O pavilhão do Brasil em Turim, 1911

ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 159/12

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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N° 159/12 (2016:1)





Encenações e arquitetura: o pavilhão do Brasil em Turim, 1911
- o Neo-Barroco, o
Art Nouveau e a representação do Brasil republicano -


Debate sobre questões de arquitetura efêmera no Museu teatral "Zauberwelt der Kulisse" de Meiningen
após dez anos de trabalhos da A.B.E. em Turim sobre o projeto
"La Consulta per la Cancellata di Pallazzo Reale"


 
Museu teatral de Meiningen. Foto A.A.Bispo 2015
A cidade de Meiningen na Turíngia, visitada em 2015 no âmbito de trabalhos euro-brasileiros dedicados a Hans von Bülow (1830-1894) como mentor de brasileiros (Veja), tem no seu museu teatral uma das principais instituições locais.

Esse museu lembra que Meiningen foi não apenas centro musical de internacional irradiação devido à sua Capela da Côrte ducal (Hofkapelle), mas sim e sobretudo da vida teatral através de suas representações e cenários.

Museu teatral de Meiningen. Foto A.A.Bispo 2015
A partir de decorações de palco, de luzes e música, procura-se trazer à consciência a fascinação que o mundo da ilusão possibilitado pela arquitetura de cenários e pintura de cortinas de palco despertava em fins do século XIX e início do XX. Consequentemente, o museu fala, no seu título, do mundo encantado das encenações (Die Zauberwelt der Kulisse).
Nem sempre deu-se atenção suficiente a essa tendência ao ilusionismo e à encenação dessa
Museu teatral de Meiningen. Foto A.A.Bispo 2015
época anterior a 1914 e que, como exemplificada no caso de Meiningen, servia à representação de Estado. Em exposições anuais, apresentam-se as bem conservadas pinturas de cenários realizados segundo projetos do próprio Grão-Duque.

Essas pinturas, em particular a de paisagens e arquitetura, de alta qualidade artística, transmitem aos visitantes uma impressão viva e empática de uma hoje apenas fracamente compreensível força de mundos imaginados e visionários que foi de tanta importância pela passagem do século.

As questões estéticas e histórico-culturais levantadas pelas pinturas de cena arquitetônicas e de cidades da exposição de Meiningen dirigiram a atenção àquela que surge como o seu pendant: o da encenação visionária e ilusionista na arquitetura e obras urbanas.

Assim como os cenários de uma peça teatral são usados apenas para a sua realização, também a arquitetura criadora de ilusões de representação visionária é em muitos casos efêmera, servindo apenas para o fim a que foi criada. Essas reflexões são, hoje, de particular atualidade.

Museu teatral de Meiningen. Foto A.A.Bispo 2015

Atualidade da problemática da arquitetura efêmera - exposições, jogos e Olimpíadas

A Expo 2015 de Milão tornou novamente atual a discussão da questão de construções para eventos internacionais, de pavilhões e de configuração paisagística de áreas a eles destinadas.

Também o referendo que levou à renúncia da população de Hamburgo em hospedar os jogos olímpicos, tornando inúteis os grandes projetos arquitetônico-urbanos apresentados, acentuou a consciência da problemática de projetos urbanístico-arquitetônicos para eventos desportivos e exposições.

Esses fatos vieram salientar a atualidade dessa discussão, já anteriormente presente, no caso do Brasil, com a construção de estádios para o campeonato mundial de futebol. A reflexão torna-se particulamente atual com as Olimpíadas no Rio de Janeiro.

Os edifícios e as obras paisagísticas de exposições, feiras e eventos esportivos pertencem às mais efêmeras obras da história da arquitetura e do planejamento urbano. Poucas são aquelas que sobreviveram ao período de sua edificação. Em geral, delas restam apenas algumas construções isoladas ou relitos de vastas áreas construídas.

A problemática do uso dessas construções para além do período para a qual foram levantadas tornou-se de consciência geral nas últimas décadas, passando-se a criticar cada vez mais o desperdício de recursos na edificação de estádios e outros edifícios representativos.

Exemplos de abandono de construções e aparelhamentos técnicos dispendiosos em diferentes países testemunham esse desperdício de recursos e mesmo a falta de sentido e responsabilidade social e ambiental de muitos grandes projetos de tão curta vida ou sem uso posterior. 

