Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Amsterdam, Sinagoga de inverno. Foto A.A.Bispo 2012©

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Amsterdam, Sinagoga de inverno. Foto A.A.Bispo 2012©

Amsterdam, Sinagoga de inverno. Foto A.A.Bispo 2012©

Fotos A.A.Bispo. Sinagoga de inverno, Amsterdam (2012),

©Arquivo A.B.E

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 140/14 (2012:6)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Dr. H. Hülskath (editores) e Conselho Científico
da
Organização de estudos de processos culturais e estudos culturais nas relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência -

e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2012 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N°2952


A.B.E.

Instituições em visita


A irmandade "Árvore da Vida" (Ets Haim) da sinagoga portuguesa de Amsterdam e sua biblioteca
Procura de saber, ensino e esclarecimento em processos culturais de judeus lusófonos
Felix Libertate!




Ciclo de estudos euro-brasileiros de Amsterdam 2012, Sinagoga de inverno e Livraria Montezino

 
Amsterdam, Sinagoga de inverno. Foto A.A.Bispo 2012©
O principal foco de atenção dos estudos desenvolvidos nos Países Baixos em 2012 foi a Esnoga da comunidade judaica portuguesa de Amsterdam ((אסנוגה).


Essa sinagoga foi visitada pela primeira vez em 1975, tendo sido precedida por trabalhos de pesquisas empíricas desenvolvidas em 1972/3 por Marie-Claire Hermann, na comunidade judaica de São Paulo como membro da organização de estudos de processos culturais (Sociedade Nova Difusão). Os trabalhos de campo desenvolveram-se âmbito da disciplina Etnomusicologia da Faculdade de Música do Instituto Musical de São Paulo, entãõ dirigida pelo editor desta revista.


Essa primeira visita marcou o início dos estudos culturais dedicados aos sefardos nas suas relações com o Brasil e que passaram a ser desenvolvidos em diferentes países.


Principal preocupação foi, inicialmente, o do estudo de concepções e imagens da literatura judaica, em particular da mística. Esses estudos, que incluiram também aqueles do cabalismo cristão, tiveram como objetivo considerar os fundamentos de expressões conhecidas em tradições brasileiras. (A.A.Bispo, "Kabbalistische Entfaltung heterodoxer Mystik im Spiegel ihrer Rezeption in der außereuropäischen Welt" in Grundlagen christlicher Musikkultur in der außereuropäischen Welt der Neuzeit I, Liber Annuarius 1987/88, Colonia/Roma 1989, 370-486),


A necessidade de uma integração do passado sefardita no fluxo histórico no qual se insere o Brasil, superando-se uma grave lacuna tanto dos estudos históricos e culturais, foi salientada em publicações e em eventos internacionais.


Em sessão acadêmica realizada em Roma, em 1989, chamou-se a atenção à premente necessidade de superar-se o silêncio relativo ao passado judaico e judeu-cristão da Península Ibérica, à tragédia da expulsão, à conversão forçada, à perseguição de conversos e à emigração nos estudos portugueses e brasileiros, não apenas por questões históricas, mas sim também pelas suas implicações em desenvolvimentos globais nos séculos dos Descobrimentos e da colonização.


O silêncio e a submersão desse passado são de graves consequências para os estudos culturais, uma vez que impedem o reconhecimento de linhas de desenvolvimento e relações, levando a interpretações incorretas de expressões culturais, assim como à colocação de hipóteses errôneas de natureza histórica para a explicação de tradições. Essa situação marcada por êrros em determinadas áreas da pesquisa relacionadas com expressões religiosas teria sido desnecessária se esse passado tivesse sido mais apropriadamente considerado.


Devido à complexidade de uma história determinada por expulsões, dispersões, exílios, fugas e emigrações, a reconstrução de rêdes no tempo e no espaço, em particular também genealógicas, exigem estudos em diversos países e continentes. Por essa razão, realizaram-se estudos culturais sefardos em comunidades de ascendência portuguesa em regiões distantes entre si, como por exemplo Curaçao e Cochim (Veja http://www.revista.brasil-europa.eu/94/Judeus-Curacao.htm; http://www.revista.brasil-europa.eu/131/Cochim-Judeus_do_Malabar.html ).


