Notre Dame do Oriente, Vietnam. Revista BRASIL-EUROPA 135/11. Bispo, A.A. (Ed.). Academia Brasil-Europa e ISMPS
Revista
BRASIL-EUROPA
Correspondência Euro-Brasileira©
Notre Dame do Oriente, Vietnam. Revista BRASIL-EUROPA 135/11. Bispo, A.A. (Ed.). Academia Brasil-Europa e ISMPS
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Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 135/11 (2012:1)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização Brasil-Europa de estudos teóricos de processos inter- e transculturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa -
de Ciência da Cultura e da Ciência
e institutos integrados
© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2012 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
Doc. N° 2852
A França na história das relações culturais internacionalizadoras
Focalizando a antiga Indochina Francesa a partir do Brasil:
o edificado à luz da universalidade católico-restauradora
Notre Dame do Oriente
Ciclo de estudos Vietnam/Brasil da A.B.E.. Catedral da Cidade Ho-Chi-Minh
A atenção dada no presente à internacionalização da ciência por parte de instituições promotoras de intercâmbios e de órgãos oficiais de vários países, entre êles a Alemanha e o Brasil, não representa expressão de recentes reflexões por parte da pesquisa cultural especializada, pois reflete objetivos já há muito perseguidos em diferentes contextos. Esses intuitos correspondem à própria finalidade da A.B.E. que, relacionando estudos culturais e o estudo da própria ciência e das rêdes de pesquisadores envolvidos (science of science), dirige a atenção aos elos entre rêdes internacionais de estudiosos e processos culturais internacionalizadores.
Neste sentido, um dos contextos que com mais evidência demonstram essas relações é o da história missionária e o dos estudos desenvolvidos por religiosos, membros de ordens e institutos eclesiais e pesquisadores que se utilizam da literatura por êles criada.
Como se tem constatado relativamente a muitas regiões e contextos histórico-culturais, rêdes assim constituidas por pesquisadores de diferentes nacionalidades, e que possuem centros e pontos de apoio institucional e pessoal em diferentes países, dedicam-se a fatos, ocorrências e desenvolvimentos da história da Cristianização do globo e, portanto, de desenvolvimentos que poderiam ser compreendidos como internacionalizadores, sendo, ao mesmo tempo, inseridos nesses mesmos processos.
O que se torna necessário, no caso, não é o fomento da internacionalização de rêdes, que já existem, mas sim do aguçamento da atenção de seus participantes quanto aos mecanismos culturais internacionalizadores colocados em ação no passado e vigentes no presente.
Com esse objetivo, a A.B.E. retomou questões que vem tratando em estudos contextualizados no caso dos estudos internacionais voltados à história missionária e ao presente da cultura cristã no Sudeste Asiático. Um dos focos dos trabalhos desenvolvidos foi o Vietnam, em partircular a Catedral de Notre Dame em Saigon, oficialmente Cidade Ho-Chi-Minh.
Os contatos e estudos justificaram-se pelo programa de estudos motivado pelos 500 anos da presença portuguesa no Sudeste da Ásia e que coloca a Tailândia no centro das atenções pela história e significado da sua comunidade luso-siamesa. (Vide https://revista.brasil-europa.eu/135/Sudeste-da-Asia-Brasil.html)
A história cristã da Tailândia e os elos internacionais determinados pelas rêdes de missionários sofreram reorientações e mudanças de referenciais culturais devido à superação gradativa do sistema jurisdicional do Padroado Português por aquele da Société de Missions Étrangeres francesa a serviço da Propaganda Fide em Roma.
Se o antigo Sião desempenhou, com o seu Seminário dedicado à formação de clero nativo sob a égide do Vicariato Apostólico um papel de particular significado na história missionária do reino e mesmo de toda a região, e se o contexto internacionalizador determinado por esses vínculos com a França e com Roma manteve-se através dos séculos até o presente (Vide https://revista.brasil-europa.eu/135/Universidade-Bangkok.html), o Sião conseguiu manter-se independente num século marcado pelo Colonialismo e que, no caso francês, teve a sua maior expressão na Indochina Francesa.
O Vietnam adquire, assim, significado especial para os estudos de processos internacionalizadores relacionados com a missionação cristã, pois nele se manifesta de forma mais evidente do que na Tailândia os elos entre a ação missionária e a política colonial da França.
Remotas origens do culto mariano de uma região marcada pelas águas
A catedral de Saigon não traz à memória a história mais remota dos contatos com o Cristianismo europeu da região. Nada nela indica que já no século XVI, Franciscanos e Dominicanos desenvolveram atividades missionárias e que, a partir de 1615, a Companhia de Jesus passou a atuar na Cochinchina.