Como reação, constata-se o empenho de promotores de eventos e políticos em apresentar projetos que já incluem propostas de seu posterior uso, salientando o interesse urbano de tais construções e grandes areais, que chegam a tomar dimensões de cidades. A supra-dimensionalidade das obras, a monumentalidade a serviço da representação, da propaganda, da exposição sem reservas de potência coadunam-se porém dificilmente com um urbanismo ciente de suas responsabilidades sociais, ambientais e humanas.

O fato de investir-se tantos recursos e forças em empreendimentos tão efêmeros, assim como os problemas que acarretam representam já em si um fenômeno que merece e exige ser considerado em estudos de processos culturais.

A temporalidade de tais obras do engenho humano entram em conflito com critérios que em geral se associam com a arquitetura, em particular aquele da perenidade, durabilidade ou estabilidade, e que marcaram reflexões estéticas relativas à arte e ciência de configuração do espaço através dos séculos.

É essa intenção de duração por longo tempo que justifica também o emprêgo de materiais nobres, insubstituíveis da natureza, mármores ou madeiras de lei, assim como o uso de recursos financeiros da sociedade que poderiam ser utilizados para outros fins.

Questões éticas, sociais e de uso de recursos naturais relacionam-se assim com as estéticas no complexo marcador por incongruências ou deficiências de sentido e responsabilidade da arquitetura e o urbanismo efêmeros de exposições, feiras e áreas olímpicas.

Arquitetura efêmera como cenários de representações e imagens condutoras

Essas construções e obras de organização do espaço podem ser antes consideradas adequadamente sob a perspectiva de encenações, de cenários para um palco onde se realizam representações, destinadas a impressionar espectadores e deles receber aplausos e, assim, a teatralizações.

A criação virtual de espaços arquitetônicos em palcos e na pintura de cenários e cortinas de bôca de cena possui uma antiga tradição, como a história do teatro e sobretudo da ópera o demonstram.

Na arquitetura e na configuração de espaços a serviço da encenação por ocasião de exposições e eventos similares dá-se por assim dizer uma inversão de situações, uma vez que não é a arquitetura que é depintada em panos de fundo, mas sim é a realidade concreta de construções que passa a ser cenário, pano de fundo para representações, mantidas enquanto duram as suas funções.

Tratar-se-ia aqui assim de uma expressão antes do homo ludens, do agir na liberdade de idéias e de criação de imagens nas suas relações com uma "ordem emocional", de uma comédia (Veja), só que, para tal, surge como demasiadamente dispendiosa e irresponsável no uso de recursos.

É justamente sob esta perspectiva que se revela o interesse do estudo de realidades construídas em exposições, áreas olímpicas e similares, uma vez que permite analisar as imagens condutoras de projetos nas suas inserções em determinada situação e época, em determinada constelação regional, nacional ou internacional.

A construção rápida de obras arquitetônicas efêmeras como cenários de representação foi possibilitada - ou pelo menos favorecida - pelo desenvolvimento técnico e da engenharia de construção metálica no século XIX. Significativamente, a história das exposições nesse século, em particular daquelas mundiais, relacionaram-se estreitamente com aquela das grandes estruturas metálicas, evidenciadas sobretudo no Palácio de Cristal em Londres e nos similares que a êle se seguiram em diferentes partes do mundo. (Veja)

Representativas fachadas passaram a poder ser antepostas ou a envolver estruturas, dispensando um muito mais demorado e dispendioso trabalho de levantamento de paredes e outros elementos de estática em pedra ou de alvenaria no interior de edifícios. Passaram a permitir também a criação de grandes espaços, a sustentar cúpulas, assim como a abertura de grandes espaços envidraçados, inundando de luz a atmosfera interior das construções.

As fachadas antepostas e os revestimentos internos, sugerindo uma realidade sólida dos materiais nela empregados também na estrutura dos edifícios, testemunham mais uma vez o caráter encenatório das construções.

Ter-se-ia aqui uma encenação na encenação, uma vez que já o projeto em si tem antes características teatrais. O desenvolvimento da técnica e das estruturas em metal criaram a possibilidade da montagem e desmontagem de construções, e assim o transporte de peças a regiões distantes e países estrangeiros, assim como à sua remontagem para outros fins em outros locais. Vários são os exemplos de edifícios de exposições que foram desmontados após as realizações e reutilizados para outros fins em outros contextos.

