Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Rio de Janeiro em O Brasil e a Alemanha 1923

Rio de Janeiro em O Brasil e a Alemanha 1923

Rio de Janeiro em O Brasil e a Alemanha 1923

Rio de Janeiro em O Brasil e a Alemanha 1923

Rio de Janeiro em O Brasil e a Alemanha 1923

Fotos de "O Brasil e a Allemanha" (1923).

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 141/5 (2013:1)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Dr. H. Hülskath e Comissão especializada

Organização de estudos de processos culturais em relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa -
e institutos integrados


© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2013 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2957


A.B.E.


Rio de Janeiro, a cidade luz, é a capital da minha querida Patria...
Ufanismo como expressão de processos de identidade cultural de teuto-brasileiros
em auto-consciência dos anos de pós-Guerra

Alemanha-Brasil
Diálogos de Berlin-Charlottenburg pelos 30 anos do simpósio euro-brasileiro de renovação dos estudos da emigração alemã ás Américas
no ano da Cumbre Unión Europea-CELAC 2013

 
Rio de Janeiro em O Brasil e a Alemanha 1923

O Rio de Janeiro exige particular atenção nos estudos de processos culturais em relações Alemanha/Brasil. Como antiga capital, como centro de atividades de influentes círculos comerciais alemães, como principal porto de entrada para aqueles que vinham de fora, como local de chegada de imigrantes que se dirigiam às regiões de colonização e sob muitos outros aspectos foi o Rio de Janeiro foi sempre considerado em relatos de viagem e em publicações alemãs sobre o Brasil.

A cidade marcou a imagem do Brasil na Alemanha e essa relacionou-se, nas suas transformações, necessariamente com as próprias mudanças do Rio de Janeiro.

A consideração da paisagem e da configuração urbana do Rio de Janeiro nas suas transformações, assim como de sua percepção por parte dos europeus adquire um significado que transcende os seus limites e surge como de especial e múltipla relevância para os estudos de processos culturais em geral.

A.B.E. no Rio 2004
Nessa consciência, tem-se emprestado particular consideração ao Rio de Janeiro em eventos realizados na Alemanha e no Brasil. Um dos empreendimentos nesse sentido foi o da realização, em 2004, de um colóquio intercultural que contou com a participação de estudantes e pós-graduandos alemães que haviam sido preparados em seminários das universidades de Bonn e de Colonia.

Tendo sido um desses seminários dedicados ao tema das relações entre a Urbanística e a Música, o Rio de Janeiro foi considerado sobretudo sob a perspectiva de relações entre a percepção do espaço e do tempo, assim como de matéria e suas configurações sob o signo do binômio Cultura/Natureza.

Já em 1987, por ocasião do Primeiro Congresso Brasileiro de Musicologia, realizado pelo Ano Villa-Lobos, tematizara-se a questão de relações entre a geografia urbana do Rio de Janeiro e a música popular (João Baptista Ferreira de Mello, "A organização espacial da cidade do Rio de Janeiro vista pelos compositores da música popular brasileira", Anais do Primeiro Congresso Brasileiro de Musicologia, São Paulo, 27 de janeiro a 1° de fevereiro de 1987, Colonia/São Paulo 1991: ISMPS/SBM, 265-270)).

A.B.E. em Guaratiba 2004
No colóquio intercultural de 2004, as discussões tiveram como ponto de partida a recepção da música popular brasileira pelo compositor francês Darius Milhaud (1892-1974 ) durante a sua estadia na então capital brasileira como membro da representação diplomática francesa em anos da primeira Guerra Mundial. Embora as referências à música popular do Brasil na obra de Milhaud já tinham sido há muito consideradas, não se analisara até então as implicações mais profundas de experiências sonoras obtidas sobretudo em passagens de grupos carnavalescos pelas ruas do Rio no próprio processo composicional e em desenvolvimentos estéticos do compositor e do século XX em geral.

Em anos marcados por anelos renovadores da Europa de língua alemã após a Primeira Guerra, a obra de Darius Milhaud exerceu considerável influência em austríacos e alemães da academia de intelectuais e artistas vinculados ao Mozarteum de Salzburg e que, sob o signo musical de suas "Saudades do Brasil", atuou na Europa Central, do Sudeste e na Grécia antes de ter o seu prosseguimento com a emigração de seus mentores no Brasil.(http://www.revista.brasil-europa.eu/107/Dornach-Saudades-do-Brasil.htm)

A presença de Milhaud no Rio de Janeiro e a recepção de sua obra marcada pela cidade na Europa decorreram em época de transformação urbana da então capital do Brasil. Essa transformação correspondeu também a uma mudança na sua imagem e na do Brasil, preparou-a, teve-a como objetivo e determinou-a pelas décadas seguintes.

