Judith Ribas e Cardoso de Menezes
M.C. de Chantal Santos & J. M. C. Dinelli Lopes

Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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154/21 (2015:2)


Os pianistas Judith Ribas e Cardoso de Menezes: Portugal e Brasil a 4 mãos


Mauro Camilo de Chantal Santos (UFMG)
Juliano de Magalhães Cavalcanti Dinelli Lopes (UFMG)


 



Introdução

A presença do piano como instrumento socializador no Brasil ganhou vulto já a partir da comercialização deste instrumento no início do século XIX. Por seus amplos recursos, o piano conseguiu sintetizar tanto o repertório erudito da época, através de uma quantidade expressiva de partituras de fantasias sobre temas operísticos, como sintetizou as manifestações musicais populares, dando a estas um selo de elegância em saraus nos mais tradicionais lares brasileiros. O piano era sempre bem-vindo em qualquer lar, seja como objeto de decoração do mobiliário, seja como colaborador na formação cultural de pessoas de bem.


Segundo ANDRADE (1991, p.12):


A expansão extraordinária que teve o piano dentro da burguesia do Império foi perfeitamente lógica e mesmo necessária. Instrumento completo, ao mesmo tempo solista e acompanhador do canto humano, o piano funcionou na profanação da nossa música, exatamente como seus manos, os clavecímbalos, tinham funcionado na profanação da música europeia. Era o instrumento por excelência da música do amor socializado com casamento e bênção divina, tão necessário à família como o leito nupcial e a mesa de jantar.


Uma das variantes encontradas para a performance do piano neste período foi o repertório a 4 mãos. A presença do manuseio desse instrumento foi significativa no Brasil a partir da segunda metade do século XIX e primeira metade do século XX. A Casa Arthur Napoleão, uma das mais representativas neste período para a publicação de partituras, possuía duas coleções do repertório a 4 mãos que eram destinadas a pianistas de nível básico, chamada de Flores de Salão – Dansas e peças fáceis a 4 mãos, e de nível avançado no instrumento, chamada As duas pianistas – Collecção de peças brilhantes a 4 mãos. A maioria desse repertório consistia em arranjos de obras já compostas, como temas operísticos ou de ballet. No entanto, alguns compositores dedicaram sua pena para a criação de peças exclusivas para esta formação, explorando possibilidades sonoras do extenso teclado característico do piano.


Com o intuito de trazer à atualidade uma obra não mais conhecida do público, os autores desse artigo investigaram dados acerca da vida dos pianistas e compositores António Frederico Cardoso de Menezes e Souza (1849 – 1931) e Judith Riche Ribas (1846 – 1928). O presente artigo pretende investigar dados acerca da biografia do casal de pianistas António Cardoso de Menezes e Judith Ribas, com ênfase em uma das composições de Cardoso de Menezes para piano a 4 mãos, a polca Os canários, de reconhecido sucesso quando lançada pela editora Bevilacqua & Cia.


1. Judith Ribas e Cardoso de Menezes


1.1Judith Ribas


Judith Ribas nasceu na cidade do Porto, no ano de 1846, mais especificamente no dia 31 de agosto. Era filha de Carmen Riche (? - 1899), segunda esposa de João António Ribas (1799 – 1869), regente e compositor. A família Ribas, originária da Catalunha, firmou residência em Portugal no início do século XIX. Ao todo, Judith Ribas teve sete irmãos.

Os dados acerca da vida de Judith Ribas, encontrados para essa pesquisa, são, muitas vezes, conflitantes a partir da citação de seu próprio nome, algumas vezes grafado como Judite e outras como Judith, bem como o sobrenome citado como Riche ou Medina.

Os dotes musicais de Judith Ribas foram cultivados desde cedo. Sobre seu desenvolvimento no estudo do piano, RIGAUD (2011, p.91) comenta que Judith cedo demonstrou a sua inclinação para a música, “de tal modo que, em 1857, o músico espanhol Alonzo Conde lhe dedicou uma polca para piano intitulada
Judith onde lhe chama sua aluna.”