Dessa forma, a leitura dessas novas situações arquitetônico-urbanas exige sempre que se considere as referências implícitas dessas construções ao evento para o qual foram planejadas e às circunstâncias em que este se realizou. A desmontabilidade e o re-uso dessas construções no século XIX e início do XX relativam em parte o desperdício de recursos para tais encenações edificadas como constatado no presente.

Essas possibilidades abertas pelo desenvolvimento da técnica da construção em metal revelam o significado da engenharia nas suas relações com a arquitetura e, em sentido mais abstrato, do engenho ou da "ordem de espírito", das idéias e da capacidade de criação de imagens o homem. (Veja)

A análise de imagens inerentes a essas obras dirige-se, assim, não só a aspectos externos da linguagem visual manifestada em ornamentos decorativos, mas sim também às concepções do engenho que se revelam na própria construção e que também fizeram parte da encenação.


O desenvolvimento dos estudos e reflexões de arquitetura brasileira de exposições

O Brasil tem na sua história de edifícios que representaram o país em exposições um exemplo significativo de construção desmontável e remontável no antigo Palácio Monroe do Rio de Janeiro, criado para exposição nos Estados Unidos e, a seguir, reconstruído no Brasil. O Palácio Monroe inseriu-se de forma coerente na fisionomia urbana do centro da cidade que havia sido recentemente metamorfoseado. (Veja)

Esse edifício, que desempenhou por décadas papel de palco de acontecimentos de grande relevância governamental, terminou por desaparecer apenas em meados do século XX, demolido para favorecer soluções de tráfego. Apesar de, na época, ter sido visto por administradores e mesmo arquitetos como não tendo maiores qualidades arquitetônicas, a sua demolição representou uma sensível perda.

A demolição do Palácio Monroe foi um dos motivos que levou, na época, a reflexões sobre a perda de bens histórico-arquitetônicos e da engenharia com professores da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo mais vinculados à tradição politécnica, como o Prof. Dr. Paulo Ferraz de Mesquita e seu irmão, Raul Ferraz de Mesquita.

Foi este último, também compositor, aquele que trouxe à luz um dos mais extraordinários exemplos de construções representativas do Brasil no Exterior, hoje perdido: o Pavilhão do Brasil para a Exposição Internacional de Indústria e Trabalho de Turim, edifício inaugurado no dia 23 de Julho de 1911.

Um nome que foi lembrado quanto aos trabalhos de engenharia foi o de Manoel Antônio de Morais Rego, conhecido por Paulo Ferraz de Mesquita quando da atuação de M. A. de Morais Rego como Presidente do Conselho Regional de Engenharia, Arquitetura e Agronomia - Crea/Pe - de 1941/1943 e 1947/1951). Manoel Antônio de Morais Rego foi um dos mais destacados nomes da engenharia brasileira, professor da Escola de Engenharia de Pernambuco desde 1904, fundador da Escola Livre de Engenharia (1905), do Clube de Engenharia de Pernambuco (1919), tendo sido engenheiro-chefe de fiscalização do porto do Recife e prefeito da capital pernambucana (1915-1918).


O Pavilhão do Brasil na encenação das nações às margens do rio Po

O pavilhão do Brasil, inaugurado em 23 de julho de 1911, foi um dos mais representativos edifícios da Exposição Internacional de Turim daquele ano. O projeto do pavilhão ficou a cargo do engenheiro Manoel Antonio de Moraes Rego, auxiliado nos trabalhos técnicos de construção e de decoração pelo arquiteto Julio Antonio de Lima e pelo engenheiro Jaime Figueira.

Em dimensões e elegância, foi um dos pavilhões que mais marcaram, ainda que temporariamente, a fisionomia da capital do Piemonte. Não tinha tanto volume como o da Argentina, mas ocupava uma área de 8000 metros quadrados, constando de três edifícios, com uma extensão de 150 metros.