O Rio de Janeiro em O Brasil e a Allemanha de 1923

É significativo que uma obra dedicada ao restabelecimento das boas relações entre o Brasil e a Alemanha, publicada em 1923 em Berlim, tenha incluído um artigo dedicado especialmente ao novo Rio de Janeiro (Walter E. Hehl, "Rio de Janeiro de hoje", O Brasil e a Allemanha 1822-1922, org. A. Funke, Berlim: Editora Internacional 157-160). (http://revista.brasil-europa.eu/141/Brasil-Alemanha-1923.html)

O seu autor, um brasileiro de ascendência alemã então residente na capital da Alemanha, foi um dos principais colaboradores do responsável pela coletânea, tomando a si a responsabilidade de traduzir para o português os textos em alemão destinados à publicação.

O seu texto, marcado por expressões de ufanismo, manifesta uma profunda identificação cultural com a sua pátria e um orgulho pela sua cidade natal. Considerando-se o fato de ser teuto-brasileiro, o seu texto altamente encomiástico desperta a atenção a elos entre a nova imagem do Rio de Janeiro e a visão de brasileiros de ascendência alemã inseridos em complexos processos identificatórios que hoje merecem particular atenção nos Estudos Culturais.

Esse artigo corrobora sob diversos aspectos constatações quanto a transformações de consciência cultural em sucessivas gerações de imigrantes. Se aqueles que emigram mantém-se vinculados de forma mais profunda pela cultura e pelo idioma ao país de origem, marcados pela saudades e em muitos casos pela expectativa de retorno, os seus filhos já nascidos na nova terra a consideram como pátria, distanciando-se afetivamente da terra dos pais; somente a próxima geração reconscientiza-se de suas origens e redescobre a pátria de seus avós.

Esse esquema sumário de diferenças geracionais quanto aos elos de imigrantes com o país de origem e à sua integração na sociedade que os recebe necessita naturalmente ser considerado com cuidado diferenciador nos diferentes contextos. Essa diferenciação diz respeito sobretudo a áreas de colonização de relativo isolamento, onde o idioma alemão e as expressões culturais dos primeiros imigrantes manteve-se através de décadas.

Para os nascidos em grandes cidades, porém, como no caso do autor do "Rio de Janeiro de hoje", dominando o português - ainda que de forma que manifesta as suas origens familiares alemãs -, a afirmação de consciência cultural e de identidade brasileira pode levar a expressões de quase que exagerado ufanismo.

Esse extremado orgulho patriótico de pós-Guerra foi acentuado pela auto-consciência possibilitada por uma situação marcada de um lado pelas dificuldades econômicas e de auto-estima da derrocada alemã e de outro pelo desenvolvimento econômico de círculos teuto-brasileiros. Somente estudos mais pormenorizados poderão levar a análises diferenciadas de uma complexa situação identificatória de teuto-brasileiros marcada ao mesmo tempo por uma reconscientização de raízes alemãs e de sentimentos sobrepujantes de orgulho de natalidade.

O esplendor da nova imagem do Rio de Janeiro em contraste com a situação alemã

A leitura do texto de Hehl traz à consciência a mudança fundamental da imagem do Rio de Janeiro nessa nova fase das relações entre o Brasil e a Alemanha posterior à Guerra. Como o título sugere, o "Rio de Janeiro de hoje" diferia de um "Rio de Janeiro de ontem" que marcara muitas vezes de forma negativa os relatos de viagem e a literatura referente ao Brasil.

Em linguagem repleta de expressões entusiásticas, o autor salienta a exuberância do panorama do Rio de Janeiro visto do mar. Mantém, assim, a visão de autores mais antigos que registraram sobretudo o fascínio que a paisagem do Rio de Janeiro despertava naqueles que dele se aproximavam de navio.

