Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Konya.Foto A.A.Bispo©


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Konya.Foto A.A.Bispo©


Konya.Foto A.A.Bispo©


Konya.Foto A.A.Bispo©




Fotos A.A.Bispo, Capadócía e Konya, 2013.
Cartaz da Festa de Rosas de Moers.
Última foto do texto:
encontro de 2 de fevereiro na praia de S. Vicente, 2013.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 144/8 (2013:4)
Professor Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
- Academia Brasil-Europa  -
e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2013 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 3012




Rosas da Turquia e rosas do Brasil
A flor do Amor na mística islâmica e na tradição cristã do Ocidente nas suas implicações globais

Fundamentos antigos de concepções do Sufismo considerados a partir da tradição religioso-cultural brasileira II


Turquia no Ano Brasil/Alemanha 2013 da A.B.E. (III). Reflexões interculturais pela
Primeira Exposição de Rosas no Parque do Castelo de Moers, Alemanha com referência à festa religiosa em S. Vicente de 2 de fevereiro de 2013

 

Entre os muitos brasileiros que atualmente visitam a Turquia, em particular a Capadócia (Veja http://revista.brasil-europa.eu/144/Turquia-Alemanha-Brasil.html), muitos há que se extasiam perante a profusão de rosas que encontram por toda parte.

Se nas cidades maiores as muitas roseiras apenas parecem indicar uma particularidade da arte de jardinagem local, sem maior relevância quanto a significados, o sentido mais profundo dessa preferência floral pode ser intuido e compreendido no jardim de rosas do mausoléu de Mevlâna, em Konya.

Konya.Foto A.A.Bispo©

O jardim de rosas da área museal do mausoléu de Konya


A entrada à àrea hoje museal do mausoléu de Konya, que continua - até mesmo de forma crescente - a ser local de peregrinação de fiéis muçulmanos, dá-se através de um jardim de rosas que deve ser percorrido em toda a sua extensão.


A primeira impressão que o visitante ocidental recebe é a de que aqui se trata de um bem cultivado jardim em moldes convencionais, com muitas roseiras, um local ameno que convida à contemplação, o que pode ser reconhecido nos grupos de mulheres que se descansam e mantém conversações á sombra de algumas grandes árvores.


Konya.Foto A.A.Bispo©

Somente aos poucos é que o visitante percebe que o jardim não serve apenas ao convívio e ao lazer recatado e silencioso, mas que representa uma preparação da sensibilidade e da mente à visita de peregrinos ao mausoléu que é hoje museu.


É do jardim que se tem a melhor visão do edifício, cujo tambor em faience turquesa sôbre as tumbas veneradas (Kubbe-i-Hadra) faz com que a atenção se dirija aos altos, à ponta na qual se juntam todos os seus gomos em unidade.


Konya.Foto A.A.Bispo©

Uma leitura de dados informativos a respeito da história do local e do grande monumento arquitetônico demonstra que essa primeira impressão do visitante ocidental não é vã. O jardim de rosas vincula-se estreitamente com a história do mausoléu sobre a sepultura do fundador da ordem Mevlevi (Mevlevi-Tariqa) - Dschlal ad-Din ar-Rumi , o Mevlâna (mestre) - e com os próprios sentidos e práticas da mística dos derviches, os seus seguidores.


Jardim de rosas na história da veneração da sepultura e da ordem Mevlevi


Konya.Foto A.A.Bispo©
O jardim de rosas foi doado pelo sultão 'Al'A al-Din Kayqubad - aquele que convidou o poeta e místico Rumi para vir a Konya - para servir de local de sepultura do pai deste mestre, o erudito islâmico Baha'ud-Din Walad, falecido em 1231. Ao lado de seu pai seria sepultado o próprio mestre da ordem, em 1273. No mausoléu encontram-se também as tumbas de seus familiares e seguidores mais destacados.


O jardim surge, assim, como local de sepultamento, sendo o mausoleu levantado pelo sucessor de Mevlâna. Hüsamettin Çelebi, em 1274. A grandeza da construção do arquiteto Behrettin Tebrizli, financiado por membros de círculos influentes da sociedade, - o emir Alameddin Kayseri e, digno de nota, por uma mulher, a espôsa do Emir Suleyman Pervana -, testemunham o significado do local como centro meditativo e de oração segundo a prática mística da dança ao som de instrumentos musicais.