Várias são as fontes da época que oferecem dados relativos às suas características, á história do projeto e aos nomes envolvidos. Entre êles cita-se um relatório oficial que testemunha os elos do projeto com a propaganda brasileira a serviço da exportação, em particular a do café. (Relatorio sobre os trabalhos da commissão do Brazil na Exposic̦ão Turim-Roma de 1911 e Propaganda do café no extrangeiro, apresentado ao Snr. ministro da agricultura, industria e commercio pelo commissario geral Dr. Antonio de Padua Assis Rezende em 31 de dezembro de 1910. Brasil: Ministério da Agricultura. Torino 1911)

O Brasil seguia com este edifício uma política de propaganda do país como nação progressista, civilizada e de grande futuro que tinha como principal testemunho a sua própria capital, remodelada há poucos anos antes e que era apresentada em congressos europeus como prova da evolução do país.

Também as margens do Po passaram por uma metamorfose, transformando esse rio em eixo ladeado por palácios representativos que formavam uma sequência de esplendor que podia ser contemplada pelos visitantes em viagens de barcos.

O projeto brasileiro - como o de outros às margens do Po - foi direcionado assim ao rio, concebido para ser apreciado à distância. Diferentemente de um teatro, onde o público, sentado, contempla a mudança de cenários, os visitantes da exposição locomoviam-se navegando pelo Po, percorrendo com a vista a série de palácios que se sucediam.

Poder-se-ia reconhecer aqui similaridades com as relações entre a música e a arquitetura, pois naquela é a música que decorre no tempo e, no caso da arquitetura, é o homem que procede temporalmente ao percorrer espaços de um edifício. Nesse paralelo, o construído era o todo, e o edifício, em si, metaforicamente uma obra musical.


Brasil entre América Latina e Bélgica

O Brasil ocupou um lugar nobre, entre os pavilhões da América Latina e o da Bélgica, este seguido pelos da França e da Alemanha, o que surge como significativo. A Bélgica era um dos principais centros brasileiros da Europa, sede de importantes atividades econômicas e culturais, justificadas sobretudo pelo grande porto de Antuérpia, mantendo estreitas relações com os círculos brasileiros de Paris. (Veja)

A Bélgica representava, nesses anos anteriores à Primeira Guerra, polo de primeira grandeza de intelectuais e artistas brasileiros e europeus voltados ao Brasi. (Veja)

Significativo é o fato do Brasil e da Argentina não terem sido incluidos no Pavilhão da América Latina, mas terem levantado edifícios próprios, de particular monumentalidade, o que lhes conferia uma situação especial no conjunto dos países latino-americanos. Essa situação especial explica-se pelo significado da imigração italiana nos dois países, assim como da importância das relações comerciais com a Itália e da presença italiana na cultura e nas artes dos grandes centros brasileiros e argentinos.

A representação do Brasil na Exposição decorreu sob a égide do Ministro da Agricultura do Brasil, tendo como comissário geral Antonio de Padua Assis Rezende. (Veja) Subsídios para os estudos relativos ao pavilhão encontram-se, entre outras publicações, em livro escrito pelo próprio Rezende e publicado pela Société Générale D'impression, em 1913 (No Paiz e no Estrangeiro).

O projeto previu três corpos construídos separadamente e que se comunicavam entre si por meio de terraços elevados, com arcadas, dos quais o primeiro foi dedicado à apresentação dos produtos de atividades coloniais e da indústria artística italiana, o segundo a uma exposição de madeiras e o terceiro aos salões de recepção. Na sua decoração externa e interna, o edifício recordava uma época histórica e um estágio da evolução política do país.

Um pavilhão de honra, destinado a festas e comemorações que foi celebrado pela magnificência do conjunto apesar de linhas relativamente simples. Era constituído por dois amplos pavimentos. O andar térreo possuia um vasto salão, destinado às recepções e, em volta dele, salas pequenas usadas para "buffet", vestiário e outras funções.

No primeiro andar, em linhas que correspondiam àquelas do térreo, encontravam-se várias obras de pintura. Nelas encontravam-se expostos bustos em bronze de todos os presidentes da República.

Uma galeria paralela à margem do Po, conduzia os visitantes do pavilhão das festas ao pavilhão central. Este, como o terceiro, chamado de italiano, era constituido por vastas salas decoradas com obras de pinturas.

