Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Porta de Adriano, Antalya.Foto A.A.Bispo©


Porta de Adriano, Antalya.Foto A.A.Bispo©


Porta de Adriano, Antalya.Foto A.A.Bispo©


Porta de Adriano, Antalya.Foto A.A.Bispo©


Porta de Adriano, Antalya.Foto A.A.Bispo©


Porta de Adriano, Antalya.Foto A.A.Bispo©


Porta de Adriano, Antalya.Foto A.A.Bispo©


Fotos A.A.Bispo.
©Arquivo A.B.E.


 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 144/12 (2013:4)
Professor Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
- Academia Brasil-Europa  -
e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2013 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 3016




O amar o Belo Supremo do Amado no amado
A Porta de Adriano em Antalya e o amor de Antinoos

Fundamentos antigos de concepções do Sufismo considerados a partir da tradição religioso-cultural brasileira VI


Turquia no Ano Brasil/Alemanha 2013 da A.B.E. (III)


 

Os brasileiros que hoje em grande número visitam a Turquia e que, motivados por popular telenovela, dirigem-se sobretudo à Capadócia à procura da terra natal de S. Jorge (Veja http://revista.brasil-europa.eu/144/Turquia-Alemanha-Brasil.html), confrontam-se com a história cultural da Antiguidade, da cristianização e da posterior islamização da Ásia Menor.

Muitos monumentos - restos de antigos teatros, anfiteatros, templos e outras construções monumentais - oferecem nas suas dimensões e características arquitetônicas testemunhos do significado das cidades dessa região no mundo greco-romano. Considerar essa antiga cultura impõe-se ao estudo de contextos do Cristianismo dos primeiros séculos e mesmo dos pressupostos culturais que explicam a sua extraordinária expansão.

Um desses monumentos é a Porta de Adriano, em Antalya. Trata-se de uma construção levantada pela cidade pela visita feita à cidade por Adriano (76 - 138) em 130 D.C. e que era imperador romano desde 117 D.C..

A cidade, remontante a uma fundação do rei de Pergamon, era o mais importante porto dessa litoral da Ásia Menor. Ali aportou o apóstolo Paulo ao redor do ano de 48 DC (Atos 14,25 ss.)


Porta de Adriano, Antalya.Foto A.A.Bispo©

O portal apresenta uma configuração trina, tendo uma porta central maior ladeada por duas outras, também com arcos. O conjunto é emoldurado com colunas de mármore sobressalentes que, afastadas do portal, parecem sugerir a fachada de um templo grego que, no seu refinamento artístico, é adposto ou mesmo engloba o forte portal romano, com capitéis coríntios, frisos vegetais, palmeiras e cabeças de leões.

O portal, sendo levantado em homenagem ao Imperador, pertence ao tipo dos portões de honra, ao mesmo tempo monumento e memorial, embora também marcasse essa entrada da cidade. Tal função é demonstrada pelas duas torres que o emolduram, integradas na muralha da cidade, uma ainda no seu estado do século II, outra reconstruída no século XIII.

O monumento em Antalya corresponde à Porta de Adriano em Atenas, à entrada do Olympieion, o grande templo do Zeus olímpico, remontante ao século VI A.C. mas terminado sob Adriano. Essa porta também foi levantada em em memória à sua visita à cidade no ano de 132 D.C.. A construção marcava duas partes da cidade, uma construída por Adriano, outra, a velha, remontante mitologicamente a Teseus. Trata-se de um arco romano com base, sobre o qual se levanta uma arquitrave grega de ordem coríntia.

Memória de um imperador romano de origem ibérica e visões integralizantes

Essa Porta de Adriano de Antalya traz à memória um imperador que, como Trajano (53-117 D.C.), provinha da Espanha e que entrou na história pelo seu empenho pela prosperidade das diferentes províncias, que em parte percorreu, e, assim pela unidade do Império.

