Percepção e sinestesia - dimensões
ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 165

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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India. Foto A.A.Bispo 2007. Copyright

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India 2007. Fotos A.A.Bispo©Arquivo A.B.E.

 


N° 165/9 (2017:1)


Psicofisiologia auditiva, sinestesia e suas dimensões
Desenvolvimentos desencadeados pela
Sémantique musicale de Alain Daniélou (1967) II:
O Laboratório de Percepção e Sinestesia do
Centro de Pesquisas em Musicologia de São Paulo (1970)
a atualidade das reflexões à luz dos conflitos religiosos do presente

2017-1967: 50 anos de Sémantique musicale de Alain Daniélou (1907-1994)
e 10 anos de ciclos de estudos euro-brasileiros na Índia pelo seu centenário - Fatehpur Sikri

 
India. Foto A.A.Bispo 2007. Copyright

Poucos foram os pesquisadores que, como Alain Daniélou, marcaram tão decisivamente o desenvolvimento das reflexões no âmbito dos estudos de processos culturais em relações internacionais como praticados na A.B.E. e no I.S.M.P.S..

Pela passagem dos 50 anos da publicação do seu livro Sémantique musicale. Essai de psychophysiologie auditive (Paris: 1967), torna-se oportuno recordar a influência que as suas concepções e pesquisas exerceram no Brasil e o papel que desempenharam no debate das décadas que se seguiram.

A Sémantique musicale veio de encontro às tendências renovadoras que, desde meados dos anos de 1960, preconizavam um direcionamento da atenção a processualidades nas áreas de estudos históricos e empíricos voltadas à música e que levou em 1968, à fundação de uma sociedade de estudos de processos culturais (ND).

Esses estudos, que se propunham a analisar processos sob diversos aspectos, entre eles quanto a ordenações e dinâmicas internas, estruturas, funções e sentidos, partiam do reconhecimento de uma similaridade entre os  desenvolvimentos culturais na história e no presente com a música. Constatavam-se paralelos entre a análise de processos culturais e antropológicos e aquele da música, de uma ciência da cultura e do homem e da musicologia, o que conferia a esta última um papel condutor nos estudos culturais. (Veja)

Foi o reconhecimento desse significado de uma ciência musical que justificou a criação de um Centro de Pesquisas em Musicologia na sociedade de estudos de processos culturais fundada em 1968. Questionava-se se a música, retomando-se antigas concepções, poderia ser a chave para o estudo de processualidades na cultura, nas ciências e nas artes.

Segundo Daniélou, seria necessário ultrapassar os limites da psicologia e da acústica para englobar o campo mais vasto da psico-acústica e da teoria da comunicação com os seus novos pontos de vista sobre a percepção e também de deduzir da Cibernética leis concernentes à eficácia e à função otimal nas reações do homem perante os fenômenos sonoros.

Fenômenos, processos e a esfera de conhecimentos de "entre" limites - o intermédio

Daniélou baseava-se em experiência de muitos anos e de observação de constantes e conteúdos de linguagens musicais. Não saberia dizer se a área em que se inseriam os seus estudos poderia ser designada como de musicologia, de semântica musical ou de psico-fisiologia. A sua obra pertenceria antes à neurologia, à acústica e à cibernetica. Ela traria contribuições que podiam ser utilizadas em todas as ciências.

Já de início lembrava palavras de Norbert Wiener em sua obra Cibernética (Cybernetics, Paris: Hermann 1958). Ali, Wiener salientava o fato de que desenvolvimentos mais produtivos na área das ciências seriam aqueles que estariam entre as várias disciplinas estabelecidas. Haveria poucos pesquisadores que pudessem ser chamados exclusivamente comoi matemáticos, físicos ou biólogos. Cada um usaria o jargão da sua especialidade, conheceria a literatura específica, mas se interessaria por regiões do trabalho científico entre-fronteiras, intermédias, que seriam então exploradas por diferentes lados. Seria regiões limites de áreas científicas que ofereceriam as mais ricas oportunidades para o alcance de novos conhecimentos.