Cinco eram as seções em que estava dividido: mineralogia, manufatura, café, tecidos e arte aplicada á indústria.

Na primeira, figurava uma coleção de minerais, enviada pela Escola de Minas de Ouro Preto, catalogada por Joaquim Cândido da Costa Sena (1852-1919), diretor da Escola de Minas e que assumiu a direção da comissão organizadora após Rezende. Outros materiais foram artisticamente dispostos na 2ª seção - do chapéu ao instrumento musical.

No último pavilhão, foram apresentados produtos diversos: madeira, algodão, mate, conservas, fumo e outros. O principal painel representava o Descobrimento do Brasil. Entre as pinturas que ornavam os dois andares do edifício destinado às amostras ítalo-brasileiras, viam-se as figuras de Giuseppe Garibaldi (1807-1882) e Anita Garibald (1821-1849). Essas representações lembravam o papel desempenhado pelo Brasil no movimento nacional italiano e, assim, na criação do Reino da Itália. Serviam a conquistar a simpatia das autoridades e dos visitantes italianos ao Brasil, estreitando laços.

Na sala do pavilhão central, apresentaram-se alguns painéis representando o Brasil no ato de oferecer os seus produtos às nações européias; outros, assim como nos vitrais pintados, as caravelas portuguesas velejando em direção ao desconhecido. No interior da cúpula do salão otogonal de honra, apresentou-se uma pintura monumental da independência brasileira. Partindo assim do Descobrimento, passando pela Independência, o Brasil apresentava-se à Europa os seus produtos como nação independente, de trabalho e de progresso.

O regime não deixou de se fazer celebrar, salientando com isso o caráter oficial da presença do Brasil e o significado visto nessa participação. Em todos os cantos da sala colocou-se um busto em bronze de um dos presidentes da República.

Na ala destinada aos produtos brasileiros, foram promovidas as madeiras de lei, o café, o algodão, os minerais, além de outros produtos naturais. Ao lado das madeiras nobres, deu-se particular atenção à propaganda da borracha do Pará e do Amazonas. Esse fato levou a uma presença acentuada do Pará e de paraenses na exposição.

Quanto ao trabalho de manufatura, apresentaram-se produtos da indústria têxtil, de sapatos, de cordoaria e de couro.

A ordenação da exposição brasileira foi considerada como exemplar, permitindo constatar o amplo campo de ação e um desenvolvimento vigoroso enriquecedor que esperava o imigrante italiano no interior do Brasil com as suas terras férteis.

O Neo-Barroco - "estilo do albores da colonização e civilização" e o Art Nouveau/Liberty

Como mencionado, é significativo salientar que o Brasil não foi incluído no pavilhão da América Latina. Também este foi construído em neo-barroco, dominado por uma cúpula dourada, com cúpulas menores nos pavilhões menores.

O centro do palácio foi ocupado pelo Uruguai, os terminais pela Venezuela e pelo Peru. Particularmente de interesse para os italianos foi a seção a Venezuela, que compreendia também aquela da Republica Dominicana e dos italianos no Chile. Ali se mostrava a importância das exportações italianas para as colonias italianas da América o Sul.

A exposição da América Latina foi promovida pelo comitê Union-Latina, do qual Luigi Bizzozzero era vice-presidente.

Também a Argentina levantou um palácio à parte, marcado por figuras alegóricas de cavalos empinados representando o progresso. A Argentina destacou-se pelo emprêgo de filmes na representação do país: documentários mostravam a vida argentina, eventos públicos, cenas regionais, trabalhos agrícolas, de fazendas, de viagens e de caça.

Esteticamente, escolheu-se o Neo-Barroco por ser o Barroco um estilo de grande importância na América do Sul nos primeiros séculos da colonização.

As imagens do pavilhão brasileiro, porém, indicam não apenas a linguagem visual do Neo-Barroco, como também elementos do Art Nouveau. Salienta-se, aqui, monumental portal lateral do conjunto, portador do nome do país em grandes letras. A linguagem do Barroco revela-se aqui relacionada de forma coerente com o Art Nouveau, o que é compreensível pela movimentação de linhas e formas.

Com essa aproximação de estilos, o Brasil não apenas mostrava-se atento ao desenvolvimento mais recente das artes e da arquitetura, de um estilo no qual as artes e as artes aplicadas se relacionavam e que procurava configurar artisticamente a vida.