"Não ha geographo, não ha touriste, não ha ninguem enfim que não gabe a sua belleza natural assim como architechtonica. Situada na parte meridional do continente sul-americano, Rio de Janeiro empolga a todo e qualquer que della se approxima, tanto faz elle vir do largo oceano como atravessando a serra dos orgãos, que emoldura a cidade por quasi todas as tres partes restantes do seu todo.
A sua magestosa bahia, a Guanabara, empolga a qualquer que della se póde approximar e desde longe, muito antes de atravessar a magnifica barra, deixando a preciosa pedra do Pão de Assucar a esquerda e o morro do Pico a direita, a vista descortina o que de mais empolgante se póde imaginar. As pequenas ilhas com sua verde vegetação completam o quadro. Do lado direito a cidade de Nicterohy, Capital do Estado do Rio de Janeiro, com as suas casas pintadas com cores vivas, enfileiram-se ao longo das magestosas praias e lhe dão um aspecto alegre. à esquerda a Capital da Republica propriamente dita, com o serro ao fundo sobre o qual se extende a magnifica cidade, prende a vista do visitante que permanece extasiado pelas bellezas que desde bordo do navio póde descortinar." (loc. cit..)

Diferentemente porém dessas descrições, que chegavam a afirmar que a beleza do Rio de Janeiro dizia respeito antes a seu porto, não à cidade (http://revista.brasil-europa.eu/141/Brasil-Alemanha-1913.html), Hehl salienta que a êxtase sentida pelos viajantes não mais findava com a chegada, mas se mantinha e mesmo se acentuava quandos estes penetravam a cidade. A beleza do Rio de Janeiro já não era apenas paisagística, mas arquitetônica e urbanística.

"Chegado ao longo caes do porto e effectuado o desembarque o visitante avista desde logo os primeiros jardins com seus canteiros pejados de multicores flores que abençoam o novo visitante. Assim penetra-se na Avenida Rio Branco que atravessa de mar a mar o coração do centro commercial da grande cidade. Enfileirados na sua magestade os palacios commerciais se seguem de ponta a ponta da grande arteria. Com excepção de seis edificios que pertencem ao Governo, onde elle tem installadas dependencias como O Supremo Tribunal, a Camara dos Srs. Deputados, a Bibliotheca Nacional, a Caixa de Amortização, a Escola de Bellas Artes e finalmente o Theatro Municipal, todo o resto é divido unicamente a fortuna particular." (loc.cit.)

O autor, correspondendo aos intuitos propagandísticos da publicação, não se cansa em acentuar a extraordinária mudança da fisionomia do Rio de Janeiro. Nesse seu intuito, sugere, ainda que de forma não explícita, uma mudança cultural mais profunda e que teria sido marcada pela superação de um passado de tradição portuguesa - "os primitivos senhores" - a favor de um novo desenvolvimento. Nessa transformação, o autor destaca o papel desempenhado por um teuto-brasileiro: Lauro Müller (1863-1926) e que havia sido Ministro das Relações Exteriores sob Hermes da Fonseca (1912-1914) e Venceslau Brás (1914-1917).

"A grande metropole conta presentemente com cerca de 2 milhões de habitantes e ha não ainda 15 annos ella era um amontoado de casebres e viellas construidas pelos seus primitivos senhores, os Portuguezes.

Hoje, a Capital da Republica, apresenta um aspecto mui differente. Quadras inteiras foram demolidaas e morros inteiros do centro da cidade foram arrazados para arejar a cidade e dahi, graças a este saneamento devido em grande parte ao Governo Rodrigues Alves que tinha como seus auxiliares Lauro Mueller, Pereira Passos e Oswaldo Cruz, Rio de Janeiro ficou livre da fébre amarella tornando-se uma das mais hygienicas cidades do globo.

A Lauro Mueller coube a parte technica relativa ao Ministerio da Viação e Obras Publicas, Pereira Passos era o Governador da Cidade e não poupou sacrificios para remodelal-a em todos os sentidos e a Oswaldo Cruz os brasileiros devem o saneamento da sua metropole.
Felizmente, os demais governos que se seguiram a este benemerito periodo governamental não descuidaram de todo no proseguimento da obra gigantesca e mesmo o actual que tem a testa o sr. Epitacio Pessoa, soube escolher na pessoa do sr. Carlos Sampaio um governador para cidade que tudo tem feito para proseguir no melhoramento e embellezamento da cidade não descuidando-se dos seus suburbios." (loc.cit.)