Os estudos de 2012 em Amsterdam tiveram como objetivo considerar processos que permitem aprofundar essas análises de rêdes que ultrapassam fronteiraas de países e continentes e que dizem respeito a transformações e formações culturais. Os trabalhos foram acompanhados pelo estudo da publicação The Esnoga (...), de J. C.E.Belinfante e outros (Amsterdam: D‘Arts 1991).


Recuperação da cultura judaica e desenvolvimento dos estudos hebraicos


A conversão forçada de judeus, expulsões e a perseguição dos assim-chamados "cristãos novos" sob pretexto de continuidade de práticas religiosas e tendências judaizantes na Península Ibérica tornam compreensíveis que, uma vez no exílio, os fugidos procurassem resgatar a antiga cultura e reaprender as concepções e tradições dos antepassados.


Esse redescobrimento e aprendizado representavam ao mesmo tempo reconstruções culturais a serviço do fortalecimento da consciência da comunidade que se formava premida pelas experiências da opressão na Espanha e em Portugal e que se achava, no Estrangeiro, em contexto cultural estranho.


Essa situação de imigração e a reedificação de uma comunidade de diferentes regiões dos países ibéricos, portadoras de diferentes pressupostos quanto à assimilação na cultura cristã dominante, mais ou menos por ela influenciadas e com diferentes memórias quanto ao passado judaico submerso torna compreensível o significado da história cultural da comunidade judaica lusófona de Amsterdam para os estudos de processos culturais em geral. 


Na consideração desse complexo processo de recuperação cultural e solidificação de laços comunitários e de identidade dos sefarditas nos Países Baixos dois momentos podem ser salientados, ainda que estreitamente relacionados entre si: o reconstrutivo e o do reaprendizado.


O primeiro diz respeito à reconstruções e reedificações sob diferentes aspectos da comunidade em formação. O segundo indica que esse processo reconstrutivo foi acompanhado pelo educativo do reaprendizado religioso e do ensino de novas gerações.


Compreende-se, neste contexto, o significado tanto da arquitetura e da linguagem visual com aquele do ensino e dos estudos bíblicos e da literatura judaica. Amsterdam tornou-se não apenas centro da maior expressão arquitetônica da cultura sefardita no mundo como também da formação escolar, da erudição, de colecionadores de livros, da cultura bibliotecária e da arte da impressão.


Diferentemente da situação na Península Ibérica, os fugidos encontraram nos Estados da Holanda uma situação de considerável liberdade, onde as suas práticas religiosas eram toleradas. Já antes da União de Utrecht, em 1579, estabelecera-se que nenhuma pessoa podia ser perseguida por motivos religiosos. Os Países Baixos ofereciam-se, assim, aos "cristãos novos" perseguidos em Portugal, em particular em época marcada pela União Pessoal com a Espanha, perspectivas para uma vida em liberdade e que se relacionou com a procura da recuperação de práticas e uma cultura de saber oprimidas.


Os „cristãos novos“ que chegaram pela passagem do século XVI ao XVII em Amsterdam vindos de Portugal e da Espanha realizaram os seus atos religiosos primeiramente em casas de comerciantes, em especial portugueses. Assim, em 1618, armazens adquiridos por José Pinto serviram à congregação sefardita.


A família Pinto exerceu, assim, um importante papel desde os primórdios da formação da comunidade judaica lusófona de exílio, caracterizada então por diversidade, uma vez que os imigrados sefardos eram marcados pela cultura cristã assimilada em gerações de famílias de "conversos" e os judeus vindos da Europa Central e do Leste (Ashkenazi) traziam outros pressupostos culturais.


Já em 1619, os Estados decidiram que as cidades podiam regular a entrada de judeus segundo as suas conveniências, não podendo, porém, exigir que estes usassem marcas discriminatórias e que fossem confinados em ghettos como em outras partes da Europa.