Com essa referência estilística, o Brasil demonstrava os elos que o aproximavam de Turim, cidade marcada pelo Art Nouveau ou Liberty. Esse estilo tinha determinado a exposição de artes que ali se realizara em 1902.

Sendo ambém designado como estilo floreal, o Art Nouveau no pavilhão do Brasil traz à lembrança fatos anteriores da presença de motivos florais nas relações entre Turim e o Brasil. Já em meados do século XIX, uma artista de Turim especializada em aquarelas florais recebera título de concedido por Dom Pedro II pelo fato de ter ofertado duas de suas obras à Imperatriz. (Veja)

Artistas encarregados da configuração artística do pavilhão

Entre os artistas e intelectuais envolvidos, salientam-se Eugenio Latour, Carlos e Rodolpho Chambelland, João e Arthur Timotheo da Costa, Lucilio de Albuquerque, Manuel Madruga, Antonio Parreiras e Eduardo Sá.


Manoel Madruga (1872-1951) foi o artista que ficou encarregado do tratamento artístico do principal escopo da participação do Brasil. A sua obra de grandes dimensões, de cinco por dez metros, de título "O Brasil oferecendo seus produtos à Europa", encontrava-se no andar térreo do pavilhão de honra, no seu vasto salão destinado a recepções.

Essa obra, posteriormente destruída, foi considerada como uma das tecnicamente mais apuradas das obras de arte criadas para o evento. Outras de suas obras foram apresentadas no segundo andar desse pavilhão. Com os trabalhos de Madruga, a Escola Nacional de Belas-Artes apresentava um de seus mais destacados discípulos ao lado de outros que nela receberam formação.

Tendo sido aluno de Zeferino da Costa e José Maria de Medeiros, recebera menção honrosa no Salão Nacional de Belas Artes em 1894 e medalha em 1898, passando nesse ano a aperfeiçoar-se na École des Beaux Arts e na Academie Julian de Paris, tendo sido aluno de Marcel Baschet (1862-1941 e Jean-Paul Laurens (1838-1921). Com breves permanências no Brasil, Madruga passou várias décadas de sua vida em Paris.

Também Lucílio de Albuquerque (1877-1939) era formado pela Escola Nacional de Belas Artes, onde conquistara várias menções e medalhas. Aperfeiçoara-se em Paris, para onde se transferiu com o Prêmio de Viagem concedido pela instituição em 1906. Também fora aluno da Academie Julian, de Marcel Baschet, Jean-Paul Laurens, os mesmos mentores de Madruga, além de Henry Royer (1869-1938). Em 1911, de volta ao Rio, foi nomeado professor de Desenho Figurado da Escola Nacional de Belas Artes. Para o Pavilhão de 1911, fêz os projetos para os vitrais. A sua obra tinha como conteúdo "A República Brasileira guiada pela ordem e pelo progresso desenvolve seu comércio e sua indústria".

Antonio Diogo da Silva Parreiras (1860-1937) era um artista brasileiro, de Niterói, que já havia estudado na Itália e que agora se fazia representar no pavilhão. Mais avançado em idade do que os anteriores, estudara ainda na Academia Imperial de Belas Artes a partir de 1882, passando em 1884 a ter a orientação do pintor alemão Johann Georg Grimm (1846-1887). Em 1888, transferiu-se para a Itália, onde estudou na Accademia di Belle Arti em Veneza. Logo após a proclamação da República, retornou ao Brasil, onde participou da Exposição Geral de Belas Artes no Rio, passando a lecionar pintura de paisagens na Escola Nacional de Belas Artes. Tornou-se, pela passagem do século, pintor de cenas alegóricas e comemorativas de acontecimentos históricos de conotações políticas a serviço oficial de propaganda e representação.

Artur Timóteo da Costa (1882-1922) e João Timóteo da Costa foram dois outros pintores que também criaram obras para o pavilhão. Tendo sido influenciados na sua formação pelo cenógrafo italiano Oreste Coliva, surgiam como particularmente aptos a colaborar no pavilhão tão marcado pela encenação do país. Artur Timóteo da Costa foi colega de outros artistas na Escola Nacional de Belas Artes a partir de 1894, tendo estudado com professores como Zeferino a Costa e Henrique Bernardelli (1858-1936). Também foi um dos que graças ao Prêmio de Viagem estudaram na Europa.