Preocupações pela sistemática na área da Análise e Estruturação Musical no Brasil

As preocupações do Centro de Pesquisas em Musicologia marcadas pelo pensamento de Daniélou refletiram-se sobretudo nos esforços renovadoras na prática e no esnino da Análise Musical, matéria que há alguns anos passara a substituir a antiga Morfologia musical. Em vários encontros promovidos nos círculos da organização que levou, em 1968, à fundação da sociedade de estudos de processos culturais (ND), e que contaram com a participação ativa de professores de Análise Musical, trataram-se de questões de natureza sistemática. Do ponto de vista acústico, os estudos foram desenvolvidos em cooperação com o departamento de física aplicada (acústica arquitetônica) da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.

Esses trabalhos prepararam e tiveram prosseguimento em nível superior com a instituição da área Estruturação em cursos de formação de instrumentistas, compositores e de Licenciatura em Educação Musical e Artística do Instituto Musical de São Paulo.

Pela própria natureza do assunto e pela orientação seguida, o tratamento de questões sistemáticas na Estruturação Musical procedeu-se em estreitas relações interdisciplinares com a Etnomusicologia então instituída, na qual discutia-se posições da Musicologia Comparada que passavam então a ser questionadas. Sendo Daniélou não apenas um dos mais renomados representantes mais recentes de procedimentos comparativos, como também um dos principais especialistas em música da Índia, o tratamento dessas questões no Brasil relacionou-se estreitamente com a consideração da cultura musical indiana.

Segundo Daniélou, os sistemas musicais, sendo baseados na observação de certos fatos acústicos e psico-fisiológicos fundamentais, permitem que se estabeleçam princípios de relações de frequência, de timbres e de volumes, assim como, através deles, reconhecer o mecanismo auio-mental pelo qual o homem perceberia, classificaria e interpretaria os sons.

As diversas interpretações propostas para explicar os fenômenos musicais representariam tentativas de classificação lógica e de ensaios de sistematização de dados da experiência. Essas interpretações conduziram aos diferentes sistemas musicais e a teorias musicais por vezes contraditórias. 

As sistematizações diriam respeito, assim, em princípio aos mesmos fenômenos, mas os interpretando diferentemente. As classificações exerciam influência sobre a criação artística, uma vez que esta tende a seguir e a explorar  dados de um sistema. Esse processo conduzira assim a literaturas musicais com linguagens muito diferentes entre si pelo seu vocabulário, sua estética e suas possibilidades. Essas diferenças nas similaridades diriam respeito também a sentidos, significados e conteúdos: frases melódicas sensivelmente similares ou mesmo identicas na sua fenomenologia exterior poderiam ter uma significação, um conteúdo expressivo e estético diferente entre si. O homem teria porém a tendência de aceitar o conteúdo emotivo de um tipo de relações sonoras como tendo um valor geral.

Psicofisiologia auditiva e a Percepção no ensino e na formação de professores

As implicações pedagógicas da obra de Alain Daniélou tiveram consequências para iniciativas relativas ao ensino e à formação de professores no Brasil, em particular na área da Percepção Musical. Esta, por muitos compreendida como mera substituição do antigo Solfejo ou da Formação Auditiva e Rítmica no sentido de um treinamento para músicos, passou a adquirir dimensões mais amplas e profundas. 

Segundo Daniélou, o estudo dos mecanismos da percepção e da classificação mental abria novas perspectivas para a solução de problemas do ensino musical. Se o ensino procedesse segundo a ordem de facilidade da percepção e da análise mental, a educação musical da criança tornar-se-ia muito mais fácil e ajudaria a seu desenvolvimento, em lugar de a êle colocar obstáculos. A falta de musicalidade representaria antes uma reação defensiva de crianças dotadas do ponto de vista auditivo e que se viam confrontadas com formas musicais que lhes pareciam ilógicas, derivadas do sistema temperado e da tonalidade.

Para Daniélou, a linguagem musical natural da criança seria do tipo modal. Bastaria iniciar a criança às formas modais, progredindo de estruturas com intervalos mais simples aos mais complexos, a criatividade da criança logo se manifestaria. A música desempenharia um papel extraordinariamente relevante na formação harmoniosa da personalidade. As concepções de gregos e hindús concernentes ao valor educativo de certos modos e seu papel na formação do caráter não seriam simples lendas.

Psicofisiologia auditiva e o interesse pela modalidade na pesquisa e na composição

Com essa argumentação, Daniélou vinha de encontro ao interesse pela modalidade na teoria e na formação de compositores assim como da análise modal em cursos de Canto Gregoriano da organização de estudos de processos culturais, de Análise, Composição e Estruturação no Brasil dos finais dos anos de 1960 e início da década de 1970.

