Revista
BRASIL-EUROPA
Correspondência Euro-Brasileira©
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Fotos.A.A.Bispo.
©Arquivo A.B.E.
Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 146/6 (2013:6)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Mundo de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2013 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501
Doc. N° 3048
Flora Danica: de porcelanas como bem cultural da Dinamarca
à História das Ciências nos seus elos com o Brasil
Botânica em relações teuto-holando-dinamarquesas de Simon Pauli (1603-1680),
professor de G. Markgraf
Georg Markgraf (1610-1644)
e a Historia Naturalis Brasiliae
nas suas relações com a história científico-cultural
da Alemanha, Países Baixos e esfera do Báltico IV
Aproximações pelos 375 anos da expedição a Pernambuco
Essa celebração de hervas, flores e frutos manifesta-se em diferentes formas, em exposições, na decoração de palácios e sobretudo, - para visitantes por vezes de forma inesperada -, em serviços de mesa de porcelana.
Um desses eventos, a exposição Viden skaber Kunst, realizada de 21 de março a 23 de junho de 2013, teve como lema "da ciência à arte".
Ao observador - sobretudo de países extra-europeus de pujante vegetação como o Brasil - surge como de difícil compreensão o significado concedido ao mundo vegetal da Dinamarca, um país que, na sua natureza e imagem, não se distingue por florestas, bosques ou pela cobertura vegetal de suas terras, mas antes pelo mar e pelas águas em geral.
Por todo lado defronta-se o visitante com esse mundo de plantas em porcelana dinamarquês, transformado em bem cultural e de representação e identidade nacional e real, que surge como distintivo do país.
Flora Danica apresenta-se numa primeira aproximação como marca e expressão de cultura de uso prático, de celebração do cultivo e de distinção social de mesa, assim como de uma tradição manufatureira de porcelana da qual o país se orgulha, e é apenas a partir dessas porcelanas com ilustrações botânicas que a atenção é dirigida à Flora Danica na História das Artes e das Ciências.
Peças históricas do serviço original Flora Danica podem ser apreciadas nos palácios de Rosenborg e Amalienborg, sendo ainda empregadas em banquetes de Estado festivos no castelo Christiansborg.
Em exposição, o visitante pode contemplar assim o trabalho pessoa recriativo de motivos e formas da própria rainha Margrethe II para o serviço de mesa oferecido pelo povo dinamarquês à Princesa Mary por ocasião de seu casamento com o Príncipe herdeiro, em 2004.
Recapitulou-se aqui um ato que marcou a história da indústria manufatureira em porcelana dinamarquesa do século XIX, quando reeditou-se o histórico serviço como presente de casamento do povo dinamarquês à filha de Christian IX da Dinamarca (1818-1906), com o Príncipe de Gales, o futuro rei Eduard VII (1841-1910).
O visitante conscientiza-se que não é suficiente considerar esse fenômeno cultural dinamarquês sob perspectivas convencionais de "artes menores" e de uso, sob as quais são tratados em geral a indústria de porcelana que marca determinados centros europeus, entre outros de Meissen na Alemanha e de Delft dos Países Baixos.
O observador toma consciênca que não tanto o objeto de porcelana, mas a pintura em porcelana adquire aqui um significado incomum em outros contextos culturais.
São os motivos botânicos que justificam o prestígio das porcelanas e justificam o seu emprêgo em ocasiões festivas, transformando banquetes em celebrações do mundo vegetal, dirigindo o pensamento dos comensais a imagens e seus sentidos.
Ultrapassagem do espaço territorial da atual Dinamarca
Uma atenção maior ao fenômeno Flora Danica de cultura de mesa e de pintura em porcelana revela que este não se limita às fronteiras nacionais da atual Dinamarca. Êle abrange também outros países nórdicos, em particular a Noruega e a Islândia, assim como regiões do norte da atual Alemanha, sobretudo de Schleswig-Holstein e a região de Oldenburg.
A irradiação da Flora Danica alcança outros países não inseridos em antigos contextos territoriais dinamarqueses, porém países de mares e do oceano, de grandes portos do norte, em particular os Países Baixos e na Inglaterra.
