Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Hannover 1975. Foto: A.A.Bispo ©
Hannover 1975. Foto: A.A.Bispo ©

Hannover 1975. Foto: A.A.Bispo ©









Hannover 1975
Fotos: A.A.Bispo ©Arquivo A.B.E.
No texto, fotos recentes: Igreja alemã de Helsinki, 2013.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 147/5 (2014:1)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2014 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 3060





Improvisação ao órgão no diálogo com culturas extra-européias através da música
Volker Gwinner (1912-2004) e o Brasil
relembrado em Helsinki por motivo do seu centenário


Débito e Crédito - 1974-2014. Época de balanços e reajustes.
Revendo inícios de interações euro-brasileiras na procura de esclarecimentos em situações complexas de heranças culturais


 


Hannover 1975. Foto: A.A.Bispo ©

Hannover 1975. Foto: A.A.Bispo ©

Um dos complexos temáticos considerados nos estudos euro-brasileiros em 2013 disse respeito à esfera do Báltico e ao Norte da Alemanha, em geral pouco conhecida nos seus significados para o Brasil (Veja http://revista.brasil-europa.eu/143/Baltico-Brasil.html e http://revista.brasil-europa.eu/146/Danzig-Gdansk-Brasil.html).


Hannover 1975. Foto: A.A.Bispo ©
Em Helsinki, na igreja lutero-evangélica alemã, centro de dinâmica vida musical, registrou-se o significado para a Finlândia do organista e compositor alemão Volker Gwinner, autor de "12 corais para órgão finlandêses", e cujo centenário foi lembrado também em cidades alemãs.


Pouco conhecido é o significado de Volker Gwinner sob a perspectiva dos estudos relacionados com o Brasil.


Torna-se oportuno recordá-lo, uma vez que desempenhou papel significativo no início do programa de estudos, contatos e interações iniciado em 1974 pelo editor sob os auspícios do Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico (DAAD) e que marcou sob diversos aspectos as decorrências posteriores.


Questões então tratadas trazem à memória preocupações da época e relembrá-las elucidam desenvolvimentos e impedem repetições no presente, possibilitando a continuidade das reflexões.

Hannover 1975. Foto: A.A.Bispo ©

Ao mesmo tempo, a convivência com Volker Gwinner em 1974 e 1975 representou a introdução do universo músico-cultural do Norte europeu no âmbito do programa de estudos e interações então iniciado, tendo sido primeiros contatos brasileiros com questões culturais de países e regiões distantes e em grande parte separados politicamente.


Situou-se, assim, no início de um direcionamento das atenções ao Leste e Norte da Europa que teve continuidade em várias iniciativas no decorrrer das décadas. (Veja)


Os contatos com Volker Gwinner deram-se no âmbito da Johannes-Kantorei em Lüneburg e inseriram-se sobretudo nas preocupações que então moviam a Sociedade Bach de São Paulo.


Embora não se tratando dos únicos objetivos do programa a ser desenvolvido, as aspirações dessa entidade no sentido de reintensificação e reatualização de elos com especialistas de Bach e de sua época adquiriu significado especial em Lüneburg como cidade marcada por J.S.Bach. (Veja)


O espectro das questões era amplo, incluindo não apenas especificamente aquelas relacionadas com o compositor, com a difusão de sua obra, com concepções do movimento, com a sua atualidade e transformações, com as tendências e iniciativas de sua organização nas duas partes da Alemanha e internacionalmente, mas também questões relacionadas com o órgão, construção e restauro de órgãos e prática organística.


Essas questões adquiriam no Brasil particular atualidade, constituindo uma das grandes preocupações não apenas de círculos mais estreitamente relacionados com a música sacra, mas também de todos aqueles que constatavam o declínio do emprêgo do órgão nas igrejas em decorrência da renovação de práticas musicais que se
orientavam segundo o Concílio Vaticano II, com o abandono de instrumentos, pondo em perigo o patrimônio organológico do país. (Veja)


Embora esses instrumentos não correspondessem às aspirações daqueles mais voltados à prática adequada da música antiga segundo preceitos de prática de execução histórica, uma vez que remontavam à época da restauração sacro-musical do século XIX e XX, tinham possibilitado por décadas a realização de concertos e representavam valioso acervo sob diversos aspectos, materiais e imateriais.


Assim como o próprio movimento Bach, também a questão organística inseriu-se no contexto mais amplo dos intuitos de reconsideração do século XIX nos estudos musicais e culturais do Brasil.