Carlos Chambelland (1884-1950), que como os anteriores frequentara a Escola Nacional de Belas Artes, tendo aulas com Zeferino da Costa e Rodolfo Amoedo, dedicava-se em particular à gravura, recebendo nessa disciplina aulas no Liceu de Artes e Ofícios do Rio de Janeiro. Também com prêmio de viagem à Europa, estudou em Paris, onde frequentou o estúdio de Eugene Carrière (1849-1906). Participou, nos trabalhos do pavilhão, juntamente com o seu irmão Rodolfo Chambelland.  Este tinha ganho o prêmio de viagem à Europa em 1905, onde estudou na Academie Julien de Paris.

Nicolina Vaz de Assis Pinto do Couto (1874-1941) participou como escultora dos bustos de presidentes da República expostos no segundo andar do pavilhão de honra. Nascida em Campinas, estudara na Escola de Belas Artes do Rio a partir de 1897. Com uma bolsa do Pensionato Artístico do Estado de São Paulo, dirigiu-se a Paris, onde estudou na Academie Julien. No mesmo ano da Exposição de Turim, casou-se com o escultor português Rodolfo Pinto do Couto.

Eugenio Latour (1874-1942), pintor e gravador, estudou na Escola Nacional de Belas Artes, sob a orientação de Zeferino da Costa, Henrique Bernardelli e Rodolfo Amoedo (1857-1941). Em 1902, ganhou uma viagem à Europa, estudando na Itália. Enviou obras de Roma a exposições no Brasil, alcançando renome. Estudou na França e na Itália, retornando em 1908, para, em 1910 regressar à Itália, atuando na decoração da cúpula do pavilhão brasileiro da Exposição. Após o evento, passou a residir em Florença, adquirindo a cidadania italiana.

Pintura e música. Carlos Oswald (1882-1971), filho de Henrique Oswald (1852-1931)

Carlos Oswald (1882-1971), pintor, gravador e músico, nascido em Florença mas de nacionalidade brasileira, merece ser considerado com especial atenção por diferentes motivos, em particular por ser filho do compositor Henrique Oswald, cuja atuação marcou a presença musical do país na Exposição.

Carlos Oswald seria posteriormente responsável pela configuração final do monumento do Cristo Redentor no Rio de Janeiro, adquirindo assim a exposição de Turim de 1911 um significado de marco na carreira de um artista que co-determinou a imagem do Rio de Janeiro.

Tendo nascido em família marcada pelo cultivo musical, Carlos Oswald estudou violoncelo com Cesare Leonida Giuseppi Cinganelli (1874-1963) aluno do Conservatório de Florença, terminando o seu curso com medalha de ouro e diploma. Transferindo-se posteriormente para a Inglaterra, onde se casou em 1903, atuou na orquestra do Wolverhampton Grand Theatre. Como parece ter sido o caso de Carlos Oswald, também na Inglaterra foi Cinganelli incentivador de artistas plásticos.

Não sem significado é o fato de ter Carlos Oswald realizado estudos na escola dos Jesuítas de Florença, ou seja, ter sido marcado por ambiente da restauração católica, considerando-se que mais tarde contribuiria com o desenho final da estátua do Cristo Redentor, realização máxima do movimento católico no Rio de Janeiro.

Correspondendo ao espírito do tempo marcado pela crença no progresso, na evolução técnica e científica, Carlos Oswald decidiu-se dedicar à Engenharia, cursando alguns anos do "Instituto Técnico Galileu Galilei", onde alcançou o diploma de físico-matemático. Cogitou em estudar química, esenvolveu estudos de arquitetura, e almejou seguir a carreira diplomática. Reconhecendo que nem a música, nem as ciências e a engenharia vinham de encontro às suas aptidões, mas sim as artes, ingressou na Academia de Belas Artes.

Um de seus mentores foi Odoardo Gelli (1852-1933), pintor que se distinguia pelo seu virtuosismo colorista e que veio de encontro à fascinação de Carlos Oswald pela pintura de paisagens.

