Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

_________________________________________________________________________________________________________________________________


Índice da edição     Índice geral     Portal Brasil-Europa     Academia     Contato     Convite     Impressum     Editor     Estatística     Atualidades

_________________________________________________________________________________________________________________________________

Âmbar. Foto A.A.Bispo

Navio de âmbar. Foto A.A.Bispo

NAvio de âmbar. Foto A.A.Bispo

Navio de âmbar. Foto A.A.Bispo

Nave em Tallin. Foto A.A.Bispo

Cabeças negras. Tallin. Foto A.A.Bispo

Cabeças negras. Tallin. Foto A.A.Bispo

Cabeças negras. Tallin. Foto A.A.Bispo

Cabeças negras. Tallin. Foto A.A.Bispo





Fotos A.A.Bispo.
©Arquivo A.B.E.









 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 143/1 (2013:3)
Professor Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia e Conselho Científico
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
- Academia Brasil-Europa  -
e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2013 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Doc. N° 2991


ABE




Projeto Âmbar: O Báltico e as relações Alemanha/Brasil
Alemães em processos político-culturais do Norte e do Leste europeu
no seu significado para a história regional e os estudos locais no Brasil


Ciclos de estudos em cidades do Báltico após 5 anos de viagens de estudos ao Espírito Santo, Meklenburg-Pomerânia Ocidental e outros países do Mar do Leste. Ano Brasil/Alemanha 2013 da A.B.E. pelos 30 anos do primeiro simpósio de atualização dos estudos da imigração e colonização alemãs nas Américas

 
Este terceiro número da Revista Brasil-Europa/Correspondência Euro-Brasileira do corrente ano dá continuidade aos ciclos de estudos dedicados às relações Brasil-Alemanha, complexo temático que consistui o principal centro de atenções de 2013 da A.B.E.. (Veja http://revista.brasil-europa.eu/141/Brasil-Alemanha-2013.html)


A razão dessa concentração de interesses reside na passagem dos 30 anos do primeiro evento internacional dedicado à renovação teórica dos estudos da imigração alemã ao continente americano e dos cinco anos da viagem de contatos e observações às regiões de colonização alemã no Espírito Santo, seguida esta por estudos em Mecklenburg/Pomerânia Ocidental e países bálticos. (Veja http://www.revista.brasil-europa.eu/107/Estudos-Pomeranos.htm )


Por esse motivo, os estudos do corrente ano efetivaram-se novamente em cidades dessas regiões do Norte da Alemanha e de outros países da esfera do Báltico, o Mar do Leste: Estônia, Rússia, Finlândia, Suécia e Dinamarca.


Ponto de partida: a viagem de Pytheas ao Báltico e as vias de âmbar na antiga Europa


Palacio Catarina, S.Petersburgo. Foto A.A.Bispo
Esses trabalhos desenvolveram-se em ano marcado pela especial atenção a relações culturais entre o Mediterrâneo e do Atlântico motivada pela celebração de Marselha como Capital Européia da Cultura de 2013. (Veja http://www.revista.brasil-europa.eu/138/Estudos-e-Esclarecimento.html)


Um dos principais vultos da história dessa antiga fundação de gregos insulares no Ocidente é Pytheas (ca. 380 A.C.-ca. 310 A.C.), o viajante e comerciante que, dirigindo-se ao Atlântico Norte, atingiu a esfera do Norte da Alemanha e do Báltico. (Veja http://www.revista.brasil-europa.eu/138/Pytheas.html).


Principal motivo da procura do Báltico pelo homem do Mediterrâneo residia no âmbar, o "electrum" cobiçado no mundo antigo para objetos artísticos, de joalheria e fins ornamentais, assim como pelos sentidos míticos, atribuições medicinais, poderes múltiplos e simbolismo.


As ilhas e as costas do Norte da Alemanha e do Mar do Leste surgem assim sob o signo do âmbar na história cultural de remotas relações entre o Norte e Leste com a esfera do Sul e Sudoeste europeu, unidos por uma rêde de caminhos comerciais através da Europa Central.


