charlottenburg. Foto A.A. Bispo

Berlin-Charlottenburg. Foto A.A. Bispo

Berlin-Charlottenburg. Foto A.A. Bispo

Berlin-Charlottenburg. Foto A.A. Bispo

Berlin-Charlottenburg. Foto A.A. Bispo

Berlin-Charlottenburg. Foto A.A. Bispo

Berlin-Charlottenburg. Foto A.A. Bispo

Fotos A.A.Bispo. Berlin-Charlottenburg.
©Arquivo A.B.E




 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 141/1 (2013:1)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Dr. H. Hülskath e Comissão especializada

Organização de estudos de processos culturais em relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa -
e institutos integrados


© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2013 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2953


A.B.E.


Brasil/Alemanha nas relações entre a Europa e América Latina
sob o signo da
Cumbre Unión Europea-CELAC 2013
Individualidades culturais e valores universais
Revendo fontes e concepções


Diálogos de Berlin-Charlottenburg pelos 30 anos do simpósio euro-brasileiro de renovação dos estudos da emigração alemã ás Américas

 
A.A.Bispo
Este número de abertura de 2013 da Revista Brasil-Europa/Correspondência Euro-Brasileira é dedicado a um tema que deve marcar de forma particular os estudos euro-brasileiros do corrente ano: o dos elos Alemanha-Brasil sob a perspectiva dos estudos de processos culturais em relações internacionais.

A particular atenção dirigida a essas relações em 2013 justifica-se pela passagem dos 30 anos da realização do primeiro simpósio internacional dedicado à atualização de etudos da emigração alemã à América, levado a efeito na Alemanha em 1983 sob a direção do editor desta revista. A retomada do debate e dos trabalhos atualizadores de concepções desde então desenvolvidos adquire particular atualidade pela realização, em janeiro de 2013, da Cumbre Unión Europea-CELAC no Chile.

O evento de 1983, sob muitos aspectos pioneiro, nascido de iniciativa brasileira, trouxe então à consciência a necessária atualização dos estudos transatlânticos e interamericanos sob as novas condições do processo de integração européia que então se iniciava.

Esse simpósio realizou-se concomitantemente com uma semana internacional de música pelo fato de ser o ano de 1983 ano marcado por comemorações de vários grandes compositores. (A.A.Bispo, "Aspekte deutsch-amerikanischer Musikbeziehungen", Leichlinger Musikforum 3, 1983, 3 ss.) O mesmo acontece no ano de 2013, quando, entre outros, comemora-se o bicentenário de Richard Wagner (1813-1883).

Coloquio Intercultural Rio 2004
O debate assim iniciado há três décadas relativo a mudanças de perspectivas nos estudos atlânticos e interamericanos, e consequentemente de enfoques da imigração e da colonização alemã no Brasil, forneceu impulsos e diretrizes para os trabalhos posteriores. Estes foram desenvolvidos tanto nas próprias regiões de colonização centro-européia no Brasil como na Alemanha.

Sessões dedicadas à imigração e às relações culturais entre a Alemanha e o Brasil marcaram o triênio de eventos pelos 500 anos do Brasil e o  início dos trabalhos euro-brasileiros do III° milênio, integrando o Congresso Internacional "Música e Visões" em Colonia e Bonn, em 1999, e levando à realização do "Forum Rio Grande do Sul" em Gramado e São Leopoldo, em 2002. Determinaram também os trabalhos do Colóquio Internacional de Estudos Interculturais realizado em São Paulo e no Rio de Janeiro em 2004 com a coooperação da Rheinische Friedrich-Wilhelms Universität de Bonn e instituições brasileiras.

Berlin-Charlottenburg. Foto A.A. Bispo

Diálogos de Berlin-Charlottenburg

Nessa linha histórica complexa mas coerente do desenvolvimento das reflexões, os trabalhos do corrente ano devem dar continuidade aos ciclos de estudos realizados na Alemanha, em 2012.