Do Padroado Português à missão francesa. Dicionário Anamítico em Português e Latim (1651)
Nessa região atuou, de 1624 a 1627, Alexandre de Rhodes SJ (1591-1660), missionário jesuita que desempenhou papel crucial no desenvolvimento da ação apostólica da Propaganda Fide através da França no Oriente em substituição à do Padroado Português.(Vide https://revista.brasil-europa.eu/135/Universidade-Bangkok.html)
A situação da missão no Japão, porém, que impedia a entrada de missionários, levou a uma modificação dos projetos da Companhia. Alexandre de Rhodes passou ao atual Vietnam, trabalhando numa primeira missão na Cochinchina, de 1624 a 1627, depois em Tonkin. Após uma nova estadia em Macau (1627-1640), desenvolveu novas missões na Cochinchina, entre 1640 e 1645, quando dirigiu-se a Roma, ali chegando em 1649.
Alexandre de Rhodes sentiu a necessidade de formação de um clero autóctone no Sudeste da Ásia para a superação de estruturas determinadas pelo regime do Padroado e, para isso, o conhecimento das línguas nativas tornava-se imperioso. Assim, dedicando-se a seu estudo, criou um dicionário da língua vietnamesa para o português e o latim (Dictionarium Annamiticum Lusitanum et Latinum), com a primeira transcrição fonética do quôc-ngu, obra publicada pela Propaganda, em 1651.
Perseguição de cristãos e intensificação do empenho missionário europeu
O século XIX foi marcado por uma intensificação das perseguições de cristãos, atingindo o seu ponto alto sob Tuduc (1843-83). Na "Paz de Saigon", de 25 de junho de 1862, franceses e espanhóis conseguiram colocar um término dessa história de perseguições, o que iniciou, ao mesmo tempo, o período de dominação francesa. (B.M. Biermann, "Vietnam", Lexikon der Theologie und Kirche 10, Freiburg i. Br. 1965, 783-785)
Catedral de Saigon: tradição mariana na cultura sob jurisdição francesa
Projetada a partir de 1863, a catedral foi construída entre 1877 e 1883, tendo sido as suas torres apenas levantadas em 1895. A necessidade de uma igreja para o exercício religioso da comunidade colonial francesa foi o principal fator que levou à sua construção.
A primeira igreja da comunidade foi estabelecida em antigo pagode na atual rua Ngo Duc Ke, transformado em igreja pelo bispo Lefevre. Por ser demasiadamente pequena, o Admiral Bonard, em 1863, decidiu construir uma outra capela, de madeira, em 1863, a "igreja de Saigon". Com a deterioração do madeirame da construção por insetos, as celebrações passaram a ser feitas numa das salas do Palácio do Govêrno Francês, mais tarde transformado em seminário.
A escolha do projeto deu-se através de concurso. O principal motor da construção e o seu supervisor foi J. Bourad. Pensou-se, inicialmente, em três locais para a sua construção: na área da antiga escola, atualmente à esquina do Boulevard Le Duan e da rua Hai Ba Trung, no Kinh Lon (Boulevard Nguyễn Huệ), e o local onde hoje se encontra.
A pedra fundamental foi lançada em 1877 pelo bispo Isidore Colombert (1838-1894), nascido em Sainte-Marie-du-Bois, Departamento de Mayenne, região do Pays de la Loire, que, como sacerdote da Société des Missions Etrangères, tornou-se, em 1872, Vicário Apostólico Coadjutor e, a partir de 1873, Vicário Apostólico da Cochinchina Ocidental. Da sua infância no ambiente tradicional católico da província francesa, Colombert possuia uma cultura religiosa marcada pela veneração mariana.
O templo foi inaugurado na Páscoa de 1880, contando com a presença de Charles Le Myre de Vilers (1833-1918), Governador da Cochinchina entre 1879 a 1882. Exigindo gastos extraordinários para a época, foi denominada por algum tempo como "Catedral de Estado".
As duas torres de sinos, que marcam a fachada da Catedral, foram levantadas após a morte de D. Colombert, em 1895. Cada uma tem 57,6 metros de altura e seis sinos de bronze de 28.85 toneladas. Nos altos das torres, colocaram-se cruzes de 3.5 metros de altura e 2 de largura, com 600 quilos. Os vitrais foram importados de Chartres.
Leitura comparada: a Catedral de Saigon e igrejas brasileiras
O pesquisador brasileiro que visita Ho-Chi-Minh/Saigon surpreende-se ao deparar com a sua catedral, que é apresentada em publicações sôbre o Vietnam como um dos mais significativos monumentos do patrimônio arquitetônico da cidade. Essa surprêsa é resultante do fato de se tratar de um edifício que lembra várias igrejas no Brasil. Como exemplo dessa semelhança pode ser mencionada a igreja do Colégio Santo Agostinho em São Paulo, construída em 1911 no alto do da elevação conhecida como Morro Vermelho, aos altos da rua Vergueiro e do então Vale do Itororó (hoje Av. 23 de Maio).
