Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Berlin 1975. Foto: A.A.Bispo ©





A.A.Bispo. Etnomusicologia 1973














Berlin 1975. Foto: A.A.Bispo ©




Berlin 1975

Fotos: A.A.Bispo ©Arquivo A.B.E.

 
Berlin 1975. Foto: A.A.Bispo ©


Berlin 1975. Foto: A.A.Bispo ©
Todos os estudos, as observações e os contatos com entidades e personalidades da vida cultural européia iniciados em 1974 e que determinaram o rumo dos trabalhos euro-brasileiros das décadas que se seguiram obedeceram a uma lógica programática desenvolvida no Brasil.


Este programa foi resultado de preocupações já muito sentidas como prementes na renovação de disciplinas relacionadas com a música e com os estudos culturais em geral.


Essas preocupações decorreram da constatação, em discussões remontantes a meados da década de sessenta, da existência de problemas teóricos que resultavam de recorrências mútuas e redundantes entre disciplinas de natureza histórica - como a História da Música - baseada primordialmente em fontes - e aquelas de natureza sobretudo empírica - como o Folclore e a Etnografia.


Essas preocupações, tematizadas inicialmente por Luis Antonio Rodrigues, Edgard Franco e o editor desta revista, ampliaram-se a considerações sistemáticas e de análise, que passaram a ser vistas nas suas inscrições contextuais histórico-culturais. (Veja)


Essa problemática manifestou-se sobretudo numa exposição de instrumentos musicais realizada em São Paulo, em 1966, quando instrumentos da vida musical erudita foram apresentados ao lado de instrumentos folclóricos e de uso na música popular.


A constatação de que muitos desses instrumentos manifestavam complexas transformações quanto a formas e funções no decorrer da história e do presente, de origens populares ou não, de ascensão do popular a uma esfera erudita e vice-versa, expressas também em configurações hibridas de alguns exemplares, e. o. da substituição de instrumentos de percussão por cordas em determinadas expressões, dirigiu a atenção à inadequação de divisões do instrumentário segundo categorias definidas por esferas culturas do erudito, popular e folclórico e, concomitantemente, a critérios de sistematização organológica segundo modos de produção do som. (Veja)


Questões de revisão de normas determinadoras de escopos de áreas que procuravam uma relação interdisciplinar mais coerentemente refletida entre a pesquisa histórica e a empírica uniram-se assim à revisão de critérios de classificação instrumental e de análise de sentidos e funções de instrumentos.


Essas reflexões levaram à convicção de que uma mudança teórica na determinação de objetos das áreas disciplinares, superando-se categorizações de esferas culturais e de uma orientação dirigida antes a processos histórico-culturais e, em correspondência, a transformações de funções e a metamorfoses de sentidos de instrumentos.


Esses intentos passsaram a ser discutidos no âmbito da sociedade constituída o objetivo de contribuir a um novo entendimento de procedimentos teóricos e práticos, e do seuCentro de Pesquisas em Musicologia (Nova Difusão 1968).


Interesse por instrumentos antigos no Brasil nos anos 60 e 70


Paralelamente, esses anos foram marcados por um crescente interesse por instrumentos musicais antigos, fomentado pela atividade de cravistas e por conjuntos como Musikantiga e Paraphernália. (Veja)



Esse renovado interesse pela música antiga e seus instrumentos representou uma  revitalização, sob novos critérios, de intuitos de décadas, representados e.o. pela tradição da Sociedade Bach de São Paulo. Problemas relacionados com instrumentos antigos e sua execução inscreviam-se, assim, em diferentes correntes e contextos culturais.


Para além de trabalhos de pesquisa e de ensino desenvolvidos desde então, os intentos renovadores tiveram a sua expressão nos estudos superiores quando da criação dos cursos de Licenciatura em Música na Faculdade de Música e Educação Artística do Instituto Musical de São Paulo, tradicional instituição de ensino superior que fora estreitamente marcada pelas atividades do antigo Conservatório Paulista de Canto Orfeônico.


No âmbito de uma fundamental reforma curricular, introduziu-se a disciplina da Etnomusicologia, considerada como área de estudos vista como de central importância na renovação de concepções e práticas educativas e que, paradoxalmente, surgia no sistema disciplinar antes mesmo da institucionalização da Musicologia nos estudos superiores.