Devido aos 300 anos de Friedrich "o Grande" (1712-1786), rei da Prússia, amigo de filósofos e músico, vulto do Iluminismo, a atenção foi neles dirigida em especial a questões relacionadas com processos esclaredores e com a função esclarecedora a ser exercida pelos Estudos Culturais. Para isso, revela-se como necessário considerar e analisar edifícios de pensamento e visões do mundo vigentes em processos histórico-culturais e no próprio modo de vê-los e interpretá-los por parte do observador. (http://www.revista.brasil-europa.eu/138/Estudos-e-Esclarecimento.html)

Essa orientação programática fundamental dos estudos que têm agora o seu prosseguimento foi discutida no ambiente histórico do palácio de Charlottenburg, em Berlim, um dos centros das comemorações fredericianas. Entre outras razões, o palácio de Charlottenburg assume particular significado para os estudos de relações entre a Alemanha e as Américas por incluir nos objetos ali expostos obra que representa Alexander von Humboldt (1769-1859) nos seus trabalhos no continente americano.

Continuidade de reflexões sobre o processo formativo e o conceito de liberdade

A dedicação da Capital da Ciência de 2012 ao tema "Hansa encontra Humboldt" dirigiu  as reflexões de forma mais específica aos elos entre Economia e Ciência. Essas relações foram analisadas em particular sob o aspecto do ideal de formação do homem de Wilhelm von Humboldt (1767-1835), considerado como o "teórico da liberdade". (http://revista.brasil-europa.eu/140/Liberdade-em-debate.html)

O pensamento humboldtiano, que marcou a universidade alemã e mantém a sua atualidade em projetos de grandes dimensões destinados ao diálogo científico-cultural entre as nações, aguçou a consciência para a necessidade de diferenciações entre o conceito de liberdade e concepções político-econômicas ou mesmo partidárias. (http://revista.brasil-europa.eu/140/Liberdade-e-Liberalismo.html)

Um automatismo que vincula necessariamente concepções de liberdade e de formação do homem e de nações em livre processo de individuação com idéias de Estado não pode ser aceito em anelos voltados ao amplo diálogo científico-cultural em contextos internacionais. (http://revista.brasil-europa.eu/140/Forum-Humboldt.html)

Para a superação desse problema, torna-se necessário assumir um ponto de perspectiva mais distanciado relativamente ao edifício do pensamento e de visão do mundo no qual o conceito de liberdade e do livre desenvolvimento de aptidões e interesses condiciona conceitos de economia e Estado, transformando-o de sistema referencial condutor a objeto de estudos culturais. A liberdade é assim definida como aquela do homem que é livre para analisar os seus próprios condicionamentos culturais.

Essa exigência quanto a uma perspectiva científica nos estudos culturais em atitude de auto-refletividade do observador revela-se como sendo de forma particularmente premente na consideração de  contextos que relacionam a Alemanha e o Brasil segundo a orientação há décadas inaugurada e representada pela Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionaius/A.B.E.

Significado do debate liberdade/liberalismo no estudos de relações Alemanha/Brasil

A liberdade do comércio e do empreendendorismo alemão, a procura do livre desenvolvimento de interesses e aptidões, de superação de barreiras protecionistas, tem marcado de forma constante o discurso político e os estudos de imigração e colonização, onde se salienta o significado da livre ação dos emigrados no grande espaço que encontraram para a sua expansão.

A força de trabalho por parte dos imigrantes e a liberdade que encontraram para exercê-la nas vastas regiões ainda virgens são apontadas como motor do extraordinário desenvolvimento das colonias e da contribuição teuto-brasileira ao crescimento econômico e industrial do Brasil.

Também o papel desempenhado pelos alemães e seus descendentes nas ciências, na cultura e nas artes surge, neste contexto, também como epifenômeno da livre persecução e afirmação de interesses no mundo da existência, como resultado de anelos de livre desenvolvimento de potencialidades e de individuação no processo formativo da personalidade.

Comércio, indústria, economia, técnica, cultura e ciência apresentam-se assim como conceitos relacionados em edifício consistente de pensamento e marcam a literatura específica, assim como atividades de cooperação e intercâmbio.

A visão histórica e a interpretação de processos surgem nesse sentido como determinadas fundamentalmente por considerações de natureza econômica dirigidas ao desenvolvimento colonial e às atividades de comerciantes e empresários, aos sucessos de empreendimentos de imigrantes, comerciantes, importadores, exportadores e industriais, ao significado de matérias primas para a Europa e à contribuição alemã e seus descendentes ao desenvolvimento técnico e industrial do Brasil.

