Processos humanizadores e desumanizadores

ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 158

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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N° 158/1 (2015:6)



Tema em debate


Leste/Oeste - Ocidente/Oriente: Je suis Paris
Processos humanizadores e desumanizadores no homem e na sociedade
Ciências, Filosofia e Psicologia Cultural
- Relendo as „Meditações Sulamericanas“

                                                                         

Ciclos euro-brasileiros em Tallin, em Riga, em Hessen e nos Alpes


 
Antonio Alexandre Bispo 2015
O presente número da Revista Brasil-Europa dá continuidade a reflexões que marcaram a sua edição anterior, aprofundando-as e considerando-as nas suas dimensões mais amplas, teórico-culturais e filosóficas.


Este intento decorre em época na qual o mundo parece ter saído dos eixos, em tempo marcado por guerras, conflitos religiosos, crises econômicas, sociais, assim como por movimentos migratórios de extraordinárias dimensões que também abalam a Europa.


Discrepâncias quanto a atitudes e procedimentos, dúvidas quanto à vigência de valores que justificam a união e a consciência européia, a sua auto-imagem, intensificação de nacionalismos e mêdo de perda de características culturais e modos de vida ocidentais testemunham globalizações de problemas e clamam por conscientizações de valores e conquistas da Humanidade.


Je suis Paris ...


Tallin. Foto A.A.Bispo 2014
O ataque do terror islamista em Paris de 13 de novembro trouxe dores, repúdios e intensificou preocupações com a tragédia das muitas mortes de civís, com as imagens de sangue derramado a serviço de ideologias de fundamentação religiosa, com a falta de sentimentos e do fanatismo que chegam a superar instintos de auto-preservação.


Ao mesmo tempo, porém, reconhece-se que o mêdo, que ameaça paralisar a vida não só da atingida capital da França, não pode predominar, pois isso representaria um sucesso para o terror.


O intento desses atos bárbaros, conduzidos em nome de religião, é o de destruir uma cultura de liberdade, secular, marcada pela tradição do Esclarecimento, pelos Direitos Humanos e por valores de tolerância, respeito pela diversidade e pela dignidade da mulher e de minorias, pela convivência pacífica e enriquecedora de diferentes grupos culturais e do qual Paris foi e é cidade-luz modelar.


A expressão Je suis Paris pode ser assim vista também como posicionamento cultural e de filosofia de vida, da convicção de que surge como necessario manter e defender modos de ser, de pensar, de sentir e de viver que representam processos humanizadores e são seus motores - apesar a tristeza, do abalo emocional e dos riscos.



A palavra guerra soando de novo após 100 anos da Primeira Guerra


De novo, após muitos anos, soa na França e em outros países europeus a palavra guerra. A nação que é atacada reage e, com ela, outros países preparam-se para a auto-defesa e combate; fronteiras são fechadas, liberdades tolhidas em estados de exceção, e o mêdo rege.


O retorno da palavra guerra em tempo em que se rememora os 100 anos da Primeira Guerra Mundial surge como um inquietante ressurgimento de uma situação conflitante após longo tempo de paz, bem-estar e crença na continuidade de um desenvolvimento promissor e humanizador, de conquista de Direitos Humanos, de progresso da liberdade e tolerância.


A problemática presente não poderia deixar assim de ser considerada nos estudos de processos culturais nas suas referenciações com o Brasil e a Europa, uma vez que abala profundamente a Europa como todo.


Os atuais desenvolvimentos dizem respeito a confrontos entre processos humanizadores e desumanizadores, a retrocessos e recaídas em situações que pareciam estar já há muito superadas ou em via de superação. Trazem à mente o risco representado pelo predomínio unilateral sobre sentimentos de idéias, ideologias, convicções, imagens e visões no interior do homem, de fundamentação ou não religiosa, levando-o a agir com sangue frio e em falta de escrúpulos éticos e barreiras emocionais na procura de implantação de seus objetivos e normas.