Hehl oferece no seu relato mais um testemunho de uma constante em textos referentes ao Rio de Janeiro: a profunda impressão que a cidade deixava naquele que a visitava, impregnando a sua memória e levando-o a retornar. Se em textos do passado constata-se referências à "água da Carioca" que, segundo a tradição popular fazia voltar ao Rio aquele que dela tomasse, a descrição de Hehl parte agora da beleza das vistas possibilitadas pelas novas estradas e, sobretudo, da luz do Rio noturno. A intenção de Hehl parece ter sido aquela de consolidar a imagem do Rio como "cidade luz".(http://revista.brasil-europa.eu/141/Fascinio-teuto-pelo-Rio-de-Janeiro.html)

"Quem visita pela primeira vez o Rio de Janeiro, com saudade se afasta dali novamente por saber que perde de vista os mais soberbos panoramas. As antigas praias lodosas hoje saneadas pela construcção do caes, em toda sua extemsão foi ajardinado e é um dos mais bellos passeios para o touriste. As estradas de rodagem construidas em deredor da cidade atravessando toda pequena serra que enquadra a cidade, nunca é sufficientemente admirada pois, para qualquer lado que o passeiante se vira, um novo panorama se descortina e a vista nunca se cança.

O que mais admira a quem pela primeira vez visita o Rio de Janeiro é seu aspecto nocturno. O seu nome de cidade luz tambem tem a sua razão de ser e para proval-o basta o espectaculo deslumbrante á noite, do alto do Pão de Assucar. Assistir dali a transformação de toda cidade e porto num oceano de luz é um dos espectaculos mais imponentes que se póde offerecer a vista. Ao longo do caes um interminavel collar de perolas formado pelas innumeras lampadas que o circundam e seu reflexo nas aguas da Guanabara, são de um effeito assombroso. As praças e jardins bem como a illuminação particular extende-se até o alto dos morros onde a illuminação das villas particulares ajuda a completar a mganificiencia do que o cerebro humano póde desejar de mais rico para sua imaginação. No porto, em meio das aguas da bahia, as embarcações ancoradas com seus signaes multicores invadem com seu reflexo todos os recantos que a vista póde alcançar. Completa este magnifico quadro o céo, com o seu reluzente Cruzeiro do Sul e a enorme Via Lactea." (loc.cit.)

O ufanismo propagandístico de Hehl não se baseia no passado e nas tradições, mas sim na modernidade arquitetônico-urbanística e no progresso técnico quanto a condições de saneamento e qualidade de vida. O autor procura demostrar, "sem bairrismo", que a capital brasileira possuia melhores meios de transporte do que qualquer cidade européia, o que se manifestava sobretudo no seu parque automobilístico e nos seus bondes.

"Os meios de conducção de hoje no Rio de Janeiro pódem ser equiparados sem bairismo para os brasileiros aos melhores meios de transporte de qualquer Capital européa sendo de notar, que no automobilismo, é feito um grande luxo tanto no particular como nos automoveis de aluguer propriamente dito. Os seus carros são na maioria de grande velocidade e de força para que possam vencer com facilidade as alturas diversas nos arabalde e estradas de rodagem que circundam a cidade. A viação carril é feita tambem em carros de grande commodidade estando o serviço a cargo de uma empreza canadense que vem se esforçando tanto quanto possivel para satisfazer as exigencias publicas." (loc.cit.)

Correspondendo aos motivos da publicação, o artigo de Hehl acentua por fim a continuidade do processo remodelador do Rio de Janeiro por motivo da Exposição Internacional por ocasião do Centenário da Independência do Brasil e o fato da cidade possuir então, ao contrário do passado, hotéis de qualidade superior, capazes de receber turistas sob condições melhores do que qualquer outra cidade da América do Sul.

"Presentemente o Rio de Janeiro soffre uma nova remodelação para seu preparo para a Exposição Internacional (....). Esta remodelação naturalemente ainda em muito melhorara a cidade, em especial, no que diz respeito ao conforto para o estrangeiro nas suas installações em hoteis que até pouco tempo atraz deixavam muito a desejar mas que a partir de 1922 podem ser tidas como as mais ricas no continente americano (....)." (loc.cit.)

Cíclo de estudos sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo


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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "Rio de Janeiro, a cidade luz, é a capital da minha querida Patria...
Ufanismo como expressão de processos de identidade cultural de teuto-brasileiros
em auto-consciência dos anos de pós-Guerra". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 141/5 (2013:1). http://revista.brasil-europa.eu/141/Ufanismo-de-teuto-brasileiros.html