É significativo constatar, assim, que grande parte da literatura alemã referente ao Brasil trate privilegiadamente de assuntos de natureza econômico-comercial. O próprio papel desempenhado por alemães na história científica do Brasil - e do Brasil no desenvolvimento dos conhecimentos científico-naturais em geral - revela-se em muitos casos com empreendimentos mineralógicos ou de alcance de conhecimentos relativos à terra e às condições naturais nas suas possibilidades de uso ou de estabelecimento povoador e colonizador.

É quase que em segundo passo que a atenção é dirigida na literatura à vida cultural de imigrantes e colonos no passado e no presente, à manutenção ou não do idioma de origem, ao ensino e à educação, à integração de comunidades e às características que as diferenciam culturalmente, assim como à ação de intelectuais, artistas e educadores alemães ou de ascendência alemã nos grandes centros.

A literatura - e não só a secundária de textos romanceados - é perpassada dessa forma por valorações de anelos de liberdade pessoal e e de liberdade em realizar e defender os próprios interesses, de expandir-se e impor-se pelo sucesso. As regiões de colonização são celebradas no seu progresso como demonstrações desse espírito empreendedor e força de trabalho de homens que procuraram o livre desenvolvimento de suas forças no mundo natural, o que compreendem como um direito a exercício e expansão.


Relativação do edifício fundamentado na imposição do homem no mundo natural

As reflexões encetadas no exemplo do pensamento de W. von Humboldt, nas suas implicações relativas ao homem livre e ao Estado oferecem assim caminhos para análises contextualizadas quando as atenções se dirigem aos alemães e seus descendentes no Brasil.

Também e sobretudo nesse caso surge como necessário  relativar o edifício de pensamento assim considerado através da procura de um ponto de observação mais distanciado que permita reconhecer essa estreita vinculação entre concepções de liberdade e à de sociedade e Estado como resultado ela própria de ordenações de um sistema de idéias e imagens de remota proveniência.

É essa perspectiva que permitirá alcançar novo estágio no desenvolvimento dos estudos e das reflexões em diálogo realmente internacional, onde os países que receberam colonos já não surgem como o mundo natural no qual homens com anelos à liberdade procuram realizar os seus interesses em auto-consciência de um presumido direito, como matéria a ser por êles conformada, mas como parceiro em esforço comum de procura de conhecimentos a serviço de um processo esclarecedor mais amplo e de respeito preservador para com a natureza.

É esse ponto de observação à distância que permitirá reconhecer que os próprios processos econômicos de feitos comerciais, industriais e técnico-científicos que tanto marcam os estudos de relações entre a Alemanha e a América Latina - em particular com o Brasil - representam êles próprios fenômenos culturais que merecem análises quanto a seus pressupostos na própria Europa, suas consequências e suas implicações globais.

A ciência e a cultura deixam de ser assim capítulos de menor pêso, subalternos em obras em grande parte determinadas pelo interesse econômico, comercial e industrial, por recursos naturais, mercados e transações, de programa suplementar e moldura de simpósios e empreendimentos internacionais, passando a adquirir posição condutora na análise mais aprofundada de relações. Deixando de surgir como epifenômeno, leva a uma transformação teórica dos estudos dedicados a essas próprias relações. É essa renovação profunda dos estudos de relações Alemanha-Brasil que vem-se demonstrando como necessária já há décadas e salientado nos trabalhos da A.B.E..

Revendo à distância Weltanschauungen manifestos ou subliminares

2013 oferece-se como particularmente favorável ao prosseguimento e aprofundamento dessas reflexões. Como ano do bi-centenário de nascimento de Richard Wagner (1813-1883),  traz à consciência o significado de visões do mundo, ordenações de imagens e edifícios de idéias e concepções não só para as artes, a cultura em geral, como também para a vida individual, a sociedade, a política e as relações entre os povos, determinando desenvolvimentos de consideráveis dimensões e consequências.

O movimento wagneriano, internacional, alcançou a América do Sul, atuando também no Brasil. Em comparação com muitas outras nações, as relações do Brasil com o universo wagneriano foram singularmente estreitas. Não só Wagner foi convidado já antes de seus maiores sucessos a desenvolver a sua obra no Rio de Janeiro, como também Pedro II° esteve presente em Bayreuth.

