Bandas no Brasil e no Alasca

ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 157

Correspondência Euro-Brasileira©

 

_________________________________________________________________________________________________________________________________


Índice da edição     Índice geral     Portal Brasil-Europa     Academia     Contato     Convite     Impressum     Editor     Estatística     Atualidades

_________________________________________________________________________________________________________________________________

N° 157/6 (2015:5)




Bandas no Brasil e no Alasca
Música da alvorada do progresso sob o signo
e pluribus unum em Ketchikan
e a marcha
„Aláska“ do ítalo-brasileiro João Berti




 
Alasca. Foto A.A.Bispo 2015

Arquivo A.B.E.
A música de banda, militar e civil, passava por anos de apogeu à época da reconfiguração urbana que emprestou ao Rio de Janeiro no início do século XX a fisionomia que marcou a sua imagem e, através dela, a do Brasil. (Veja)


Se a metamorfose da capital do país foi a expressão urbana máxima de visões determinadas por concepções evolucionistas e convicções de progresso e civilização preparadas por desenvolvimentos do pensamento científico do século XIX, as bandas de música representavam já há décadas de forma crescente o espírito de ação, decidido, intrépido, otimista, entusiástico e empolgante que marcou o século da fé na evolução, na ordem e progresso.


O fenômeno da expansão extraordinária da prática musical em bandas de instrumentos de sôpro pelas cidades do Brasil na segunda metade do século XIX deve ser considerado na sua processualidade e em contextos globais. Não foi um fenômeno restrito ao Brasil, mas vivenciado em muitos países e regiões.


Embora com pressupostos mais antigos, o seu surto deu-se em época de intensificação de processos globais de desenvolvimento industrial e comercial, de vias de transportes, de comunicação entre países e continentes, de empreendedorismo, de expansão, de abertura de novas regiões, de implantação e crescimento de cidades que marcou o século do desenvolvimento técnico e da certeza de progresso.


Foram não só expressão de um espírito do tempo, mas sim também instrumentos e motores de um espírito de ação, de ousadia e coragem em empreendimentos militares e civís, de sentimentos de civilidade e de coesão comunitária em tempos de paz e de fomento de coragem em tempos bélicos.


Desenvolvimento da pesquisa de bandas de música em processos culturais


Considerar diferenciadamente esse fenômeno da expansão e da popularidade da música e banda nos seus múltiplos aspectos inclui também atentar às suas relações com desenvolvimentos políticos e o papel desempenhado pelas bandas na arregimentação e propaganda política, de preparação e influenciação de mentes e de posições, tanto sob o ponto de vista do liberalismo ou nacional-liberalismo como de um conservadorismo nas suas diferentes conotações, de maior ou menor tendências de direita, republicanas, social-nacionalistas ou outras.


O seu estudo pode contribuir à elucidação de expressões e fundamentos de desenvolvimentos que marcaram a identidade de cidades e regiões nas suas implicações políticas.


Essas corporações de música instrumental exigem ser estudadas nas suas inscrições e quanto ao papel que desempenharam em processos históricos. Consequentemente, foram objeto de estudos sistematicamente desenvolvidos desde a fundação, em 1968, da organização dedicada à renovação dos estudos teórico-musicais através de um direcionamento da atenção a processos, superando categorizações de esferas do erudito, popular e folclórico. (Veja)


Na divisão convencional de áreas de estudos, pouca atenção tinha sido dada à música de banda. Ela não pode ser analisada adequadamente sob perspectivas dirigidas exclusivamente segundo conceitos de obra de arte, nem apenas da música popular, nem sob preocupações de nela detectar-se folclore ou elementos de uma cultura informal ou espontânea.


Por pertencer a época do apogeu de sua prática ao passado, ela passou a ser vista em geral sob o signo da nostalgia, o que leva a tentativas tradicionalistas de sua revitalização e a visões saudosistas do passado que reduzem e mesmo contradizem o ímpeto dirigido à frente que tiveram em tempos de florescimento.


A atividade de „mestres populares“ não é inócua político-culturalmente


Como porém já salientado em conferência sobre „a música de mestres populares“ em Congresso de Educação Musical realizado em São Paulo, em 1973, a atividade formativa de instrumentistas e do público atraves de músicos e corporações não se reduz apenas ao ensino musical, não é inócua político-culturalmente, pois marca mentalidades e posicionamentos.


