Hans von Bülow e a música no Brasil
ed. A.A.Bispo
Revista
BRASIL-EUROPA 159/3
Correspondência Euro-Brasileira©
Hans von Bülow e a música no Brasil
ed. A.A.Bispo
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BRASIL-EUROPA 159/3
Correspondência Euro-Brasileira©
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N° 159/3 (2016:1)
Hans von Bülow (1830-1894) e a música no Brasil
Reflexões no museu da música no Elisabethenburg de Meiningen
Pelos 150 anos de Paulo Florence em 2014 (1864-1949)
É uma cidade de antiga fundação, remontante ao século X. Como principal cidade da região, tornou-se em 1680 capital e cidade-residência do Ducado da Saxônia-Meiningen.
A sua fisionomia é marcada pela sua principal igreja, pelo monumental castelo ducal, por representativos edifícios da época do Historismo e seus grandes parques, exemplos importantes da recepção do paisagismo romântico inglês no continente.
Meiningen é hoje cidade de importância nas áreas da alta tecnologia, da indústria de máquinas, mantém, porém, a sua imagem como cidade de cultura, com museus e intensa vida cultural, em particular de teatro e música.
A mais renomada instituição cultural da cidade é a Capela da Côrte (Hofkapelle), a mais antiga orquestra da Europa em tradição não interrompida, padrão de excelência sinfônica e de interpretação.
Apesar desse significado, Meiningen é hoje pouco conhecida como cidade cultural no Exterior e mesmo na Alemanha. Uma das razões dessa situação reside no fato de Meiningen ter pertencido até há poucas décadas à República Democrática Alemã, situando-se em região fronteiriça com a Alemanha ocidental, sendo assim de difícil acesso e relações com instituições ocidentais.
Uma visita a Meiningen representa assim sob muitos aspectos uma revelação surpreendente para pesquisadores, pois este se sente transportado a uma constelação geográfico e político -cultural de um passado submerso, o que possibilita perspectivas outras do panorama histórico-cultural do que daquele posicionado nas grandes cidades da Alemanha ocidental. Essa imersão em configurações geográfico-culturais passadas permite o reconhecimento muito mais adequado de rêdes de contatos pessoais e artísticos do século XIX e início do XX.
A consideração de Meiningen é até mesmo indispensável para estudos de desenvolvimentos da história do teatro e da música do século XIX, da regência e da interpretação, podendo ser a cidade situada em nível de importância comparável àquela de Weimar com a sua tradição clássica e de Bayreuth, a cidade dos festivais wagnerianos.
Se Bayreuth é a cidade marcada musicalmente por Richard Wagner (1813-1883), Meiningen é por Hans von Bülow (1830-1894), Johannes Brahms (1833-1897) e Max Reger (1873-1916).
Hans von Bülow foi um dos principais responsáveis pelo extraordinário significado musical alcançado por Meiningen, onde viveu entre 1880 e 1887, e, em particular do nível alcançado pela sua orquestra de Côrte. Esse fato justificou a realização de um ciclo de estudos euro-brasileiros na antiga cidade-residência em 2015.
Hans von Bülow foi mentor também de Hugo Bußmeyer (1842-1912), pianista que, pós ter-se apresentado em tournées em diferentes países, fixou-se no Rio de Janeiro, onde contou com a simpatia de Dom Pedro II. Foi nomeado professor de regras de acompanhamento e órgão no Conservatório Imperial de Música em 1874 e, em 1875/6, a mestre da Capela Imperial, cargo por êle desempenhado até a proclamação da República.
Por mais surpreendente que possa parecer no presente, Meiningen permite assim o reconhecimento de rêdes artísticas e de correntes estéticas, da criação e do ensino musical que vincula essas regiões centrais da Alemanha com a capital da Baviera, a Suíça e o Norte da Itália, em especial Florença.
A passagem dos 100 anos de morte de Giuseppe Buonamici (1846-1914) e dos 150 anos de nascimento do seu aluno brasileiro Paulo Florence, em 2014, motivou a realização de ciclo de estudos o I.S.M.P.S. que teve o seu encerramento com visita a Meiningen, em 2015.
Momentos do desenvolvimento dos estudos e das reflexões
A personalidade de Hans von Bülow foi considerada com mais atenção em 1964/65 na área de História da Música do Conservatório Musical Carlos Gomes de São Paulo, instituição sucessora da Sociedade Beneficiente Benedetto Marcello, por lembrar ter sido êle professor de professores de Henrique Oswald, levantando-se a questão da sua influência, ainda que indireta, no Brasil. O direcionamento da atenção a processos no âmbito do movimento renovador de concepções qu levou à fundação da Sociedade Nova Difusão acentuou o interesse pelo estudo de rêdes e correntes de concepções. No Instituto Musical de São Paulo, entre 1970 e 1974, desenvolveram-se estudos mais aprofundados sobre a vida e a obra de Paulo Florence.