Não apenas em Judith, a música sempre esteve presente em diversos descendentes dos Ribas. Especificamente para esse artigo, citamos o nome de um de seus sobrinhos, que se tornaria bastante reconhecido no Brasil, como compositor: Glauco Velásquez (1884 – 1914).

Judith Ribas deixou sua terra natal em direção ao Brasil com a idade de dezoito anos. Ela não foi a única da família a escolher o Brasil como residência. Seu irmão mais velho, João Vítor Medina (1820 – 1856), músico, assim como Judith, também emigrou para o Brasil, com a idade de vinte anos. Ainda, para a realização desse artigo, os autores encontraram uma nota de falecimento no Brasil da mãe de Judith Ribas, lançada a 15 de agosto de 1899, pelo jornal carioca
A notícia.

Através de António C. K. de Bessa Ribas (1959), descendente da família Ribas, e pesquisador de sua árvore genealógica, obtivemos a informação exata sobre o matrimonio de Judith em Portugal, no ano de 1864, com o negociante brasileiro Manoel d’Oliveira e Sá Junior (1844 - ?) através de cópia do registro de matrimônio entre ambos, a seguir:




Ex.1 – Cópia do registro de matrimônio entre Judith Ribas e Manoel d’Oliveira e Sá Junior, firmado em 14 de novembro de 1864.


Segundo CERNICCHIARO (1926, p.408), a vinda de Judith Ribas ao Brasil se deu no ano de 1869. O jornal Gazeta de notícias de 25 de outubro de 1887 corrobora esta informação ao citar: „No Rio de Janeiro, para onde veio em 1869, depois de um concerto que deu no salão do extinto Club Fluminense, e de haver figurado nos programas de várias festas musicais, tem-se conservado completamente retirada, furtando-se assim aos aplausos a que tem direito o seu formoso talento de pianista.“


Sobre a técnica pianística adquirida por Judith Ribas, encontramos documentos relativos a concertos realizados por ela, que apontam para um total domínio sobre o teclado. A edição do jornal Semana Ilustrada, do dia 22 de maio de 1870, apresenta-se como um dos documentos mais antigos sobre a atividade artística de Judith Ribas no Brasil. Sobre sua execução, o jornal comenta: „O concerto da Exma. Sra. D. Judith Ribas Sá. Efetuou-se este concerto do qual demos notícia. A Sra. D. Judith é artista consumada. Talento, compenetração das composições mais difíceis, execução magistral, sentimento e inteligência dos grandes mestres, tudo ela reúne em si, e vai com mais estudo ainda, e principalmente estudo dos clássicos, ser em breve a estrela das noites musicais no Rio de Janeiro.“




Ex.2 – Um dos primeiros registros das atividades artísticas de Judith Ribas no Brasil.

Edição 121 do ano de 1870 do jornal A Vida Fluminense:(...) Mme. Judith é um prodígio. Depois de Gottschalk ainda não vi por cá quem, como ela, execute com tanto sentimento e maestria os inspirados cantos, e os originalíssimos motivos devidos à fecunda imaginação do sempre chorado pianista americano.“

Sobre sua performance nos palcos, registramos uma quantidade significativa de peças virtuosísticas em seu repertório. O jornal Diário do Rio de Janeiro, em 16 de maio de 1870, aponta em um mesmo recital de Judith Ribas a execução das seguintes peças virtuosísticas de Gottschalk: Le cri de délivrance, Grande fantasia triunfal sobre o Hino Nacional Brasileiro e Tarantella, sendo esta última reapresentada pela pianista, após os aplausos finais, como bis no concerto realizado no dia 14 de maio, no salão do Club Fluminense.

A atuação de Judith Ribas como recitalista não aconteceu apenas no Rio de Janeiro. Após sua estreia na então capital do Brasil, partiu para São Paulo para recitais solos, ou como camerista. Como solista, causava impacto com peças virtuosísticas, seguindo o que era ditado pelo modismo de então. De seus recitais em São Paulo, resgatamos um dos programas apresentados, segundo anúncio do jornal Diário de São Paulo, do dia 05 de julho de 1870.





Ex.3 – Programa de um dos recitais realizados por Judith Ribas na cidade de São Paulo, no ano de 1870.


