Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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De desenho na obra de Ferdinand Denis

De desenho na obra de Ferdinand Denis

De desenho na obra de Ferdinand Denis

De desenho na obra de Ferdinand Denis


Imagens: de ilustrações de Ferdinand Denys, Geschichte und Beschreibung von Brasilien und Guyana, 1839


 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 141/11 (2013:1)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Dr. H. Hülskath e Comissão especializada

Organização de estudos de processos culturais em relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa -
e institutos integrados


© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2013 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N°2967


A.B.E.


O São Francisco e a barreira à navegação representada pela cachoeira de Paulo Afonso
na Alemanha do século XIX
O livre comércio como constante na história das relações entre a Alemanha e os países latino-americanos.
Relendo textos de Adolf Glaser (1829-1915) II

Alemanha-Brasil
Diálogos de Berlin-Charlottenburg pelos 30 anos do simpósio euro-brasileiro de renovação dos estudos da emigração alemã ás Américas
no ano da Cumbre Unión Europea-CELAC 2013

 

Em ano no qual as atenções nos estudos culturais são particularmente dirigidas às relações Alemanha-Brasil sobretudo por motivo da passagem dos 30 anos do simpósio euro-brasileiro dedicado tricentenário da emigração alemã à América (http://revista.brasil-europa.eu/141/Brasil-Alemanha-2013.html), cumpre trazer à consciência fatos e desenvolvimentos do século XIX que possam contribuir ao esclarecimento de fundamentos de processos culturais da época do início da presença alemã mais intensa no Brasil.

Como salientado no evento de 1983, os dados oferecidos pela literatura e suas interpretações necessitam ser relidos sob perspectivas que correspondam à nova situação criada pelo processo de integração européia e da crescente aproximação dos estados americanos entre si.

Os estudos mais recentes têm dirigido a atenção de forma especial à concepção de liberdade, em particular também no pensamento alemão (http://revista.brasil-europa.eu/140/Liberdade-em-debate.html), e que se oferece como significativo como conceito condutor no âmbito dos estudos de relações Alemanha-Brasil.

Esse conceito favorece um tratamento empático da situação dos emigrantes na procura de situação de livre desenvolvimento de suas aptidões e forças de trabalho, assim como o reconhecimento da necessária atenção que deve ser dada às relações entre a liberdade de comércio, de empreendimentos e processos culturais nos estudos respectivos.

Essas constatações a partir de releituras de fontes históricas representam as bases sobre as quais se podem então aplicar a relativação de todo um edifício de pensamento que relaciona liberdade na consecução de interesses e sistema político-econômico com as suas implicações quanto à concepção de Estado a partir de uma perspectiva distanciada do observador livre em considerar os seus próprios condicionamentos culturais. (http://revista.brasil-europa.eu/140/Liberdade-e-Liberalismo.html)

A liberdade do comércio, que surge como conceito constantemente presente nos anelos de empreendedores, importadores e exportadores alemães relacionados com o Brasil, foi compreensivelmente sempre estreitamente relacionada com a liberdade da navegação comercial.  Se a abertura dos portos brasileiros em 1808 foi um marco decisivo na história das relações do Brasil com outras nações, um segundo marco em importância foi aquele da liberação dos rios à navegação comercial na segunda metade do século XIX.

A abertura do Amazonas e de outros rios pelo Govêrno do Brasil despertou necessariamente interesse na Alemanha. Tratava-se da possibilidade de descobrimentos de uma vasta região até então fechada, abrindo novas perspectivas para a navegação, o comércio e o espírito empreendedor alemão.

Ainda que a liberação do Amazonas e de seus afluentes à navegação comercial dominasse pela grandeza, pelas riquezas naturais e pelas possibilidades futuras da região o interesse geral, também outros grandes rios que tiveram a sua navegação liberada passaram a chamar a atenção de eruditos e interessados em assuntos geográfico-culturais.