O jardim de rosas do convento da ordem Mevlevi surge assim desde os seus fundamentos históricos com um espaço relacionado com a morte e com o amor, uma vez que é local de sepulturas do mestre, do seu pai e de venerados dos derviches dançantes que se designam como "irmãos em amor".


O jardim de rosas no qual se situam as tumbas e se levanta o mausoléu de Konya torna assim manifestos os estreitos elos entra a poesia, a erudição e a mística daqueles que procuram percorrer a ascensão em direção à Perfeição girando ao som de instrumentos.


A consideração de imagens da tradição islâmica que aqui se expressa surge assim como de fundamental importância para aproximações à dança místico-meditativa dos derviches. Tratando-se de uma linguagem visual de remotas origens, esse estudo abre perspectivas para análises mais aprofundadas e diferenciadas de imagens relacionadas com a rosa em outros contextos religioso-culturais, também naqueles do Cristianismo.


O observador ocidental, porém, devido a dificuldades do idioma e à complexidade dos estudos respectivos na área da Islamística, deve estar consciente que as suas aproximações são marcadas pelo seu próprio condicionamento cultural nas associações e sentidos que possui da imagem da rosa. Estabelece-se, assim, um complexo jogo de interações culturais no próprio trabalho reflexivo, demonstrando também aqui que os estudos culturais estreitamente se relacionam com aqueles da pesquisa em si.


Aproximações à imagem da rosa na poesia persa e turca - questões de leitura


Uma aproximação ao significado da rosa na linguagem simbólica da mística islâmica pode partir do ítem dedicado à "rosa imortal" em capítulo dedicado à rosa e ao rouxinol em obra básica de uma das mais destacadas especialistsa em línguas islâmicas e Ciências da Religião: Annemarie Schimmel (Annemarie Schimmel, Mystische Dimensionen des Islam: Die Geschichte des Sufismus, 2a. ed., Munique: Diederichs 1992, 1a. ed. alemã 1985; The University of North Carolina Press, Chapel Hill 1975, 408-425).


A autora, docente de cultura indo-muçulmana na Universidade Harvard, considerou a imagem floral em outras obras, oferecendo uma bibliografia a respeito no seu livro "Estrêla e Flor" (Stern und Blume, 1984).


As considerações de Annemarie Schimmel partem da questão de sentidos místicos ou eróticos de imagens na lírica persa. Se alguns estudiosos defenderam a preeminência do sentido místico, outros viram nessa arte poética sobretudo expressões do amor sensual. Para a autora, essas duas correntes interpretativas seriam insuficientes se fossem exclusivas, uma vez que imagens religiosas e profanas se relacionam entre si e interagem no entendimento e emprêgo de figuras do Corão, da tradição profética e das Escrituras bíblicas.


Devido às características do sistema de pensamento e do uso de imagens, o poeta erudito encontra-se em condições de transitar entre essas dimensões religiosas e profanas, relacionando-as. A própria poesia secular passa a possuir um sentido espiritual.


Essa opalização da poesia levou a mal-entendidos no Ocidente, uma vez que nenhuma tradução pode reproduzir perfeitamente esse sensível tecido de sentidos existentes por detrás de cada palavra ou verso (op.cit. 408).


A literatura persa seria resultante de concepções Sufi e a tensão entre a interpretação profana e religiosa da vida seria solucionada pela harmonização de componentes sensoriais, de espírito e alma. (pág. 410)


Tentativas de entendimento de concepções na profusão de expressões poéticas


O simbolismo da rosa manifesta-se de forma poética na poesia persa nos séculos XI e XII e a autora considera-o nas suas sensíveis expressões em exemplos de diferentes épocas. O leitor sente-se tentado a procurar, no refinamento das múltiplas analogias poéticas, uma coerência de sentidos que o leve à compreensão das concepções que as fundamentam.


Como o capítulo da obra de Schimmel sugere, a imagem da rosa deve ser considerada nas suas relações com a imagem do rouxinol. Este se compreende a partir da analogia entre a ascensão espiritual à Perfeição com o vôo do pássaro em correspondência à sensação do místico em voar.