Não foi encontrada, durante as investigações realizadas para a criação desse artigo, a data exata da união de Judith Ribas com Cardoso de Menezes. Na busca por informações envolvendo os filhos que Judith Ribas teve com Cardoso de Menezes, nos deparamos com o registro de batismo dos cinco primeiros filhos do casal, que os registram todos a 4 de fevereiro de 1882, na Igreja Matriz de São João Baptista da Lagoa, Rio de Janeiro.

Ex.4 – Registro dos cinco primeiros filhos do casal Cardoso de Menezes e Judith Ribas, a 4 de fevereiro de 1882, na Igreja Matriz de São João Baptista da Lagoa, Rio de Janeiro.


Além dos cinco primeiros filhos do casal, batizados todos no mesmo dia, o que era costume na época, uma das notas futuras sobre o falecimento de Judith Ribas aponta outros filhos que ela teve com Cardoso de Menezes. São citados na nota do jornal A Manhã, de 29 de janeiro de 1928: „Frederico Cardoso de Menezes, escritor teatral; António Cardoso de Menezes Filho, professor de violino; Adolpho e Oswaldo Cardoso de Menezes e das viúvas Sras. Felícia de Menezes Cantuaria, Laura de Menezes Lago e Judith de Menezes Schlichting.“


O virtuosismo ao piano de Judith Ribas inspirou o compositor Arthur Napoleão (1843 – 1925) a dedicar-lhe um dos estudos que levam o título de 18 Etudes pour virtuoses pour piano, Op. 90. A Judith Ribas, foi dedicado o estudo de número 11, intitulado Papillone.


Ex.5 – Estudo Papillone para piano, Op. 90, composto por Arthur Napoleão e dedicado a Judith Ribas.

A vinda de Judith Ribas para o Brasil possibilitou-lhe, além de continuar sua carreira como recitalista, cultivar a atividade como compositora, sendo suas criações divulgadas por jornais cariocas, tais como Diário de Notícias e Gazeta de Notícias, por inúmeras vezes. Algumas de suas criações estão disponíveis no site da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro, que disponibiliza os seguintes títulos para impressão: Fleur d’avril, Marina e Pierrette, sendo o primeiro título uma mazurca e os outros dois títulos, valsas. Já o site www.casadochoro.com.br disponibiliza as mesmas partituras para impressão, com acréscimo da valsa Desilusão.




Ex.6 – Capa da edição da mazurca Fleur d’avril, de Judith Ribas, lançada pela Buschmann & Guimarães.


Judith Ribas, também mencionada em alguns jornais como Judith Cardoso de Menezes, desenvolveu ainda atividade como professora de piano. O jornal Gazeta de notícias, de 25 de outubro de 1887, tece inúmeros elogios à pianista, referindo-se a ela como exímia “pianista” e também “virtuose”. Tais dados nos mostram quão prolixa era sua atividade como musicista. Atuante, seja como compositora, performer ou professora, Judith Ribas nunca abandonou a música, proporcionando aos filhos, junto a Cardoso de Menezes, uma educação musical tão sólida quanto a que recebera em Portugal.





Ex.7 – Judith Ribas recebeu destaque na imprensa carioca também como professora de piano.


Assim como Cardoso de Menezes, Judith Ribas era abolicionista. Junto a Cardoso de Menezes, defendia o fim da escravidão, sendo sua participação no movimento através, principalmente, de apresentações ao piano. Sobre seu reconhecimento nessa causa, resgatamos nota do jornal Gazeta da Tarde, do dia 04 de abril de 1884, no qual seu nome é citado com o título de benemérita pela Confederação Abolicionista.





Ex.8 – Homenagem da Confederação Abolicionista conferida a Judith Ribas.


Segundo o jornal A Manhã, em edição do dia 28 de janeiro de 1928, Judith Ribas faleceu no dia 27 de janeiro de 1928, no número 80 da rua Alice, na mesma casa onde tantas e tantas vezes recebeu, junto a Cardoso de Menezes, artistas e amigos para saraus semanais.





Ex.9 – Nota sobre o falecimento de Judith Ribas, ocorrido no dia 27 de janeiro de 1928.