Do ponto de vista pedagógico, vinha de encontro sobretudo ao método Ward que então se introduzia sobretudo devido ao empenho de Nicole Jeandot. Baseando-se no Canto Gregoriano, ainda que em particular na teoria rítmica de Solesmes, esse método favorecia uma musicalização orientada segundo a tradição modal.

Essas interações, que implicavam em modificações de conceitos e procedimentos do Método Ward, representaram um avanço relativamente àquele dos centros desse método na Europa e que dariam margem posteriormente a discussões em encontros internacionais.

Psicofisiologia auditiva e a Estética nos cursos superiores

A Sémantique musicale serviu como um dos textos básicos de estudos e discussões de cursos da área de Estética realizados em união pessoal com os de Etnomusicologia e Estruturação da Faculdade de Música e Educação Artística do IMSP.

A obra vinha de encontro à necessidade sentida de uma reorientação profunda dos estudos culturais e que exigia também uma renovação da Estética, área que, em particular na área da música, encontrava-se em estado altamente insatisfatório. A obra de Daniélou prometia apresentar leis que, tendo em conta formas de percepção constatáveis na área musical, poderiam fornecer um ponto de partida para uma nova estética musical. 

Ponto de partida das reflexões foi o do condicionamento histórico-cultural do pensamento científico que, nas diferentes épocas, trataram da questão da natureza da música e dos seus efeitos nos ouvintes.

Psicofisiologia auditiva e o Laboratorio de Percepção e Sinestesia

As dimensões mais amplas da influência da obra de Daniélou no Brasil disseram respeito à sinestesia. A questão da percepção sinestésica foi tratada tanto na área mais especificamente musical e do ensino da música, como também no da Comunicação Visual no âmbito da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo.

Sendo estudada e discutida no Centro de Pesquisas em Musicologia, a Sémiologie musicale motivou a criação de um Laboratório de Percepção e Sinestesia no conservatório que abrigava a Sociedade Nova Difusão em São Paulo - o Conservatório Musical do Jardim América -, então sob a direção de Laís Chebl e orientação do editor desta revista.

Daniélou baseava a sua argumentação em estudos que desenvolvera sobre equivalências entre relações de frequências percebidas visualmente e os fenômenos da audição. Para êle, a diferença das formas vibratórias percebidas pelos diferentes sentidos seriam secundárias, podendo-se estabelecer relações entre as frequências similares e correspondentes a figuras-tipo análogas.

Segundo Daniélou, a transposição de percepções visuais aos nervos auditivos ou de percepções sonoras às visuais parecia ser possível experimentalmente, ainda que a quantidade de elementos do cortex atribuidos ao circuito dos diferentes sentidos fosse muito variável. Neste sentido, a argumentação de Daniélou vinha de encontro ao interesse que passava a despertar a Psico-Acústica na Faculdade de Arquitetura da Universidade de São Paulo. Em cooperação com professores dessa área, decidiu-se implantar no Centro de Estudos em Musicologia, em forma experimental, um Laboratório de Percepção Sinestésica, complementando cursos de iniciação musical infantil.

As crianças deviam não só serem "treinadas" em formação auditiva como se procedia em cursos que, considerando-se avançados, substituiam o antigo solfejo, mas sim sensibilizadas a partir da percepção auditiva à percepção visual e mesmo de outros órgãos dos sentidos. As experiências obtidas na prática de ensino nesse laboratória serviram posteriormente às aulas de Percepcão em cursos superiores de Licenciatura em Educação Musical, uma vez que esta devia ampliar-se a uma Educação Artística.

Psicofisiologia auditiva, sinestesia e os estudos culturais empíricos

No âmbito dos estudos culturais empíricos - ainda então considerados sobretudo na área do Folclore - as concepções de Daniélou contribuiram sobretudo à discussão de aproximações metodológicas e de análise relativas a formas de culto que apresentavam fenômenos de transe e práticas de magia, entre êles a umbanda e o candomblé.

Dando continuidade e aprofundando sob nova perspectiva dados já conhecidos de outras publicações, Daniélou salientava que as representações geométricas das relações numéricas ofereciam figuras similares àqueles qus os astrólogos e magos utilizaram desde épocas remotas e em diferentes contextos. Generalizando, o pesquisador afirmava que seriam encontradas na base de todos os ritos e da arquitetura sacra. Não eram figuras arbitárias, mas ponto de partida de ciências, de esforços para chegar-se à interpretação da natureza de uma realidade que não poderia ser expressa senão que por linguagem matemática. As suas colocações levaram à realização de estudos e trabalhos acadêmicos sobre práticas tradicionais no Brasil, entre outro sobre pontos de umbanda.

