Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Mosteiro S.Bento SP.Foto A.A.Bispo 2007 ©Arquivo A.B.E..

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Mosteiro S.Bento SP.Foto A.A.Bispo 2007 ©Arquivo A.B.E..

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A.A.Bispo 2007 ©Arquivo A.B.E.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 152/14 (2014:6)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2014 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Doc. N°3152





Canto Gregoriano, Cultura Brasileira e Ensino - Pesquisa, Formação Musical e Métodos
Dimensões internacionais da recepção gregoriana no Brasil



 
Mosteiro S.Bento SP.Foto A.A.Bispo 2007 ©Arquivo A.B.E..


O complexo temático do Gregoriano foi alvo das atenções no dia 1 de outubro do Simpósio "Música Sacra e Cultura Brasileira" de 1981. Esse dia foi aberto com missa solene gregoriana na igreja do Mosteiro de São Bento, celebrada pelo abade D. Joaquim de Arruda Zamith O.S.B.. O Proprium da missa votiva do Espírito Santo e o Ordinarium XI foram cantados pelo setor masculino do Coral do Estado de São Paulo, regido por Eleanor Florence Dewey, Ir. Maria do Redentor C.R.. (Veja)


Na sessão de debates, partiu-se inicialmente de um panorama da situação da prática do Gregoriano nos diversos países europeus para, a seguir, tratar-se de questões relacionadas com o seu ensino e com o ensino geral de crianças através do Método Ward, baseado em princípios gregorianos.


O Método Ward já havia sido introduzido no Brasil há anos, sendo uma de suas principais representantes Nicole Jeandot. Em cursos de formação de professores de Iniciação Musical no conservatório onde a Sociedade Nova Difusão possuia a sua sede e o Centro de Pesquisas em Musicologia, introduzira já em 1970 o Método Ward, procurando porém adaptá-lo músico-culturalmente às condições brasileiras.


A discussão das possibilidades dessas adaptações tiveram prosseguimento em cursos de Prosódia Musical ministrados por Nicole Jeandot em cursos de Licenciatura em Música e Educação Artística do Instituto Musical de São Paulo, a partir de 1972. Princípios da teoria rítmica de Solesmes, relacionados com a estética gregoriana, passavam assim a marcar o tratamento de relações entre a palavra e som, texto e melodia na formação pedagógica e teórica de professores de música para o ensino secundário. Esses princípios não poderiam deixar de levar a concepções e interpretações musicais que se diferenciavam daquelas convencionais ou mesmo da tradição brasileira.


Essas preocupações possuiam assim dimensões teórico-culturais sob diversos aspectos, sendo um deles o da historicidade de princípios estéticos - sobretudo rítmicos - da Escola de Solesmes da época da restauração gregoriana remontante ao século XIX e que contrariavam posições que acentuavam a sua vigência na atualidade, tanto na interpretação gregoriana como no seu ensino e na prática do Método Ward.


Eleanor Dewey, que tinha sido uma das mais competentes propagadoras do método de Solesmes no Brasil, passara já há anos a defender as novas conquistas de conhecimentos da pesquisa paleográfia e semiológica, procurando realizá-las na prática coral. Tendo-se retirado em 1975 para a Grã-Bretanha, após décadas de atuação no Brasil, retornara ao Brasil a convite da Secretaria de Estado da Cultura para a formação de um Coral Gregoriano do Estado, primordialmente criado para o Simpósio Internacional „Música Sacra e Cultura Brasileira“.


Nas apresentações durante o Simpósio, procurou assim demonstrar aos especialistas europeus - defensores da prática tradicional segundo os princípios de Solesmes - que havia a possibilidade real de interpretação de alta qualidade e adequada às funções de culto observando-se os resultados dos estudos semiológicos, cujo principal representante era D. Eugène Cardine OSB. Múltiplas questões assim de relações entre a prática de canto, a pesquisa e o ensino foram tratadas em São Paulo, tanto em realizações sonoras, como em conferências e debates.


Mosteiro S.Bento SP.Foto A.A.Bispo 2007 ©Arquivo A.B.E..
A situação do Gregoriano nos países da Europa em 1981 - um levantamento


Na sua conferência, o Dr. h.c. Jos Lennards, dos Países Baixos, uma das principais autoridades em Canto Gregoriano e seu ensino segundo a tradição de Solesmes, em particular do Método Ward, tratou do tema O Canto Gregoriano na Europa - Prática Atual. Na sua palestra, considerou os seguintes pontos: O ensino; Questões metodológicas; O govêrno e os meios de comunicação; Livros de canto e de estudos.


De início, acentuou que o tema era demasiadamente vasto e em parte inexplorado, além disso, a situação diferia de um país para o outro, até mesmo de uma diocese à outra. As questões que se levantavam eram: qual é a parte do repertório que se canta? E com qual frequencia? Regularmente, todos os domingos? Ou de tempos em tepos, por exemplo nas grandes festas do ano litúrgico ou na ocasião de uma cerimônia especial. Quem snao os cantores? Os fiéis participam do canto?


