Homero e a visita de Dom Pedro II a Micenas
ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 170

Correspondência Euro-Brasileira©

 
Micenas. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright

Micenas. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright

Micenas. Fotos A.A.Bispo 2017©Arquivo A.B.E.

 


N° 170/5 (2017:6)



A Guerra de Troia e o Brasil
Homero em paises à procura de fundamentação da nacionalidade
Manuel Odorico Mendes (1799-1864) e a visita de Dom Pedro II (1825-1891) a Troia e Micenas



 
Atenas. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright
A viagem de Dom Pedro II aos principais locais de trabalhos arqueológicos na Grécia conduzidos por Schliemann em Troia e a seguir em Micenas levanta a questão da razão e do significado do seu interesse pela obra de Homero.

Esse seu interesse, tão forte que justificou a sua viagem à Grécia, não foi apenas resultado da ressonância internacional dos trabalhos de Schliemann, mas era anterior e decorrente da tradição humanística de Portugal e do Brasil e que também marcara a sua formação.

Nessa tradição, uma especial consideração deve ser dada à Universidade de Coimbra e, entre os centros da cultura clássica no Brasil, ao Maranhão, cuja capital tornou-se conhecida como a „Atenas brasileira“.

Esse significado revela-se na atenção de Dom Pedro II aos maranhenses Antonio Gonçalves Dias (1823-1864) e Manuel Odorico Mendes, que adquire particular interesse por revelar interrelações entre o assim chamado indianismo literário e os estudos clássicos em epoca de anelos de criação de uma consciência nacional em século tão marcado pelos interesses históricos.

Odorico Mendes, fascinado desde cedo pela literatura grega e latina, aprofundou os seus conhecimentos em Coimbra, para onde foi enviado pelo pai em 1816 para estudar Medicina.

Estudos da antiga literatura em círculos acadêmicos liberais de Coimbra

Na renomada universidade, estudou Língua Grega e frequentou os cursos e Filosofia Racional, Moral e, a seguir, Filosofia Natural. Esses anos de estudos em Coimbra foram aqueles conturbados politicamente que levaram à independência do Brasil e, em Portugal,  à crise das instituições marcadas pelas lutas entre correntes absolutistas e liberais e que levou por fim a que o primeiro imperador do Brasil se tornasse rei de Portugal.

Odorico Mendes. no ambiente da juventude acadêmica e convivendo com personalidades marcadas pelo pensamento liberal, dedicou-se à leitura de obras de autores da época do Iluminismo na França, e, consequentemente, por tendências progressistas no espírito do esclarecimento, Esse interesse manifestou-se em trabalhos de tradução de obras de autores franceses e que teriam a sua expressão nas versões de Mérope (1831) e Tancredo (1839) de Voltaire (1694-1778).

O seu estudo das obras clássicas não teve assim conotações passadistas, conservadoras ou reacionárias, mas foi antes conduzido em espírito marcado por ideais liberais na tradição iluminista, e nos quais salientava-se o ideal da liberdade. As suas relações de amizade com Almeida Garret (1799-1854) teriam sido decisivas para a sua criação literária.

Do entusiasmo juvenil por ideais libertários à moderação em sabedoria

Em 1824, com as dificuldades financeiras decorrentes da situação do país independente e do falecimento do seu pai, retornou ao Brasil sem terminar os seus estudos. Esse retorno não foi temporário, como esperava, mas a situação que encontrou no Maranhão obrigou-o a permanecer por mais tempo, deixando assim incompletos os seus estudos.

Passou a redigir o jornal Argos da Lei, uma folha de oposição a jornais de orientação política voltada ao restabelecimento de situações passadas. A sua polêmica voltou-se sobretudo ao editor português do Censor Maranhense, jornal encerrado em 1830. A notoriedade que alcançou com o seu jornal contribuiu a que fosse eleito deputado à primeira Assembléia Geral Legislativa do Brasil.

Transferindo-se para a Corte, conseguiu em breve reputação como publicista de erudição, orador e político da Falange Liberal. Após a abdicação e D. Pedro em 1831, exerceu influência na constituição e membros da Regência, defendendo a manutenção do regime monárquico. 

Nos anos que se seguiram, adotou uma posição moderada de apoio à anistia dos opositores ao regime deposto, o que prejudicou o seu renome como político liberal.

Em 1845, foi novamente eleito, não pelo Maranhão, mas por Minas Gerais, sempre distinguindo-se pelas suas posições moderadas. Em 1847, aposentado, transfere-se para a França, onde passa a dedicar-se exclusivamente aos estudos e a seus trabalhos como escritor.