Daniélou salienta o efeito psicologico - e formas modais, em particular na música da Índia - na  personalidade e no caráter e suas extensões na esfera de práticas mágicas. Mencionando como alguns grupos sonoros melódicos e rítmicos são utilizados para levar a êxtases e provocar estados de transe, deu impulsos às realizações de pesquisas de cultos com fenômenos de possessão por estudantes de Licenciatura em Educação Musical/Artística.

Para Daniélou, nada haveria de misterioso nesses mecanismos, explicáveis pelo uso repetido de grupos sonoros precisos. A estrutura desses grupos sonoros não teria nada de arbitrário e era empregada muito conscientemente em certas formas de música de caráter místico, extático ou mágico em várias culturas, por exemplo entre os derviches persas e as danças mágicas da África ou de certas populações da India da Indonésia. Na área da Etnomusicologia então instituída no Brasil tratou-se de analisar se esse fato poderia também ser aplicado a fenômenos da tradição brasileira.

Um elemento importante na criação de estados extaticos seria o condicionamento a formas melódico-rítmics que tenderiam a acelerar os rítmos vitais: sendo uma determinada configuração rítmica assimilada e levada a um automatismo em forma de movimentos e de dança, a passagem rápida a outras configurações produziria um choque, uma espécie de ruptura, sendo o sujeito independentemente da vontade obrigado a uma participação involuntária e semi-inconsciente que favorisaria estados visionários. 

Daniélou teve a oportunidade de estudar cantos místicos dançados em Bengala e nas danças proféticas de populações do Sul da India. Os dançaridos assimilaria rítmos com os quais se identificariam e que criariam uma uma espécie de estado de semi-sonolencia hipnótica. A seguir, os músicos provocariam um choque por meio de golpes violentos de tambores, dando início a um ritmo novo mais complexo. Após um instante de hesitação, os dansarianos seriam tomados por esse ritmo novo, sem intervenção da vontade consciente, o que provocaria em alguns um estado de transe e uma perda de controle de si como se o ritmo fosse de um espírito que os tomasse. Esse estado de transe se caracterizaria por uma insensibilidade à dor, até mesmo por uma perda do pudor e por percepções visionárias.

Considerando essas explanações de Daniélou, realizaram-se, entre 1970 e 1974, trabalhos de pesquisa de campo em centros e concentrações de umbanda, assim como de práticas de candomblé, não só em São Paulo como também entre outras cidades do Brasil, em particular em Salvador.

O significado das relações numéricas nos estudos sinestésicos

Todas essas aplicações de concepções expostas na Sémantique musicale e de reflexões por ela impulsionadas levavam à consideração de relações numéricas que partiam fundamentalmente da percepção auditiva e do estudo de fenômenos da física de oscilações e da acústica.

Também aqui tratava-se de fatos históricos conhecidos tanto dos estudos da Antiguidade ocidental como daqueles de culturas do Oriente e mencionados na literatura histórico-musical, oferecendo, porém, uma explicação particularmente plausível e mais ampla e aprofundada. As relações numéricas que exprimem relações de sons equivaleriam a proporções constatáveis quanto a cores, formas, divisões do tempo e movimento, com correspondências em todos os aspectos do cosmo - por exemplo nos movimento dos planetas - e da existência.

O fenômeno designado como "emoção estética" e o emprêgo de sons, cores e formas para sugerir sensações, emoções e idéias indicariam estruturas do corpo, das emoções e da mente afins devido a relações comuns e proporções.

Segundo Daniélou, a consideração de frequências e de relações possibilitaria a determinação de certas leis numéricas que pareciam ordenar também o interior do homem. Poder-se-ia até mesmo esperar formulações de equações relativas ao pensamento. Por essa razão, uma ciência da música devia partir do estudo preciso e sutil de seres e de coisas, e nesse sentido - e não no sentido ocidental de instrumentistas e regentes - seria também o músico prático um cientista, capaz de recriar sonoramente sentimentos, paixões e transmitir visões.