O rouxinol surge como símbolo do amante que, tal como o rouxinol à procura da rosa, é pleno de desejos de ascender voando em direção do amado divino, sendo eternamente destinado a amar. Ambas as imagens - a da rosa e do rouxinol - foram empregadas pelos poetas para expressar a indizível vivência do amor na sua beleza mais sublime e, reciprocamente, as muitas menções a rosas e rouxinóis da poesia persa e turca contribuem à experiência mística do pássaro da alma e da rosa.


A rosa amada, nesse mais elevado sentido, é rosa divina, imagem do amor divino. Segundo uma figura da tradição transmitida por Ruzbihan Baqli citado por A. Schimmel, a rosa vermelha teria sido empregada como imagem divina pelo próprio Muhammad e a visão de Deus seria comparável a nuvens de rosas, onde a presença divina se irradia como uma magnífica rosa vermelha. Essa imagem manifestaria assim da forma mais perfeita a beleza e a glória de Deus.


O vôo ascencional corresponde a um caminho ao interior, a um penetrar no coração. Este surge assim como uma praça, um jardim do amor divino. O rouxinol do espírito é convidado a nele penetrar para contemplar a manifestação do amor puro, e o ouvir desse convite pressupõe uma completa receptividade daquele que ama em entrega total à audição. Nas pétalas da rosa do amor que o imbui manifesta-se a presença divina como uma magnífica rosa vermelha.


Nessa esfera do amor divino, aquele que contempla vê a rosa de Adão, o homem criado á imagem e semelhança de Deus. Assim como a contemplação do cosmo seria o escopo dos ascetas, a contemplação de Adão seria aquele dos que amam.


Essas concepções e imagens, compreensíveis na lógica da Criação expressa no livro Gênese, surgem, nas diferentes interpretações diferenciadores que causaram através dos séculos e nas diferentes tradições, como de extraordinária relevância para o estudo de concepções antropológicas, em particular também do uso de imagens de cunho erótico, merecendo ser especialmente consideradas.


Para além das relações e das diferenças entre a rosa divina e a rosa de Adão em seu ramo que se manifestam no coração daquele que ama, também uma rosa, deve-se considerar as consequências para o sentido da imagem com a metamorfose que se opera com a união mística.


A transformação de sentidos da imagem é compreensível a partir da concepção de que aquele que ama, no final do vôo místico, alcança um estado no que amante e amado se unem, sendo que o amor humano se transforma em amor puro, sendo que o amado expressa-se através daquele que ama. Ter-se-ia, aqui, o mistério de transformação do amor humano em amor divino abrangente. (op.cit. 424)


Os espinhos da rosa no vôo ascencional em direção ao amor perfeito


Os elos entre a imagem da rosa e o ritual sema (audição) da irmandade são elucidados através das partes que este se compõe o caminho de ascensão à Unidade. (Veja ) Em mundo onde tudo se movimenta e gira, o homem pode apenas através da razão e do amor elevar-se à esfera superior, acima de todo o movimentado.


O crescimento em amor do amante é comparado com o desabrochar de uma rosa. A primeira etapa do caminho, porém, é vista como expressa figurativamente nos espinhos da rosa e que surgem como imagem do caminho repleto de espinhos que o amante deve passar ao subjugar-se à lei. A imagem dos espinhos revela-se, aqui, como estreitamente vinculada à obediência à Lei nos círculos místicos, contribuindo à compreensão do fato aparentemente paradoxal da proximidade dos derviches dançantes a correntes mais rígidas de concepções, questionáveis sob muitos aspectos e que levou à suspensão da Ordem à época da instituição do Estado laico no âmbito das reformas dos anos vinte do século XX.


Uma atenção especial deve ser dada também à imagem do perfume. O místico, que retorna do estado de união transformadora, traz à terra o perfume da rosa divina ou da santidade, e que se manifesta nos seus atos de amor aos homens em atos de caridade.