Esse foi o caso do São Francisco, também alvo de medidas liberadoras com o escopo de fomento ao desenvolvimento por parte do Império brasileiro. Visto do lado do Brasil, essa medida representava o intuito de captação de capitais e de forças humanas também para um fim compreendido como de liberdade, no caso daquele das dependências relativamente ao estrangeiro. Noções de liberdade e o edifício decorrente do conceito fizeram-se assim sentir dos dois lados.


A liberação do São Francisco e a barreira representada pelas cachoeiras de Paulo Afonso

Um testemunhog do novo interesse surgido na Alemanha pelo São Francisco com a medida anunciada de liberação dos rios brasileiros é o texto redigido por Adolf Glaser (1829-1915) nos cadernos mensais alemães ilustrados de Georg Westermann, publicação de significado para a informação geográfico-cultural na Alemanha do século XIX. ("Der brasilische San Francisco", Westermann's Jahrbuch der illustrirten deutschen Monatshefte: Ein Familienbuch für das gesammte geistige Leben der Gegenwart 21 (October 1866- März 1867), Braunschweig: George Westermann 186, 110-111).

O redator do texto, que também registrou a liberação do Amazonas, onde se deteve com maior cuidado na consideração das intenções do Govêrno, nas circunstâncias políticas que explicavam a medida e nas suas consequências, dedicou-se, no caso do São Francisco, sobretudo a apresentá-lo ao leitor alemão.

O seu texto documenta a consciência de uma deficiência de conhecimentos relativamente ao São Francisco na Alemanha.

"Nunca se menciona o São Francisco ao lado das grandes correntezas da América do Sul. Com o seu comprimento (2900 quilômetros), porém, fica apenas atrás do Amazonas e do Rio de la Plata. A area que banha é, entretanto, muito menor, pois, em lugar de, como os outros rios, de se abrir como leque na sua desembocadura, permanece bastante constante na sua largura. Nunca tem menos do que 25 e nunca mais do que 40 milhas geográficas de largura." (loc.cit.)

Como Glaser lembra, esse desconhecimento do São Francisco era devido justamente à impossibilidade de navegá-lo em direção do vasto interior por êle cortado a partir do oceano. O obstáculo à navegação era a barreira representada pela cachoeira de Paulo Afonso.

Paulo Afonso: mais grandiosas e belas do que a do Niagara

Glaser oferece no seu texto uma descrição da grandiosidade e da beleza de Paulo Affonso, que superaria segundo êle a do Niagara. A sua descrição, pela grande difusão da revista que dirigia, fundamentou ou pelo menos muito contribuiu à fascinação que a cachoeira de Paulo Afonso despertou na Alemanha como uma das mais extraordinárias belezas naturais do Brasil.

"Deu-se a êle pouca atenção certamente por não poder ser navegado a partir do mar. Já há 300 quilômentros acima de sua embocadura forma êle a cachoeira de Paulo Affonso, que pode ser comparada em beleza com o Niagara. Nesse ponto já percorreu 2600 quilômetros e recebeu todos os seus afluentes maiores. Preso entre dois enormes muros de granito, corre como uma correnteza de montanha num leito cujo declive sempre aumenta, caindo repentinamente em três quedas de uma altura de 84 metros. A queda mais inferior é a mais significativa e tem uma altura de 60 metros. As águas que caem elevam-se em espumas, formando uma série de grandes ondas. Delas e da própria queda levanta-se uma imensa coluna de vapor e a massa de ar, que o rio carrega consigo na sua queda e se adensa embaixo, produz um constante vento, cuja força é tão grande que faz cair uma pedra contra êle lançada com toda a força já após seis ou sete metros. Essa característica levou a que os nativos tivessem a idéia de que as águas fossem encantadas. Abaixo das cachoeiras de Paulo Affonso, o São Francisco arremessa-se algumas horas entre rochedos de granito, que se levantam verticalmente, em muitos locais elevando-se sobre o rio. No local onde flui o pequeno rio Ortiga, os morros abaixam-se repentinamente, o leito do rio toma uma largura considerável e as suas águas, acalmadas, formam um imenso espelho d'água, do qual se eleva uma quantidade de pequenas ilhas vestidas com a mais rica vegetação." (loc.cit.)