Essa impressão e essas associações, que de forma alguma correspondem a expectativas que o observador possa ter de um distante mundo exótico da antiga Cochinchina Ocidental, decorrem das referências historicistas do seu estilo e, sobretudo, da sua construção em tijolos aparentes e telhas francesas, que colocam um acento vermelho na capital do Sul do Vietnam. Na sua forma, e em especial nas suas torres, a igreja sugere a verticalidade neo-gótica, na forma de suas janelas, dos arcos de suas portas e dos elementos de organização das superfícies evoca o Românico.
Essas referências historicistas a um passado medieval associados a basílicas de renome e igrejas de determinadas regiões da Europa encontram-se também em outras regiões do Sudeste asiático, como é o caso da Catedral de Nossa Senhora da Assunção de Bangkok. (Vide https://revista.brasil-europa.eu/135/Universidade-Bangkok.html)
Assim como o neoclassicismo e o gótico revivido marcaram as colonias britânicas, o neogótico com referências ao manuelino caracterizaram construções de comunidades portuguesas, os anelos historicistas levaram, no mundo colonial francês, a construções sobretudo inspiradas pelas fases inicias do gótico e pelo românico tardio. Em todos os casos, foram igrejas de províncias e regiões rurais da França que forneceram principais impulsos a edificações nas colonias. O visitante de Saigon, à vista da Catedral, que como a de Bangkok é de tijolos aparentes, sente-se transportado a um povoado francês, o que salienta o aspecto de galicismo provinciano da cidade vietnamesa.
Igreja vermelha: telhas francesas de Marselha
Os materiais para a construção da catedral da Indochina Francesa foram importados da França, sendo as paredes externas levantadas com tijolos vindos de Marselha. Por essa razão, a igreja lembra sobretudo construções do Sul da França.
A proveniência das telhas encontra-se registrada na própria construção, onde se encontra a indicação da firma de Guichard Carvin, Marseille St. André. Essa empresa foi responsável, na segunda metade do século XIX e início do XX, pela produção em grande escala de telhas e que, através do porto de Marselha, passaram a ser enviadas para diferentes regiões do mundo.
O tipo de telha francesa havia sido desenvolvido em Marselha em meados do século, sendo produzido por diversas olarias. Essas telhas marcaram a fisionomia de cidades de vários países. Entre outros, foram importadas pela Austrália a partir de 1888, quando foram expostas e premiadas na Centennial International Exhibition em Melbourne (vide https://revista.brasil-europa.eu/119/Paxton.html).
A difusão de materiais de construção em terracotta, promovida por firmas australianas, que salientavam as suas qualidades construtivas e sua adequação ao clima, marcaram a fisionomia de várias cidades da Austrália, em particular de bairros de periferia, o que explica as similaridades que o observador sente entre edifícios vermelhos de Sydney e Melbourne e a igreja de Saigon. Se na Austrália e em outros contextos do império colonial britânico o material de construção em tijolos de cerâmica e telhados francesas foi combinado com ferragens, o uso dessas últimas foi menos intenso na esfera colonial francesa.
Significado da Notre Dame do Oriente na história mais recente do Vietnam
À frente da catedral abre-se a Praça da Comuna Parisiense, onde se levanta uma estátua de Nossa Senhora. Esse monumento, que marca urbanisticamente a área, foi apenas erigido em 1959.
Foi consagrada por ocasião de um Congresso Mariano em 1959 por Grégoire-Pierre XV, Cardeal Agagianian (1895-1971), patriarca da igreja católico-armênia, então Pro-Prefeito da Congregação para a Evangelização dos Povos, a antiga Propaganda Fide, da qual seria Prefeito a partir de 1960. Esse fato indica o significado do ato de levantamento de um monumento a Maria no centro de Saigon, uma vez que o Cardeal Agagianian era por muitos considerado como provável candidato a pontífice.
Ao lado da veneração de Maria Imaculada, a religiosidade popular de Saigon se caracteriza pelo culto a Santo Antonio de Lisboa ou de Pádua. A devoção do santo português, que é tão intensa na Índia, tem, na Catedral de Saigon, um de seus principais centros na Indochina. Ela surge como significativa para estudos relativos à lusitanidade na cultura ou a questões de referenciais culturais orientados segundo o mundo de língua portuguesa mesmo em situações onde o idioma português não é mais praticado (https://revista.brasil-europa.eu/131/Cochim-Santo_Antonio.html)
Grupo de estudos sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo
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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "A França na história das relações culturais internacionalizadoras - focalizando a ex-Indochina Francesa a partir do Brasil: questões do construído à luz da universalidade católico-restauradora". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 135/11 (2012:1). https://revista.brasil-europa.eu/135/Catedral-de-Saigon.html
Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui aparato científico. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição e o índice geral da revista (acesso acima). Pede-se ao leitor, sobretudo, que se oriente segundo os objetivos e a estrutura da Organização Brasil-Europa, visitando a página principal, de onde obterá uma visão geral e de onde poderá alcançar os demais ítens relativos à Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência (culturologia e sociologia da ciência), a seus institutos integrados de pesquisa e aos Centros de Estudos Culturais Brasil-Europa: https://brasil-europa.eu
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