As bandas de música, designadas segundo um lugar-comum como „celeiros de músicos“, dos quais se originaram instrumentistas de orquestras, professores de instrumentos, compositores, educadores e ativos líderes da vida musical, marcaram de forma muito mais intensa e abrangente desenvolvimentos músico-culturais do que apenas aqueles resultantes da transmissão de aptidões técnicas.


Uma formação assim obtida pode ser constatada em personalidades da vida musical que se empenharam em particular por ideais politico-culturais de educação popular, de difusão cultural e de melhoria de um gosto do público, de elevação de nível da vida musical  e da exercitação técnica de executantes e compositores, voltados assim a desenvolvimentos e progressos, mas inscrevendo-se em geral em espectro político conservador.


Necessidade de consideração de contextos globais no estudo da música de banda


Assim como o fenômeno do surto, do apogeu e da decadência das bandas de música não se restringiu ao Brasil, também a análise de suas inserções em processos históricos e suas consequências não pode deixar de ser conduzida sem considerar as suas dimensões globais, atentando a relações, paralelos, similaridades e diferenças.


Neste sentido, procurou-se integrar a pesquisa da banda de música no Brasil nos estudos internacionais específicos no âmbito da sociedade internacional de pesquisa de música de sopros, sediada na Áustria, não só com o intuito de internacionalização dos estudos brasileiros, como também de oferecimento de uma orientação de trabalho voltada a estudos de processos. (A.A.Bispo,"Blasmusikforschung und -förderung in Brasilien", ed. W. Suppan u. E. Brixel, Alta Musica: Eine Publikation der Internationalen Gesellschaft zur Erforschung und Förderung der Blasmusik e Hochschule für Musik und darstellende Kunst in Graz, 9: B. Habla (Hg.), Kongreßbericht Graz 1985, Tutzing: H. Schneider, 1987, 253-262)


A consideração relacionada da história da banda de música nos diversos países, regiões e cidades como resultado e motor de desenvolvimentos transregionais e internacionais dirige a atenção a fatos e decorrências de sucessos militares, de expansão comercial e territorial, de exploração de novos territórios e de implantação de cidades e vias de transportes na segunda metade do século XIX.


Paralelos e relações entre regiões de expansão no continente americano merecem ser estudados neste sentido com especial atenção, uma vez que foram nas Américas que tiveram lugar desenvolvimentos expansionistas de grandes dimensões, no Brasil com a abertura e liberação comercial de rios e regiões e com a expansão das plantações de café e da colonização, na América do Norte com a marcha ao oeste e as corridas de ouro, entre as quais a mais importante viria ser a de Klondike, no Alasca, território adquirido da Rússia pelos Estados Unidos.


A consideração da banda de música no contexto de processos expansionistas no Brasil e no Alasca aguça também a sensibilidade para a percepção de paralelos em desenvolvimentos político-culturais, de imagens e auto-consciência de regiões que merecem análises mais profundas.


Não parece ser sem significado registrar-se por exemplo uma certo paralelo entre o ufanismo de São Paulo como centro do movimento republicano na sua glorificação do Bandeirantismo em hinos, marchas, cantos e na linguagem visual de armas e emblemas em geral com o republicanismo do Alasca, que faz deste Estado americano um dos mais conservadores dos Estados Unidos.


1867 - abertura do Amazonas no Brasil e aquisição da América russa pelos EUA


O término da Guerra do Paraguai (1864-1870) apresenta-se como referencial significativo nos estudos do surto que a música de banda vivenciou no Brasil na segunda metade do século XIX. Não só a promoção da música militar em tempos de guerra e o retorno de instrumentistas que tinham atuado nas ações bélicas oferecem-se como fatores elucidativos, mas sim também a atmosfera fomentada pela vitória em época de desenvolvimentos técnicos e agrícolas, entre outros da expansão do café, da vinda de imigrantes e colonos e de movimento republicano.


Foram nesses anos que se processou a abertura do Amazonas e do Purus (Veja) ao comércio mundial assim como a de projetos de abertura de outros rios, sistemas fluviais e regiões do Brasil, como do Paraguai e do São Francisco. (Veja)


Esses desenvolvimentos no Brasil em direção a regiões até então pouco habitadas, de abertura, tomada de posse e exploração, foi percebido no Exterior nos seus paralelos com desenvolvimentos na América do Norte.


É significativo, assim, que o órgão que, em 1867, tornou conhecidos na Europa os planos de liberação do Amazonas e do La Plata, tenha publicado, em número seguinte, artigo sobre a „América russa“.