Condicionamentos culturais: a imagem da rosa na tradição cristã ocidental


Confrontado com a abrangência de sentidos da rosa em Konya, vem à mente do observador ocidental que também na tradição cristã as imagens do jardim de rosas e da rosa desempenham um papel de extraordinário significado na linguagem visual de expressões religiosas na tradição cristã. Constata, também, as dificuldades para não interpretar o que observa na linguagem visual islâmica segundo conceitos que lhe são familiares ou fazer projeções, constatando, ao mesmo tempo, as similaridades existentes e a necessidade de estudos de fundamentos que possam esclarecê-las e abrir caminhos para o diálogo intercultural e interreligioso.


Rosas estão presentes na iconografia e nas narrativas de santos, como Sta. Isabel de Portugal e Santa Isabel da Hungria/Turíngia, nas quais dons de amor caritativo aos necessitados surgem como rosas.


A imagem da rosa na cultura cristã manifesta-se da forma mais evidente nas expressões marianas, onde Maria é decantada como Rosa Mística - um dos cognomes na Ladainha Lauretana - e assim representada na arte religiosa desde a Idade Média. Salienta-se aqui a representação de Maria nas roseiras do jardim fechado (Hortus conclusus).


A imagem da rosa em relação a Maria pode ser encontrada em cantos, poesias e em expressões populares e tradições. Menção particular merece a figura dos espinhos e do percorrer espinhais na tradição mariana. Essa imagem é aplicada à superação de todo tipo de agruras por Maria qté que, tendo divinamente concebido, poder dar à luz o Filho de Deus. A imagem é empregada com referência à procura de abrigo no presépio, mas também com referência à ida e saída do Egito.


Essa imagem a sua expressão em tradições religiosas, sendo a mais explícita a da Mãe de Deus migrante no contexto alemão (Wandermuttergottes), praticada sobretudo no período do Advento, quando uma imagem de Maria é levada de casa em casa. Nessas visitas, os fiéis rezam o Rosário.


É no Rosário (jardim de rosas) que a imagem da rosa mais explicitamente se manifesta. Praticada e propagada pelas ordens medicantes medievais, em particular pelos Dominicanos, a oração do Rosário desempenhou um papel fundamental na missão popular na Europa e nas regiões extra-européias alcançadas pelos europeus.


Como estudado em diferentes contextos, a oração do Rosário foi praticada nas naves, nas feitorias e fortalezas, e as irmandades do Rosário na metrópole e nas colonias foram as principais organizações de cristianizados, em particular de africanos. (Veja http://revista.brasil-europa.eu/142/Ribeira_Grande-Rosario.html)


A história do processo de transformação cultural cristianizante na África e de africanos no Novo Mundo não pode ser estudada sem a consideração mais profunda dos sentidos da prática do Rosário e da instituição de suas irmandades.


Também aqui a prática do Rosário pode ser considerada sob um aspecto ascensional, pois permite, com a repetição de fórmulas, por assim dizer giratória, a elevação dos orantes a uma esfera mariana para que, retornando, voltem confortados e aptos a  distribuir os frutos dessa vivência.


Assim considerando, a prática tem relação também com a aceitação da peregrinação através da floresta de espinhos e a submissão à lei, o que, considerando-se o fato da oração ter sido fomentada sobretudo em círculos mais pobres da população laborial e entre escravos, não deixa de apresentar aspectos questionáveis, pois, para além de sua função confortante, favorece uma atitude de submissão resignada ao status quo.


A abrangência de sentidos da imagem da rosa, vinculada ao mesmo tempo com a visão do homem e do mundo e base da dança ritual dos irmãos que giram em amor a Deus em elevação da alma à esfera máxima da unidade, indica os seus elos fundamentais com um movimento ascensional.

Umbanda/Candomble S.Vicente 2013.Foto A.A.Bispo©

De ciclo de estudos sob a orientação de
Antonio Alexandre Bispo



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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "Rosas da Turquia e rosas do Brasil. A flor do Amor na mística islâmica e na tradição cristã do Ocidente nas suas implicações globais. Reflexões interculturais pela Primeira Exposição de Rosas no Parque do Castelo de Moers, Alemanha".
Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 144/8 (2013:4). http://revista.brasil-europa.eu/144/Rosas-da-Turquia-e-do-Brasil.html