H. Villa-Lobos no Festival de Veneza 1925

Revista

BRASIL-EUROPA 163

Correspondência Euro-Brasileira©

 

N° 163/8 (2016:5)



Alfredo Casella (1883-1947) e Eva Gauthier (1885-1958)

como intérpretes de Heitor Villa-Lobos (1887-1959)

O III Festival de música de câmara em Veneza 1925 da Corporazione delle nuove Musiche e da Sociedade Internacional de Música Contemporânea nos seus elos com o Brasil II




Estudos euro-brasileiras sobre o
Vittoriale degli italiani na Riviera dei Limoni, lago de Garda, Gardano e Salò
a partir de dedicatórias a Martin e Tatiana Braunwieser


 
Salo. Foto A.A.Bispo 2016. Copyright

A apresentação de obras de Heitor Villa-Lobos no IIIFestival de Música de Câmara de Veneza, em 1925, pode ser considerada como a mais significativa data na história de processos músico-culturals entre o Brasil e a Europa nos anos que se seguiram à Primeira Guerra.


Com a execução de obras suas, o Brasil inseriu-se em evento de extraordinária importância não só para a história da música do século XX como também para a da aproximação entre as nações após a guerra e dos movimentos nacionais em diferentes contextos e tendências políticas.


Essa presença deve ser considerada tanto à luz dos desenvolvimentos da Sociedade Internacional de Música Contemporânea, quanto da Corporazione delle musiche moderna promotora do festival.


A presença do compositor brasileiro justificou-se pelo fato de ser o Brasil, ao lado dos Estados Unidos, o país não europeu que primeiramente criou uma seção da Sociedade Internacional de Música Contemporânea. Segundo a organização da associação, cabia às seções nacionais nomear anualmente na assembléia dos delegados dos vários países. Cada seção era, em geral, responsável pelo envio de artistas para a execução de obras respectivas.


O júri internacional de julgamento de composições, nomeado anualmente, foi constituído, para 1925, por André Caplet (1878-1925), já falecido à época do evento, Alfredo Casella (1883-1947), Zoltan Kodály (1882-1967) e Egon Wellesz (1885-1974).


Na preparação do evento em cooperação com circulos influentes da Sociedade Internacional de Música Cointemporânea em Salzburgo destacou-se Alfredo Casella, que para isso dirigiu-se à cidade austríaca.


Salo. Foto A.A.Bispo 2016. Copyright
Ali salientava-se, entre outros músicos, o principal aluno do Mozarteum, Martin Braunwieser (1901-1991) e a pianista teuto-russa Tatiana Kipmann, que se tornou a sua esposa, personalidades que desempenhariam posteriormente relevante papel na vida musical e no ensino em São Paulo.


Os elos desse círculo com o Brasil eram estreitos através da personalidade e da obra de Darius Milhaud (1892-1974), tornando-se a sua composição "Saudades do Brasil" o seu emblema.


O Brasil esteve representado por obras de Heitor Villa-Lobos: Epigrammas ironicos e sentimentaes (1921) e Historieta.


As obras foram interpretadas pela cantora Eva Gauthier, acompanhada ao piano pelo próprio Alfredo Casella. O piano, um Bechstein de concerto, foi colocado à disposição e enviado pela casa Ricordi e Finzi de Milão, representada em Venezia pela firma Brocco.




Éva Gauthier (1885-1958) - intérprete de obras de Villa-Lobos em 1925


Tudo indica ter sido a cantora Éva Gauthier aquela que desempenhou o papel mais decisivo na inclusão do compositor brasileiro no programa. De origem canadense, onde recebeu a sua primeira formação, transferira-se em 1902 à Europa.

Já antes da Primeira Guerra, desenvolveu estudos e carreira em várias cidades européias, entre elas em Londres, em Milão e em Pavia.

No contexto do interesse por culturas não-européias da época - do qual um dos principais centros foi o Mozarteum de Salzburgo, Éva Gauthier destacou-se pelo fato de ter estado na Indonésia, onde conheceu aquele que seria o seu marido.

Foi uma das primeiras cantoras ocidentais que se dedicaram à música para gamelão. Além de viajar por outros países orientais, apresentou-se na Austrália e Nova Zelândia.