Na consciência de que essas relações não representam apenas curiosidades históricas, mas sim indícios de relações culturais mais profundas, cuja análise pode abrir novas perspectivas para os estudos internacionais, um dos primeiros momentos no desenvolvimento dos estudos euro-brasileiros deu-se significativamente em Bayreuth, por ocasião do Centenário da Casa dos Festivais em 1975, quando realizaram-se estudos sob a direção do editor desta revista. Essa data, assim como a renovação de concepções estético-artísticas contribuiu à procura de novas perspectivas da leitura dos textos de Wagner e da literatura wagneriana sob a perspectiva de questionamentos de relevância para o Brasil.

O universo wagneriano no Brasil não se evidencia apenas na influência constatável da obra e de processos composicionais de Wagner na produção artística de compositores brasileiros. Por complexos caminhos, sobretudo através da recepção wagneriana na França, o mundo de Wagner marcou modos de pensar, interpretações de desenvolvimentos artísticos e históricos e do próprio Homem.

Exemplo mais significativo da recepção de Musikanschauungen e Weltanschauungen na tradição wagneriana para o estudo das relações entre o Brasil e a Alemanha oferece artigo do compositor e diplomata paraense Arthur Iberê de Lemos (1901-1967 ) escrito em Berlim e publicado em 1923 em O Brasil e a Allemanha 1822-1922 : "Da arte e da humanidade em geral: Algumas de suas revelações com relação a civilização na Allemanha e no Brasil em particular" (Berlim, Editora Internacional, pág. 167-172). (http://revista.brasil-europa.eu/141/Brasil-Alemanha-Weltanschauung-e-Musica.html)

A colaboração de Arthur Iberê de Lemos, se possui dimensões reduzidas no conjunto de O Brasil e a Allemanha 1822-1922, tendo sido abreviado e surgindo por último na série de trabalhos publicados, pode ser visto como como um núcleo teórico-cultural da coletânea, cabendo-lhe um significado especial de fundamentação de todo o volume.

Tem-se, nesse texto de Iberê de Lemos, um primeiro exemplo de intenção que surge como particularmente atual de considerar processos - no caso designados como civilizatórios - sob um prisma global e genérico, relativo ao Homem ou à Humanidade, focalizando-o em particular na Alemanha e no Brasil.

Ao mesmo tempo, uma leitura mais cuidadosa do texto demonstra o quanto as concepções do autor, que hoje surgem como estranhamente singulares, apenas podem ser compreendidas na sua inserção em determinados contextos da recepção de Wagner. Trata-se, assim, de exemplo de assimilação brasileira de uma concepção do mundo e da história alemã do século XIX e de uma visão alemã dos acontecimentos determinados pela Primeira Guerra e suas consequências manifestada por autor brasileiro.

O drama musical wagneriano, antes de ser considerado como expressão de correntes do pensamento, de visões da história, de interpretações do desenvolvimento artístico através dos tempos do século XIX, passa no texto desse autor a constituir ponto de partida e fundamento de um edifício de idéias que justificam a suposição de ciclos na história, de períodos de ascensão e descensão, de ápices marcados pela integração de todos os elementos numa obra de arte total e da decadência causada por desintegrações.

Essa visão de processos históricos representada por Iberê de Lemos confere à Alemanha com o seu drama musical uma posição culminante num desenvolvimento civilizatório, comparável àquele da antiga Grécia com a tragédia. Na sua complexa visão de processos, Iberê de Lemos, partindo de uma distinção entre a Latinidade, a quem confere o papel mais propriamente criador, e o "gênio alemão", a quem empresta uma função antes assimiladora, aperfeiçoadora e realizadora, chega à valorização de assimilações e aperfeiçoamentos integradores no caminho ascensional em direção à unidade do todo. Dessa sua visão explicam-se concepções que surgem incompreensívels em primeira aproximação a seu pensamento e que dizem respeito ao individual/universal e ao sintetismo.

Para o Brasil, não é irrelevante o fato de Iberê de Lemos valorizar uma individualização no universal de um todo correspondente à unidade do Homem, assim como processos de assimilação e intuição. Apesar da complexidade do seu pensar, apenas aparentemente demonstrativo de eclética erudição, nele se constata uma coerência que se explica por uma visão de desenvolvimentos ocultos do Homem através dos tempos, própria das correntes espiritualistas, esotéricas, teosóficas e antroposóficas em que se inseriu.