Canta-me, ó deusa, do Peleio Aquiles

A ira tenaz, que, lutuosa aos Gregos,

Verdes no Orco lançou mil fortes almas,

Corpos de heróis a cães e abutres pasto:

Lei foi de Jove, em rixa ao discordarem

O de homens chefe e o Mirmidon divino.

Nume há que os malquistasse? O que o Supremo

Teve em Latona. Infenso um letal morbo

No campo ateia; o povo perecia,

Só porque o rei desacatara a Crises.

Com ricos dons remir viera a filha

Aos alados baixéis, nas mãos o cetro

E a do certeiro Apolo ínfula sacra.

Ora e aos irmãos potentes mais se humilha:

“Atridas, vós Aqueus de fina greva,

Raso o muro Priâmeo, assim regresso

Vos dêem feliz do Olimpo os moradores!

Peço a minha Criseida, eis seu resgate;

Reverentes à prole do Tonante,

Ao Longe-vibrador, soltai-me a filha.”

A tradução de obras gregas e latinas e a recriação da antiga poesia em português

A sua intenção era há muito a de traduzir para o português grandes obras dos autores gregos e latinos, no sentido de uma recriação em português da antiga poesia.

Em 1847, deu início à transcrição de obras clássicas, iniciando com Virgilio, publicando, em 1854, em Paris, a Eneida em português. Em 1858, publicou, sob o título Virgilio Brasileiro, a obra completa de Virgilio.

O seu maior projeto foi o da tradução em versos de Homero, deixando pronta para a publicação a Ilíada e a Odisseia ao falecer em Londres, em 1864. A Ilíada foi editada dez anos após a sua morte, em 1874, por Henrique Alves de Carvalho, um conterrâneo maranhense.

Dom Pedro II no apoio a Odorico Mendes e no interesse pela tradução de Homero

Dom Pedro II autorizou, em 1864, o Enviado Extraordinário e Ministro Plenipotenciário do Brasil na França, Conselheiro José Marques Lisboa, fazer chegar às mãos de Manuel Odorico Mendes a quantia de três mil francos como contribuição para a edição da tradução das obras de Homero, que devia ser editada em Lisboa (Dom Pedro II e a Cultura, org. Maria Walda de Aragão Araújo, Rio de Janeiro: Ministério da Justiça, Arquivo Nacional, 1977, 196, pág. 41)

Em outro ofício, informou ao representante do Brasil na França que era seu desejo fazer a publicação póstuma e a suas expensas as poesias de Odorico Mendes, caso fossem encontradas obras ineditas em seu espólio, incluindo Homero, último trabalho do escritor.

A seleção dos manuscritos seria feita por êle mesmo. Dom Pedro queria zelar pela conservação dos manuscritos e cuidar que não permanecessem inéditos trabalhos de tal magnitude e de interesse científico.

Para isso, ordenou que os mesmos, para que não fossem expostos aos riscos da viagem marítima, ficassem em Paris até ulterior ordem. Mandava convidar Antonio Gonçalves Dias, com o assentimento da família de Odorico Mendes, para que fizesse a seleção das poesias soltas para serem publicadas em Paris ou no Rio. Gonçalves Dias deveria enviar cópias para a posterior deliberação, e o rendimento da publicação deveria reverter em favor da família.  (op.cit. Nr. 197, pág. 41-42).

É sob o pano de fundo desse interesse de Dom Pedro II pela obra de Homero e da publicação da Ilíada em 1874 que pode-se compreender a sua resolução em visitar os locais históricos com ela relacionados em 1876. Estes, já conhecidos da literatura, tinham voltado ao centro dos interesses internacionais com os trabalhos de escavações arqueológicas de Schliemann pouco mais de dez anos da morte de Odorico Mendes.

Relatos da viagem de estudos da A.B.E. à Grécia em 2017
sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo



Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. „ A Guerra de Troia e o Brasil. Homero em paises à procura de fundamentação da nacionalidade. Manuel Odorico Mendes (1799-1864) e a visita de Dom Pedro II (1825-1891) a Troia e Micenas“
. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 170/5(2017:6).http://revista.brasil-europa.eu/170/Homero_e_Pedro_II.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2017 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


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Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
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Editor: Professor Dr. A.A. Bispo, Universität zu Köln
Direção gerencial: Dr. H. Hülskath, Akademisches Lehrkrankenhaus Bergisch-Gladbach
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