Transferindo-se para os Estados Unidos durante a Primeira Guerra, passou a incluir peças populares, música javanesa e obras de compositores europeus contemporâneos. Um de seus mais memoráveis concertos deu-se no Aeolian Hall em Nova Iorque, em 1917, local também dos grandes sucessos de Guiomar Novaes (1895-1979). (Veja)

Diferentemente da pianista brasileira, os concertos de Éva Gauthier foram marcados por peças com referências extr-européias, tais como os "Três poemas japoneses" de Igor Strawinsky (1882-1971), os Five Poems of Ancient China and Japan de Charles Tomlinson Griffes (1884-1920).

Nesse concerto incluiu uma composição de Maurice Ravel (1875-1937) compositor com o qual manteria estreitas relações de amizade. Para tratar de uma viagem de concertos pelos Estados Unidos com Ravel, foi enviada pela Music League of America a Paris, em 1920. Ali teve contatos com músicos do assim-chamado Groupe des Six, em particular com Darius Milhaud. Obras de Milhaud incluiu em recital oferecido em 1923 no Aeolian Hall com o título Recital of Ancient and Modern Music for Voice, um programa que marcou época.

Parece terem sido esses elos com Ravel e a sua estadia em Paris que lhe chamou a atenção às composições de Heitor Villa-Lobos. Este, encontrava-se em Paris em 1923/1924:

"Nell'estate del 1923 una sovvenzione del governo brasiliano aveva consentito a Villa-Lobos di passare un anno a Parigi. Nella capitale francese egli aspirava, com'è naturale, a farsi un nome; ma la cosa non era facile per un nuovo venuto. Al tempo stesso Villa-Lobos dovette constatare, con sorpresa, che molti parigini si aspettavano da un compositore del suo paese qualcosa di originalmente brasiliano, e non della musica da camera o orchestrale tradizionale. Non una musica in tutto e per tutto esotica, ma che almeno si differenziasse da quella dell'Europa centrale più o meno come la musica russa o cèca si distingueva dallo stile francese da quello italiano.

Ma in fatto di composizioni di ispirazione amerindiana Villa-Lobos non aveva nulla da mostrare, dato che a quel tempo la sua musica era ancora largamente influenzata da Debussy, Cajkovskij e altri compositori russi. (...) Quando Villa-Lobos tornò in Brasile, verso la fine dell'estate 1924, lo stimolo avuto a Parigi a comporre musica che riflettesse le fonti originarie del suo paese non tardò a dare frutti: pochi mesi dopo, il 23 marzo 1925, Villa-Lobos usò per la prima volta il termine 'folklore' in relazione a un'opera per piano solo (...)" (Lina M. Peppercorn, "Le influenze del folklore brasiliano nella musica di Villa-Lobos", Rivista Musicale Italiana X/2, 1976,179-184).

Significativo também é o fato das canções terem sido traduzidas por Georges Philéas Lebesgue/Lebesque (1869-1958), poeta,  autor dramático e publicista, que traduzira obras literárias de autores brasileiros e no Mercure de France publicava artigos sobre livros em português. No programa do Festival foram publicados, com a versão francesa, os textos originais em português de Ronald de Carvalho (1893-1935) dos Epigrammas ironicos e sentimentais, assim como os de Manoel Bandeira (1886-1968) do Novelozinho de Linha... (Historietas).

Salo. Foto A.A.Bispo 2016. Copyright

De ciclo de estudos sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo


Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A.(Ed.).“Alfredo Casella (1883-1947) e Eva Gauthier (1885-1958) como intérpretes de Heitor Villa-Lobos (1887-1959).O III Festival de música de câmara em Veneza 1925 da Corporazione delle nuove Musiche e da Sociedade Internacional de Música Contemporânea nos seus elos com o Brasil II“
. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 163/8 (2016:05). http://revista.brasil-europa.eu/163/Festival_de_Veneza_1925_Villa-Lobos.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2016 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Academia Brasil-Europa
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
reconhecido de utilidade pública na República Federal da Alemanha

Editor: Professor Dr. A.A. Bispo, Universität zu Köln
Direção gerencial: Dr. H. Hülskath, Akademisches Lehrkrankenhaus Bergisch-Gladbach
Corpo administrativo: V. Dreyer, P. Dreyer, M. Hafner, K. Jetz, Th. Nebois, L. Müller, N. Carvalho, S. Hahne





 



Salò 2016. Fotos A.A.Bispo ©Arquivo A.B.E.

 

_________________________________________________________________________________________________________________________________


Índice da edição     Índice geral     Portal Brasil-Europa     Academia     Contato     Convite     Impressum     Editor     Estatística     Atualidades

_________________________________________________________________________________________________________________________________