A união entre Portugal e Brasil, através do casal Judith Ribas e Cardoso de Menezes, resultou em um incremento fértil na produção musical do Rio de Janeiro, entre a segunda metade do século XIX e a primeira metade do século XX. Disponíveis em arquivos públicos, dados e obras desses notáveis músicos merecem a atenção por parte de historiadores e performers, no sentido de se resgatar, estudar e promover parte da música portuguesa e, ainda, da música brasileira.


1.2Cardoso de Menezes


Natural de Taubaté, SP, António Frederico Cardoso de Menezes e Souza viveu também na capital paulista, no Recife, falecendo na cidade do Rio de Janeiro. Há dados conflitantes citados em livros, sobre a história da música no Brasil, sobre a data de seu nascimento. O dia e ano de nascimento do compositor oscilam entre 08 de julho de 1848 para REZENDE (1954, p.213), e 11 de julho de 1849 para BLAKE (1970, p.174). Para a realização desse artigo, apenas a morte do compositor pode ser resgatada com clareza, a partir de notas enviadas pela família a jornais, da época de seu falecimento.  


Filho do Barão de Piranapiacaba, João Cardozo de Menezes e Souza (1827 – 1915), Cardoso de Menezes cresceu cercado por uma educação voltada para as artes. De reconhecido talento como pianista, optou, porém, pelo curso de Direito, tendo obtido o título em Ciências sociais e jurídicas pela faculdade do Recife. Estudou antes, porém, na Faculdade de Direito de São Paulo entre os anos de 1867 a 1871, sendo citado por REZENDE (1954, p.213) por ter frequentado a Academia: “(...) numa fase favorável ao desabrochar dos seus talentos. Como estudante, sua conduta foi uma antevisão do que se tornará no futuro, isto é, um dos mais apreciados e populares musicistas do Brasil Imperial.“


Presença constante na vida cultural do Rio de Janeiro, tinha na própria casa um ponto de encontro da elite literária carioca. Nomes como Bilac, Artur e Aluízio Azevedo, Coelho Neto, Luís Murat, Guimarães Passos, Duque Estrada, Pardal Mallet, Paula Ney, Emílio de Menezes, Valentim Magalhães eram presenças constantes em reuniões semanais, sempre às quintas-feiras, no bairro de Laranjeiras, na “casa do Cardoso”, segundo relato do filho do compositor. Era também próximo aos músicos do seu tempo. Sua admiração por Ernesto Nazareth (1863 – 1934), por exemplo, teve como expressão maior a composição Nazareth, uma polca-tango que contém a seguinte dedicatória em sua edição: “Ao talentoso pianista compositor e amigo E. NAZARETH.”





Ex.10 – Polca-tango composta por Cardoso de Menezes e dedicada a Ernesto Nazareth.


Em depoimento ao jornal A Manhã, na edição do dia 20 de novembro de 1941, o filho do compositor, também conhecido como Cardoso de Menezes, resume a atuação do pai em relação à cultura:


Como intelectual foi tudo: poeta, jornalista, músico, autor teatral, o diabo. Conseguiu ser no Rio de Janeiro um dos mais interessantes “virtuoses” do piano. Basta dizer-lhe que foi escolhido por Gottschalk para intérprete do segundo piano, quando o grande autor das “Variações sobre o Hino Nacional” executou esta maravilhosa peça musical com doze pianos (dos quais dez a quatro mãos) no antigo Teatro Provisório, há muito desaparecido.


Segundo CERNICCHIARO (1926, p.339), Cardoso de Menezes tornou-se próximo ao pianista norte-americano L. M. Gottschalk (1829 – 1869), recebendo dele conselhos artísticos para aperfeiçoar sua performance:


Além da habilidade consumada na arte de tocar piano, arte aperfeiçoada sob o conselho do grande Gottschalk, é preciso levar em conta a sua inteligência forte e ativíssima na composição, com um número considerável de composições musicais, fantasias fáceis e difíceis, para piano, canções para voz, trechos característicos escritos para revistas e uma coleção de temas teatrais de diferentes obras, escritos com espírito e alegria.