Os primeiros estudos mais pormenorizados relativos a Hans von Bülow em referenciações com Portugal e com o Brasil deram-se em 1976, por ocasião do Centenário da Casa de Festivais de Bayreuth. (Veja)
No âmbito do programa euro-brasileiro iniciado na Alemanha em 1974/75, cumpria considerar no principal centro dos estudos de Wagner e do movimento wagneriano os singulares e importantes vínculos do compositor, de sua obra e de sua visão do mundo e do homem no Brasil.
As reflexões tiveram continuidade com musicólogos voltados à América Latina no âmbito do projeto Die Musikkulturen Lateinamerikas im 19. Jahrhundert (Veja) e em diálogos com Carl Dahlhaus (1928-1989 ), em particular por ocasião dos Kasseler Musiktage de 1977.
No âmbito das edições do Forum internacional iniciado em 1982, e que serviram de preparação à oficialização do I.S.M.P.S., Hans von Bülow foi considerado mais pormenorizadamente nas suas relações com Henrique Oswald em colóquio com Luís Heitor Correa de Azevedo (1905-1992). Já na sua obra "150 anos e música no Brasil" (Rio de Janeiro 1956), L.H. Correa de Azevedo tinha salientado o significado de Hans von Bülow, retomando então as suas considerações e aprofundando-as.
Hans von Bülow voltou a constituir centro de atenções no âmbito dos esforços de desenvolvimento de uma musicologia interdisciplinar de orientação segundo processos culturais em dimensões globais na unidade dedicada ao século XIX da série "música no encontro de culturas" do Instituto de Musicologia da Universiade de Colonia, em 1998, assim como em seminário dedicado ao mesmo complexo temático na Universidade de Bonn em 2002/3.
O regente de Tristan und Isolde
Os principais motivos da realização de estudos de relações entre Richard Wagner e o movimento wagneriano com o Brasil por ocasião do centenário da Casa dos Festivais de Bayreuth em 1976 foram o fato de ter Dom Pedro II presenciado a sua inauguração e as referências relativas a um convite feito ao compositor, quando ainda em Zurique, de vir ao Rio de Janeiro, ali apresentar composições e dedicar uma obra a Dom Pedro II. (Veja)
Da correspondência divulgada, registra-se que Wagner não via possibilidades de dedicar obra em que trabalhava por ser tão vinculada à cultura alemã, mas antevia uma possível dedicação de obra de assunto mais universal, de tema também conhecido na tradição ibérica, e que seria Tristan und Isolde. (Veja)
Essa referência desperta atenções e, apesar do risco de especulações infundadas, aguça a sensibilidade para a análise dessa obra sob a perspectiva de processos culturais.
Nesses estudos não podia deixar de ser emprestada particular atenção a Hans von Bülow como um dos discípulos de Wagner em Zurique - na época dos contatos de diplomata brasileiro com Wagner -, e um um dos principais promotores e intérpretes de suas obras.
Convidado pelo rei Luis II da Baviera (1845-1886), Hans von Bülow foi mestre-de-capela da Corte em Munique de 1864 a 1867. Ali dirigiu a primeira audição de Tristan und Isolde, em 1865, e, em 1868, de Die Meistersinger von Nürnberg. Neste ano vinha a Munique G. Buonamici (1846-1914) para realizar estudos com Hans von Bülow.
As tensões e os conflitos com Wagner daquele que fora o seu discípulo e um dos maiores admiradores, assim como as diferenciações de caminhos e esferas estético-musicais, podem ser compreendidos a partir das relações com o compositor da sua mulher Cosima, a filha de Franz Liszt (1811-1886), com a qual se casara em 1857, o que levou à separação em 1867 e, por fim, ao fim do casamento em 1870. Das três filhas do casal, a última não teria tido von Bülow como pai.
Uma atenção especial merece o papel desempenhado por mulheres na sua vida, assim como na rêde social e artística da qual foi personalidade de referência. Tendo sido já marcado na sua formação por personalidades femininas, o estudo de Hans von Bülow traz à consciência o papel desempenhado por mulheres nos desenvolvimentos da vida musical do século XIX. Ao lado de Cosima, uma outra musicista foi alvo das incursões extra-conjugais de R. Wagner e que desempenhou importante papel no círculo de Hans von Bülow e sua extensão em Florença: Jessie Laussot (Taylor) (1829-1905). (Veja)
Essas complexas e conflitantes situações humanas, que tiveram compreensivelmente implicações artísticas, levaram a que os estudos de Hans von Bülow tivessem sido marcados por uma atenção especial a rêdes sociais e artísticas.