(„Das russische Amerika“, Westermann‘s Illustrirte Deutsche Monatshefte 129 (22 der zweiten Folge), Junho de 1867, 241ss.  350-351)


Neste texto, salienta-se que os esforços ingleses de consolidação a América do Norte britânica através de uma organização governamental unificada, conferindo-lhe maior capacidade de resistência em lealdade à Grã-Bretanha, encontrara uma resposta inesperada por parte dos Estados Unidos: este país acabara de adquirir a América do Norte Russa.


Situada atrás da área da Baía de Hudson e que, com o Oregon norteamericano cingia os territórios ingleses da costa ocidental, a sua aquisição pelos Estados Unidos criava uma situação desconfortável para a Inglaterra. A linha telegráfica em construção precisaria agora passar por região estadounidense, surgindo um novo perigo para a conservação da paz com a União.


Seria, além do mais, inconcebível que os Estados Unidos tolerassem para sempre a existência de uma área britânica entre a sua costa ocidental que já ia da Califórnia ao Ártico. Se a nova aquisição da América russa era, em si, de pouco valor, possuia áreas apropriadas para a colonização e desenvolvimento agrícola. O interior, sobretudo no Norte, embora fosse ainda desconhecido, uma vez que a Rússia pouco tinha realizado para o desenvolvimento do território, prometia revelações.


Os povoados russos encontravam-se ou em ilhas ou diretamente no litoral. No interior, viviam indígenas, com os quais apenas havia contato quando estes vinham para as feiras vender o que haviam caçado. A América russa não tinha contribuido ao comércio mundial a não ser com produtos animais da terra e do mar, sobretudo de peles. A Rússia tinha manifestado no passado a pretensão de possuir toda a costa noroeste, declarando fechado o oceano da região, não tolerando navios estrangeiros no mar e nos rios. Entretanto, não se realizara essa esperança de progresso econômico através do comércio entre Stika, na ilha Baranoff, e São Petersburgo.


À época da aquisição da América Russa, a sua capital, Sitka era, segundo o artigo, uma das mais sujas e miseráveis do mundo. As suas casas eram cabanas de madeira, levantadas sem ordem e planejamento em ruas estreitas, sem higiene, antros de moléstias.


„Von allmen schmutzigen und elenden Orten, die ich je gesehen habe, ist Sitka der elendeste und schmutzigste. Die Wohnhäuser sind hölzerne Hütten, ohne Ordnung und Plan in häßlichen kleinen Gassen zusammengehäuft und in Folge der unbeschreiblichen Unreinlichkeit verpestet.“ (loc.cit.)


Compreende-se, desse texto, que a aquisição do Alasca, onde a bandeira americana foi hasteada a 18 de Outubro de 1867, ainda que criticada por alguns políticos e mal vista por grupos indígenas da região, tenha sido vista como início de uma era promissora nos Estados Unidos e assim celebrada até hoje nas cidades do Alasca (Alaska Day).


Neste ano criou-se o Department of Alaska sob a administração jurídica da US Army, o que se manteve até 1877. Após ter estado sob a jurisdição do Ministério das Finanças, passou para a alçada da US Navy, de 1879 a 1884. Além da construção de linha telegráfica e de explorações geográficas e para fins cartográficos, essa fase da história do Alasca esteve sob o signo militar e naval, assim como de atividades comerciais da Alaska Commercial Company.



Alaska March de R. E. Watermann, Chicago e Illinois 1870, alvorada e marcha ao Alasca


Documento musical da época da aquisição do território até então russo pelos Estados Unidos é uma peça para piano de 1870 denominada de Alaska March composta por R. E. Watermann e publicada em Chicago (Lyon & Healy), hoje conservada na Divisão de Música da Library of Congress.


A litografia da capa traduz, nas suas letras gélidas e nas águas cercadas de geleiras a imagem do grande território adquirido como região fria e vazia. Era, consequentemente visto pelos críticos de sua aquisição como dispêndio sem aproveitamento, um investimento sem sentido em „imensa geladeira“. A litografia parece sugerir, de fato, o Alasca como um refrigerador.


A imagem da litografia expressa porém o raiar de luz acima das geleiras, iluminando a paisagem e as letras, traduzindo as expectativas de alvor da região. O título „Alaska March“ adquire neste sentido a conotação de convite a uma marcha para o Alasca! 


A peça, aberta em andamento lento e em PP no movimento ascendente dos graves em direção ao contrastante F dá margens a interpretações de sentidos no sentido de surgimento de luz ou de alvorada.