Dizia respeito ao principal escopo do programa a ser desenvolvido e que tinha um cunho fundamentalmente renovador. Remontava à constatação da necessidade de atualização das disciplinas relacionadas com a música através de um redirecionamento das atenções a processos e ao edifício cultural nas suas estruturas, sentidos e mecanismos, não a esferas da prática musical do erudito, popular e folclórico.


Essas aspirações tinham levado à formação de uma sociedade específica, dedicada ao estudo de processos de difusão cultural e da renovação refletida da prática, nela criando-se um Centro de Pesquisas em Musicologia (ND 1968).


Lüneburg com centro musical adequado para o tratamento de questões organísticas


Lüneburg oferecia-se com centro particularmente favorável para o tratamento de questões relacionadas com o órgão, com a conservação e restauração de instrumentos e com a prática organística em geral.


A cidade era conhecida internacionalmente pelos seus órgãos históricos e sua tradição organística, sobretudo pelo órgão da igreja de S. João, remontante ao século XVI e onde tinham atuado organistas como Christian Flor (1676-1697) e Georg Böhm (1661-1733), este ouvido certamente por J. S. Bach na sua juventude.


A igreja de S. Miguel, remontante a antigo convento beneditino, era famosa pelo prospecto do seu órgão, remontante a um instrumento construído por Matthias Dropa, em 1708, um discípulo do internacionalmente conhecido Arp Schnitger.


Modificado no decorrer dos séculos, fora reconstruído com o uso de tubos ainda existentes em 1931, em cooperacão com Christhard Mahrenholz (1900-1980). Em 1974, conduziam-se nesse instrumento reformas dessas reformas pela oficina dos irmãos Hillebrand, de modo que questões de reconstrução histórica e de estética sonora mostravam-se de grande atualidade.


Com Mahrenholz, entrava-se em contato com uma personalidade que exercera e exercia papel de liderança na esfera da música e da liturgia evangélica, autor de obras musicológicas e acatado como um dos principais representantes da musicologia sobretudo por pesquisadores e professores
evangélicos. Mahrenholz esteve, assim, no início de uma proximidade a musicólogos evangélicos que se prosseguiria, entre outros, com Heinrich Hüschen em Colonia.


A principal personalidade de organista de Lüneburg - e mesmo talvez de toda a região - era Volker Gwinner, organista dsde 1957 da Igreja de São João, professor de órgão, compositor para o instrumento e executante de renome internacional, sobretudo no Norte da Europa.


Originário de Bremen, atuara no passado como músico de igreja em Bremen e na tradicional Sophienkirche de Dresden.


Volker Gwinner podia oferecer sobretudo visões recentes da prática de concertos, da execução de música antiga e contemporânea, de ensino de órgão, da composição e, sobretudo, da improvisação organística, que via como principal oportunidade e mesmo necessidade para a cooperação comum.


Volker Gwinner também foi o primeiro que chamou a atenção para o significado da prática instrumental de trombones na cultura religiosa alemã, então pouco acentuada no Brasil.


Nesse sentido como compositor, possuia várias obras, em geral sobre formas tradicionais, como a de Partita (p.e. O Heiland reiß die Himmel auf), ainda que em linguagem composicional contemporânea. Nos concertos na Johanneskantorei, esses coros de instrumentos de metal desempenhavam importante papel em partes introdutórias e interlúdios.


O elo com a tradição - apesar de todos os recursos contemporâneos, manifestava-se no seu trabalho composicional no cultivo da prática da Cantata Coral, de tanto significado na tradição representada por M. Braunwieser (1901-1991) in São Paulo e que correspondia em ambos os casos tanto à consciência histórica no sentido do movimento Bach como também ás exigências da prática através de elaborações mais facilmente executáveis de salmos e outros textos bíblicos por coros mixtos a quatro vozes com acompanhamento de órgão (p.E. In dulci jubilo; Psalm 84).


Escola Superior de Música e Teatro em Hannover


As concepções relativas ao ensino da composição e do órgão de Volker Gwinner puderam ser apreendidas e discutidas na Escola Superior de Música e Teatro em Hannover, na qual lecionava desde 1968 e na qual era Professor desde 1970.



Em concertos de improvisações ao órgão, Volker Gwinner demonstrou a importância, a necessidade e as possibilidades da prática de improvisação ao órgão em execuções marcadas por impressionante capacidade técnica e de uso de diferentes recursos do instrumento e da técnica composicional nas suas correntes históricas e contemporâneas.


A sua elaboração técnico-estilística segundo princípios estético-musicais e recursos atualizados pode ser constatada em várias obras, entre elas o de Du Kind zu dieser heilgen Zeit, do Evangelisches Gesangbuch N° 50.