Com a transferência de seu pai para o Rio de Janeiro, nomeado que fora para a direção do Instituto Nacional de Música do Rio de Janeiro, Carlos Oswald passou a remeter obras que foram apresentadas na capital do Brasil, tornando-se conhecido no meio brasileiro através dos prêmios que recebeu com pinturas de paisagens italianas. Veio ao Brasil em 1906.

A revelação do barroco arquitetônico no Brasil para o pintor nascido em Florença não pode deixar de ser salientada, considerando-se a predominância do Neo-Barroco que determinou a estética da Exposição de 1911.

Incentivado pelos sucessos obtidos no Brasil, retornou à Itália para terminar o curso na Academia de Belas Artes, frequentando a partir de 1908 o atelier de Carl Strauss (1873-1957), pintor e ilustrador norte-americano que realizara estudos em Munique, e, entre outros, com o austríaco Heinrich Knirr (1862-1944). As cópias de obras da Renascença que realizava para museus de diferentes países, assim como as suas pinturas de paisagens da Itália, em particular de Florença, parece terem influenciado o desenvolvimento artístico de Carlos Oswald.

A obra de Carlos Oswald foi influenciada por aquela de um dos mais renomados pintores da França de grandes obras murais: Puvis de Chavanne (1824-1898). O Brasil inseriu-se assim, através do seu pavilhão na Exposição Internacional de 1911 no interesse internacional por grandes representações pictóricas de sentidos simbólicos e interpretações históricas, exemplificado sobretudo na arquitetura religiosa em regiões extra-européias sob a influência francesa, como tratado em ciclos de estudos euro-brasileiros em La Réunion. (Veja)

Representa, assim, uma sensível perda para o patrimônio histórico-cultural que as obras criadas para o pavilhão brasileiro de 1911 tenham sido destruídas com o desmantelamento das edifícações após o seu término.

A encenação pictórica do Brasil com as suas implicações simbolistas de fatos e decorrências históricas foi, como demonstrada exemplarmente no caso dos Oswalds, pai e filhos, significativamente marcada por europeus de nacionalidade brasileira, que poucos anos tinham passado no Brasil, exigindo ser assim não considerada não de um posicionamento nacional, mas sim como expressão de complexos processos euro-brasileiros.

A consideração diferenciada desses processos abre perspectivas para a análise de problemas da identidade de imigrantes, daqueles que viverem entre nações e esferas culturais, assim como da recepção recíproca de desenvolvimentos no Brasil e na Europa.

Foi o sucesso da Exposição de 1911 importante fator que parece ter levado à transferência da família Oswald ao Brasil, onde Henrique Oswald obtera uma colocação definitiva como professor de piano no Instituto Nacional de Música.

Mesmo assim, ao vir para o Rio de Janeiro em 1913 com o seu irmão Alfredo Oswald, pianista, Carlos Oswald pretendia, juntamente com o seu irmão músico, retornar à Florença, onde mantinha o seu atelier.

Foi a eclosão da Primeira Guerra que impediu a realização desses planos, fazendo com que se estabelecessem no Brasil. Mais uma vez revela-se assim o marco divisor em processos culturais entre o Brasil e a Europa representado pela Primeira Guerra.


Súmula de trabalhos da A.B.E.e do I.S.M.P.S. sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo, Universidade de Colonia


Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A.(Ed.).“Encenações e arquitetura: o pavilhão do Brasil em Turim, 1911- o neo-barroco, o Art Nouveau e a representação do Brasil republicano -“
. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 159/12 (2016:01). http://revista.brasil-europa.eu/159/Brasil_em_Turim.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2016 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Academia Brasil-Europa
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
reconhecido de utilidade pública na República Federal da Alemanha

Editor: Professor Dr. A.A. Bispo, Universität zu Köln
Direção gerencial: Dr. H. Hülskath, Akademisches Lehrkrankenhaus Bergisch-Gladbach
Corpo administrativo: V. Dreyer, P. Dreyer, M. Hafner, K. Jetz, Th. Nebois, L. Müller, N. Carvalho, S. Hahne
Corpo consultivo - presidências: Prof. DDr. J. de Andrade (Brasil), Dr. A. Borges (Portugal)




 














Turim 2006. Fotos A.A.Bispo ©Arquivo A.B.E.