Em particular no Conselho Protestante da Cidade de Amsterdam, abriram-se possibilidades para o desenvolvimento livre de atividades e da procura de soluções para o impasse cultural imposto pela conversão forçada e pela Inquisição na Península Ibérica. Amsterdam, cidade portuária e comercial, recebeu com interesse a elite sefardita, portadora de contatos comerciais em rêdes internacionais, mantidas sobretudo por elos familiares, inclusive com aqueles centros da Península Ibérica que haviam abandonado.


Essa proveniência de famílias de empreendedores, comerciais, abastadas e de estilos de vida correspondentes a círculos mais privilegiados da sociedade portuguesa explica a diferença que se estabeleceu entre os sefarditas e os judeus pobres que passaram também a procurar refúgio nos Países Baixos vindos da Europa Central e do Leste, marcados por uma vida em segregação e progromes. Enquanto que esses procuravam antes dar continuidade à vida religiosa que tinham mantido em ghettos de forma mais digna e fundamentada, os sefarditas, conversos e "cristãos novos" tinham a necessidade em muitos casos de reaprendê-la em complexos processos re-conversionais.


Os judeus portugueses, que se organizaram em três comunidades, passaram a encontrar-se em sinagogas domésticas que também podiam ser frequentadas por judeus Ashkenazi. Distinções entre aqueles ibéricos e os centrais-europeus e os do Leste, entre lusófonos e não-lusófonos, relacionaram-se com diferentes processos de natureza religioso-culturais no interior da própria comunidade israelita.


Fundação da irmandade Ets Haim para o fomento de estudos


Em 1637, fundou-se a sociedade Ets Haim ("Árvore da vida") para possibilitar o financiamento da formação de estudantes, dos quais um deles foi o pai do filósofo Baruch Spinoza (1632-1677) (Veja http://revista.brasil-europa.eu/140/Bento-de-Espinosa.html).


A cultura escrita, própria da tradição hebraica, levou a uma valorização dos livros e à formação de uma biblioteca. Como o nome indica, a imagem da "árvore da vida" da Genesis, cujos frutos os homem podem comer, diferentemente daqueles da ´"arvore do conhecimento do bem e do mal", indica, no sentido figurado de árvore dos frutos do espírito, o alto significado do saber, da palavra e do ensino na comunidade judaica portuguesa de Amsterdam.


Significado dos estudos da mística e messianismo em situação de crise cultural


Amsterdam, Sinagoga de inverno. Foto A.A.Bispo 2012©
Nessa complexa situação de exílio, marcada por transformações culturais em diferentes direções, por diversidade e unidade, os judeus lusófonos apresentassem ao mesmo tempo uma tendência à mística e, ao mesmo tempo, à manifestação de talentos, aptidões e nível cultural. Quanto à introspecção e à experiência mística, os sefardos podiam contar com o patrimônio de saber da antiga tradição ibérica.


Um dos principais vultos que estabelecem uma ponte entre a mística ibérica e a revivescência mística nos Países Baixos e, daí, para as outras regiões do mundo, foi Abraham Cohen de Ereira (1570-1639). Tendo fugido de Portugal, alcançou Amsterdam através de um complexo percurso pela Itália, Marrocos e Londres. Tendo estudado em Amsterdam escritos cabalísticos, escreveu o seu famoso "Puerta del Cielo".


Significativo da crise cultural experimentada pelos judeus no exílio, com a sua história marcada por perseguições e confrontados com problemas de integração e ao mesmo tempo
de recuperação de identidade em meio cultural estranho foi a tendência ao Messianismo que marcou a história judaica do século XVII.


Se os judeus de Amsterdam encontravam-se em sociedade marcada pele Reformação protestante, os judeus que procuraram refúgio na Ásia Menor viram-se confrontados com um contexto cultural islâmico.