A partir dessas colocações, Daniélou elucidava o sentido dos grandes músicos da mitologia e da história mais antiga. Tornava plausível a imagem de Amphion e o poder do som de sua lira na construção dos muros de Tebas. A lembrança dessas antigas concepções teria atravessado os séculos, em particular em correntes de cunho hermético. A procura de leis matemáticas que determinam a ordenação e a harmonia do mundo mantivera-se vigente e tivera a sua expressão em tratados, inclusive na história da medicina. Relações numéricas entre o macro e o microcosmos levou aqui à procura de correspondências entre órgãos físicos do homem e corpos celestes.

Estudos na Índia e visita a Fatehpur Sikri no centenário de Daniélou (2007)

Fetehpur Sikri. Foto A.A.Bispo 2007. Copyright

Mais do que a tradição ocidental, o indólogo via a justificativa de suas elucidações na música do Oriente. Lembrava que a história chinesa conhecia lendas de verdadeiros músicos, capazes de fazer cair a noite e nascer a primavera. Sobretudo, porém, era na música da Índia que Daniélou mencionava a mais impressionante imagem do poder da música: aquela de Gopala Nayaka. Segundo a tradição, o imperador Akbar (1542-1605), grande mogul da Índia entre 1556-1605) forçara o músico a cantar o "modo do fogo". Ao fazê-lo, a água do rio Jumna começou a ferver e o músico morreu nas chamas que saíram do seu corpo.

Foi justamente essa referência de Daniélou que fêz com que Akbar adquirisse um significado especial, quase que emblemático nos estudos culturais sob vários aspectos. Para além de sua consideração no âmbito dos estudos históricos relativos à presença portuguesa na Índia, Akbar tornou-se objeto exemplar de análises de processos culturais, de encontros, interações e transformações. Por esse motivo, no ano em que se celebrou os 100 anos de nascimento do indólogo, o I.S.M.P.S. e a A.B.E. promoveram uma visita às ruínas de Fatehpur Sikri. Essa cidade, hoje abandonada, construída como capital do seu império entre 1569 e 1576, representa o maior monumento arquitetônico da era de Akbar.

Akbar adquiriu significado nos estudos etnomusicológticos relacionados com a história missionária no âmbito dos trabalhos da seção de Etnomusicologia do Instituto de Estudos Hinológicos e Etnomusicológicos da organização pontifícia de música sacra, então sob a orientação do editor. O significado de Akbar derivava aqui do fato de ter êle permitido a presença de representantes de diferentes religiões na sua Côrte, salientando-se aqui a de jesuítas portugueses, em particular do italiano Rodolfo Acquaviva (1550-1583).

Não só essa tolerância, mas sim os desenvolvimentos transformatórios desencadeados pelas interações religioso-culturais fazem com que Akbar e a sua época se tornem altamente relevantes para estudos da religião e de processos culturais. No centro das atenções encontra-se a forma religiosa denominada de Din-i ilahi, por alguns considerada como uma "nova religião", por outros como uma expressão de erudição de cunho filosófico, com elementos neoplatônicos e aristotélicos, no qual o aspecto racional adquiriu significado na interpretação do Corão.

A lembrança desse desenvolvimento do século XVI adquire hoje relevante significado, uma vez que são justamente questões de interpretação dos escritos que se encontram no centro das atenções devido aos conflitos religiosos em países islâmicos e daqueles resultantes do fundamentalismo em países ocidentais com grande porcentagem de muçulmanos. De muitos lados levanta-se a necessidade de leituras e interpretações não-literais, conduzidas de forma a possibilitar um islão "esclarecido".


De ciclos de estudos da A.B.E.
sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo


Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. (Ed.).  "Psicofisiologia auditiva, sinestesia e suas dimensões. Desenvolvimentos desencadeados pela Sémantique musicale de Alain Daniélou (1967) II: O Laboratório de Percepção e Sinestesia do Centro de Pesquisas em Musicologia de São Paulo (1970) a atualidade das reflexões à luz dos conflitos religiosos do presente“. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 165/9(2016:06).
http://revista.brasil-europa.eu/165/Percepcao_e_Sinestesia.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2017 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Academia Brasil-Europa
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
reconhecido de utilidade pública na República Federal da Alemanha

Editor: Professor Dr. A.A. Bispo, Universität zu Köln
Direção gerencial: Dr. H. Hülskath, Akademisches Lehrkrankenhaus Bergisch-Gladbach
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