O significado da fascinante e valiosa "pedra incandescente" dos germanos (Bernstein) nas relações entre povos de distantes regiões do globo através da Europa Central e dos caminhos do mar manteve-se através dos séculos. 


Tallin
Nas atividades da Ordem Alemã de Cavaleiros no processo de cristianização do Leste e naquelas das famílias de poder envolvidas na expansão colonial alemã e no desenvolvimento de estruturas feudais no Leste na Idade Média, a coleta, elaboração e comercialização do âmbar desempenharam importante papel econômico e cultural.


Na cristianização de antigas concepções e imagens, o âmbar adquiriu sentidos espirituais, o que se manifesta até o presente no seu uso em rosários. Sendo que a pedra em geral desempenha importante papel na ordenação simbólica do mundo e do homem mantida sob novas referenciações históricas no Cristianismo, compreende-se o uso do âmbar em imagens de sentidos religiosos, tais como a da nave.


Sentidos da "sala de âmbar" na história das relações culturais


Esse significado do âmbar para a história cultural de relações entre povos, em particular da Alemanha na sua complexa dinâmica foi tematizado no ciclo de estudos que inaugurou os atuais trabalhos voltados a processos culturais que relacionam o Norte e o Leste da Europa com o Mediterrâneo e o Atlântico levado a efeito em Berlim, com visita ao palácio de Charlottenburg. (Veja http://revista.brasil-europa.eu/141/Brasil-Alemanha-2013.html ).



Foi para esse palácio, terminado em 1712, que o rei prussiano Friedrich I (1657-1713), nascido em Königsberg, principal cidade da Prússia do Leste, ordenou logo após a sua subida ao trono a criação da "sala de âmbar" pelo arquiteto e escultor real Andreas Schlüter (1659/62/64- ca.1714).


O excepcional significado dessa obra, decantada como "Oitava Maravilha do Mundo", não pode ser explicado apenas pelo seu inestimável valor material, como expressão de luxo e representação, mas sim pelos seus sentidos culturais, pelo fato de marcar simbolicamente o início de uma época determinante da história da Prússia no cenário europeu.


Nessa época de florescimento, para o qual a arquitetura, as artes, as ciências e o fomento da cultura e da educação desempenharam papel fundamental, ampliou-se a Universidade de Halle (1694), assim como a academia (1696) e a sociedade (1700) que viriam a ser mais tarde respectivamente a Academia Prussiana das Artes e a Academia Real Prussiana das Ciências.


O significado imaterial da "sala de âmbar" decorre sobretudo do papel que desempenha na história das relações russo-alemãs. A sua criação para o Palácio de Charlottenburg adquire por um lado conotações simbólicas por representar a presença de Königsberg e mesmo do Báltico através do seu mais precioso produto no reino da Prússia. Por outro lado, representa a presença da Prússia na Rússia, uma vez que foi já em 1716 presenteada por Friedrich Wilhelm I (1688-1740) ao Czar Pedro I (1672-1725), recebendo em retorno homens russos de grande porte e boa aparência para o corpo de soldados prussianos.


Sendo assim imagem dos elos de relações entre a Alemanha e a Rússia é compreensível que essa obra de arte se relacione na sua carga simbólica com a abertura russa ao Ocidente através do Báltico e que tenha sido sob Catarina II, "A Grande" (1762-1793) que tivesse sido instalada definitivamente em Zarskoje Selo (Putschkin), palácio próximo a S. Petersburg.



Sentidos da reconstrução da "sala de âmbar" no presente das relações culturais


Somente considerando o complexo de sentidos imateriais - mais do que o valor propriamente material - é que se pode compreender a singular importância dessa sala na história das relações russo-alemãs e a de seus mistérios na história político-cultural mais recente.


Retirada pelos nazistas em 1941 e levada ao castelo de Königsberg, bombardeado em 1944/45, o seu paradeiro, se destruída ou não, assume características quase que míticas. Uma das hipóteses a seu respeito chega a aventar a possibilidade de se encontrar escondida em algum país da América do Sul.


É também antes a carga de sentidos simbólicos e político-culturais da "sala de âmbar" que pode explicar a intensidade das reinvidicações russas quanto à sua devolução ou reconstrução.