A Alaska March é ou uma transcrição para piano de marcha para banda de música, ou composição criada ao piano que teria sido posteriormente instrumentada para banda, procedimentos também comuns no Brasil. Em ambos os casos, ou na sua prática doméstica, de salão ou ao ar livre, representa um exemplo do simbolismo do nascer do dia, da alvorada, também conhecido da história da música no Brasil, podendo-se aqui lembrar de „alvoradas“ em obras de compositores brasileiros como Antonio Carlos Gomes (1836-1896) e Alberto Nepomuceno (1864-1920). A prática da banda de música conhecia e conhece, também, os toques de alvorada por ocasião de dias de festa.



O nascer do sol: a descoberta do ouro, o rush de Klondike e a marcha ao Alasca


As expectativas quanto ao futuro do Alasca foram confirmadas com a descoberta do ouro e com o rush de Klondike a partir de 1896. Nas suas extraordinárias dimensões e no seu exacerbamento de energias, esse rush é dificilmente explicável apenas racionalmente por razões econômicas devido a crises nos Estados Unidos e ao desemprego de imigrantes europeus.


A sua compreensão exige a consideração de fatores psicológicos que parecem relacionar-se com a imagem do Alasca marcada desde a sua aquisição como território que clamava por espírito de ação intrépida, empreendedora e ousada.


A consideração desses fatores psicológicos e mentais contribui para que se compreenda o significado desempenhado pela música de banda na história de suas localidades.



Bandas na celebração do 4 de julho - o Independence Day no Alasca


A presença da música militar nos portos locais torna-se compreensivel pela administração da região e visita de navios da US Navy. Ainda que ainda não devidamente estudadas, as bandas civís, formadas por mineiros, marujos e comerciantes desempenharam papel de importância na vida de localidades que então se implantavam e que eram visitadas por garimpeiros para compras de mantimentos e em dias festivos.


Estes, de diferentes origens, constituiam uma sociedade plural, cuja unidade era fomentada através de sentimentos nacionais e patrióticos estadounidenses despertados e cultivados no dia da Independência, o 4 de Julho.


O rápido aumento de significado dessas festividades pode ser documentado no caso de Ketchikan, a principal cidade comercial do sudoeste do Alasca.


Em 1897, a localidade já festejava o Independence Day, ainda que de forma rudimentar, com muita bebida e com explosões de dinamite substituindo fogos de artifício.


A partir de 1900, com a organização administrativa da localidade, esse feriado do 4 de Julho passou a ser celebrado oficialmente, tornando-se uma das principais datas festivas do Alasca. 


The Improved Order of Red Men e a música de banda


No meio do verão, o Stars and Stripes surgia como um fator de união na diversidade dos habitantes, forasteiros e indígenas da região, inspirando patriotismo americano através sobretudo de The Improved Order of Red Men, uma entidade que tem hoje a sua sede e museu no Texas.


Essa associação, remontante a sociedades secretas de cunho patriótico que lutaram pela Revolução já à época colonial, tinha como motivo condutor a promoção da liberdade, o que, no contexto do Alasca, surgia antes como liberdade do homem intrépido no sentido de homem empreendedor, decidido e ativo à procura de prosperidade em região de ouro. A sua denominação tinha sido fixada em Baltimore, em 1834.


Devido às suas remotas origens ou tradições remontantes à era colonial, a ordem utilizava-se de linguagem visual indígena no sentido de expressar um nativismo americano na libertação das cadeias coloniais britânicas. (Veja)


Nomes, trajes e celebrações inspiravam-se na cultura indígena, mesmo que nessa Ordem apenas fossem admitidos brancos. A sociedade era organizada em tribos e os encontros locais eram chamados de wigwams; a estrutura estatal era chamada de reserva, sendo dirigida por um grande conselho ou de chefes. Levantou-se logo em Ketchikan um Red Men Hall para esses atos repletos de associações simbólicas e ações filantrópicas.


Tal significado da ordem do Red Men em região habitada sobretudo por indigenas sujeitos a profundas transformações culturais surge como paradoxal. A frequência com que se observa bandeira, emblemas e cores nacionais dos EUA em fotografias indígenas da época indica a intensidade do singular processo nacionalizador de suas identidades por que passaram.