A ligação entre os dois pianistas e compositores é sempre citada nos dados biográficos de Cardoso de Menezes. Quando do falecimento do compositor americano, Cardoso de Menezes esteve presente durante seu sepultamento, discursando de maneira emotiva sobre a morte do amigo. Como fruto de sua admiração por Gottschalk, o compositor dedicou-lhe o romance sem palavras para piano solo, intitulado Lacrymosa!, constando na dedicatória “À memória de L. M. Gottschalk”.


Cardoso de Menezes esteve também presente em homenagem promovida pela Faculdade de Direito ao poeta Castro Alves (1847 – 1871), quando de seu falecimento prematuro. Segundo MATOS (2001, p.58) uma: “(...) marcha fúnebre, composta por Cardoso de Menezes especialmente para aquela ocasião, foi executada ao piano pelo autor para enorme plateia que ocupou o vasto salão da Faculdade de Direito, em São Paulo, a 12 de agosto de 1871.”


Sobre seu relacionamento com Judith Ribas, Cardoso de Menezes construiu o que é citado hoje no dicionário online, sobre a música popular brasileira, www.dicionariompb.com.br, como “o clã dos Cardoso de Menezes”, uma vez que muitos descendentes seus se destacaram nas artes.


Em vida, Cardoso de Menezes pôde ver sua obra disponível ao público em diversas edições ricamente ilustradas, como era o costume na época. Do total de títulos pesquisados e catalogados do compositor, apenas uma composição está indicada como manuscrito. Como compositor, Cardoso de Menezes dedicou-se a diversos gêneros, sempre apoiado pelo piano, instrumento que dominava. Suas criações acompanhavam o que era oferecido no mercado de então. Cardoso de Menezes escreveu inúmeras polcas, valsas e mazurcas, além de fantasias sobre temas de óperas famosas na época. Escreveu música ligeira, que refletiu o Rio de Janeiro de sua época. Escreveu pouco para voz, porém com pleno domínio sobre a linha vocal, como podemos conferir na construção das melodias de duas serenatas de sua autoria presentes no livro Canções populares do Brazil, editado por J. Ribeiro dos Santos (1911, p.121 e 214). 




Ex.11 – Edição da Fantasia sull’opera Il Re di Lahore, de Massenet.


Detentor de tantos talentos, Cardoso de Menezes se dava ao luxo de publicar, entre partituras ou textos de sua autoria, com alguns pseudônimos que resgatamos para esse artigo. ARRUDA (1916, p.379) nos mostra que o compositor usou o pseudônimo de Rogerio Oscar quando assinou a partitura da Marselhesa dos escravos, que circulou na época de sua atividade como abolicionista. O jornal Dom Casmurro, na edição do dia 02 de fevereiro de 1946, quinze anos após a morte do compositor, aponta a seguinte nota na matéria que levou o título de Pseudônimos usados por autores teatrais brasileiros:Máscara Azul – Com este pseudônimo António Frederico Cardoso de Menezes, pai do registographo, nosso contemporâneo, manteve, uma seção na “A Notícia” intitulada: “Comédias da Vida”. Em outros jornais assinava-se A. Freza e Charnace.“


Acompanhando a tecnologia de seu tempo, resgatamos ainda a informação de que uma de suas canções foi gravada em disco. Trata-se da canção O cocheiro de bond, que foi registrada na voz de Eduardo das Neves (1874 – 1919), no ano de 1912.


Cardoso de Menezes é reconhecido também como abolicionista inflamado. Sua composição Marselhesa dos escravos, citada acima, foi apresentada ao público em 25 de março de 1884, segundo o jornal Cidade do Rio, na edição de 11 de julho de 1889, obtendo sucesso reconhecido, sendo executada por quarenta professores e pela banda dos Meninos Desvalidos, sob sua regência. Porém, não só através da música, atuava a favor do fim da escravidão no Brasil. Em uma matéria intitulada A MARSELHEZA DOS ESCRAVOS, assinada por Brício Filho (s.d.) e publicada pelo Jornal do Brasil no dia 15 de janeiro de 1931, poucos dias após o falecimento do compositor, Cardoso de Menezes foi citado por sua atuação como abolicionista: Jornalista de valor, sua pena trabalhou brilhantemente para a redenção da raça escravizada. Quando José do Patrocínio, retirando-se da Gazeta da Tarde, fundou a Cidade do Rio, tendo como lema – Guerra ao escravismo, entre os elementos de sua redação figurou Cardoso de Menezes, radiante de talento, a escrever em estilo fácil, simples, espontâneo, oferecendo, de quando em quando, uma ponta de ironia.