Os atuais desenvolvimentos tornam de novo atuais reflexões que marcaram há muito a história do pensamento e que foram particularmente alvo de considerações nos anos que sucederam à Primeira Guerra, quando sossobrou a antiga ordem européia, encerrando de vez o século da teoria da Evolução e de suas extrapolações evolucionistas, da crença no progresso dos conhecimentos e das conquistas técnicas.


Revendo o debate sobre a evolução na natureza e no homem


Vários foram os cientistas e pensadores do seculo XIX que reconheceram como problemática uma compreensão da evolução e do progresso apenas sob o aspecto material. Salientaram em muitos casos a insuficiência de reducionismos quanto a concepções e estudos de processos evolutivos, uma vez que, no caso do homem, não consideravam as esferas do interior do homem, de sentimentos por um lado, e de idéias, imagens, do intelecto e da razão, também agentes em processos evolutivos - ou involutivos.


Essa atenção a processos no interior do homem como um todo não significou, em muitos casos, uma acentuação da racionalidade, do intelecto ou da esfera das abstrações, de idéias e imagens em prosseguimento de correntes um mal entendido Esclarecimento.


Muito pelo contrário, trouxeram à luz os problemas resultantes de um predominio unilateral dessa esfera imaterial, espiritual no homem tendente a querer implantar o pensado ou visualizado na realidade externa.


Lembraram que esse predomínio levou a desenvolvimentos problemáticos causados por ideologias, tanto no sentido de utopias sociais e políticas, como pelo cálculo frio de empresários da época da industrialização e do desenvolvimento tecnológico com as suas implicações desumanas.


Viram nesse predomínio unilateral da esfera imaterial no homem, da frieza de raciocínios e intentos idealizados até mesmo causa de conflitos e guerras. Um verdadeiro Esclarecimento exigia a consideração do homem no seu todo, do campo de relações e tensões entre a esfera de sentimentos, emoções e aquela abstrata das idéias, raciocínios e imagens, uma espiritualização da alma e uma sensibilização do espírito.


Ao mesmo tempo que se distanciavam do materialismo de um darwinismo reconhecido como reduzido, foram vistos paradoxalmente como anti-intelectuais por criticarem um predomínio unilateral do espírito, e, consequentemente, de irracionalistas.


A crítica aomaterialismo de um evolucionismo visto como reduzido não significou necessariamente retrocesso obscurantista no sentido de reafirmação de concepções religiosas de espiritualidade de círculos restaurativos dos séculos XIX e XX.


Pelo contrário, em círculos de cientistas naturais e médicos, experimentadores, embriólogos, anatomistas, biólogos e antropólogos destacaram-se intentos de consideração de sensações, sentimentos e emoções nas suas complexas relações com a esfera do espírito no homem, entendendo-os como fenômenos não-metafísicos.


A particular preocupação por questões de espírito em pensadores teuto-bálticos


O principal representante dessa corrente da história das ciências e da filosofia marcada pela preocupação de uma compreensão da evolução a partir do homem como todo que merece ser relembrado em estudos referenciados pelo Brasil é o conde Hermann Keyserling (1880-1946), autor das „Meditações Sulamericanas“ (Graf Hermann Keyserling, Südamerikanische Meditationen, 2a. ed., Stuttgart Berlin 1933 (1a. ed. 1932).


Ainda que adquirindo renome internacional pelo diário de viagens ao redor do mundo que realizou quando jovem antes da Primeira Guerra Mundial, marcado então por fascínio pelo Oriente, Keyserling não pode ser considerado sob os mesmos critérios de leitura de relatos dos muitos viajantes que fixaram impressões dos países visitados.


Já neste seu diário de juventude, surgiu como filósofo que unia o desejo de conhecimento de outras culturais àquele da auto-análise e do desenvolvimento pessoal.


Já aqui manifestou a sua convicção de que „o mais curto caminho para si próprio é aquele que leva ao redor do mundo“.


De formação científico-natural, de família aristocrática e de erudição, Keyserling pode ser visto como representante de um hoje submerso universo teuto--báltico que foi considerado como o mais espiritualizado ou preocupado por questões espirituais das diferentes esferas da cultura alemã do passado.