Na parada de 1901, a The Improved Order of Red Men, com os seus trajes característicos, conduziu a parada e, à noite, leu-se a Declaração da Independência no Red Men Hall, recitando-se E pluribus unum. Essas palavras reproduziam o moto do brasão americano, remontante a 1782, e sugerem já a intenção de ver-se o Alasca como um Estado da União, o que muito mais tarde aconteceria.


Sob esse signo da unidade na pluralidade, a banda de música adquiriu relevante significado simbólico, uma vez que demonstra a atuação conjunta de músicos com os seus diferentes instrumentos num todo, marcado por ordem, caminhando em marcha sincronizada e suscitando euforia e entusiasmo dos „filhos da Liberdade“.



Alasca como Territorio do USA em 1912 e banda em Ketchikan


O desenvolvimento que a banda de música de Ketchikan experimentou na primeira década do século XX é demonstrado em fotografia de 1913 e que é considerada relevante documento histórico-cultura da evolução da cidade e do Alasca em geral, exposta que é em via pública da cidade.


Essa fotografia mostra uma banda em marcha pela Front Street, uniformizada, com músicos trajando calças brancas em tradição naval, abertos por trombonistas que guiam os instrumentistas com passos decididos pelas ruas de tábuas de Ketchikan.


A alegria de meninas que seguem a parada permite supor que a música tocada era festiva e alegre. Bandeiras dos Estados Unidos nas lojas comerciais permitem supor a data nacional do Independence Day,


O significado histórico dessa fotografia de 1913 reside no fato de registrar o espírito da época, marcada pelo entusiasmo da organização do Alasca como Território incorporado aos Estados Unidos em 1912.


Para além da elevação do Distrito do Alasca a Território do USA em 1912, há um outro motivo para o reconhecimento do valor histórico dessa fotografia da banda de Ketchikan que tem sido lembrado recentemente: o do início da aviação no Alasca.


O dia 4 de Julho de 2013 marcou o centenário do primeiro vôo no Território. Foi realizado por James Vernon Martin (1885-1956), que havia organizado a The Harvard Aeronautical Society, em 1910,  e sua esposa Lily com um biplano Gage-Marin em Fairbanks, em 1913. Apoiados financeiramente por negociantes locais, o avião foi transportado por navio até Skagway, levado por trem da White Pass Railroad ao Whitehorse, por meio navegável pelos rios Yukon, Tanana e Chena até Fairbanks. O plano das demonstrações aéreas de Fairbanks fazia parte das festividades de 4 de Julho.


Um ponto alto da história da música de banda nessa região deu-se em 1916, quando a Washington Navy Yard ordenou que a banda do Yacht Presidencial Mayflower fosse aumentada com os musicos da nave militar USS Kansas, criando um corpo que passou a ser conhecido como Washington Navy Yard Band. 35 de seus músicos constituiram a banda que acompanhou a visita do Presidente Warnen G. Harding (1865-1923) ao Alasca, em 1923.


Marcha Aláska no Brasil: uma composição de João Berti (†1917)



Aláska é o título de marcha escrita por João Berti, músico que dominava vários instrumentos, professor, maestro e compositor, uma das várias personalidades da vida musical de São Paulo do início do século XX. O seu nome adquire significado como representativo de época da história musical paulista marcada por intensa imigração italiana.


Segundo os poucos e incertos dados existentes, João Berti foi um dos muitos filhos de Agostino Berti (1850-1937) e Maria Luigia Balestra (1854-1935), provenientes da região de Rovigo, Veneto, Vieram como imigrantes para região de expansão cafeeira do interior de São Paulo e Sul de Minas nas últimas décadas do século XIX, estabelecendo-se na cidade de Acerburgo, Minas Gerais.


João Berti teve a sua formação em meio familiar e na prática musical de banda. Na região norte-italiana de origem de sua família, a tradição de banda de música era já antiga, tendo-se desenvolvido intensamente a partir de meados do século XIX, acompanhando os ideais de construção de uma sociedade apta a apreciar obras musicais mais ambicionadas. Ali exigia-se dos maestros, que formavam discípulos para orquestra, banda e coros, conhecimentos de contraponto, de direção de orquestra e banda, de violino e piano, de instrumentos de sopro e de canto.Transferindo-se para São Paulo, João Berti passou a residir numa de suas mais tradicionais ruas do centro da cidade, a rua Tabatinguera.


Essa história de vida explicaria os estreitos laços de João Berti tanto com os meios de músicos imigrantes de São Paulo como aqueles de círculos sociais mais modestos das bandas de música e de música de igrejas de irmandades.