O ano de 1927 marca a retirada de Cardoso de Menezes como servidor público. Dados sobre sua aposentadoria foram citados no jornal O Paiz, na edição de 07 de julho daquele ano. Cardoso de Menezes foi citado como submetido “a inspeção de saúde, para efeitos de aposentadoria”.


A morte da esposa de Cardoso de Menezes, Judith Ribas, marca o início do fim da existência de Cardoso de Menezes, que, depois da morte de sua companheira, não sobreviveu três anos completos. Cardoso de Menezes faleceu no dia 06 de janeiro de 1931, aos 82 anos de idade. No dia 14 daquele mesmo mês, foi celebrada uma missa por sua alma na igreja de Nossa Senhora do parto. Segundo matéria lançada no Jornal do Brasil, do dia 15 de janeiro de 1931, um dos filhos de Cardoso de Menezes regeu uma orquestra que se apresentou durante a celebração.


A obra de Cardoso de Menezes se encontra hoje esquecida em arquivos públicos e particulares, escondida do grande público que sempre soube aplaudi-la no tempo em que viveu o compositor.



2. A obra para piano a 4 mãos de Cardoso de Menezes e a edição da polca Os Canários, escrita para esta formação.


As composições de Cardoso de Menezes catalogadas até hoje pelos autores desse artigo somam um total de setenta e uma composições, sendo a maioria escrita para piano solo.


Esses autores acreditam que a união entre Cardoso de Menezes e Judith Ribas tenha influenciado o compositor no sentido de compor peças para piano a 4 mãos. É sabido que na residência do casal, situada à rua Alice, no número 80, no bairro das Laranjeiras, no Rio de Janeiro, mais conhecida como “A casa do Cardoso”, era frequente o número de saraus que contavam com a presença de intelectuais e artistas cariocas. Neste sentido, acreditamos que o casal Menezes-Ribas se fazia ouvir frequentemente ao piano nas apresentações das composições a 4 mãos. Outrossim, contamos hoje com o acréscimo de cinco composições para piano a 4 mãos no repertório nacional.


O quadro aponta título, editora, dedicatória e localização das composições de Cardoso de Menezes para piano a 4 maõs:




Ex.12 – Composições de Cardoso de Menezes para piano a 4 mãos catalogadas até o presente.

Sobre Os canários, CERNICCHIARO (1926, p.339) afirma que:


Uma composição, no entanto, que ainda conta com o antigo prestígio popular é aquela que tem por título: "Os canários", polca original e característica, considerada, por seu acabamento requintado, como a mais notável do gênero. O autor, em seus bons tempos, costumava tocá-la de uma forma muito particular, dando-lhe uma pegada e um espírito inimitáveis.


Ainda sobre Os canários, para REZENDE (1954, p.215), a peça é citada como “(...) uma que conquistou enorme popularidade”.


Originária da República Tcheca, a polca é uma dança popular. Inserida nos salões europeus da era pós-napoleônica, contando com o atrativo da aproximação física entre os dançarinos, ganhou espaço por onde passou a ser executada. No Brasil, desde a segunda metade do século XIX, a polca obteve incontestável sucesso através da pena de compositores como Chiquinha Gonzaga (1847 – 1935) e Ernesto Nazareth, entre outros. Logo, este gênero se incorporou a outros gêneros musicais no Brasil. Dentre as composições de Cardoso de Menezes, apontamos vinte e um títulos de polcas com subtítulos tais como polca característica, polca de salão, polca-lundu, polca brilhante e polca-tango. A partitura da polca Os canários, utilizada para a criação da presente edição da composição, se encontra esgotada. Não há inserida nela, data de publicação ou de criação da peça. No entanto, o arquivo da Biblioteca Nacional aponta três registros para esse título de Cardoso de Menezes, sendo que todos publicados pela editora Bevilacqua, no Rio de Janeiro.