Essas seriam questões às quais não se podia dar sempre uma resposta satisfatória e exata. Não obstante, êle tinha podido recolher por meio de visitas e encontros, por cartas, por artigos impressos e através de investigações uma certa quantidade de informações sobre a situação geral. Essas informações serviam de base para que se tentasse traçar um quadro geral, ainda que incompleto.


Em primeiro lugar, o conferencista tratou da prática nas diferentes igrejas, primeiramente nos mosteiros, que foram sempre o local do Canto Gregoriano.


Durante uma visita a Solesmes, alguns anos atrás, os seus olhos cairam sobre um livro que já estava na sua segunda edição: O guia dos mosteiros, que continha uma lista de todos os mosteiros e conventos na França, na Bélgica e em Luxemburgo. Ali estavam marcadas para cada um as horas da missa e dos ofícios e até mesmo a língua na qual eram celebrados. A contagem demonstrou que entre os 435 mosteiros e conventos, pelo menos 150, ou seja, 32% tinham conservado inteiramente ou em parte o Canto Gregoriano. 31 mosteiros mencionavam expressamente que o cantavam regularmente na missa e durante o Ofício. Eram ordens contemplativas, obrigadas à oração em coro.


Pessoalmente, o autor conhecia na França 13 abadias beneditinas onde a grand'messe quotidiana e todos os Ofícios eram cantados integralmente em latim e em Gregoriano.


Pensava dizer a mesma coisa da Abadia de Vaals na Holanda, onde o Gregoriano era praticado cada dia, do Invitatório das Matinas até às Completas. Ali fluiam visitantes de todos os lados, mesmo do Exterior. Nas outras ordens religiosas do seu país, o Gregoriano não tinha desaparecido completamente, mas não era mais frequentemente ouvido. O que permanecia mais frequentemente era o Ordinarium, sobretudo a missa dita "dos anjos" e o Credo III.


Os coros das catedrais, sobretudo nos países de língua alemã eram fiéis guardiães do patrimônio da música sacra: o canto gregoriano, a polifonia e a música de órgão.


Nas atas do Simpósio de Salzburg de 1972 (Magna Gloria Domini), encontram-se relatos detalhados sobre atividades musicais de 15 coros de catedrais da Alemanha, Áustria, Polonia e Jugoslávia.


Os coros das ecclesiae majores possuiam em geral mestres de capela competentes. Eles mantiveram, tanto quanto possível, e frequentemente sob circunstâncias difíceis, a tradição do Canto Gregoriano. Valeria aqui a recomendação que, no seu artigo no livro citado, indica aos leitores os programas e as informações publicadas na revista "Die singende Kirche".


O número de igrejas paroquiais onde se celebrava todo domingo a missa completa em latim e em Gregoriano era muito restrito. Na Holanda havia ca. de 60. Na sua própria diocese, a situação era mais positiva que no resto do país. Em 70% das paróquias cantava-se todos os domingos ao menos o Ordinarium e uma parte do Proprium. Um detalhe interessante era que estas eram sobretudo as igrejas rurais.


A mesma situação se encontrava em algumas outras dioceses do leste e do oeste. As estatísticas de venda do Novo Gradual a confirmava. Durante os seus contatos com os coros de igrej,a havia constatado várias vezes que os cantores eram muito apegados ao Gregoriano. Não o queriam perder a nenhum preço. Às vezes, quando encontravam dificuldades insuperáveis dentro de sua paróquia, reagrupavam-se nas scholae itinerantes.


O autor só possuia informações provenientes da parte ocidental da Europa relativamente à situação nos outros países. 40% dos correspondentes na Alemanha lamentavam não poder assistir a uma missa solene em latim. Eram principalmente fiéis moradores nas zonas rurais e nas cidades menores. Nas grandes cidades, e sobretudo nas igrejas conventuais, a situação era melhor. Havia sempre um certo número de igrejas onde se cantava uma parte do Próprio.


A situação na Renânia e sobretudo na Arquidiocese de Colonia era mais positiva do que em outras partes do país.


Na Bélgica havia coros gregorianos excelentes, que o autor pôde escutar no Festival de Flandres e na rádio.


Na França, havia coros gregorianos muito ativos na Alsácia, na Lorraine, em Bordeaux (os clérigos de S. Benoit), em Mans, em Nantes, na Bretanha, na Normandia e no Norte.


Em Portugal havia o florescente centro de Lisboa e a Diocese de Braga no Norte.


Também se devia mencionar igualmente o centro de Bulle, na Suiça.


Alguns anos depois do Concílio, no decorrer de uma viagem pela França, o autor pôde assistir a uma grand'messe onde todo o povo, jovens e velhos, homens e mulheres, cantava o Proprio e o Ordinario em Gregoriano. Isso foi em Mesnil-Saint-Loup, uma aldeia bem pequena, não distante de Troyes. A formação litúrgica e musical da aldeia era a obra de um escultor-músico que durante trinta anos havia instruído diariamente a população. Fora uma inesquecível experiência.