A presença do artigo teórico-cultural de natureza básica de Iberê de Lemos em O Brasil e a Allemanha 1822-1922 traz a consciência a necessidade de considerar-se Weltanschauungen nos estudos culturais referentes aos alemães no Brasil e das relações entre as duas nações.

Essa contribuição filosófico-cultural de Iberê de Lemos relativa à Arte e à Humanidade em geral surge em contexto que é fundamentalmente marcado não apenas pelo anelo à união entre as nações após a Primeira Guerra, como também pela idéia da liberdade.

A Exposição Universal do Rio de Janeiro de 1922, a primeira após a Guerra, efetuando-se por motivo do Centenário da Independência do Brasil, justificava esse relacionamento entre uma liberdade compreendida como conquista da individualidade com a independência e o universal da exposição. Consequentemente, em panoramas históricos, os responsáveis pela publicação lembravam que a presença alemã no Brasil coincidia com a Independência, sendo assim estreitamente vinculada com a liberdade. Essa interpretação histórica - e que não evitava estabelecimento de contrastes indiferenciados com um suposto despotismo português -, justificava o acento dado à livre iniciativa, ao trabalho livre, ao livre desenvolvimento de talentos e de trabalho que explicavam o empreendendorismo alemão no Brasil e a sua contribuição ao progresso do país.

1923 - O Brasil e a Allemanha - nova situação nas relações nos anos de após-Guerra

Esse livro, dedicado explicitamente às boas relações entre os dois países, com colaborações brasileiras e alemãs, mandado editar por Alfred Funke, representa um marco do reatamento de elos após a Primeira Guerra. Substituindo em parte a ausência da Alemanha na Exposição Internacional do Rio de Janeiro, publicada por empenho particular, essa coletânea assume particular interesse para os estudos culturais em contextos internacionais como já salientado em trabalhos anteriores da A.B.E. (http://revista.brasil-europa.eu/141/Brasil-Alemanha-1923.html)

Essa obra demonstra na sua organização e no seu conteúdo a prioridade da política, da economia, da imigração e colonização, do comércio, dos recursos naturais, da agricultura, da tecnologia e da indústria que já determinava publicações mais antigas, anteriores à Primeira Guerra. Entretanto, os seus artigos indicam uma fundamental mudança das condições e da situação do relacionamento bi-nacional.

Como tematizado por alguns autores da obra, a Guerra, ao mesmo tempo dificultando exportações e importações, levou a uma intensificação do empreendedorismo teuto-brasileiro no suprimento das necessidades no país, contribuindo à industrialização e à superação de dependências.

A situação vantajosa dos países vitoriosos perante a Alemanha atribulada economicamente, e as novas condições resultantes do desenvolvimento de empreendedorismo teuto-brasileiro explicam as fundamentais mudanças de perspectivas e de condução de iniciativas.

Uma sob muitos aspectos surpreendente auto-consciência, assim como expressões de ufanismo que se manifestam nos textos indicam elos entre esse desenvolvimento marcado pelo fortalecimento econômico de empreendedores teuto-brasileiros com processos de identidade cultural de gerações já nascidas no Brasil. (http://revista.brasil-europa.eu/141/Ufanismo-de-teuto-brasileiros.html)

Essas novas condições exigiram modificações de perspectivas e procedimentos da parte alemã; salientou-se assim a necessidade de uma nova política econômica que aproveitasse as potencialidades de empresas de alemães no Brasil e apontou-se a exigência de uma reapreciação da emigração alemã intensificada sob as condições precárias da Alemanha nos anos vinte. (http://revista.brasil-europa.eu/141/Teuto-brasileiros-e-economia.html )

1913 - Centenário de um empreendimento emblemático de desenvolvimentos de ante-Guerra

No ano de 2013 cumpre lembrar de modo especial não apenas esse empreendimento editorial e cultural de 1923 que surge como marco da reconstrução de pontes destruídas com a Guerra de 1914-1918, como também um empreendimento final das relações entre a Alemanha e o Brasil do antigo mundo derrocado: a viagem de navios de guerra alemães ao Atlântico e ao Pacífico e que foram recebidos no Rio de Janeiro com festivas comemorações. (http://revista.brasil-europa.eu/141/Brasil-Alemanha-1913.html)

Esse empreendimento surge como simbólico e significativo sob muitos aspectos, podendo ser visto a ao mesmo tempo como culminação de desenvolvimentos e fim de uma era.