Shabbetai Zevi, já nascido em Izmir, na Turquia, afirmou, em 1656, em Jerusalem, ser o Messias. Nathan de Gaza contribuiu à difusão dessa nova enviado cartas a outras comunidades judaicas do mundo. Essas notícias da Oriente Próximo foram acolhadas entusiasticamente em Amsterdam e alguns judeus venderam o que possuiam para a viagem a Jerusalem. Vários rabinos apoiaram Shabbetai Zevi; um deles, da família Sasportas, de nome Jacob, que também atuou em Hamburgo, manifestou as suas dúvidas. Dez anos depois, aprisionado em Istambul pelo sultão, Shabbetai Zevi converteu-se ao Islão.


Sociedade culta, cultivada e próspera em anelos de integração e diferenciação


Em sociedade que experimentava um grande florescimento econômico e cultural no "Século do Ouro" holandês, de 1650 a 1750, tornou-se importante para a comunidade que participava da vida de Amsterdam apresentar-se como culta.


Os sefardos distinguiram-se assim pela sua dedicação à filosofia e à polêmica religiosa, ao teatro e à poesia, contribuindo para a vida cultural em geral de Amsterdam.


O rabino Aboab da Fonseca (1605-1653). Papel do Brasil na acentuação da ortodoxia


Essa época de apogeu econômico e cultural foi precedida e acompanhada pelos sucessos dos holandeses no Brasil. O principal vulto que demonstra as dimensões religioso-culturais dos elos econômicos de Amsterdam com o Brasil Holandês é o do rabino de origem portuguêsa Aboab da Fonseca (1605-1693).


Tendo vindo de Portugal a Amsterdam, e indo daqui ao Brasil, tornou-se, em 1642, o primeiro rabino do hemisfério ocidental. Retornou a Amsterdam em 1654. O fato de ter sido um daqueles que se pronunciaram a favor da exclusão de Bento de Espinosa/Baruch Spinoza da comunidade judaica parece indicar ter sido um rabino particularmente cioso da manutenção de posições ortodoxas.


Esse ato por assim dizer inquisitório sofrido por Bento de Espinosa, singular em comunidade que tinha a sua história marcada pela Inquisição católica, parece poder ser compreendido considerando-se a situação dos judeus no exílio, como estrangeiros.


De outros contextos conhece-se similares tendências: vários são os nomes de protestantes convertidos ao Catolicismo, por exemplo, que tornaram-se particularmente defensores da nova confissão, ou seja "mais papistas do que o Papa". Uma tendência correspondente a rigorismos fundamentalistas e cerceadores da liberdade, a ser analisada sob perspectivas teórico-culturais, teria assim marcado a comunidade judaica lusófona de Amsterdam.


O nome desse primeiro rabino no Brasil entrou na história da comunidade judaico-portuguesa de Amsterdam sobretudo pelo seu empenho na construção da sinagoga, sendo o seu nome perenizado à entrada do edifício. Essa monumental sinagoga foi não apenas uma demonstração de poder econômico e de representação cultural dos sefarditas, mas sim também resultado de fatores mais propriamente culturais relacionados com o fortalecimento da auto-consciência e do orgulho cultural daqueles que redescobriam o Judaísmo.


Vários sobrenomes de rabinos e de outros judeus que se empenharam no projeto são conhecidos, entre êles, para além da família Pinto, os Vaz, Azevedo, da Veiga, Ozorio, Pereira e Henriques Coutinho. A construção foi financiada sobretudo por membros das famílias Pinto e Nunes da Costa/Alvares. (Veja http://revista.brasil-europa.eu/140/Sinagoga-de-Amsterdam.html)


Produção de livros hebraicos e Amsterdam como centro de impressão


O extraordinário desenvolvimento da impressão de livros hebraicos e mesmo a transformação de Amsterdam em centro de impressão apenas podem ser explicados a partir de processos culturais vivenciados pelos sefarditas no exílio.


Esse desenvolvimento foi possibilitado pelo fato de não haver censura governamental em Amsterdam. Também a corporação dos impressores era uma das poucas abertas a judeus. Entretanto, as razões mais profundas desse desenvolvimento precisam ser procuradas na necessidade sentida de informação e de estudo do judaísmo no processo de-conversor dos exilados.