Se a retirada da "sala de âmbar" surge como imagem do período mais negro das relações russo-alemãs, a sua reconstrução, completada por motivo das comemorações do tricentenário de S. Petersburg (2003), passou a ser decantada por russos e alemães não apenas como um "projeto único na História da Arte", mas sim também como símbolo das boas relações entre os dois países.


Iniciada por peritos soviéticos em 1979, a reconstrução pôde ser completada com substancial apoio financeiro da Alemanha, nomeadamente da companhia de gás do Ruhr (Ruhrgas AG).


O emprêgo de ca. de seis toneladas do valioso material fóssil e o trabalho de dezenas de restauradores justificam-se, assim, sobretudo pelo significado político-cultural desse projeto de reconstrução de uma sala que é obra de arte também pelos sentidos do material empregado. Essas dimensões de sentidos explicam o extraordinário empenho de russos e alemães, assim como a repercussão internacional do projeto documentados em exposição de textos, fotografias e documentos no Palácio de Putschkin.


Dimensões globais dos sentidos imateriais da "sala de âmbar"


A visita à renascida "sala de âmbar" e à exposição respectiva traz à consciência a transformação de perspectivas e de referenciais na consideração das relações inter-européias que se processaram nas últimas décadas.


As suas consequências para os estudos de processos culturais nem sempre têm sido ainda consideradas à altura. Somente aos poucos é que se processa a necessária mudança de uma geografia mental em determinadas áreas dos Estudos Culturais em correspondência à nova situação criada pela queda do muro de Berlim e da integração européia.


A "sala de ambar" reconstruída pode ser vista também como um sinal de redescobrimento de um passado de relações, de rêdes e de configurações culturais submerso, silenciado e ignorado como pressuposto para a consideração adequada de processos histórico-culturais.


Em regiões européias marcadas por destruições, deportações, expulsões e apagamentos de existência de grupos populacionais, o estudo de situações passadas não possui apenas um interesse de conhecimento de fatos históricos encerrados, mas de análise de contextos nos quais devem ser compreendidos processos desencadeados e cujas consequências devem ser consideradas.


É neste sentido que se revela o significado dos estudos do Báltico para as relações Alemanha-Brasil.


O Báltico na renovação dos estudos da imigração e das relações Alemanha/Brasil


Como tematizado há trinta anos no simpósio de 1983, os estudos de emigração/imigração e colonização exigem reflexões a respeito de suas perspectivas e questionamentos sob as novas condições colocadas pela integração de países europeus pelo fato de terem sido determinados por enfoques nacionais.


A divisão entre as duas Alemanhas criara além do mais um muro no sentido figurado do termo no tratamento de questões referentes a relações culturais.


A referenciação segundo uma situação política resultante da divisão européia em dois blocos condicionava visões seletivas e unilaterais de desenvolvimentos. A atenção, nos estudos voltados à emigração/imigração, era quase que exclusivamente dirigida àqueles grupos provenientes de regiões mais conhecidas no Ocidente, ao Reno, à Vestfália, ao Hunsrück ou à Baviera. Sob essa perspectiva, a contextualização cultural de outros grupos ou personalidades individuais de outras regiões permanecia deficiente.


Pouco se conhecia a respeito das regiões do Leste no Ocidente e viagens realizadas em sequência ao simpósio à então República Democrática Alemã e à Rússia apenas puderam aguçar a consciência do desconhecimento de fontes e de contextos do passado, difícil de ser superado também no Leste sob as condições então existentes.


Quando da queda do muro de Berlim, tornou-se manifesta a necessidade de mudanças de paradigmas teóricos e referenciais, de interações de rêdes e de conhecimento recíproco de culturas de saber não apenas em assuntos referentes às relações entre a Alemanha e o Brasil, mas entre ela e o mundo de língua portuguesa. (Veja http://www.revista.akademie-brasil-europa.org/CM08-04.htm)