Pelo seu caráter pioneiro, a introdução dessa disciplina exigiu um levantamento tão amplo quanto possível da literatura existente e a consideração de seus principais aportes teóricos e metodológicos no decorrer das décadas, das já antigas escolas da Musicologia Comparada alemã às correntes então mais atuais da Etnomusicologia e da Antropologia Musical norte-americana.


Essa consideração da literatura especializada, porém, já decorreu sob a preocupação da orientação das atenções a processos, não a esferas culturais, a transformações, mudanças e metamorfoses.


Sobretudo as já há muito percebidas insuficiências de classificações de instrumentos voltaram a ser atualizadas com a leitura de obras básicas da sistemática organológica, como aquelas de Curt Sachs (1881-1959), entre elas o Real-Lexikon der Musikinstrumente, de 1913, e a "Sistemática de Instrumentos Musicals" publicada em 1914, e desenvolvida juntamente com Erich M. von Hornbostel. Sobretudo obras de Curt Sachs, então nos EUA, haviam sido lidas e comentadas no Brasil, servindo de texto para apostilas que acompanhavam os estudos.


A sistemática Sachs/Hornbostel era já há muito conhecida no Brasil, seguida ou adaptada a outras classificações (p.e. Fr. Pedro Sinzig, Dicionário Musical, 2a. ed. Rio de Janeiro/São Paulo: Kosmos, 1959, 317-318), revelava porém cada vez mais a necessidade de considerações mais diferenciadas.



Texto básico para a discussão dos problemas derivados de compreensões por demais esquemáticas de propostas de classificação foi o artigo "Gênese dos Instrumentos de Música" de André Schaeffner (1895-1980), que havia dirigido, até 1965, o Departamento de Etnomusicologia do Musée de l'Homme de Paris.(in A Música: das origens à actualidade, Enciclopédia da Plêiade, publicada sob a direcção de Rolland-Manuel, ed. port. Fernando Lopes Graça I, Arcadiia, 92-1131).


"Em muitos casos, o limite, tão nítido para nós, entre os instrumentos de sopro e os outros dificilmente se nota: os processos relativos a uns e outros encontram-se utilizados conjuntamente. Que pensaríamos nós dum trompetista que, em vez de soprar no instrumento, batesse com a palma da mão na abertura do pavilhão, ou dum harpista que resolvesse soprar a corda ou aproximar dela uma cavidade? Existem instrumentos de cordas cujo ressoador tem o aspecto dum pequeno pavilhão de trompa, ou caixas de tambor, e mesmo de harpa, que terminam por um tubo de escape. (....) Exemplos entre vários, que levam a perguntar se teria havido confusão original ou ulterior aproximação de duas espécies de instrumentos". (op.cit. 106)


A atenção a processos, implicando fundamentalmente em novas relações interdisciplinares entre o histórico e o empírico, levou a um desenvolvimento paralelo de uma História da Música de orientação cultural e até mesmo á criação de um coro e orquestra para a execução de obras de mestres semi-eruditos ou semi-populares, de camadas socialmente menos privilegiadas da sociedade, submersos ou esquecidos nos estudos históricos e empíricos, e que atentava, na realização sonora, não sò às partituras, mas também aos resultados da pesquisa de tradições vivas e práticas populares instrumentais.


Foi a convicção de que o desenvolvimento dessa orientação para uma introdução refletida da Musicologia no seu todo no Brasil exigia o conhecimento de situações e tendências nos grandes centros do Exterior e interações com os seus representantes que levou à criação de um programa de estudos e atividades, que, com o apoio do Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico (Deutscher Akademischer Austauschdienst), pôde ter início em 1974.


Devido a esses pressupostos, um dos principais centro das atenções em Berlim, em 1975, foi o Museu de Instrumentos Musicais.




Berlim dividido visto à luz de instrumentos - sentidos e metáforas urbanas


Berlim, à época da primeira visita, ainda representando um enclave na antiga República Democrática Alemã, era ainda uma cidade profundamente marcada pela destruição sofrida na guerra.


Ao mesmo tempo, porém, Berlim Ocidental permitia sentir uma dinâmica interna transformatória, sugerindo, para observadores de sensibilidade aguçada para leituras de sentidos de instrumentos, impressões metafóricas de caixa de ressonância ou de transformação de um instrumento de percussão em outro de corda. Nessa leitura da cidade, o Museu de Instrumentos Musicais adquiria assim significados que ultrapassavam a sua função, tornando-se referencial para a vivência da cidade.