O desenvolvimento da impressão de livros deve ser assim considerada nas suas relações com a reconstrução cultural, com o ensino e com o fomento dos estudos. Devido aos elos comerciais internacionais mantidos pelos sefardos - diferentemente dos judeus provenientes da Europa Central e do Leste - o comércio de livros ultrapassou as fronteiras da comunidade judaica portuguesa.


Os livros passaram a ser vendidos e procurados por judeus de outras partes da Europa, desenvolvendo-se um mercado diversificado em correspondência às diferentes necessidades. Para os judeus ibéricos, o maior interesse residia em livros que permitiam também a leitura em espanhol, a língua considerada culta, também usada pelos portugueses, levando à produção de livros hebraicos com traduções, assim como gramáticas hebraicas para o aprendizado da língua que muitos não conheciam da Península Ibérica.


A necessidade de reaprender o Judaísmo também levou a uma procura de obras religioso-filosóficas. Diferentemente dos judeus ibéricos, aqueles da Europa Central e do Leste, dominando em geral o Yiddish, interessavam-se antes por textos clássicos hebraicos e comentários, assim como pela tradução em Yiddish da bíblia.


A qualidade da impressão de livros e da bíblia despertou também o interesse de eruditos cristãos, sobretudo em fase na qual estes também passaram a interessar-se pelos estudos hebraicos.


Com a transformação de Amsterdam no principal centro de produção de livros hebraicos, judeus eruditos de diferentes partes do mundo enviavam suas obras para que fossem ali impressas.


A arte caligráfica, de ilustração e de encadernação na comunidade sefarda


Correspondendo à valorização da cultura, do estudo e dos livros na comunidade sefarda de Amsterdam, assim como a seu modo de vida refinado possibilitado pela prosperidade econômica, desenvolveu-se um sentido especial pela qualidade e beleza de manuscritos e textos impressos.


Também os autores foram retratados nas suas publicações, o que hoje adquire particular interesse histórico. Um desses exemplos é
o Império de Dios en la Harmonia del Mundo (Amsterdam, 1673). Daniel Levi de Barrios (1635-1701), que,  para além de ser poeta, escreveu uma história da comunidade portuguesa em Amsterdam. Nessa obra, Daniel Levi de Barrios surge juntamente com a sua mulher Abigail de Lima na página rosto da obra, sendo apresentados pelo artista Aron de Chaves ao lado de deuses gregos.


Ilustrações também possuiam sentido esclarecedor, como é o caso do tratado urétrico do médico Samuel de Leão Benavento, de 1699.


Alguns sefardos cursaram universidades e colecionaram obras de arte, livros raros, manuscritos e curiosidades. O Museu Judaico de Amsterdam possui uma significativa eulogia, em obra caligráfica, louvando Aaron de Pinto (1710-1778) pela sua coleção de livros e desenhos.


Sobretudo a arte da caligrafia e da ilustração de livros alcançou um nível excepcionalmente alto e que demonstra o quanto os judeus apreciavam obras bem escritas e ornamentadas. Um dos mais famosos calígrafos foi Jacobus Gadelle.


Questões de estudos históricos de orientação cultural relativos aos Ashkenazi


Se foram sobretudo famílias sefárdicas de posses que mais se salientam na história cultural, em particular através da frequência de nomes dos Pinto de Haia, dos Lopes Suassos de Amsterdam e dos Teixeira de Mattos de Rotterdam, não se pode deixar de considerar o papel desempenhado por Ashkenazi enriquecidos, em particular os Cohens de Amersfoort.


Um deles, Lion Cohen, publicou um livro com orações dos judeus portugueses (1791).


Cultivando a própria genealogia, essas familias perenizaram os seus membros em retratos, conservados através de gerações e que representam hoje significativas fontes para a pesquisa histórica.