Hans von Bülow na Itália
Vendo-se a si próprio como peregrino errante, após a época de Munique, transferiu-se à Itália, onde Jessie Laussot preparou-lhe o terreno em Florença. Com ela dirigiu a Società Cherubini, contribuindo à difusão das obras de grandes compositores alemães na cidade e região, encontrando li já todos os pressupostos.
Com o renome que trazia, passou a ser requisitado como professor pelos círculos mais altos da sociedade, obtendo grande sucesso com concertos realizados a convite da Società del Quartetto em Florença e em Milão. Aqui, assumiu a direção da ópera de Milão. Foi nessa época de Florença que Hans von Bülow terminou a sua edição de obras de Beethoven.
O entusiasmo de Hans von Bülow pelo Novo Mundo
A atuação internacional de Hans von Bülow, que esteve na América, entusiasmando-se pelo Novo Mundo, e que faleceu no Egito, justifica uma atenção especial à sua vida e obra na perspectiva de uma musicologia voltada a processos históricos em contextos mundiais.
A imagem de Bülow é marcada pela sua erudição, pelo predomínio do pensamento como mestre da análise, não da mera execução, mas da interpretação de obras. Foi, neste sentido, um mentor de grande influência, que irradiava as suas concepções no seu meio.
Mais do que educador foi um formador, marcando aqueles que o seguiam com a sua atitude marcada por erudição, seriedade de concepções, de rigor, de convicção da nobilidade da obra musical de valor e do músico. Como êle, seus discípulos dedicaram-se às obras clássicas, em particular ao culto de Beethoven, à sua realização interpretativa como testemunham as edições, conhecendo-as de cór, adquirindo também grande capacidade de empatia com diferentes individualidades na música e épocas.
Hans von Bülow como pianista e aspectos de suas concepções
A perfeição técnica encontrava-se no rigor de seu pensamento e procedimento, a serviço da concepção musical e estética. A formação pianística era voltada no ao conhecimento de estilos, de obras clássicas e ao desenvolvimento da memória.
O artista deveria desaparecer como pessoa por detrás da obra. Intuitos de sensacionalismo e de conquista de público através de brilhantismo técnico exterior opunha-se a essa nobilidade intendida a música e do músico erudito. Nessa tradição, confirmou-se a noção de representar o Cravo Bem Temperado de J. S. Bach o "Velho Testamento", nas sonatas de L. v. Beethoven o "Novo Testamento" da música, paralelos que passaram também no Brasil a constituir um dos lugares comuns do pensamento. O ensino orientava-se segundo as obras editadas de mestres da antiga literatura para piano, como Händel, Scarlatti, Gluck, Weber, Mendelssohn, Chopin, para a formação técnica serviam sobretudo os estudos de H. Cramer.
Hans von Bülow como regente em Meiningen
Em 1881 passou a cooperar com Johannes Brahms (1833-1897 ), promovendo a execução e a difusão de suas obras. Em 1882, casou-se em segundas núpcias com Marie Schanzer (1857-1941), atriz da Corte de Meiningen.
O nível extraordinário alcançado por essa orquestra e o renome que alcançou internacionalmente contribuiram a que o procedimento e as concepções de Hans von Bülow se tornassem normativas.
Com êle estabeleceu-se um novo significado do regente que dominava as partituras apresentadas através de profundos estudos, de um trabalho sistemático de ensaios e de execuções orientadas segundo interpretações fundamentadas.
Em colóquios da A.B.E., em particular por ocasião da abertura do Centro de Estudos Brasil-Europa em Colonia, em 1997, sob o patrocínio da Embaixada do Brasil na Alemanha, apresentou-se a Sonata fantasia para piano e violino de Paulo Florence, considerando-a à luz da tradição em que se insere Brahms.
Súmula de trabalhos da A.B.E.e do I.S.M.P.S. sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo, Universidade de Colonia
Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A.(Ed.).“Hans von Bülow (1830-1894) e a música no Brasil. Reflexões no museu da música no Elisabethenburg de Meiningen“. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 159/3 (2016:01). https://revista.brasil-europa.eu/159/Buelow_e_Brasil.html
Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira
© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2016 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
Academia Brasil-Europa
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
reconhecido de utilidade pública na República Federal da Alemanha
Editor: Professor Dr. A.A. Bispo, Universität zu Köln
Direção gerencial: Dr. H. Hülskath, Akademisches Lehrkrankenhaus Bergisch-Gladbach
Corpo administrativo: V. Dreyer, P. Dreyer, M. Hafner, K. Jetz, Th. Nebois, L. Müller, N. Carvalho, S. Hahne
Corpo consultivo - presidências: Prof. DDr. J. de Andrade (Brasil), Dr. A. Borges (Portugal)
Meiningen. Fotos A.A.Bispo 2015 ©Arquivo A.B.E.