Escrita na tonalidade de Ré bemol maior, encontramos em seu percurso, ainda, as tonalidades de Sol maior, Ré maior e Sol bemol maior, com indicação de ritornelo em algumas das seções que constituem a composição.


Relativo ao título desta polca, que ilustra a visão do compositor sobre o canto dos canários, através das quatro mãos ao piano, registramos que Cardoso de Menezes possui, dentre as peças catalogadas até o presente, um total de seis composições com títulos associados a aves: Os canários, O canto do peru, O canto do sabiá, Colibri ou Beija-flor, A gruta dos pássaros e Os rouxinóis, esta última editada tanto para piano solo quanto para piano a 4 mãos.


A seguir, apontamos parte de uma matéria lançada em 15 de janeiro de 1931, assinada por Brício Filho, na qual dados sobre a polca Os canários e sobre seu autor atestam o êxito que esta composição alcançou, ao ser executada três vezes, durante um concerto que contou com a presença de Dom Pedro II, imperador do Brasil:


Costumava executa-la em companhia de sua esposa, a exímia pianista Judith Menezes. Ambos tinham o segredo da execução. Quando os dois faziam vibrar o instrumento a gente parecia ouvir o trinado dos pássaros. Tive ocasião de ouvir a famosa polca por outros executores, alguns de nomeada. Que decepção! O casal Menezes tinha o segredo da interpretação. Para se aquilatar da maneira porque os dois a interpretavam basta dizer que em certa solenidade foi incluída entre os números do programa a polca dos canários. Quiseram retira-la, sob o fundamento de não ser digna de aparecer ao lado de composições clássicas. Houve protestos contra a eliminação. E bem andaram conservando-a porque foi a parte de maior sucesso com a exigência do auditório para a sua repetição três vezes, acompanhando o Imperador, com acenos de cabeça as solicitações dos presentes.


A polca Os Canários foi dedicada “Às Exmas. Sras. DD. Maria José e Maria Angelica Amado (Bahia)”. A presente edição não se configura apenas em uma cópia da partitura encontrada para a realização deste artigo. A partitura encontrada carece de informações básicas sobre dinâmica e agógica. Neste sentido, tais indicações foram inseridas com o único objetivo de oferecer indicações para uma melhor performance desta composição, além de contribuir para a divulgação do nome e de parte da obra do compositor, na esperança que de futuras pesquisas possam trazer à luz toda a obra do compositor.

Partitura da polca Os Canários



Bibliografia

Livros

ANDRADE, Mário de. Aspectos da Música Brasileira. Rio de Janeiro-Belo Horizonte, Villa Rica Editoras Reunidas Limitada. 1991.

CERNICCHIARO, Vincenzo.  Storia della musica nel Brasile. Milão: Fratelli Riccioni, 1926.

MATOS, Edilene. Castro Alves: Imagens fragmentadas de um mito. São Paulo. EDUC, 2001.

REZENDE, Carlos Penteado de. Tradições Musicais da Faculdade de Direito de São Paulo. São Paulo. Edição Saraiva, 1954.

RIGAUD, João-Heitor. João Arroyo (1861-1930) – O Homem e a Obra Dimensão Cívica e Atividade Musical. Doutorado (Doutorado em História), Porto. Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Porto, 2011.

Sites da internet

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http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=702951&pesq=Judith%20Ribas. Acesso em: 08 de março 2015.

http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=709662&pesq=Judith%20Ribas. Acesso em: 08 de março 2015.

http://memoria.bn.br/DocReader/DocReader.aspx?bib=103730_02&pesq=Judith%20Ribas. Acesso em: 08 de março 2015.

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http://cvc.instituto-camoes.pt/conhecer/biblioteca-digital-camoes/revistas-e-periodicos/revista-camoes/revista-no11-pontes-lusofonas-iii.html. Acesso em: 22 de março de 2015.

http://conquest.imslp.info/files/imglnks/usimg/a/ae/IMSLP284720-PMLP460660-Napole__o__Arthur_-_18___tudes_pour_virtuoses_pour_piano.pdf. Acesso em: 22 de março de 2015.

https://familysearch.org/pal:/MM9.3.1/TH-1-14261-3528-77?cc=1719212&wc=M6ZY-W2S:131775101,143237501,143250701. Acesso em: 24 de março de 2015.