O mesmo, porém, não se dava com os muitos judeus pobres Ashkenazi. Esses fugidos da Europa Central e do Leste não puderam deixar tais documentos, impondo-se hoje outros procedimentos para os estudos culturais com êles relacionados.


Esse fato surge como grave sobretudo sob o aspecto dos estudos culturais em contextos globais. Não seria adequado se apenas se considerasse, na diáspora extra-européia, o papel dos sefarditas, atentando-se apenas aos nomes de famílias ibéricos encontrados nos documentos.


Durante o século XVIII, muitos judeus pobres procuraram a sua fortuna nas regiões coloniais, em parte auxiliados pelos fundos de
ajuda aos pobres das comunidades judaicas de Amsterdam.


Foram esses judeus sem meios que tiveram que atuar como pequenos comerciantes e como vendedores ambulantes em regiões periféricas e rurais, junto a índios e camadas mais pobres da população das colonias.


Uma representação da época apresentada no Museu Judaico de Amsterdam, relativa ao Suriname, testemunha a ação de um negociante judeu vendendo jóias a indígenas no seu balcão, avaliando escravos, medindo-os, e oferecendo-os já capazes de realizar trabalhos domésticos, como o de costura.


Como discutido desde a década de 70 em eventos euro-brasileiros, o comércio de escravos necessita ser considerado de forma muito mais diferenciada do que geralmente acontece, e uma questão de tal forma sensível não pode ter respostas feitas, exigindo também que se considere o complexo processo social e cultural desencadeado pela perseguição e expulsão dos judeus da Península Ibérica.


Ciências naturais e recepção de filósofos iluministas: Felix Libertate e Felix Meritis


A necessidade de considerar-se com mais atenção so Ashkenazi revela-se justamente pelo papel que desempenharam na recepção de tendências avançadas do pensamento e, assim, da história global de um processo esclarecedor. Um dos principais vultos do Iluminismo judaico foi Mozes Salomon Asser, filho de um lapidador de diamantes Ashkenazi e que também dedicava-se ao comércio de café.


Crescendo em família de bens e que cultivava um estilo de vida de camadas superiores da sociedade, Mozes Salomon Asser recebeu formação intelectual sólida, marcada pela leitura de obras representativas das tendências progressistas do pensamento. Fundou, com outros, a sociedade erudita Felix Libertate, aberta a judeus e a não-judeus, que ali discutiam ideais iluministas.


Como o próprio nome indica, a liberdade, mas também ideais de tolerância e igualdade passaram a ser defendidos nesses círculos. Através de política de casamentos, a família Asser uniu-se a círculos de Berlim, contribuindo, assim, à recepção do pensamento do filósofo Moses Mendelssohn (1729-1786).


Entre outros aspectos, Mendelssohn defendia a reforma do ensino judaico e o uso da língua nacional, não só do Yiddish. As suas idéias, ao lado daquelas de Voltaire (1694-1778), passaram a ser debatidas em sociedades em Amsterdam.


Dos membros da família Asser, cumpre salientar Carel (1780-1836), o primeiro de uma longa linha de advogados de prestígio da comunidade judaica de Amsterdam.



Irmãos e benfeitores de ascendência portuguesa da irmandade "Árvore da vida"


Na sala que serve como „sinagoga de inverno“ por ser melhor aquecida e menor do que a própria Esnoga, e que foi a maior sala de aula da escola judaica, encontram-se quadros com os nomes daqueles que pertenceram como irmãos e de „Senhores e Senhoras que deixarão legados à santa irmandade Ets Haim“.




Esses registros oferecem subsídios para o reconhecimento das famílias mais influentes na comunidade lusófona judaica de Amsterdam e para estudos genealógicos e de rêdes em contextos globais.