Em sessão dedicada às relações Alemanha/Brasil do Congresso "Música e Visões" de abertura do triênio de eventos culturais e científicos pelos 500 anos do Brasil, em 1999, discutiu-se a necessária intensificação de esforços no sentido de ampliação de perspectivas e de reflexão sôbre visualizações da história nos estudos relativos à emigração/imigração, colonização e relações Alemanha/Brasil em geral nas suas complexas relações com Weltanschauungen que as marcaram. A atualidade desses intentos foi tematizada à luz dos debates sobre Pós-Colonialismo por ocasião do encerramento do triênio, quando realizou-se o Forum Rio Grande do Sul em São Leopoldo e Gramado. (Veja http://www.revista.akademie-brasil-europa.org/Internet-Corres3/CM79-09.htm )


Em sequência a trabalhos que deram continuidade a essas discussões, desenvolvidos em seminários nas universidades de Bonn e Colonia, realizou-se, em 2007, a viagem de estudos de membros da A.B.E. às regiões de colonização alemã do Espírito Santo. Embora já se tivesse feito há anos observações em Pomerode, Santa Catarina, o reconhecimento da relevância da imigração de pomeranos ao Espírito Santo, apontada em encontro com responsáveis do Museu de Domingos Martins e salientada em visita a Santa Maria de Jequitibá levou à decisão de se realizar em sequência ciclos de estudos em Mecklenburg/Vorpommern e Polonia para discussões in loco de contextos de proveniência dos colonos. (Veja http://www.revista.brasil-europa.eu/105/Imigrantes-Espirito-Santo.htm )


Os trabalhos foram a seguir ampliados com uma viagem de estudos a vários países da esfera do Báltico - Letônia, Rússia, Finlândia e Suécia - e que agora, em 2013, se efetuou em nova edição. Em lugar da Letônia visitou-se agora a Estônia, o mais a Norte dos países bálticos, marcada no seu passado pela presença dos balto-alemães.



Uma estirpe alemã que exemplifica elos entre estudos do Báltico e eurobrasileiros


Em Tallin, cidade que evidencia já na fisionomia arquitetônica de sua cidade velha o significado histórico da presença alemã desde a Idade Média nessa região, fundamentada nas relações comerciais com as cidades da Hansa, em particular Lübeck, no Norte da Alemanha (Veja http://revista.brasil-europa.eu/140/Liberdade-em-debate.html) assim como no processo de Cristianização do Leste pela Ordem Alemã, considerou-se, entre outros aspectos, o papel desempenhado por famílias alemãs ligadas a essa remota expansão cultural e colonial do Ocidente em desenvolvimentos posteriores na Prússia nas suas relações com outras nações, assim como na história cultural do Leste em geral, em particular da Rússia.


Entre os representantes dessas antigas famílias que através da carreira militar prussiana de seus membros, assumem particular significado para o estudo de relações entre os povos, relembrou-se, assim como na sessão de S. Petersburgo, de Emanuel Karl Heinrich Schmysingk von Korff (1826-1903).


Hoje esquecido, esse oficial, após a sua vida militar, realizou uma surpreendende série de viagens pelo mundo, publicando diários daquelas que empreendeu na última década do século XIX e nos quais também se encontra um capítulo dedicado ao Brasil. http://revista.brasil-europa.eu/143/Emanuel-Korff.html


O seu texto adquire relevância para o estudo de questões de visões do mundo e edifícios de concepções que necessitam ser considerados nos seus pressupostos e inserções políticoculturais na própria Alemanha.


Entre elas, salienta-se sob a perspectiva do estudo de processos culturais o da Alemanidade ou Deutschtum, que também se fêz sentir nas colonias alemãs no Brasil e que foi particularmente intenso na Prússia do Leste e em círculos marcados por similares intentos afirmativos de situações limítrofes, de manutenção de posições e de secular história de empreendimentos de assentamento e expansão.


Se de muitos outros casos conhece-se a crítica a "luso-brasileiros" por parte de alemães, aquela de Emanuel von Korff situa-se em contexto mais amplo de um posicionamento negativo perante o homem da América Latina resultante da formação social e cultural ibérica. As suas reflexões sobre a pequenez do homem perante a grandiosidade da Natureza do continente, ainda que genérica, concentra-se no Brasil sob o impacto do banimento de Pedro II.


