Grécia - Alemanha - Áustria - Brasil
ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 170

Correspondência Euro-Brasileira©

 
Atenas. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright






Atenas. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright

Agora de Atenas. Fotos A.A.Bispo 2017©Arquivo A.B.E.

 


N° 170/1 (2017:6)



Grécia - Brasil nos seus elos com a Alemanha e a Áustria
processos culturais de formação de nacionalidade
e valores universais do Homem - Antiguidade helênica e ideais clássicos


150 anos de falecimento de Otto I da Grécia, príncipe bávaro (1815-1867) e
200 anos do casamento de Dom Pedro I (1798-1834) e Dona Leopoldina (1797-1826), Arquiduquesa da Áustria


 
A.A.Bispo em Delphi. Foto 2017. Copyright
A presente edição da Revista Brasil-Europa apresenta relatos de reflexões e visitas a instituições encetadas na Grécia no corrente ano, assim como de estudos que prepararam essa viagem de estudos e daqueles que a ela seguiram.
Esses trabalhos realizaram-se em estreitas interações com aqueles levados a efeito no na Alemanha e na Áustria também no corrente ano. Neste sentido, dá-se continuidade com esta edição ao número anterior da revista, quando foram considerados alguns
Foto A.A.Bispo. Copyright 2017
aspectos das relações entre a Áustria, a Alemanha e o Brasil. (Veja)

Outros aspectos dessas relações são aqui considerados, ampliando-se o contexto das interações multilaterais com a atenção dirigida à Grécia no âmbito das relações entre a esfera de língua e cultura alemã com este país e de ambos com o Brasil.

150 anos de falecimento de Otto I da Grécia e as relações Baviera-Grécia

A atenção a esses elos, à primeira vista surpreendentes, foi despertada nos trabalhos desenvolvidos na Baviera em 2017. O confronto com rememorações ali constatadas dos 150 anos de falecimento do príncipe bávaro Otto F. L. von Wittelsbach (1815-1867), nascido em Salzburg/Áustria, e que se tornou o
primeiro rei da Grécia (1832-1862), avivou a consciência dos estreitos elos históricos entre a Baviera e a Grécia.

A sua memória mantém-se até hoje singularmente presente, em particular na cidade que traz o seu nome, Ottobrunn. O seu nome surge como representativo dos laços históricos bávaro-gregos, celebrados em diversos contextos e manifestados publicamente todos os anos em festa de verão da comunidade grega e teuto-grega de Munique.

A atualidade do nome de Otto I aguçou a sensibilidade para a percepção de proximidades que se revelam até mesmo nas cores nacionais da bandeira grega, que são aquelas da Baviera. Elas trouxeram à consciência as dimensões da influência bávara na organização do reino grego após a independência, assim como na sua vida científica e cultural, marcando-a por décadas, a história grega até o presente.

No estudo de processos culturais em relações internacionais, como é escopo da A.B.E., a consideração dos elos entre a Baviera e a Grécia, ou, em mais amplas dimensões, entre a Europa Central de língua alemã e a Grécia adquire particular significado sob diferentes aspectos.

Não só alemães atuaram na Grécia e exerceram marcante influência em processos político-culturais, nas artes e nos estudos universitários gregos, como também personalidades de relêvo da história política e cultural grega realizaram estudos na Alemanha e posteriormente atuaram como conselheiros, economistas, diplomatas, cientistas, publicistas e eruditos em geral.

Os estreitos elos entre a nova Grécia e a Baviera tiveram também a sua expressão emblemática. A Grécia adotou as cores bávaras, o azul e branco em lugar do branco-azul bávaro e o próprio nome da Baviera (Baiern) sofreu modificações, passando a ser escrito com o y do alfabeto grego (Bayern).

A rememoração desses elos por motivo dos 150 anos de Otto I deu ensejo também a que se salientasse a atualidade de uma recordação dessas relações. Na tentativa de solução da crítica situação econômica da Grécia nos últimos anos, a Alemanha vem desempenhando papel relevante, uma atuação que não tem sido apenas bem recebida. Recordou-se, assim, na imprensa, que não é novo o apoio da Alemanha à Grécia, mas insere-se numa longa história de relações mútuas, vinculando-se estreitamente com o movimento de independência e a construção do estado nacional grego.