Essa ampla esfera de abrangência e a irradiação do seu prestígio traz à consciência que apenas uma perspectiva do vir-a-ser da atual Dinamarca, incluindo regiões que a ela pertenceram na sua complexa história é adequada para a apreciação adequada e o entendimento de sentidos dessa celebração do mundo botânico nas suas características peculiares e conotações.
O pesquisador é obrigado assim a superar enfoques e visões marcadas por delimitações territoriais do presente, a procurar explorar contextos submersos e ignorados, dirigindo a sua atenção a processos histórico-culturais que atravessam fronteiras atuais.
Papel de médicos, cientistas e artistas alemães na Flora Danica
Nesse intento de redescobrimento de elos inter-europeus, revela-se o papel desempenhado por médicos, cientistas e artistas alemães no vir-a-ser da Flora Danica.
O principal vulto da sua história é Georg Christian von Oeder (1728-1791), médico e botânico de Oldenburg que, chamado a Kopenhagen, assumiu uma Cátedra real e tornou-se diretor do Jardim Botânico em 1752.
Como em outras partes do mundo - também no Brasil - os Jardins Botânicos merecem particular atenção nos estudos culturais que consideram de modo especial relações entre Cultura e Natureza, uma vez que possibilitam o estudo de transferência de plantas, aclimatações e transformações do meio ambiente e de modos de vida através de regiões e continentes (Veja e.o. https://revista.brasil-europa.eu/123/Pamplemousses.html )
O sentido prático, também o econômico do desenvolvimento do cultivo de plantas úteis associou-se ao escopo científico na história dos jardins botânicos e da aclimatação de plantas.
No caso de Kopenhagen, o cultivo de plantas úteis tinha como principal objetivo o seu emprêgo farmacêutico e medicinal, servindo ao hospital Frederik. Deve-se registrar, assim, que pela profissão médica de von Oeder e atuação em Kopenhagen e em Oldenburg, a criação de uma obra dedicada à Flora da vasta esfera então sob a influência da Dinamarca, iniciada em 1753, esteve desde o início sob o signo da promoção da saúde.
A atuação e a obra de von Oeder não pode ser compreendida sem a consideração de seus pressupostos culturais. Nascido em Ansbach, o seu pai Georg Ludwig Oeder (1694-1760) foi pastor e médico, teólogo evangélico de renome. A Flora Danica de von Oeder - e os estreitos elos entre Medicina e Botânica em Kopenhagen, inscrevem-se assim no contexto mais amplo da história científica da Europa marcada pela Reformação.
A obra monumental então iniciada surge em estreito relacionamento com a tradição médica e o desenvolvimento do pensamento científico em centros alemães, compreendendo-se assim que na Flora Danica também a língua alemã foi utilizada, ao lado do dinamarquês e latim.
Na produção de desenhos e na impressão trabalharam gravadores de Nürnberg - cidade também marcada pela tradição farmacêutica -, que para isso se transferiram a Kopenhagen, entre êles os pintores da família Bayer, Johann Christoffer(1738-1812) e seu filho Johan Theodor (1782-1873). Em trabalho que atravessou séculos, a edição monumental seria terminada apenas na segunda metade do século XIX.
A Flora Danica inscreve-se não apenas em contextos de sua época, mas sim deu continuidade a intentos e concepções mais antigos, surgindo assim concretização, sob condições do século XVIII, de correntes de pensamento de longa data.
Significativamente, o próprio nome já tinha sido título de obra do médico e botânico Simon Pauli (1603-1680) publicada em 1648. Se foi o criador de um primeiro Teatro Anatômico na Dinamarca, publicou também, a pedido real, uma obra intitulada Flora Danica. Sob Friedrich III (1609-1670), tornou-se médico real e prelado em Aarhus.(Veja https://revista.brasil-europa.eu/146/Simon-Pauli-Georg-Markgraf.html)
O atlas monumental de plantas de von Oeder a serviço do uso farmacêutico e medicinal teve assim um importante precedente, pois o livro de Pauli era dedicado às plantas nas suas qualidades medicinais e às hervas curativas.