A era de Adriano tem a imagem de época de paz, quando os esforços militares se concentraram sobretudo na defesa de limites - Muro de Adriano - e não na expansão. Aquele que contempla a Porta de Adriano em Antalya, com a sua ordem grega, conscientiza-se que Adriano foi um entusiasta da cultura helênica, promotor das artes e da arquitetura.

Remontando à sua era, entre outras construções, encontra-se o Panteão de Roma, completado ebtre 119/125 D.C., edifício que surge como de excepcional significado para os estudos culturais da Antiguidade pelo fato de, dedicado a todos os deuses, permitir pela sua arquitetura aproximações a uma compreensão integral do cosmo e do homem. Desde o ano de 609 cristianizado sob invocação mariana (Sancta Maria ad Martyres), foi alvo de estudos de processos de cristianização de antigas concepções e imagens de acordo com os trabalhos que vem sendo desenvolvidos pela A.B.E. durante encontro internacional em Roma, em 1998.

Necessário direcionamento da atenção a Antinoos (ca. 110/115 C - ca. 130 DC)

O nome de Adriano traz à memória também aquele que marcou a sua imagem: a de Antinoos Antinoos (Ἀντίνοος, Antinous).

A atenção se dirige assim a uma história de amor de cunho homoerótico que adquiriu extraordinárias dimensões, uma vez que tornou-se culto no Império.

Antinoos surge na narrativa e na tradição literária e artística através dos séculos como o jovem de extraordinária beleza que amava tão intensamente Adriano que por êle se sacrificou, entregando-se à morte, e que pelo seu amado Imperador foi elevado a deus, sendo venerado sobretudo no Oriente.

Já essa elevação do amante aos altares sugere que o relacionamento Adriano/Antinoos não deve ser considerado superficialmente apenas como um exemplo excepcional do amor homosexual e de sua aceitação pela antiga sociedade, mas sim nas suas dimensões mais profundas e nas suas inserções no edifício global de concepções e imagens do mundo e do homem.

O catesterismo expresso na identificação de Antinoos com uma das constelações dos céus indica a preexistência  da imagem em edifício de remotas origens.

Aproximações interpretativas de sentidos da Porta de Adriano

Àquele que contempla a Porta de Adriano de Antalya vem à consciência que esse monumento, erguido em honra ao Imperador, poderia explicar-se nos seus sentidos mais profundos através de uma perspectiva orientada segundo aquele que mais marcou a sua vida e cuja morte teria precedido de poucos anos a visita ao grande porto da Panfília.

Antinoos era nascido em Bithynion/Klaudiopolis, Nicomedia, região visitada por Adriano alguns anos antes (121 ou 123/124), e desde essa época o acompanhara nas suas viagens.

Surge como plausível supor que os representantes da cidade, com a ereção do monumento, tivessem procurado honrar o Imperador demonstrando que este era objeto de um amor tão incondicional quanto aquele do jovem da terra que por êle se sacrificou como prova de amor.

O povo local ter-se-ia colocado assim metaforicamente numa posição daquele que ama incondicionalmente o que impera e que, tal como magneto, o atrai, trazendo-o a visitar a cidade e ali distribuir as suas benesses.

Assim o fazendo, ao mesmo tempo que se anulava no extremado amor, tornava-se imperial e, como Antinoos, divinizava-se. Era Adriano que passava a falar através do povo que o amava do porto da Panfília. Ter-se-ia, assim, um modêlo da presença do amado que impera naquele que ama. O culto de Antinoos, assim compreendido, indicaria na verdade a divindade do imperador.

Essa interpretação ganha em significado considerando-se que a terra natal de Antinoos era uma das regiões da Ásia Menor onde mais rapidamente e intensamente propagou-se o Cristianismo. A  região é conhecida por menções nos Atos dos Apóstolos e, na tradição hagiográfica, como terra de mártires, supostamente da morte de São Jorge ao redor de 303 DC (também localizada em Lydda, na Palestina) à época de perseguição de cristãos por Diocleciano (284-305). Antinoos foi, sobretudo conterrâneo de Santa Bárbara, nascida segundo a tradição na mesma região.