Papel da improvisação no diálogo com outras culturas


Para Volker Gwinner, seria sobretudo a improvisação - não tanto a interpretação e difusão de obras executadas segundo partituras - que abriria caminhos para a atualização estética e criativa do repertório tradicional, em particular de cantos comunitários, estabelecendo uma ponte entre a tradição e o presente, e acostumando a comunidade e o público em geral a linguagens e recursos da música contemporânea.


Volker Gwinner salientou que também aqui via a principal possibilidade para o desenvolvimento de uma cooperação internacional.


Como exemplo de seu interesse por culturas não-européias e as possibilidades abertas pela improvisão no diálogo cultural, apresentou e comentou um coral por êle composto, em 1969, com base em texto de Ulrich S. Leupold segundo Mfurahini, um Halleluya, pouco antes escrito (1966), de Bernard Kymanaywa, com uso de melodia da Tansania.


Esse menção à África, em especial à Tansania, por parte de Volker Gwinner antecedeu, do ponto de vista evangélico, as reflexões relacionadas com o Brasil e a África que seriam feitas anos a seguir no âmbito católico e que culminariam durante a realização de Simpósio Etnomusicológico durante Congresso Internacional de Música Sacra em Bonn, em 1980, marcando trabalhos etnomusicológicos relativos à África e que seriam de consequências para o Brasil. Precedeu, assim, a sessão dedicada à improvisação ao órgão no tratamento de melodias populares brasileiras levado a efeito no Teatro Municipal de São Paulo por ocasião do Simpósio Internacional de Música Sacra e Cultura Brasileira, em 1981 (Veja http://revista.brasil-europa.eu/147/Brasil-no-Congresso-de-Musica-Sacra_Bonn.html)


A improvisação nas suas relações com a orientação teórica das reflexões


A posição de Volker Gwinner no significado que emprestava à improvisação vinha de encontro sob diversos aspectos às concepções que marcaram o programa de estudos e interações remontante ao Brasil e iniciado em 1974 na Alemanha.


Essa proximidade, reconhecida já nos primeiros encontros, decorria do direcionamento das atenções ao processual, e ao dinâmico transformatório no edifício cultural em tentativa de superação de problemas constatados em áreas disciplinas definidas segundo critérios determinados por conceitos de esferas do erudito, popular e folclórico.


Logo reconheceu-se que essa discussão não dizia respeito apenas à História da Música e ao Folclore e Etnografia, mas que também implicava em mudanças de orientação de disciplnas como Morfologia e Análise, afastando-as não só de perspectivas por demais concentradas em idéias de modêlos ou mesmo receitas, já então criticadas, mas, para além de considerações da história de formas no decorrer do tempo, analisando-as nas suas inscrições em processos culturais.


Essas preocupações foram acompanhadas por um maior interesse por expressões e técnicas de improvisação, sobretudo na música popular e no jazz, até então insuficientemente considerados na divisão convencional das disciplinas, e, sobretudo, na música contemporânea, salientando-se também o aleatório em concertos, entre outros em eventos da Nova Difusão realizados com Paulo Affonso de Moura Ferreira. (Veja)


Esse complexo preocupações teóricas relacionadas com práticas de execução, tradições e processo criador passando a ser tratado sob a perspectiva do organista Volker Gwinner, dirigiu a atenção ao significado de questões relativas à morfologia em relações com metamorfoses no encontro e nas interações culturais.


Como Volker Gwinner acentuava, não o tratamento de cantos de outras culturais segundo modêlos formais ocidentais devia estar no centro das atenções, aplicando-se por assim dizer fórmulas aprendidas e decoradas na reelaboração de materiais musicais de outras culturas, por exemplo como Variações em estilos históricos a serviço de uma espécie de intento de valorização nobilitadora, mas sim interações quanto a princípios estruturais que, no decorrer da improvisação, desenvolviam uma própria dinâmica.


Esse processo transformatório recíproco não dizia respeito apenas à linguagem musical na sua realidade acústica, mas implicava também em transformações de sentidos. Conduzindo do audível ao não-audível, ao imaterial ou espiritual, vinha particular de encontro à função da música religiosa, significando ao mesmo tempo, nas interações culturais, intercâmbios e enriquecimentos espirituais mútuos.


Matéria preparada por colaboradores do ISMPS
orientada e traduzida de forma reelaborada por
Antonio Alexandre Bispo









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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "Improvisação organística no diálogo com culturas extra-européias através da música: Volker Gwinner (1912-2004) e o Brasil. Relembrado em Helsinki por motivo do seu centenário".
Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 147/5 (2014:1). http://revista.brasil-europa.eu/147/Brasil-em-Hannover_1974.html