Já no caso de Simon Pauli registra-se o apoio real que sempre marcaria a Flora Danica. O renome da Medicina alemã da época explica a atuação de médicos alemães pessoais de reis dinamarqueses. no caso de Simon Pauli o rei Christian IV (1577-1648) da Dinamarca e Noruega, cuja mãe era Sophie von Mecklenburg (1557-1631).
Extensões e transformações de interesses botânicos: "a linguagem das flores"
Considerando que sob a sua égida decorreu a construção de palácios como Frederiksborg e Rosenborg, compreende-se a a antiga tradição que se registra no emprêgo até a atualidade de porcelanas decoradas com motivos botânicos em ambientes reais.
Compreende-se, também, em extensão, o significado de representações florais na Dinamarca em outras correntes estilísticas daquelas remontantes à Flora Danica, por exemplo no interesse pela "linguagem das flores".
Flora Danica e mundo extra-europeu
Como a Flora Danica de Pauli no sentido de um herbário indica, o interesse em estudos botânicos relacionou-se com aquele de sua aplicação medicinal. Significativamente, dedicou-se a estudos da ação medicinal do consumo de chá e tabaco, surgindo como um dos primeiros cientistas que se preocupou com esses produtos que passavam a se propagar na Europa a partir das regiões extra-européias. Um de seus filhos, Olliger Pauli (1644-1714) chegou posteriormente a atuar para a Companhia das Índias Orientais Dinamarquesa.
Assim, tratando de gramas, a elaboração do texto por Laet indica a utilidade do Sapé (ou Jacapé) contra mordedura de serpente. ((Jorge Marcgrave, Históría Natural do Brasil, São Paulo: Imprensa Oficial do Estado 1942, pág.2).
Tratando da Cana índica, chamada de Meeru pelos indígenas, menciona-se em nota que dificilmente suportaria o inverno europeu, mas com certa diligência poderia sobreviver nos Países Baixos; uma espécie semelhante ao Meeru, teriam amadurecido no jardim do botânico Henrique Munting M.D. Groninga, de modo que poder-se-ia ter esperanças que se acomodasse sob o ceu europeu (op.cit. pág. 4 e 5).
Assim,considerando a Camara Iapo ou Erva de Santa Maria ou Mentrasto, menciona o seu emprêgo na medicina. (op.cit. 25). Lembra que os portugueses empregavam a Erva pulgera no tratamento de feridas cancerosas, da Caapeba ou Erva de Nossa Senhora contra cálculos, da Erva do Capitão para tirar manchas do corpo (pág. 25-27).
"Jorge Marcgrava (...), primeiramente as descreveu e desenhou confusamente, conforme se lhe apresentavam nos varios lugares e tempos, ou lhe eram levadas pelos naturais: depois tinha começado a dispô-las segundo a sua ordem e a referí´-las às suas classes: poré,, porque, principalmente nas plantas, nãõ se apresentam ao mesmo tempo todas as coisas que se requerem para uma descriçãõ completa e perfeita, sucedeu que nãõ~~pudesse com relação algumas plantas observar e descrever ou as flores, ou os frutos, ou as sementes, ou suprir ao depois o omitido. Visto ter-se transladado do Brasil à África, com particular interesse de mercer bem do público (...), para aí indagar e descrever as coisas naturais com igual diligência, foi colhido pela morte, nãõ poude satisfazer ao seu desejo,nem ao dos outros". (J. de Laet Antuerpiano, Aos Benévolos Leitores, op.cit. A)
Súmula de trabalhos de ciclo de estudos A.B.E. sob a orientação de
Antonio Alexandre Bispo
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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "Flora Danica: de porcelanas como bem cultural da Dinamarca à História das Ciências nos seus elos com o Brasil. Botânica em relações teuto-holando-dinamarquesas de Simon Pauli (1603-1680),
professor de G. Markgraf". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 146/6 (2013:6). https://revista.brasil-europa.eu/146/Flora-Danica-Brasil.html