A consideração mais aprofundada da dimensão figurada ou espiritual da imagem do amor de Adriano e Antinoos surge, assim, como de excepcional significado para o estudo dos pressupostos culturais da transformação cultural ocorrida na Ásia Menor com a difusão cristã e referenciação bíblica de antigas imagens.

Foto A.A.Bispo©

A adequada perspectiva na consideração do cunho propedêutico de imagens

O amor do jovem Antinoos por Adriano sugere um sentido pedagógico conhecido da tradição grega e que, se considerado superficialmente, surge como exemplo altamente questionável de pederastia. A tradição mística posterior chama, porém, a atenção para a necessária compreensão figurativa desse sentido pedagógico de imagens.

A vivência do amor segundo os sentidos surge como imagem de uma propedêutica à experiência espiritual da união espiritual com a suprema divindade. A morte de Antinoos representaria aqui uma imagem do aniquilamento e divinização na união, e todo o período anterior das relações teria figurativamente um sentido preparatório ou educativo da alma. Significativamente, como uma das narrativas relativas ao ato de morte de Antinoos sugere, que diz que este teria ocorrido para evitar aproximações carnais, esse amor deve ser compreendido antes como amor espiritual.

Particular atenção merece a menção ao lotus  "vermelho como a rosa" em narrativa referente a Antinoos. Esta flor teria nascido do sangue de um leão morto por Adriano que, assim, salvou a vida do jovem. A cabeça do leão - representada repetidamente na Porta de Adriano - pode ser explicada segundo essa narrativa, na qual Adriano é apresentado como herói que combate a fera ameaçadora e a rosa, de tanto significado para a mística dos séculos posteriores, encontra aqui um precedente, indicando pertencer ao conjunto da ordenação visual das concepções do mundo de remota proveniência.

Os elos da imagem de Antinoos com a linguagem das constelações são sugeridos pela própria narrativa segundo a qual o jovem ter-se-ia sacrificado a conselho de um astrólogo para aumentar o tempo de vida e a felicidade do amado.

Essas relações com a linguagem das estrêlas indicam elos com o signo do Leão e, nas suas correspondências com concepções filosófico-naturais, com o elemento fogo. Antinoos seria aqui paradigma daquele homem terreno que é repleto do fogo espiritual e se nega a si próprio no caminho ascensional. Êle é regido pelo sol, mas representa Zeus/Jupiter que o imbui.

No local de morte de Antinoos, Adriano edificou a cidade de Antinoupolis e um mausoléu. A respeito dessa construção tem-se menção em hieroglifos em obelisco hoje conservado em Roma.  Importantes centros do culto foram, além da cidade da sua morte e da sua cidade natal, Alexandria e Mantineia na Arcádia, assim como Lanuvium, no Lácio. De quatro em quatro anos ali se festejavam os grandes jogos de Antinoos. Esses elos de Antinoos com concursos músico-esportivos (Antinóeia) merecem particular consideração sob o pano de fundo do edicífico de concepções.

Questões de fundamentos antigos de concepções místicas islâmicas


A. Schimmel, no seu básico estudo sobre o Sufismo (Annemarie Schimmel, Mystische Dimensionen des Islam: Die Geschichte des Sufismus, 2a. ed., Munique: Diederichs 1992, 1a. ed. alemã 1985; The University of North Carolina Press, Chapel Hill 1975, 408-425), salienta que no amor místico o Amado torna-se objeto de todos os pensamentos, de todos os sentimentos, de modo que o amor adquire um primado absoluto na alma e no espírito daquele que ama. A vida da alma é intensificada e diferenciada, de modo a se transformar em arte. A expressão desses sentimentos indizíveis passa a constituir o conteúdo de livros persas sobre o amor.