A história desse Museu relacionava-se sob muitos aspectos com aquela à qual prendia-se a tradição de Martin Braunwieser (1901-1991), uma vez que nas suas origens Philipp Spitta (1841- 1894) ao lado de Joseph Joachim (1831-1907)  desempenhara importante papel.


Assim, M. Braunwieser, ainda que pretendo-se na tradição dos pesquisadores de Bach antes a seu professor e amigo de Salzburg, Bernhard Paumgartner (1887-1971), recomendou uma consideração mais atenta de Spitta e sua época, não apenas relativamente ao movimento Bach, mas sim também à coleção de instrumentos na Escola Superior Acadêmica Real de Berlim.


Essa coleção, proveniente do Museu de Arte Aplicada e anteriormente da Câmara de Arte prussiana, possuia, do acervo adquirido de Paul Wit em fins do século XIX, o famoso cembalo de Bach.


"Para mim Spitta foi um grande, grande homem, que deu toda a sua vida para estudar com rara dedicação, competência e amor (...). Entretanto,
na minha opinião (...) supera-o meu saudoso professor Bernhard Paumgartner (...)." (M. Braunwieser, 16 de janeiro de 1975)


Desse início da coleção instrumental seguiu-se a fase marcada pela direção do aluno de Spitta, Oskar Fleischer (1836-1933), o fundador da Sociedade Internacional de Música. À época de Fleischer remontava sobretudo uma coleção proveniente de César Snoeck de Gent, integrada na Escola Superior Real de Música em 1910, onde Fleischer atuou como professor de Organologia. A ela pertenciam os quatro cembali Ruckers do século XVII, assim como flautas de Jean Hottetterre, conhecidas em círculos de cravistas e da música antiga no Brasil.


Se o Museu de Instrumentos Musicais surgia como um centro indispensável a ser procurado sob a perspectiva do interesse então existente no Brasil por instrumentos antigos e sob o enfoque do movimento Bach representado pela Sociedade Bach de São Paulo, o interesse etnomusicológico dirigia-se sobretudo à época marcada pela direção de Curt Sachs. Esta época, sucedendo à de Oskar Fleischder em 1919, marcara os anos 20, terminando com o exílio forçado de Sachs sob a política antisemita nacionalsocialista em 1933. 


Considerou-se, assim, que muitas das colocações de Sachs deviam ser consideradas nesse contexto da história alemã posterior à Segunda Guerra, o período da República de Weimar.


Essa época sob a direção de Sachs foi caracterizada por esforços de registro, levantamento e divulgação da coleção instrumental sob aspectos sistemáticos e terminológicos expostos num catálogo descritivo editado em 1922 e complementado por um manual de instrumentística previamente publicado (Handbuch der Musikinstrumentenkunde, 1920).


Foi após Sachs, em 1935, que a coleção foi retirada da Escola Superior de Música e integrada no Instituto Estadual de Pesquisa Alemã da Música - recorrente em parte ao Instituto de Pesquisa Musicológica em Bückeburg -, ou seja, uma instituição marcada no seu próprio título pela qualificação nacional, a de uma pesquisa definida como alemã.


O estado do Museu quando da visita em 1975 manifestava os esforços que então eram feitos para recuperar as grandes perdas sofridas durante a Guerra e o significado internacional da instituição.




Iniciativas de museologia instrumental em contextos internacionais


A visita brasileira decorreu ainda a época tardia sob a direção de Alfred Berner (1910-2007), nomeado a diretor em 1966 e que permaneceu nesse cargo até 1975.


Os elos entre o Brasil e Alfred Berner decorriam sobretudo dos seus trabalhos voltados à cultura musical árabe, sendo por isso conhecido também por Martin Braunwieser, que na sua juventude dedicara-se em particular ao estudo da cultura musical oriental, dela tirando elementos para a sua obra criadora. 


Berner ganhava significado sobretudo pela sua iniciativa de uma fundação dedicada a problemas de instrumentos musicais em museus.O seu trabalho reconstrutivo evidenciava-se não apenas na grande coleção de instrumentos como também na considerável biblioteca do museu e um arquivo para documentos e imagens. Procurava-se relações com outros museus europeus, que também enfrentavam problemas com as suas coleções desde fins da Guerra.