Glaser não deixa de considerar o curso superior do São Francisco, navegável e, com o Rio das Velhas, capaz de ser utilizado pela navegação comercial de vasta região do interior.

"Acima da cachoeira de Paulo Affonso extende-se um trajeto de 300 quilômetros, no qual o rio torna-se inavegável devido às pedras. Mais acima, as suas águas largas e profundas, com fraca correnteza, fazem com que seja livre por 1500 quilômetros. Não só êle é navegável como tamém muitos de seus afluentes, nomeadamente o Rio das Velhas, que na verdade é um braço do São Francisco, o que pode ser utilizado para uma ampla navegação interna." (loc.cit.)

Paisagem do São Francisco comparada ao paisagismo de parques europeus

Digno de atenção é o fato de Glaser salientar a beleza do vale do São Francisco, que, com exceção da Cachoeira de Paulo Affonso, sempre foi pouco valorizada na literatura. O leitor alemão ganhava um quadro pintado com cores das mais favoráveis, onde a paisagem local, assim como a dos pampas e do cerrado é comparada com a de parques europeus. Ao contrário da monotonia imaginada, essa paisagem se caracterizaria pela diversidade de seus grupos de árvores em meio a imenso tapete verde.

"O vale do rio São Francisco pertence à imensa zona das prairies que tomam todo o centro da América do Sul e que se chamam ao norte de Llanos, ao sul de Pampas, no Brasil, campos. Aqui não se tem panoramas monótonos. Grupos de árvores, cujas copas de folhas são muito diferentes entre si, com flores de muitas cores e emaranhados de cipós interrompem o tapete de capim e dá à região o caráter de um parque. Às margens dos rios elevam-se enormes palmeiras (Mauritia vinifera), cujas coroas de folhas, que se abrem sobre o tronco alto como um guarda-chuva, criam um efeito pitoresco. Frequentemente, no meio do plano eleva-se uma corrente de montanhas de pedra-areia avermelhada ou esverdeada, que, em planos e cortes horizontais, são típicas para o Brasil. Quando nelas se sobe, tem-se uma magnífica visão panorâmica, a mais bela a partir da Serra da Corumatachy, da qual se descortina o vale do Rio das Velhas em toda a sua extensão." (loc.cit.)

Planos de superação viária da barreira de Paulo Afonso acompanhados na Alemanha

Devido à barreira causada pela cachoeira de Paulo Affonso, que impedia a livre navegação comercial do mar ao interior mais distante, o plano de Pedro II° de liberação do rio e de desenvolvimento da região através da atração de capitais estrangeiros precisava ser acompanhado por outras medidas.

A construção de estradas de ferro a partir de Pernambuco e da Bahia representava importante passo. O leitor alemão já tinha assim a sua atenção preparada ao desenvolvimento ferroviário que se fazia necessário devido às Cachoeiras de Paulo Afonso e que teria a sua expressão maior na instalação da Estrada de Ferro que possibilitava a ligação do curso inferior ao superior do rio a partir de Piranhas. Esses projetos, hoje caidos em grande parte em esquecimento, foram acompanhados com atenção na Alemanha. (http://revista.brasil-europa.eu/141/Alemaes-em-Alagoas.html)

Pressupostos do artigo de Glaser sobre o São Francisco

Salientando que pouco sobre êle se encontrava na literatura, o erudito Glaser passou a descrevê-lo com base nos dados que conseguiu obter, citando, entre outros, Heinrich Wilhelm Ferdinand Halfeld (1797-1873).Esse engenheiro, nascido em Claustral-Zellerfeld, residente no Brasil, havia percorrido o Rio São Francisco e afluentes de Pirapora até o oceano em 1852 e registrado os resultados de seus trabalhos em pormenorizado relatório.