As naves de guerra imperiais percorreram colonias alemãs na África e visitaram cidades com grandes círculos alemães no Brasil, na Argentina, no Uruguai e no Chile. Para além de razões técnicas de engenharia náutico-militar que justificaram esse empreendimento, a rota da viagem merece especial atenção, pois une territórios coloniais alemães na África e comunidades alemãs ou de ascendência alemã nos países sul-americanos, ou seja, relaciona colonias e "colonias" em diferentes situações políticas, manifestando concepções de identidade cultural, de "alemanidade" para além de fronteiras.

A lembrança da visita ao Rio de Janeiro dessa divisão de navios de guerra alemã poucos meses antes da eclosão da Guerra de 1914 traz assim à consciência a necessidade de considerações mais diferenciadas de concepções culturais e de diferentes correntes e tendências político-culturais na Alemanha e nas comunidades de alemães em outros continentes, em particular na América do Sul.

1903 - Um relato póstumo de situações e tendências nas colonias sulamericanas

A leitura de outra fonte hoje caída no esquecimento permite aproximações a um estudo mais diferenciado de processos de identidade alemã sob o aspecto de complexas interações de patriotismos e nacionalismos nas suas diversas acepções e transformações. Trata-se do livro Weltreisen de Ernst Hengstenberg, uma obra que reune impressões das muitas viagens empreendidas por esse autor, em particular a regiões marcadas pela presença alemã, entre outras sobretudo do Chile, do Paraguai e do Brasil. (http://revista.brasil-europa.eu/141/Chile-Alemanha-Brasil-Ernst-Hengstenberg.html)

Ainda que justificadas pelo que tudo indica por interesses comerciais em extraordinária prova de empreendedorismo de expansão internacional de produtos que marcam ainda hoje hábitos alimentares no Chile e no Brasil, os textos de Hengstenberg deles não tratam especificamente e são apenas aparentemente meras impressões superficiais das regiões visitadas.

Ponto de partida para uma consideração contextualizada dessa obra e dos posicionamentos do seu autor é o fato de ser dedicada a Ernst von Treskow (1844-1915), vulto da história diplomática alemã do Chile e da Argentina. Esse oferecimento e as palavras de admiração e amizade do autor para com o diplomata permitem o reconhecimento de sua proximidade a círculos diplomáticos e aristocráticos que se encontravam em relações tensas com conselheiros militares e agentes de interesses da indústria de armas.

A consideração dessa situação nas relações internacionais que marcou em particular a história do Chile à época da prussianização de suas forças armadas abre novas possibilidades de leitura dos relatos que Hengstenberg oferece de regiões de colonização alemã no Brasil e do Rio de Janeiro. Em particular no caso de Joinville, a cidade "mais alemã" do Brasil, Hengstenberg, salientando a sua admiração pelo conservadorismo cultural da comunidade, não esconde as suas reservas para com o movimento agitatório pan-germânico alemão que também ali se fazia representar. (http://revista.brasil-europa.eu/141/Joinville-e-alemanidade.html)

A situação chilena abre também perspectivas para uma consideração em contexto mais amplo dos conflitos militares da época de suas viagens pelo Brasil, em particular da Revolução Federalista do Rio Grande do Sul, do assassinado do Barão do Serro Azul no Paraná, e da Revolta da Armada no Rio de Janeiro. (http://revista.brasil-europa.eu/141/Teutos-e-lusobrasileiros-Litoral-paulista.html)

A liberdade de comércio e de empreendimentos como constante na história das relações

Para além de todas as necessárias diferenciações, a liberdade de ação, de persecução de interesses e mesmo do direito de fazê-lo, assim como da expectativa de sua defesa e favorecimento através da superação de barreiras surge como uma constante na história das relações entre a Alemanha e a América do Sul, em particular, no caso, o Brasil.