Notas

1 No Rio de Janeiro, o piano começou a ser comercializado no ano de 1810.
2 Arthur Napoleão (1843 – 1925) estabeleceu-se no Rio de Janeiro em 1886, tornando-se comerciante de partituras e instrumentos musicais. A editora Arthur Napoleão é um marco na história da música brasileira, através de sua contribuição significativa para a divulgação do repertório nacional
3 Os autores deste artigo optaram por reproduzir citações contidas neste artigo com atualização da grafia para português vigente.

4 A imprensa brasileira refere-se à compositora quase sempre como Judith ou Judite. Embora citada em seu contrato de casamento como Judit, os autores deste artigo optaram por citá-la como Judith Ribas, uma vez que esta grafia foi encontrada em maior número nos arquivos disponíveis para a escrita deste artigo, caracterizando, desta maneira, seu nome artístico.

5 Refugiado no Porto por ter tido um envolvimento impróprio com uma sua conterrânea enquanto era seminarista, Alonzo Conde era natural de Lugo e morreu no Porto, em 8 de maio de 1869, aos 54 anos.
6 Esta peça foi impressa pela casa editora de C. Alario Villa Nova.
7 Entrevista realizada no dia 18 de março de 2015. António C. K. de Bessa Ribas é trineto de Nicolau Medina Ribas (1832 – 1900), irmão de Judith Ribas. Suas pesquisas envolvendo a genealogia da família Ribas foram de contribuição ímpar para fornecer informações sobre Judith Ribas.

8 Jornal A Manhã, de 20 de novembro de 1941.
9 Louis Moreau Gottschalk, compositor e pianista de origem judaica nascido nos Estados Unidos. Foi reconhecido em seu tempo como exímio pianista. É dele a famosa peça para piano intitulada
Grande Fantasia Triunfal Sobre o Hino Nacional Brasileiro. Gottschalk faleceu no Rio de Janeiro.
10 Antônio Frederico de Castro Alves nasceu e morreu no estado da Bahia. Sua obra é reconhecida pela atenção que o poeta legou ao combater a escravidão no Brasil. Por isso, Castro Alves é reconhecido como o “poeta dos escravos.”

11 Trata-se do Hymno a Camões, para piano solo, escrito em comemoração ao 3o centenário do escritor português.

12 Os títulos são: All right, Amado, Os canários, O canto do peru, Carlos Gomes, Colibri ou Beija-flor, Espevitada, Estrella-Vesper, A gazetinha, Interessante, Minha sogra foi à missa, Nazareth, Ninguém me queira, No gramado é que se vê, Onde está o gato?, Paladini, Polca das crianças, Queixosa, Quem dansar, casa, Os rouxines, Vou dansar com minha sogra.

13 Um dos três registros da Biblioteca Nacional aponta o ano de 1925 para a edição de Os Canários.




Mauro Chantal é Doutor em Música pela Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP, onde desenvolveu pesquisa sobre a vida e a obra de Arthur Iberê de Lemos, tendo sido orientado pela Profa. Dra. Adriana Giarola Kayama. Formado em piano, classe do Prof. Dr. Lucas Bretas, e também em canto, classe da Profa. Dra. Mônica Pedrosa, atua como docente na UFMG nas áreas de canto e técnica vocal. Desenvolve atividades como baixo solista e também como pianista acompanhador.


Juliano Dinelli Juliano Dinelli é bacharel em música pela Escola de Música da Universidade Federal de Minas Gerais, graduando-se em piano nas classes dos professores Miguel Rosselini e Maurício Veloso. Durante o período de graduação realizou monitoria na classe de canto como pianista acompanhador, com ênfase no repertório de canções brasileiras.


Indicação bibliográfica para citações e referências:
Chantal, M. e Dinelli, J.. „Os pianistas Judith Ribas e Cardoso de Menezes: Portugal e Brasil a 4 mãos“.
Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 154/21 (2015:02). http://revista.brasil-europa.eu/154/Judith_Ribas_Cardoso_de_Meneses.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

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Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
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