200 anos do casamento e D.Pedro e Dna.Leopoldina e as relações Áustria-Brasil

Reconsiderar com maior atenção essas relações é de significado também para os estudos relacionados com o Brasil. Não se pode esquecer o aparentemente singular paralelismo no tempo dos processos de independência, de formação de consciência nacional, de identidade, de construção de Estado e do desenvolvimento entre as duas nações geograficamente tão distantes e pertencentes a contextos tão diferentes. Ambas proclamaram a sua independência em 1822.

Ambas as nações foram ligadas à Áustria e à Baviera por estreitos laços, bastando lembrar, no caso do Brasil, as duas primeiras imperatrizes do Brasil, esposas de Dom Pedro I (1798-1834): Dona Leopoldina, Arquiduquesa da Áustria (1797-1826), e Dona Amélie von Leuchtenberg (1812-1873) pelo seu nascimento e vida estreitamente vinculada com a Baviera e a família real bávara.

A passagem dos 200 anos do casamento de Dom Pedro I e a filha do imperador Francisco I (1768-1835) da Áustria, o último imperador do Sacro Império Romano Germânico e primeiro do Império austríaco seria, pelo seu significado para a história política e político-cultural já em si motivo para a recordação mais atenta de processos históricos que relacionam o Brasil, a Áustria, a Baviera e a Alemanha em geral.

Significado dos estudos das relações Grécia - Alemanha - Áustria e Brasil

Atenas. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright
O estudo desses desenvolvimentos que relacionam países e contextos tão distantes entre si supera, no seu significado, a esfera de interesses exclusivamente históricos ou de erudição. Ele revela dimensões que são de atualidade no presente. Essas relações ultrapassam não só continentes, limites geográficos e nacionais, mas também epocais.

Na atualidade do recrudescimento do nacionalismo em vários países, com as suas implicações culturais e teóricas que se manifestam em movimentos de cunho identitário, impõe-se a consideração da história da construção nacional de países europeus e de jovens nações independentes no século XIX e que foi acompanhada por anelos de criação e desenvolvimento de consciência nacional e identidade cultural.

Na procura de fundamentação desse empenho, de importância existencial para nações na sua política interna e no seu reconhecimento e relações externas, na sua auto-imagem e na sua representação, foi decisivo um olhar às bases, ao passado justificador de uma sociedade que se configurava em Estado independente.


Ciência e cultura na formação de consciência nacional na Grécia e no Brasil

Os estudos históricos, arqueológicos, etnológicos e das tradições desempenharam nesse processo político-cultural um papel que ultrapassa em significado aquele que a eles se confere no presente. É compreensível que as correspondentes áreas de estudos, a caminho de sua institucionalização universitária em diferentes países, as ciências e a cultura fossem alvo de particular atenção no govêrno e na diplomacia de nações como a Grécia e o Brasil.

Esse desenvolvimento e a criação de instituições culturais e científicas, bibliotecas, arquivos, museus, academias e universidades não poderia dar-se sem ser no âmbito supranacional do alcance de conhecimentos, das descobertas científicas nas suas diferentes acepções, ou seja, em relações institucionais e pessoais com centros que mais representavam um progresso do saber.

Assim como brasileiros, também gregos estudaram em universidades em países da Europa Central e Ocidental. Se cientistas e homens da cultura e das artes da esfera de língua e cultura alemãs atuaram no Brasil no contexto da vinda da Arquiduquesa da Áustria, com consequências para o aumento de conhecimentos sobre o país e para o desenvolvimento científico e cultural no próprio Brasil, ainda mais intensa parece ter sido a ação de austríacos e alemães da cultura, as artes e das ciências na Grécia.

Essas relações não foram unilaterais, mas recíprocas, uma vez que os conhecimentos ganhos contribuiram para o desenvolvimento das ciências nas instituições da própria Áustria e Alemanha.

Fundamentação histórica da nacionalidade, Humanismo e Filohelenismo


A consideração da Grécia nas suas relações com os países de língua alemã e o Brasil trazem à consciência dimensões supranacionais, „universais“, referentes ao Homem e ao Humano nesses processos político-culturais do século XIX.