Significativamente, desenvolvimentos favoráveis ou não a esse ideário marcaram a recepção do Brasil na Alemanha, influenciaram os interesses pelo país e, consequentemente, os conhecimentos e os estudos respectivos. Esse foi o caso, na segunda metade do século XIX, da abertura do Amazonas e de outros grandes rios brasileiros à navegação comercial. Já a notícia da intenção do govêrno do Império em possibilitar essa abertura levou a um considerável aumento de interesses pelo Brasil na Alemanha, como pode-se constatar em textos de Adolf Glaser (1829-1915) amplamente divulgados pela Illustrirte Deutsche Monatshefte ( George Westermann, Braunschweig). (http://revista.brasil-europa.eu/141/Alemanha-Brasil-Abertura-do-Amazonas.html)

Dentre os grandes rios brasileiros, um deles passou a exemplificar por excelência a necessidade de superação de barreiras, constante preocupação estreitamente vinculada aos anelos de livre trânsito e comércio: o São Francisco. (http://revista.brasil-europa.eu/141/Brasil-Alemanha-Rio-Sao-Francisco.html)

As cachoeiras de Paulo Afonso, colocando obstáculos ao tráfego e ao transporte, impedindo a ligação entre o curso superior e o inferior, e assim entre o Interior e o Exterior alcançável pelo Atlântico, tornaram-se imagem ao mesmo admirada e ameaçadora de barreira, de impedimento da livre ação e entrave ao desenvolvimento. Talvez se explique assim a renovada atenção emprestada ao São Francisco e às suas cachoeiras na Alemanha da segunda metade do século XIX.

Um documento até hoje pouco conhecido dessa fascinação alemã pelo São Francisco é um artigo de um escritor hoje esquecido: Hermann Ferschke (1835-1903) e publicado em magazine de ilustração e difusão de conhecimentos para círculos amplos de leitores. (http://revista.brasil-europa.eu/141/Alemaes-em-Alagoas.html)

O seu artigo, baseando-se em diário de oficial alemão emigrado ao Brasil e que atuara nas colonias alemãs do Sul, documenta o papel desempenhado por alemães na construção da ferrovia que devia possibilitar a ligação e o transporte de mercadorias entre os cursos do São Francisco interrompidos pelas cachoeiras de Paulo Afonso. As fotografias e os desenhos que ilustram esse artigo apresentam paisagens que correspondem àquelas do Romantismo alemão, assumindo através dessa proximidade conotações nostálgicas de um passado a ser superado pelo desenvolvimento. (http://revista.brasil-europa.eu/141/Rio-Sao-Francisco-e-paisagismo-alemao.html)

A questão teuto-brasileiros/luso-brasileiros no estudo de processos culturais

Apesar dos diferentes contextos das fontes consideradas, os relatos de estudos publicados neste número da Revista Brasil-Europa guiaram-se fundamentalmente pela preocupação com um edifício de idéias e imagens marcado por um conceito de liberdade que traz consigo implicações político-econômicas.

Ainda que de antiga proveniência, essas concepções, estudadas em ciclos anteriores em particular no exemplo de W. von Humboldt, marcaram e marcam a literatura e o pensamento referente às relações entre a Alemanha e o Brasil.

Elas vêm sendo discutidas nos ciclos de estudos como resultantes de conjecturas relativas ao homem na sua necessidade de imposição no mundo natural, dela derivando direitos e expectativas relativas a Estado. Trazem consequências para com a atitude do homem perante a natureza - vista fundamentalmente sob a perspectiva do que deve ser vencido e controlado pelo homem com direito à consecução de seus interesses -, necessitando ser relativadas como expressão de antropocentrismo.

Quando, hoje, a atenção é dirigida à necessidade de um desenvolvimento que não ignore a sustentabilidade, não se deve esquecer que é todo um sistema de concepções que deveria ser reconsiderado nas suas bases e que isso apenas pode ser possibilitado através de esforços de alcance de uma perspectiva científica na visão do mundo e do homem. Esse fato justifica o primado da ciência nas relações.

Nesses esforços científicos os estudos de processos culturais desencadeados ou influenciados pela imigração alemã aos países latino-americanos exigem particular e cuidadosa atenção. As leituras de textos de viajantes alemães do passado revelam frequentes menções a diferenças culturais e modos de vida das regiões de colonização alemã e aquelas de luso-brasileiros. Estes, não raro considerados em luz negativa, ou são criticados como indolentes - como nas regiões de colonização mais antiga do litoral de Santa Catarina, Paraná e São Paulo (http://revista.brasil-europa.eu/141/Teutos-e-lusobrasileiros-Litoral-paulista.html) ou relativamente a indígenas e caboclos da região amazônica (http://revista.brasil-europa.eu/141/Alemanha-Brasil-Abertura-do-Amazonas.html) - ou como imbuídos de "mania de grandeza" e de espírito festivo e celebrativo sem maiores fundamentos intelectuais, de cultivo de formas e de distinção sem cultura mais profunda de círculos mais privilegiados, em particular do Rio de Janeiro (http://revista.brasil-europa.eu/141/Alemaes-e-critica-da-sociedade.html).