Ainda que não escondendo a sua antipatia pela República, que trata com sarcasmo, o oficial prussiana critica não apenas as "repúblicas de doutores" da América Latina, mas também o Govêrno de "professores" sob Pedro II, deixando entrever um atitude negativa perante uma supremacia de intelectuais sobre homens de ação.


Emanuel von Korff chega a criticar membros da família imperial pela sua distância relativamente a movimentos de intensificação do Deutschtum entre os alemães e seus descendentes no Brasil apesar de todos os seus elos com a cultura alemã. (http://revista.brasil-europa.eu/143/Principe-brasileiro-e-Deutschtum.html


O complexo quadro que transmite, assim, traz à consciência a necessidade de estudos mais diferenciados de processos culturais de alemães no Brasil nas suas inserções em contextos político-culturais mais amplos e mesmo de correções de interpretações históricas nessa época de transformações políticas no Brasil.


O interesse colonial alemão pela África e suas implicações para o Brasil


Se a maior evidência dos elos entre contextos culturais de língua alemã do Báltico e o Brasil reside na presença de colonos pomeranos e seus descendentes, os estudos desenvolvidos nessas regiões da Europa demonstraram que por muitos outros motivos a esfera báltica merece ser considerada com particular atenção no estudo de processos culturais relacionados com o Brasil.


Uma dessas razões encontra-se no relevante papel desempenhado por Mecklenburg através dos duques Johann Albrecht zu Mecklenburg (1857-1920) e Adolf Friedrich zu Mecklenburg (1873-1969) nos
empreendimentos e estudos coloniais de fins do século XIX e início do XX.


Esse empenho disse respeito sobretudo às colonias alemãs da África, onde realizaram expedições, contribuindo ao aumento de interesses pelo continente, seus povos e culturas. Pela posição de influência que exerciam como aristocratas e membros de família reinante, contribuiram à valorização das assim-chamadas "Ciências Coloniais".


Nos estudos agora desenvolvidos em Rostock - sede de universidade e biblioteca das mais antigas da Europa -, considerou-se as consequências dessa crescente atenção a interesses e questões coloniais para o Brasil.


O papel relevante desempenhado pelos empreendimentos alemães na África nessa época esclarece elos entre processos coloniais na África e no Brasil, interações até hoje pouco consideradas.


Essas relações manifestam-se de forma exemplar na vida e obra de um oficial que, dedicando-se a questões técnicas e de engenharia viária no Sudoeste da África Alemão (Namíbia), passou posteriormente a Santa Catarina, onde pôde aplicar os seus conhecimentos com base na experiência ganha na África na abertura de vias para a implantação de estradas de ferro a serviço do desenvolvimento econômico e da ligação de colonias separadas entre si: Karl Alexander Wettstein (*1872). (http://revista.brasil-europa.eu/143/Karl-Alexander-Wettstein.html)


O significado de Wettstein para a história dos estudos relativos ao Brasil reside no fato de ter apresentado um trabalho de doutoramento com base nas suas experiências em Blumenau à universidade de Heidelberg, em 1907. Que as atividades e as publicações de Wettstein não podem ser consideradas independentemente de suas convicções relativas ao Deutschtum, isso testemunha textos dedicados aos jovens leitores alemães e nos quais as aventuras vividas no Brasil surgem a serviço da promoção do orgulho pela audácia e energia daqueles jovens colonistas já nascidos no Exterior mas que deveriam ser sentidos como conterrâneos dentro de uma concepção ampla de nação.


A essa função pedagógica de textos que procuravam influenciar a formação de convicções e modos de ver o mundo dos jovens alemães através de empolgantes aventuras nas colonias brasileiras contribuiu a arte visual, no caso as ilustrações de Hans von Hayek (1869-1940). Os seus desenhos das peripécias vivenciadas por Wettstein nas matas de Santa Catarina, podendo ser elucidados a partir das correntes de paisagismo, de Genre e do interesse por cenas ao ar livre em que se inseria o artista, manifestam os intentos de formação político-cultural da juventude alemã nos anos que antecederam a Primeira Guerra. (Veja http://revista.brasil-europa.eu/143/Hans-von-Hayek.html)


A questão da aclimatação do europeu nos trópicos e as colonias do Espirito Santo


Se Wettstein apresentou a sua dissertação sôbre o Brasil e as colonias alemãs a partir da experiência ganha durante o exercício de suas atividades no país, o teuto-chileno Ernst Wagemann (1884-1956) realizou especialmente uma viagem de pesquisas às colonias alemãs do Espírito Santo para a comprovação de uma tese. Completando-se um século desse singular e importante empreendimento, o seu escopo e as suas consequências merecem ser reconsideradas com especial atenção.