Como tal, inscreve-se em processos histórico-culturais remontantes à colonização do Leste europeu na Idade Média, a uma esfera colonial e de imigração, de situações limítrofes e distantes, impregnada através dos séculos de esforços de manutenção de valores culturais ocidentais no confronto com o mundo eslavo e sob o predomínio russo, confrontada com questões de transformação cultural, integração e diferenciação.


É a partir desse contexto marcado pela antiga colonização alemã do Báltico, guiada que foi por intuitos religiosos de expansão cristã que pode ser compreendida a sua preocupação por questões espirituais relacionadas com a evolução na natureza e no homem.


É a partir desse contexto de formação cultural de Keyserling que se pode entender a crítica a um mecanicismo materialista do pensamento ocidental visto como causa de crises e conflitos que se acentuavam e que pediam a renovação cultural através da antiga sabedoria de correntes do conhecimento do passado e do Oriente.


Com a Primeira Guerra Mundial e a Revolução Russa de 1917, Keyserling perdeu a sua pátria e bens, e, emigrado para a Alemanha, vivenciou os problemas dos retornados, exilados ou imigrados, iniciando-se uma nova fase no seu desenvolvimento pessoal e na sua obra, já não tanto marcados pelo orientalismo dos primeiros anos.


Keyserling surge, assim, êle próprio como objeto de estudos de processos culturais, coloniais, de imigração e exílio, de procura de renovação cultural em situações de instabilidade e críticas, de abalo do antigo mundo e a sua derrocada. Foi pensador influente no período posterior à Primeira Guerra e, após a Segunda, no fim da vida, voltou a proclamar um Novo Humanismo.


Do homo faber ao homo sapiens: A América do Sul nos anseios de Sabedoria


Com a fundação da sua Escola da Sabedoria em Darmstadt, cidade que, tendo sido antes da guerra colonia de artistas avançados, representantes da Art Nouveau e que agora passava a ser centro de filósofos e pensadores sob as novas condições das relações internacionais, Keyserling tornou-se um dos mais conhecidos pensadores da Alemanha á época da „República de Weimar“, período que se encerrou com a tomada de poder nacionalsocialista.


É nessa época que, com base na sua vivência na América do Sul, criou as suas „Meditações Sulamericanas“, obra que considerava como a maior expressão do seu pensamento dos tempos de pós-guerra.


Já não era aqui o Keyserling dos „Diários de Viagem de um Filósofo“, mas do amadurecido pensador que, reunindo ao redor de si escritores, pensadores, cientistas e filósofos, promoveu em cursos e jornadas „orquestrações de idéias“ sob o signo da filosofia de vida, de uma prática filosófica estreitamente relacionada com uma Psicologia da Cultura.


As „Meditações Sulamericanas“ surgem nesse contexto como obra que documenta a recepção e as consequências de vivência e observação na América do Sul no desenvolvimento pessoal de Keyserling e na vida cultural e intelectual européia do periodo entre-guerras.


Se já antes da Primeira Guerra tinha o filósofo vivido anos em Paris, também agora, no círculo da Escola da Sabedoria, foi um pensador alemão que mais do que muitos outros cultivou relações com personalidades das ciências e da cultura da França e que empenhou-se pelo restabelecimento e aprofundamento das relações franco-alemãs. Também por esse motivo torna-se oportuno recordá-lo no presente.


Ciclos euro-brasileiros no Báltico. Desenvolvimentos científicos e música


Em ciclos de estudos euro-brasileiros levados a efeito em cidades como Riga, Tallin e S. Petersburgo, pôde-se considerar o passado científico, cultural e filosófico em língua alemã das universidades e instituições do antigo Império Russo, assim como os seus elos com o desenvolvimento do pensamento científico na Alemanha. (Veja)



Características fundamentais de procedimentos de Keyserling e suas concepções expostas nas Meditações Sulamericanas podem ser inscritas em linha o pensamento que incluem nomes de médicos, cientistas e pensadores como a de Alexander Friedrich Keyserling (1815-1891), relacionado com Alexander von Humboldt 1769-1859), e mesmo considerado como Alexander von Humbolt do Leste, assim como Karl Ernst von Baer (1792-1876) e Karl Friedrich Burdach (1776-1847). (Veja)