Pertenceu, assim, tanto ao círculo de músicos italianos liderados por Savino de Benedictis (1883-1971) e do qual participaram entre outros também membros da família Belardi e Di Franco, como daqueles de bandas de música militar e civil, cujos principais nomes eram J. Antão Fernandes e Veríssimo Glória. Como este último, que não só era renomado e influente mestre de banda como também de orquestras de igrejas, João Berti, além de piano, executada tanto instrumentos de corda como de sopro e fazia instrumentações.


Como violinista, tomou parte de orquestras e de pequenos grupos instrumentais, passando a fazer parte do Centro Musical de São Paulo quando da sua constituição em 1913. Fêz parte, assim, do rol de músicos empreendedores e decididos na representação e defesa de seus interesses. A esse grupo fazia parte A. Di Franco, responsavel pela casa editora que, sob número 277, publicou a sua Marcha Aláska.


Ainda que publicada em versão para piano, a sua instrumentação é sugerida na própria partitura com indicações, em tipos menores, de breves intervenções de toques de „cornetto“ que salientam o seu cunho militar e com a indicação de alternância contrastante entre flauta, clarinete e arcos. A menção de instrumentos de arcos na partitura indica, assim, ter sido concebida para orquestra.


A Marcha Aláska surge como um exemplo significativo de música de efeito empolgante e de fácil assimilação. A sua breve introdução, aberta com um retumbante ataque em FF, prepara, em 6/8, de forma contrastante, a entrada de uma melodia de fácil memorização, acompanhada de forma ritmada e enérgica. O descendente da sua linha melódica, retomado segundo o tipo de queda em „cascata“, represente a um tipo melódico frequente em muitos contextos culturais, que na sua simplicidade corresponde ao ato da respiração e da retomada de fôlego. Passagens escalares cromáticas na retomada de motivos acentuam o „drive“ da marcha. 


Razões da composição de uma marcha „Alasca“ por imigrante italiano no Brasil


Os motivos que levaram João Berti a compor uma marcha intitulada Alasca no Brasil representam uma questão em aberto. Deve-se levar em consideração que o Alasca e a corrida de ouro de Klondike eram muito mais presentes entre a colonia italiana do que na população em geral, uma vez que para a costa ocidental da América do Norte, para a British Columbia e para o Alasca imigraram numerosos italianos. Outras razões, porém, devem ser levadas em conta: a atualidade da elevação do Alasca a território, em 1912, e do primeiro vôo ali realizado, em 1913.


Um fator que não pode deixar de ser considerado é a associação do nome Alasca com gelados, e assim com sorvetes e sorveterias. O consumo de gelados tornou-se popular em São Paulo do início do século, destacando-se aqui atividades de italianos. Como registrado por A. de Almeida Prado, destacou-se neste sentido a Confeitaria Progredior. (Crônica de Outrora, São Paulo: Brasiliense 1963, 127)


O nome dessa confeitaria, com o seu jardim de bebidas externo - decantado como um dos pontos mais agradáveis da vida urbana paulistana - pode ser visto como indicativo da talvez principal razão da composição de uma marcha „Alasca“ no Brasil: o comum espíríto de progressismo, de intrepidez, coragem e ação em duas latitudes, de imigrantes à procura de prosperidade e bonança, da transpassagem de fronteiras e a integração em sociedade que prometia unidade na diversidade - e pluribus unum.


Veja texto em sequência nesta edição


De ciclos de estudos da A.B.E.
sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo


Todos os direitos reservados

Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A.(Ed.). „ Bandas no Brasil e no Alasca. Música da alvorada do progresso sob o signo e pluribus unum em Ketchikane a marcha ‚Aláska‘ do ítalo-brasileiro João Berti“. 
Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 157/6 (2015:05). http://revista.brasil-europa.eu/157/Marcha_Alaska_Joao_Berti.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2015 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Academia Brasil-Europa
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
reconhecido de utilidade pública na República Federal da Alemanha

Editor: Professor Dr. A.A. Bispo, Universität zu Köln
Direção gerencial: Dr. H. Hülskath, Akademisches Lehrkrankenhaus Bergisch-Gladbach
Corpo administrativo: V. Dreyer, P. Dreyer, M. Hafner, K. Jetz, Th. Nebois, L. Müller, N. Carvalho, S. Hahne
Corpo consultivo - presidências: Prof. DDr. J. de Andrade (Brasil), Dr. A. Borges (Portugal)




 










Fotos A.A.Bispo, 2015 ©Arquivo A.B.E.