Se é possível que se compreenda o interesse pelo passado na procura de bases para a consciência de nacionalidade em nações como o Brasil - que também conheceu a celebração do passado indígena - no caso da Grécia tratou-se de redescobrir, trazer à consciência e valorizar nada menos do que a Antiguidade Clássica helênica, a época da democracia ateniense e o passado ainda mais remoto registrado sobretudo em Homero, o autor das Iliadas e da Odisséia, e assim de bases culturais do Ocidente. Esse esforço de auto-conscientização vinha assim ao encontro de anelos do Humanismo já de séculos, tanto na Europa como também na formação humanística de brasileiros.

Compreende-se, assim, a intensidade com que filohelenistas de diferentes países apoiaram o movimento de libertação grega do domínio do Império Osmânico e a construção da nação independente. Entre muitos outros, pode-se lembrar o rei da Baviera Luís I (1786-1868), pai de Otto I, primeiro rei da Grécia e avô de Therese da Baviera (1850-1925), princesa que tanto se interessou pelo estudo do Brasil e de suas populações indígenas. (Veja)

Também o Brasil vivenciou personalidades marcadas por profunda formação clássica e mesmo filohelenistas, não só europeus como Sigismund von Neujomm (1778-1858) como também brasileiros como Manuel Odorico Mendes (1799-1864) e, sobretudo, Dom Pedro II (1825-1891). (Veja)

Seria inadequado e mesmo incorreto considerar esse interesse pela história de remotas eras da Antiguidade como expressão de passadismo ou mesmo reacionarismo. Pelo contrário, várias das personalidades que se voltaram ao estudo desse antigo passado distinguiram-se por seremm imbuídos de ideais renovadores, de progresso, abertos a novas conquistas das ciências e da técnica, até mesmo defensores do livre comércio, de tendências liberais e marcados por ideais de liberdade.

Um marco: visita de Dom Pedro II a Troia e Micenas em 1876

Um dos atos de maior significado não só nas suas dimensões simbólicas na história das relações entre a Grécia, os países de língua alemã e o Brasil foi a estadia em 1876 de Dom Pedro II em Atenas e a sua visita a sítios arqueológicos de Troia e Micenas. Essa viagem não deve sob hipótese alguma ser desvalorizada como uma simpres demonstração de interesses múltiplos e diletantes de soberano que viajava como um turista cultural.

A procura dos sítios de antigas cidades nas quais realizava escavações o já então internacionalmente conhecido Heinrich Schliemann (1822-1890) em fase crucial de seus empreendimentos foi um extraordinário ato de significado para a história da arqueologia e expressão da intensidade com que Dom Pedro II se ocupava com questões científicas e com os conhecimentos que delam derivavam para a sua própria pessoa e em proveito do Brasil.

O grande respeito que Schliemann passou a devotar a Dom Pedro II pelo seu interesse e pelos seus conhecimentos expressa-se no fato de ter a êle dedicado a sua grande obra sobre Micenas. (Veja). No jantar que Schliemann ofereceu a Dom Pedro II no túmulo ou na „casa do tesouro“ de Atreus ou Agamemnon pode ser percebido um sentido anti-tipológico que remete à imagem da ceia na história mítica da geração maldita iniciada por Tântalos e que determinou um desenvolvimento sinistro que culminou com a Guerra de Troia. (Veja)

A ceia na tumba ou na casa de tesouros de Atreus/Agamemnon e seu significado

Essa imagem da ceia com os deuses e o abominável ato de Tântalo revela uma lição àqueles que são privilegiados pela fortuna de que devem ser gratos pelo que receberam e possuem, não se tornando cheios de si, „desafiando os deuses“.

O crime de Tântalo expressa que a unidade em paz na harmonização de oposições pode ser destruída com essa atitude de sobérbia e falta de gratidão, levando a discórdias, violências e guerras.

Assim vendo, a realização da ceia de Schliemann e Dom Pedro II na tumba de Atreus adquire dimensões filosóficas, sobretudo éticas no sentido de que a „fortuna obriga em consciência“, o que corresponde à modéstia e simplicidade nobre e responsável que marcou a personalidade e o govêrno de Dom Pedro II. (Veja)

Intelectuais, cientistas e diplomatas gregos e mecenas nos seus elos com o Brasil

À luz dessa visita a Micenas, várias outras personalidades da história intelectual, científica e diplomática da Grécia nas suas relações com a Alemanha, a Áustria e com o Brasil podem ser consideradas de forma mais diferenciada. Esse é o caso de Konstantinos Paparrigopoulos (1815-1891 (Veja), Alexandros Rizos Rangavis  (1809-1892) (Veja) e Johann Friedrich Julius Schmidt (1825-1884) (Veja).