A tradição musical do Báltico e a intensidade da vida musical de Reval, hoje Tallin, não pode ser subestimada no desenvolvimento do pensamento científico e filosófico teuto-báltico, uma vez que muitos pensadores tiveram a sua formação marcada pela prática e pelo ensino musical. Compreende-se, assim, que processos fisiológicos tenham sido elucidados através de comparações musicais e que metáforas musicais servissem para a consideração de desenvolvimentos evolutivos psíquico-espirituais do homem e da cultura. Aqui se encontram razões explicativas para o significado da música no pensamento de Keyserling. (Veja)


Convergência do pensamento evolutivo espiritualista teuto-báltico e tradições vivas


As condições locais do meio luterano da sociedade teuto-báltica podem elucidar a crítica ao materialismo dos evolucionistas darwinistas e, sem contradições com a pesquisa experimental nas áreas como anatomia, embriologia e fisiologia, a preocupação com o adequado estudo da esfera psíquico-espiritual do homem através de referenciações com o relato a Criação.


É justamente essa leitura do texto bíblico da Genesis sob a perspectiva de processos interiores do homem, do surgimento da vida e do despertar da luz da consciência que explica o fato singular de concordância de conclusões alcançadas por via filosófica com os fatos transmitidos pela tradição religiosa viva em expressões culturais do Brasil.


O pensamento teuto-báltico, no qual pode ser inserido o autor das Meditações Sulamericanas, é assim de fundamental importância para a análise e compreensão da linguagem visual e de sentidos de formas de culto e expressões lúdicas do calendário religioso do Brasil.


Esse significado foi há muito reconhecido, sobretudo através da convergência de linhas de pensamento similares e da recepção da obra de Hermann Keyserling em círculos de língua alemã no Brasil. Restringindo-se porém a meios de língua e cultura alemãs, em particular no âmbito da Sociedade Bach de São Paulo, unida em sintonia com a Keyserling na sua admiração por J.S.Bach, essa corrente de pensamento psicológico-cultural não chegou a poder corrigir perspectivas e correntes de pensamento inadequadas e mesmo ideológicas em estudos etnológicos e folclóricos, em particular na área dos assim-chamados cultos afro-brasileiros.


Tradição da Filosofia da Natureza e a época da publicação desta edição na Europa


A recepção de correntes filosóficas ocidentais, em particular da Filosofia Natural do Romantismo, torna compreensível o significado do pensamento filosófico-natural nessa tradição do pensamento teuto-báltico e que se manifesta na obra de Keyserling, também nas Meditações Sulamericanas.


Na sua convergência com expressões culturais transmitidas pela tradição, explicam também os elos filosófico-naturais da linguagem visual de expressões de culto e lúdicas no Brasil.


Sendo esta edição a última de 2015, cai em período do ano que é marcado, na Europa, pela escuridão das noites mais longas do ano, pelas chuvas e pelo crescente frio.


Essas trevas que se intensificam e a depressão que a falta de luz causa nos homens são acompanhadas porém pelas luzes das noites do Advento que precedem o Natal, pela expectativa das festas e pelo início do novo Ano, marco de um período de aumento gradativo de luminosidade e aquecimento que despontará na primavera.


Dessa correspondência entre o vivenciado no mundo externo e o interno, entre o da natureza e o espiritual das concepções e imagens resulta uma maior facilidade de compreensão não só da linguagem visual de festas e dos mistérios do ano religioso, como também, reciprocamente, determina a interpretação de sentidos do mundo natural e do homem que nele vive e, assim, a visão do mundo e do homem.


Considerada a partir do Brasil, porém, esta edição, última de 2015, cai em período do ano com características contrárias, pelo fim da primavera e início do verão, pelo aumento dos dias em relação à noite, pela intensificação do calor.


Sob o ponto de vista das festas e do sentido espiritual do ano, assim como as expressões culturais que as manifestam, é uma época que, de forma paradoxal, também no Brasil é marcada pelas luzes do Advento e do Natal, pelas festas do ciclo natalino, de Ano Novo e de Reis.