Interações: Ibero-Amerikanisches Institut e Associação Brasileira de Folclore

O interesse pela revisão de critérios de classificação organológica, de significado sobretudo para a área dos estudos de Folclore, foi compartilhado por Rossini Tavares de Lima, diretor do Museu de Folclore e Presidente da Associação Brasileira de Folclore, então inspetor da instituição que abrigava a Sociedade Nova Difusão (ND 1968) e levou aqui e no próprio Museu a pormenorizadas trocas de idéias a partir dos exemplares de instrumentos ali conservados.

A reorientação de criterios classificatórios em discussão levntava expectativas para uma melhor elucidação de formas inconvencionais ou híbridas, emprêgo de materiais e transformações de sentidos nas expressões culturais.

Através de Inga Wiedemann, que tendo passado dois anos no Brasil, em São José dos Campos e Salvador, após fazer o mestrado em artes têxteis nos Estados Unidos, frequentara a Escola de Folclore em 1972, estabeleceu-se um contato com o Iberoamerikanisches Institut em Berlim.

A 22 de março de 1976, I. Wiedemann comunicava estar trabalhando desde 1974 no Ibero-Amerikanisches Institut, onde encontrara uma grande quantidade de materiais. Em Berlim viviam mais ou menos 200 brasileiros, que se encontravam esporadicamente. Dando continuidade a seus estudos realizados nos Estados Unidos e no Brasil, dedicava-se paralelamente à pesquisa sôbre técnicas e materiais de rêdes no Brasil.


No dia 15 de maio de 1976, vindo de encontro ao pedido de informações sôbre a literatura referente à música no Brasil no Ibero-Amerikanisches Institut, I. Wiedemann, em espírito de cooperação, enviou uma lista de obras ali existentes e que possibilitava um primeiro panorama da situação bibliográfica em época que experimentava, segundo a sua própria experiência, uma considerável intensificação de interesses pela América Latina. Em carta posterior, comunicava ter encontrado a bibliografia de Francisco Curt Lange.


Quanto às notícias a respeito da presença do Brasil na vida cultural em Berlim, pode-se lembrar o registro de Inga Wiedemann da apresentação dos filmes "São Bernardo" e "Vidas Secas", baseados em romances de Graciliano Ramos, em carta de 18 de agosto de 1976.

Essa carta ofereceu sobretudo uma impressão do estado conturbado em que se achava o instituto com a mudança para um novo edifício. Essa mudança causava grandes dificuldades para a biblioteca e para o serviço de empréstimos, prejudicando sobretudo o trabalho de mestrandos e doutorandos.


Interações: pesquisa de instrumentos antigos no Brasil e possibilidades de execução

Quanto às interações com círculos dedicados à música e instrumentos antigos no Brasil, pode-se lembrar de notícias recebidas do Conjunto Paraphernalia, que testemunhavam a continuidade de concertos, a procura de cravos e o início de um trabalho de pesquisa de instrumentos antigos no Brasil.


Em outra carta, o Paraphernália pedia materiais, enviando uma lista de obras procuradas de G. Ph. Telemann (1681-1767), ou outras composições do Barroco ou de danças medievais possíveis de serem executadas com as possibilidades instrumentais existentes no Brasil.


Já em carta de 12 de janeiro, porém, tornava-se claro as dificuldades para a execução das obras devido à frequente mudança de participantes no conjunto, e que necessitavam para isso aprender a execução dos instrumentos antigos. Por isso, Abel Vargas pedia sobretudo material sobre as Carmina Burana, uma vez que o conjunto procurava dedicar-se mais à música medieval.


Em 1978, fazia-se chegar instrumentos atraves de Elsmarie Lage ao Brasil:


Matéria preparada por colaboradores do ISMPS
orientada e traduzida de forma reelaborada por
Antonio Alexandre Bispo




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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "Questões de instrumentos no início do programa de estudos em primeira visita a Berlim dividido em 1975. No centenário do Real Lexikon e da Sistemática de Curt Sachs (1881-1959)".
Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 147/6 (2014:1). http://revista.brasil-europa.eu/147/Brasil-em-Berlim_1975.html


 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 147/6 (2014:1)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

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Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)

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ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 3061





Questões de instrumentos no início do programa de estudos
em primeira visita a Berlim dividido em 1975


lembradas no centenário do Real Lexikon e da Sistemática de Curt Sachs (1881-1959)



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