Já a visita feita a instituições como a Biblioteca Nacional, a Academia Nacional e a Universidade de Atenas nos seus monumentais edifícios remontantes ao século XIX - a „Trilogia“ - levantam a questão dos recursos que possibilitaram uma arquitetura (neo)clássica que marca cidades como Atenas, Munique e Viena.

Evidencia-se aqui o papel que coube a mecenas como Simon Georg von Sina (1810 -1876) e cujas doações e apoio, assim como ações filantrópicas apenas podem ser compreendidas à luz de uma consciência ética que remete à imagem da ceia que marcou a estada de Dom Pedro II em Micenas. (Veja)

Momentos das relações Grécia - Áustria e Brasil após a Primeira Guerra Mundial

A Primeira Guerra Mundial, que destruiu a antiga ordem européia, representou uma cisão e uma transformação nesses vínculos entre a Grécia, os países de língua alemã. Também sob a perspectiva do Brasil essa nova fase deve ser considerada a partir de outros critérios.

No centro das atenções encontram-se os anelos renovadores de novas gerações perante uma sociedade burguesa saciada, marcada por práticas culturais convencionais e superficiais a serviço da representação e do brilho social.

Também aqui princípios éticos na procura de maior profundidade, simplicidade, retorno às bases podem ser constatados. Também estes tiveram um teor progressista, manifestaram-se porém antes através de recursos do grotesco e da paródia de jovens pensadores e músicos.

A passagem dos 125 anos de nascimento do compositor Felix Petyrek (1892-1951) dá ensejo a que se considere o papel desempenhado pelo músico austríaco Martin Braunwieser (1901-1991), então professor do Conservatório de Atenas, em trazê-lo à Grécia. Com isso, essa fase da história de renovação do ensino e da vida musical grega passa a ter significado para o Brasil, uma vez que Braunwieser e sua esposa Tatiana exerceram posteriormente intensas e múltiplas atividades em São Paulo.

Um marco de alta relevância neste sentido foi o concerto realizado em 1926 para a apresentação de Petyrek em Atenas e que foi dedicado a J.S.Bach. O movimento Bach no Brasil, por êles posteriormente representado e que teve a sua expressão institucional na fundação da Sociedade Bach de São Paulo, em 1935, foi vinculado a Salzburg não diretamente, mas pelo caminho da ação de austríacos na Grécia. (Veja)

Ainda que com outras conotações e sob o signo do empenho renovador, o Clássico continuou a ser foco de importância nas atividades desses austríacos de espírito progressista e renovador em Atenas, fato documentado com um concerto realizado no Conservatório, em 1927. (Veja)

O último concerto dos Braunwiesers na Grécia antes da sua transferência para o Brasil, em 1928, adquire na sua programática particular relevância, pois não só incluiu Sorocaba e Gávea como partes das Saudades do Brasil de Darius Milhaud (1892-1954), composição emblemática da academia de jovens fundada em Salzburg anos antes, como obras de Braunwieser que documentam o seu alto significado para o estudo da Música Nova, um aspecto fundamental da sua personalidade de músico e da sua atividade criadora que tornou-se praticamente esquecido no Brasil. (Veja)

Antonio Alexandre Bispo


Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. „ Grécia - Brasil nos seus elos com a Alemanha e a Áustria. Processos culturais de formação de nacionalidade e valores universais do Homem - Antiguidade helênica e ideais clássicos“
. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 170/1(2017:6).http://revista.brasil-europa.eu/170/Grecia-Brasil-Alemanha-Austria.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2017 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Academia Brasil-Europa
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
reconhecido de utilidade pública na República Federal da Alemanha

Editor: Professor Dr. A.A. Bispo, Universität zu Köln
Direção gerencial: Dr. H. Hülskath, Akademisches Lehrkrankenhaus Bergisch-Gladbach
Corpo administrativo: V. Dreyer, P. Dreyer, M. Hafner, K. Jetz, Th. Nebois, L. Müller,
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