O ensino musical nos seminários, a formação musical de cantores e de crianças


O autor estava convencido que a Educação Musical nos seminários era de importância primordial. Era neles que os estudantes deviam ser preparados à sua tarefa futura nas paróquias.


Uma pesquisa feita em 40 seminários de língua alemã e publicada em Musica Sacra, em 1976, dizia que em 80% dos seminários os estudantes conheciam pelo menos em parte o repertório da missa. Em 70% dessas instituições existia uma schola gregoriana e em 60% ensaios regulares.


Na Holanda, existia somente um seminário, que é o de Rolduc. On interesse pelo Gregoriano era grande e as execuções da schola eram de boa qualidade.


Infelizmente, não possuia dados sobre seminários em outros países da Europa.


Várias catedrais permaneciam fiéis à tradição secular. Possuiam uma maitrise, uma escola filiada à catedral onde os meninos recebiam uma formação musical sistemática, repartida em vários anos, não apenas vocal mas também instrumental.


Essas escolas eram os celeiros para o recrutamento de cantores adultos. Poder-se-ia citar toda uma lista de grandes músicos que receberam a sua primeira formação numa dessas escolas.


Essas instituições existiam na Alemanha, na Austria, na Espanha, na Bélgica e na Holanda.


A tarefa das escolas normais seria de uma importância capital. Lá, os futuros professores recebiam a sua formação musical e didática. O professor da escola primária exercia um papel importante na vida musical, sobretudo no interior.


Não se devia, porém, neglicenciar a ação extra-escolar. Frequentemente, encontrava-se em Solesmes grupos de jovens que seguiam o ofício com grande atenção. Entre eles, um grupo de meninos e de jovens de Besançon, onde o bispo apoiava muito o Gregoriano. Durante a sua permanência, participavam diariamente da missa e das vésperas. Entre os ofícios, recebiam lições dadas por um dos cantores da Abadia. A atitude era edificante e demonstrava, por seu exemplo, que a participatio activa consistia também no escutar atentamente. Sobre a procura dos jovens por si mesmo: o movimento à coeur joie, fundado por César Geoffray tinha criado uma seção gregoriana nos seus encontros anuais, denominados choralies.


No congresso de Canto Gregoriano de Strasburgo, em 1971, o presidente das Juventudes Católicas da França tinha afirmado que cinco anos de experiência teriam demonstrado que o jovem de hoje era de fato capaz de orar da mesma maneira que há 50 ou 100 anos.


O autor deu alguns conselhos para aqueles que desejassem introduzir o Gregoriano na prática de canto dos fiéis.


Não se podia introduzí-lo sem uma preparação prévia. As pessoas deviam cantar com convicção. Deviam saber porque é que se exigia uma participação ativa. Devia-se rebater um repertório mínimo, escolhendo-se cantos mais simples, não aqueles por demais ornados. Turvar-se-ia a estrutura da missa se ao povo se confiassem partes do Proprium, pois essas eram destinadas ao coro.


Cometer-se-ia uma falha psicológica obrigando os fiéis a cantar continuamente. Uma cerimônia bem equilibrada apresentaria uma alternância entre o cantar e o escutar. A existência do canto coletivo estaria ameaçada se os regentes exigissem um repertório demasiadamente extenso e variado.


A conservação do canto dos fiéis era um assunto de tradição e não de variações. Os ensaios paroquiais periódicos eram de muito valor. Pouco a pouco deveriam desaparecer as fichas e os livretos, que seriam os piores inimigos do canto. Tudo dependeria do regente: competência musical e conhecimento do Gregoriano. Devia-se fazer entender pelo seu próprio exemplo e com poucas palavras. O regente deveria naturalmente saber reger o Gregoriano, com gestos leves e exatos, sem agitação. Essa capacidade somente era adquirida com o estudo.


O Govêrno e os meios de comunicação


Em certos países, o Canto Gregoriano podia contar com a ajuda do Govêrno. O Instituto Gregoriano de Lisboa era inteiramente subvencionado pelo Estado, que, além do mais, o dotara de um magnífico edifício. Na França, o Gregoriano  era considerado um monumento em perigo. O Ministério da Cultura elabara um plano concreto para estimular o ensino do Gregoriano nas universidades, nos conservatórios nacionais e regionais. Organizava congressos, exposições, cursos e concertos, entre outros nas abadias de Sénanque e Fontevrault.


A discussão relativa ao Gregoriano a seu ensino e da Educação Musical em geral teria a seguir o seu prosseguimento na Alemanha, no âmbito do Forum de Leichlingen, quando procurou-se refletir o complexo temático a partir de aproximações dos Estudos Culturais.



De ciclos de estudos da A.B.E. sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo


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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A..“Canto Gregoriano, Cultura Brasileira e Ensino - Pesquisa, Formação Musical e Métodos
Dimensões internacionais da recepção gregoriana no Brasil“.
Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 152/14 (2014:6). http://revista.brasil-europa.eu/152/Gregoriano-e-Ensino.html