O ano natural que se inicia não é o da crescente luminosidade e aquecimento, ou seja, ascendente, mas de gradual diminuição de luz com o aumento das noites e do esfriamento, ou seja descendente. Poder-se-ia dizer: mas que Ano Novo!


Evidencia-se aqui de forma talvez mais intensa do que em outras épocas do ano -com exceção talvez da Páscoa - a discordância entre o mundo natural percebido pelo homem no seu ambiente e aquele cultural, marcado por relações entre Natureza e Cultura compreensíveis na sua coerência apenas no hemisfério norte.


O homem que celebra no hemisferio sul vive assim interiormente em mundo mais especificamente cultural, de imagens e concepções, que não encontram a sua correspondência imediata no percebido pelos sentidos.


Os tenebrosos meses de novembro e dezembro - ou sob a perspectiva da linguagem visual do Zodíaco os signos de sagitário e capricórnio - trazem assim à consciência as dimensões da problemática resultante do deslocamento do ciclo do ano religioso em relação ao ano natural no espaço sub-equatorial com a expansão européia e do Cristianismo no decorrer da conquista, colonização e missionação.


A complexidade dessas relações pode e vem sendo analisadas sob diferentes aspectos, tanto sob a perspectiva do homem inserido no meio ambiente do sul que não corresponde àquele do norte, como dos europeus que, visitando países como o Brasil confrontaram-se com essas relações contrárias e conflitantes. Justamente essa experiência da dicotomia entre uma esfera cultural e a natural, entre espírito e matéria de europeus na América do Sul é que aguça a atenção para tensões entre processos que se desenvolvem nas esferas imaterial e material.


A leitura da linguagem visual de expressões tradicionais de culto e lúdicas do Brasil necessita considerar relações filosófico-naturais relativas a elementos na sua referenciação com o ciclo o ano no hemisfério norte e nas suas correspondências com o relato bíblico da Criação. Só assim pode-se compreender o significado de linguagem visual relacionada com a luz que surge nas trevas das festas de Ano Novo celebradas nas praias do Brasil nas suas contradições com o mundo envolvente de pleno verão.


Recapitulação de alguns complexos temáticos sob o signo dos problemas do presente


Na presente edição consideram-se vários aspectos dos estudos que aprofundam e diferenciam as colocações das Meditações Sulamericanas e que vêm sendo desenvolvidos desde o início do programa euro-brasileiro em 1974/75.


Recapitulados são apenas aqueles complexos temáticos que surgem como mais relevantes na atualidade crítica do presente. Tematiza-se, assim, a questão das relações conflitantes entre a „ordem do espírito“ e a „ordem emocional“ na dinâmica alma/espírito do interior do homem e na Psicologia Cultural segundo Keyserling.


São nessas relações de tensões internas que o filósofo trata da questão do desenvolvimento ou evolução do homem no seu todo em direção da humanização e, vice-versa, do seu retrocesso a situações primárias e primitivas. Essas colocações foram consideradas, no contexto euro-brasileiro, repetidamente em considerações do lema „Ordem e Progresso“ na bandeira nacional. (Veja)


Entre as reflexões e as análises das „Meditações Sulamericanas“ mais consideradas em colóquios, encontros, seminários, conferências e ciclos de estudos das últimas décadas, foram escolhidos para esta edição aqueles que se referem a um mêdo e a uma fome originais (Veja), à tara do ter e possuir resultantes de uma insegurança primordial (Veja), o da atração e posse do espírito pela força da gana (Veja), a prisão do eu nas trevas das profundezas do homem por demais cheio de si (Veja), o da morte (Veja) e do sangue (Veja), o do destino, de encruzilhadas da vida e do manuseio o mal (Veja), assim como o da violência e da guerra como integrantes de um sistema de imagens referentes a processos internos ao homem. (Veja)


Todas essas reflexões que têm como referência as meditações de Keyserling, dizem respeito de forma particular ao Brasil, pois segundo o filósofo, nenhuma nação do globo mais se caracterizaria pela hipersensibilidade, característica de um estado original da natureza receptiva das sensações no qual apenas despontou a luz, mas que representaria possivelmente uma grande missão que estaria reservada ao Brasil no processo humanizador. (Veja)