Os seus dados, porém apenas vieram ampliar e corrigir informações sôbre o São Francisco já difundidas na literatura especializada. A tradução do livro de Ferdinand Denys, publicada em Stuttgart em 1839, já apresentara um amplo quadro do rio brasileiro e de Paulo Afonso. (Ferdinand Denys, Geschichte und Beschreibung von Brasilien und Guyana, Stuttgart: G. Schweizerbart's Verlagshandlung 1839, 247-249). (Cf.http://www.revista.akademie-brasil-europa.org/CM10-01.htm)

"Nos limites da Província Sergipe e a caminho da região Alagoas encontra-se a desembocadura do Rio São Francisco, um dos mais magníficos e melhor situados rios dessa parte da América do Sul. Na verdade, sem o Rio São Francisco, a enorme província que estamos prestes a percorrer seria separada da parte norte da província Bahia. Dois ricos trechos costeiros podem assim, graças a esse belo rio e seus afluentes, receber os tesouros do centro.
Para se dar em poucas palavras uma idéia correta da sua importância, será suficiente dizer que êle é perfeitamente navegável do Rio das Velhas, um de seus afluentes, até uma localidade chamada de Vargem Redonda, numa extensão de 340 milhas. Nessa mencionada localidade, é interrompido no seu curso por uma enorme cachoeira, a de Paulo Afonso. A navegação torna-se impossível por 26 milhas; depois inicia-se novamente até ao mar. Por essa razão, estabelece-se uma grande linha divisória entre a navegação de cima e aquele que leva ao oceano (vengação de baixo). Todos aqueles que estiveram em condições de ver a cachoeira de Paulo Afonso dizem unânimamente que ela oferece um dos mais importantes espetáculos que se pode contemplar; os vapores, que se levantam da correnteza podem ser vistos das elevações circunvizinhas e surge como a fumaça de um grande incêndio no seio da mata. Aproximando-se do rio, vê-se como êle encolerizado se arremessa entre as rochas azuladas e frequentemente negras que formam as margens. Uma quantidade de cachoeiras se oferecem aos olhos, por fim chega-se à Cachoeira Grande, que supera todo o imaginável na sua aparência solene.

Há pouco tempo ainda, os conhecimentos limitavam-se a suposições relativas às fontes do Rio São Francisco. As mais razoáveis queriam que se localizassem nas montanhas onde também nascem o Paraguai e o Tocantins; este foi mesmo a opinião de Southey's, o historiador do Brasil. Na região mesmo, porém, acreditava-se que o rio provinha do lendário lago no qual se situava a cidade Manoa, a rica capital do Eldorado. Todos esses sonhos desaparecem com as pesquisas posteriores audaciosas dos viajantes mais recentes, e graças aos esforços de Saint Hilaire e Eschwege sabe-se agora que o Rio São Francisco tem a sua origem em uma magnífica cachoeira na serra da Canastra a 20° 4' e que é designada de Cachoeira da Casca d'Anta segundo uma árvore que cresce nas suas margens. Não resta assim nada de maravilhoso na história do São Francisco do que suas belas cataratas e magníficas fortalezas que a emolduram. Mais a longe de Paulo Afonso, o grande rio sai do seu leito e extende-se na zona que inunda até seis ou sete milhas. Os habitantes que fogem às colinas comunicam-se então entre si por meio de canoas leves e se consolam desse sem dúvida terrível incômodo imaginando a nova fertilidade que deverá trazer essa inundação que tem sido particularmente exagerada em recentes descrições. Real problema, do qual não podem fugir, são as aterrorizadoras febres que recebem quando são obrigados a retornar a seus campos de lavoura pantanosos. Os pássaros das costas veem em quantidade a esse pouso afastado, e assim grande é a sua segurança em meio às grandes matas que a vista do homem pouco os assustam.  Spix e Martius admiraram-se em assistir ao maravilhoso espetáculo oferecido por esse ajuntamento de inumeráveis pássaros, transmitindo-o nas suas memórias."

Cíclo de estudos sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo


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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "O São Francisco e a barreira à navegação representada pela cachoeira de Paulo Afonso
na Alemanha do século XIX. O "livre comércio" como constante na história das relações entre a Alemanha e os países latino-americanos. Relendo textos de Adolf Glaser (1829-1915) II". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 141/11 (2013:1). http://revista.brasil-europa.eu/141/Brasil-Alemanha-Rio-Sao-Francisco.html