Para além daqueles que demonstram uma ascendência remontante às famílias já mencionadas de Pinto, Teixeira, Matos, Vaz, Espinosa ou Suasso salientam-se os sobrenomes de Soto, Farro, Pereira, Nunes, Chaves, Cardoso, Maestro, Bueno, Chusao, Costa, Henriques, Franco, Gomes, Mercado, Leão, Silva, Mendes, Pessoa, Caminha, Lima, Penha, Pimentel, Veiga, Gomes de Sossa, Touro, Coutinho, Alvares, Mesquita, Barbosa, Costa, Rodrigues, Crasto,  Paz, Felix, Henriques, Mesquita, Souza, Fernandes, Prado, Andrade, Cunha, Belmonte, Castro, Cimenes, Delmonte, Curiel, Azevedo, Manrique, Lumbroso, Lopes, Salzedo, Bravo, Calaço, Osório, Chumaceiro, Laguna, Paraira, Rosa, Moreno, Pacheco, Saportas, Alvares, Correa e Nunes Garcia.


Com a consideração de nomes conservados em fontes e instituições de diversos países, como já realizado pela A.B.E. em Curaçao, pode-se procurar reconstruir contextos e processos históricos e fazer jus a personalidades que atuaram na vida cultural e intelectual e que se encontram esquecidas. Em Curaçao, registraram-se, entre outros, os nomes de Querido, Moreno Brandão, Mendes, Maduro, Chumaceiro, Correa, Capriles, Henriques, Crasto, Lopez Penha, Gomes Casseres, Pereira Brandão, Alvares Correa, Salas, Do Vale, Motta e Leão Laguna. Constata-se, assim, que vários desses nomes também podem ser registrados em Amsterdam.



Uma biblioteca histórica de incalculável significado cultural: Livraria Montezinos


No século XIX, o ensino das crianças da comunidade judaica de Amsterdam passou também a incluir línguas modernas, geografia, história e matemática. Um dos professores da época que entraram na história era de sobrenome Vaz Dias. 


Um dos maiores doadores de livros foi David Montezinos (1828-1916), também formado na escola judaico-portuguesa, fato registrado em quadros pintados por J. Sequeira, instalados na livraria.


A esse bibliotecário seguiu-se o erudito escritor Jacob da Silva Rosa (1886-1943), morto em campo de concentração na Segunda Guerra.


Durante o período nazista, muitas obras raras dessa histórica biblioteca foram levadas pelos invasores ao Instituto Alfred Rosenberg de "Pesquisa da Questão Judaica", localizado em Frankfurt a.M.. Segundo os nazistas, esse instituto devia reunir os documentos judaicos do povo do qual se promovia a extinção.


Em parte recuperados após o término da Guerra, a biblioteca foi reaberta em 1947.


A biblioteca, que contém ca. de 20.000 obras divididas nas categorias de estudos hebraicos e sefarditas, inclui valiosas obras de judeus de ascendência portuguesa.


Estudos sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo





Todos os direitos relativos a texto e imagens reservados. Reproduções apenas com a autorização explícita do editor.

Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A."A irmandade "Árvore da Vida" (Ets Haim) da sinagoga portuguesa de Amsterdam e sua biblioteca. Procura de saber, ensino e esclarecimento em processos culturais de judeus lusófonos. Felix Libertate!". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 140/14 (2012:6). http://revista.brasil-europa.eu/140/Biblioteca-sefardita.html




  1. Observação: o texto aqui publicado oferece apenas um relato suscinto de trabalhos. Não tendo o cunho de estudo ou ensaio, não inclui aparato científico. O seu escopo deve ser considerado no contexto geral deste número da revista. Pede-se ao leitor que se oriente segundo o índice desta edição e o índice geral da revista (acesso acima). Pede-se ao leitor, sobretudo, que se oriente segundo os objetivos e a estrutura da Organização Brasil-Europa, visitando a página principal, de onde obterá uma visão geral e de onde poderá alcançar os demais ítens relativos à Academia Brasil-Europa de Ciência da Cultura e da Ciência (culturologia e sociologia da ciência), a seus institutos integrados de pesquisa e aos Centros de Estudos Culturais Brasil-Europa: http://www.brasil-europa.eu


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  3. Não deve ser confundida com outras instituições, publicações, iniciativas de fundações, academias de letras ou outras páginas da Internet que passaram a empregar designações similares.