Retomando tema tratado na última edição desta revista, o problema da febre do ouro e da procura de riquezas, que leva a destruições do meio ambiente e a graves problemas humanos, é tratado sob o aspecto psicológico-cultural. (Veja)


Na edição anterior, considerando-se períodos de rush em diferentes regiões do continente americano,em particular daqueles do ouro e da borracha, procurou-se analisar de forma contextualizada situações marcadas pelo primado da ação de "homens intrépidos". Desafiando riscos e obstáculos de toda a ordem, esses homens deslocaram-se para regiões pioneiras à procura de riquezas, determinando processos sociais e culturais de vigência ou consequências até o presente. (Veja)


A tematização de um primado da ação resulta da constatação de que não foram em geral desenvolvimentos planejados e sistemáticos, ditados pela razão ou pelo intelecto, mas fenômenos antes espontâneos, em extraordinárias corridas e febres, desencadeadores de sinergias que exigiram apenas a posteriori tentativas de controle, disciplinações e correções. Não só para a análise de desenvolvimentos históricos, como também para a atualidade surge como necessário aprofundar as considerações a respeito, analisando possíveis mecanismos psíquico-culturais. (Veja)


homo sapiens como Anthropos ludens


Apesar da seriedade dos temas considerados - correspondente à gravidade da situação e dos desenvolvimentos atuais - esta edição não poderia deixar de incluir por fim as perspectivas mais otimistas abertas pelas meditações que encerram a obra de Keyserling e que já deram motivo a diálogos, encontros e colóquios no decorrer das últimas décadas de estudos euro-brasileiros.


O filósofo das Meditações Sulamericanas, após salientar que o primeiro passo na evolução do homem a caminho de um processo humanizador é o reconhecer, à luz da consciência, a tragédia da existência devido a um conflito insolúvel entre a „ordem do espírito“ e a „ordem emocional“, termina a sua obra com colocações positivas.


No processo ascendente de espiritualização da alma e da sensibilização do espírito, o homem é capaz de ganhar uma nova visão dessa problemática existencial vendo-a não mais como uma tragédia, mas como uma comédia, uma „Divina Comédia“.


É esse o homo ludens, o homo sapiens por excelência, aquele cujo espírito é conduzido por valores mais altos, cujo frio é superado pelo calor dos sentimentos, em união da alma tornada espírito e espírito alma, que vê a vida e a si próprio em alegria. (Veja)


Tendo sido esta temática considerada em diversas ocasiões por ser essencial para o estudo de expressões lúdicas da tradição popular, em particular no colóquio internacional „Anthropos ludens“ pelos 500 anos do descobrimento do caminho marítimo para o Oriente, cumpre, na situação atual, retomá-la como uma orientação de atitude sob as ameaças de terror do presente.


Não o mêdo, mas a coragem, a liberdade e alegria devem ser ainda mais cultivadas nestas condições, pois são elas que mais correspondem ao progresso de luzes, à tolerância e à liberdade que devem ser mantidas, defendidas e desenvolvidas no processo humanizador. (Veja)


Antonio Alexandre Bispo




Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A..“Leste/Oeste - Ocidente/Oriente: Je suis Paris. Processos humanizadores e desumanizadores no homem e na sociedade. Ciências, Filosofia e Psicologia Cultural“
. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 158/1  (2015:06). http://revista.brasil-europa.eu/158/Processos_humanizadores.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2015 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Academia Brasil-Europa
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
reconhecido de utilidade pública na República Federal da Alemanha

Editor: Professor Dr. A.A. Bispo, Universität zu Köln
Direção gerencial: Dr. H. Hülskath, Akademisches Lehrkrankenhaus Bergisch-Gladbach
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Corpo consultivo - presidências: Prof. DDr. J. de Andrade (Brasil), Dr. A. Borges (Portugal)




 








Fotos A.A.Bispo, 2014 ©Arquivo A.B.E.