À luz dos estudos acima mencionados que vêm salientando a necessidade de uma visão mais distanciada de edifícios de pensamento que relacionam conceitos de liberdade com o liberalismo e concepções de sociedade e de Estado, questiona-se se esse contraste entre modos de vida e energia empreendedora de alemães e seus descendentes e os "lusobrasileiros" não representam também expressões de idéias e imagens internalizadas dos próprios alemães e teuto-brasileiros.

As concepções e as convicções de um dever moral e mesmo direito do homem em impor-se no meio e desenvolver-se em processo formativo de individuação em liberdade de ação, levam simultâneamente à sobrevalorização do empreendendorismo em consciência de superioridade e à depreciação de complexos culturais que manifestam não serem movidos por esses impulsos e que surgem como expressões conotadas negativamente de indolência e falta de vontade de trabalhar e avançar.

Na situação do presente, quando tornam-se manifestas na própria ecologia consequências negativas de ativismos empreendedores e expansivos, surge como tarefa dos estudos culturais procurar outras perspectivas na apreciação de qualidades culturais daqueles que, criticados por uma suposta letargia, possibilitaram por séculos, como os indígenas, uma convivência com o meio natural menos caracterizada por síndromes de luta pela auto-imposição indivualizadora, desenvolvimento e expansão.

Necessária auto-análise daqueles inseridos em processos culturais Alemanha/Brasil

Os estudos de processos culturais em relações Alemanha-Brasil relacionam-se também - como em outros casos - com estudos da própria produção de saber, de correspondentes rêdes sociais e suas ações no sentido de um necessário estabelecimento de elos entre os estudos culturais e os science studies.

No exemplo de textos de O Brasil e a Allemanha de 1923, constatam-se atitudes, modos de expressão e ações que manifestam exagêros voluntariosos de auto-consciência e que, como no caso do Coronel Gaelzer Netto (1874-1954), sugerem poder ser analisados como resultados de processos de identidade cultural de teuto-brasileiros, marcados ao mesmo tempo por complexas interações de impulsos auto-afirmativos, de integração e diferenciação e que não deixam de ter implicações político-culturais. (http://revista.brasil-europa.eu/141/Brasil-Alemanha-1923.html).

A atenção voltada a análises mais diferenciadas desses processos culturais pode abrir caminhos também à compreensão do singular fenômeno de exacerbações ufanistas de brasileiros de ascendência alemã exemplificado em artigo de Walter E. Hehl, o principal colaborador do editor de O Brasil e a Allemanha. (http://revista.brasil-europa.eu/141/Ufanismo-de-teuto-brasileiros.html)

O aguçamento da percepção para complexas, cambiáveis, aparentemente nem sempre coerentes manifestações de processos culturais teuto-brasileiros surge como exigência para o desenvolvimento dos estudos e para a compreensão adequada de iniciativas, projetos, ações individuais e de grupos.

Essa sensibilidade pode contribuir a que se perceba instrumentalizações de questões culturais das relações Alemanha-Brasil para fins de projeção de determinadas pessoas, de círculos e de propaganda de firmas e grupos políticos, e que se manifestam em iniciativas sensacionalistas e mesmo carnavalizadoras constatadas no presente. Uma maior acuidade na percepção dessas iniciativas de determinadas sociedades e grupos pode evitar, assim, prejuízos quanto à necessária seriedade científica que tão importantes relações exigem.

Antonio Alexandre Bispo


Todos os direitos relativos a texto e imagens reservados. Reproduções apenas com a autorização explícita do editor.

Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "Brasil/Alemanha nas relações entre a Europa e América Latina
sob o signo da Cumbre Unión Europea-CELAC 2013
Individualidades culturais e valores universais". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 141/1 (2013:1). http://revista.brasil-europa.eu/141/Brasil-Alemanha-2013.html