Como docente do Instituto Colonial de Hamburgo, Wagemann estava familiarizado com a discussão referente a um problema que ocupava tanto as "Ciências Coloniais" como os Estudos Tropicais, em particular a Medicina, assim como a Antropologia: o da aclimatação do europeu nos Trópicos. (http://revista.brasil-europa.eu/143/Aclimatacao-do-europeu-nos-tropicos.html)


A preocupação de Wagemann era demonstrar que não apenas fatores fisiológicos e climáticos eram determinantes do sucesso ou do insucesso da aclimatação, mas sim também fatores sócio-econômicos. Sem, assim, por em dúvida o próprio questionamento marcado pelo conceito de aclimatação, Wagemann deu atenção, nas suas observações e interpretações, a indícios da possibilidade de que alemães vivessem nos trópicos de modo tão próximo quanto possível àquele da terra natal.


O trabalho de Wagemann chama a atenção, assim, às bases conceituais da permanência do idioma, de trações culturais, de modos de vida e expressões de colonos alemães e de seus descendentes e da interpretação positiva dada a essa resistência a mudanças e miscigenações sob a perspectiva da aclimatação.


Mais do que pelos dados que oferece sobre a situação das colonias do Espírito Santo nos anos que antecederam a Primeira Guerra, o trabalho de Wagemann adquire um significado especial sob o aspecto teórico-cultural. Êle traz à consciência as diferenças de critérios entre os Estudos Coloniais europeus e os Estudos Culturais, na análise e interpretação de processos culturais, uns dirigidos à permanência de modos de vida da terra natal e à não-assimilação e miscigenação, outros, em geral, à transformação cultural e à integração. (http://revista.brasil-europa.eu/143/Cultura-habitacional-e-aclimatacao.html)


A não-consideração dessas diferenças de perspectivas e concepções dá origem a mal-entendidos, interpretações inadequadas e impede o prosseguimento coerente das reflexões, entre outras também daquelas referentes a questões de identidade.


Pesquisa de solos e agroeconomia na Prússia e colonização de São Paulo e Mato Grosso


O significado da consideração de situações e de processos históricos referentes à Prússia do Leste também no que diz respeito a concepções culturais de implicações políticas de alemães que atuaram no Brasil em décadas posteriores à Primeira Guerra pode ser exemplificado na vida e atividades de Paul Wilhelm Eduard Vageler (1882-1963).


Passados 50 anos de sua morte, cumpre trazer à memória por diversas razões o seu nome, uma vez que desempenhou papel relevante no exame de terras e como especialista em questões agroeconômicas não apenas na África como também no Brasil. (http://revista.brasil-europa.eu/143/Paul-Vageler.html)


A comissão de peritos que ficou vinculada com o seu nome destinada a investigar as condições para o assentamento de alemães no Brasil no início da década de trinta do século XX traz à consciência a inserção da abertura de áreas para a colonização pela Companhia de Viação São Paulo-Matto Grosso em contextos econômicos e políticos globais.


Insuficientemente considerados são esses elos da história regional de vastas áreas desses Estados com processos expansivos teuto-brasileiros no Brasil e com o fomento da emigração ao Brasil na Alemanha. Já o fato de Vageler ter retornado à Alemanha em 1939 e ocupado importantes cargos à época da Segunda Guerra traz à consciência a necessidade de estudos mais pormenorizados das dimensões políticas de desenvolvimentos desencadeados em São Paulo e em Mato Grosso.


Regiões pouco consideradas em estudos da emigração/imigração e consequências


Quando se trata da história de colonias de imigrantes alemães no Brasil, vem à mente em primeiro lugar cidades e regiões do Rio Grande do Sul e de Santa Catarina, e, em menor escala, do Espírito Santo.


Pouco presente é o papel desempenhado por colonias alemãs em outros Estados do Brasil ou em cidades e regiões que, na arquitetura e em modos de vida, não denotam características tão evidentemente marcadas por expressões culturais alemãs. Este é o caso de vastas regiões do Estado de São Paulo e de áreas vizinhas do Mato Grosso.


Esse esquecimento do papel exercido por alemães na povoação de territórios e na fundação de colonias que hoje são em parte grandes cidades e centros econômicos e culturais de significado, tem consequências para os estudos culturais regionais e locais.


Como se conhece do Sul do Brasil, os estudos da história da imigração e da colonização são reconhecidos como indispensáveis para a memória e a identidade cultural de várias cidades e regiões. Essa consciência manifesta-se em publicações, conferências, simpósios e na existência de museus coloniais.


Os estudos de história local e regional levam a questões da chegada de imigrantes, de abertura de florestas, de implantação de casas, sítios, povoados e do desenvolvimento urbano.


Não só a historiografia regional e local é assim estreitamente relacionada com aquela da imigração e colonização, como também os estudos culturais em geral. No cultivo de grupos musicais, de dança ou em representações teatrais revive-se constantemente  expressões culturais e a época dos primeiros colonos. Já há muito vem sendo esse passado aproveitado para a caracterização de imagens de cidades e regiões para fins práticos de fomento de turismo.


Devido a essa constante referência aos anos iniciais da chegada de imigrantes na vida cultural e mesmo no ensino escolar, a história regional e local de regiões colonizadas no século XIX leva necessariamente à consideração dos contextos europeus de onde provieram os imigrantes.


Cria-se assim um sistema referencial que explica desenvolvimentos que difere daquele da historiografia brasileira que parte do Descobrimento do Brasil pelos portugueses.


Se os primeiros imigrantes ainda se mantinham na sua consciência histórica vinculados a seus países de origem, gerações que já receberam ensino da história em escolas brasileiras passam a ter uma consciência da história do Brasil a partir da chegada dos portugueses, ainda que, segundo a sua própria história familiar deviam inserir-se em outras correntes. A historiografia regional e local e os estudos culturais de muitas regiões do Brasil apenas podem ser desenvolvidos em estreitas e recíprocas relações com os estudos de imigração e colonização.


É esse tratamento relacionado de áreas disciplinares com a conseqüente consideração de diferentes perspectivas e questionamentos que permite reconhecer inserções de desenvolvimentos regionais e o vir-a-ser de cidades e comunidades em contextos mais amplos e em processos que ultrapassam fronteiras.

Os estudos coloniais são marcados pela perspectiva daqueles que emigraram e da política colonial dos países emissores. Esse deslocamento quanto a posições na visão de processos contribui à superação de delimitações na consideração da própria história de comunidades deles originadas.

A adoção de um ponto de observação mais afastado auxilia a consideração mais objetiva de situações criadas e desenvolvimentos, facilitando uma auto-crítica cultural para além de ufanismos regionalistas.

Assumir uma posição distanciada na consideração de desenvolvimentos surge, assim, como pressuposto para que as partes envolvidas em processos históricos reconheçam mais objetivamente e sem subterfúgios relativadores impactos causados em outros grupos populacionais e no meio ambiente. (http://revista.brasil-europa.eu/143/Destruicao-de-Florestas-de-SP-e-MS)

Uma renovação de mentalidades e de estudos culturais em responsabilidade perante a Natureza, para com os seres viventes e em justiça social para com grupos populacionais marginalizados tem como pré-condição a procura de um ponto de consideração de acontecimentos à distância.

Antonio Alexandre Bispo


Todos os direitos relativos a texto e imagens reservados. Reproduções apenas com a autorização explícita do editor.

Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "Projeto Âmbar: O Báltico e as relações Alemanha/Brasil. Alemães em processos político-culturais do Norte e do Leste europeu no seu significado para a história regional e os estudos locais no Brasil". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 143/1 (2013:3). http://revista.brasil-europa.eu/143/Baltico-Brasil.html