Para Annemarie Schimmel, esse amor profundo podia ser dirigido a uma pessoa, no qual a beleza divina pareceria refletir-se, e dessa atitude explicar-se-ia a arte poética "híbrida" místico-erótica da tradição islâmica. Esse procedimento não teria sido defendido por antigos sufis, que jamais teriam permitido um mediador humano, concentrando-se apenas no amor divino.


Segundo as fontes estudadas por Schimmel, referências ao amor homoerótico em círculos sufis podem ser encontradas já no século IX. A prática, criticada por representantes mais severos, teria sido vista por alguns como regra religiosa. Esses críticos a explicavam como um resíduo deixado por adeptos da Incarnação aos santos e iniciandos sufi (op. cit. 412),  documentando, assim, as suas antigas origens, transmitidas a posterioridade mesmo após a sua Cristianização.


O místico, totalmente absorto no seu amor, contempla no amado humano a resplandescência perfeita da beleza divina, e este, o belo amado, torna-se assim um testemunho da beleza divina. Já só o contemplá-lo ou mesmo admirá-lo à distância podia levar o sufi ao êxtase, ver a sua face tornava-se culto divino, pois beleza e amor são dependentes um do outro. Beleza não teria sentido se não houvesse quem a contemplasse e o seu tesouro, que desejaria ser descoberto, manifestava-se para despertar o amor no coração humano (loc.cit.).


Os grandes mestres da mística do amor viram nesse amor humano uma experiência pedagógica no exercício da obediência perante Deus, pois o amado deve ser obedecido incondicionalmente.  Quando a alma é educada pelo amor humano e quando o coração é purificado pelo fogo do amor, então a alma enche-se de paz. Compreender-se-ia, assim que Rumi comparava o amor humano como um punhal de madeira que um herói oferece a uma criança para que possa aprender a técnica do combate. (op.cit. 414)


Amante e Amado se completam, ao amante cabe o pedir e implorar, ao amado o ser cheio de graça e arisco, o que é ultrapassado na unidade do Amor. A beleza não tem sentido sem admiração e amor, e o amado exige o amante para a sua própria perfeição. 


No amor de figuras históricas de soberanos por um subalterno ou escravo foi decantado na literatura como uma transformação onde passava a ser "escravo do seu escravo". Um turco oficial Ayaz tornou-se assim símbolo da alma amante. (pág. 414)


Segundo Schimmel, o amor terreno é designado na tradição persa como "amor metafórico", como ponte entre realidades. O amante, que vê vestígios da beleza divina em muitas almas e que delas retira o que assimilaram no mundo, ascende pelos graus da escada formada pelas almas à suprema beleza, ao amor e ao conhecimento da Divindade.


Como mestre do amor e da paixão nesse sentido mais elevado, Jalaluddim Rumi e seus seguidores viam no amor o poder que em todos vive, através do qual tudo age e tudo dirige à Unidade. O amor surge em dimensão cósmica, sendo para Rumi o Amor como um mar, no qual os céus são apenas espumas que se movimentam.


O girar das esferas seria resultado das ondas do amor; se não existisse o amor, o mundo tornar-se-ia gélido. A concepção de que o céu e as esferas giram apenas devido àqueles que amam dirige a atenção mais uma vez aos fundamentos antigos da linguagem visual e são de fundamental significado para a compreensão de sentidos de práticas místicas baseadas no girar e no movimentar-se em círculo.


O amor, na tradição mística, como estudada por Schimmel, faz com que o oceano ferva e é a força que tudo transforma para o melhor e vivifica. O amor é fogo, que tudo queima, menos o amado. Ele manifesta tanto a beleza divina como a sua magestade, pois fascina e aterroriza, vivifica e mata. O simbolismo do fogo tem as suas raízes no conceito do amor absoluto (pág. 417)


Schimmel dedica particular atenção a Ahmad Ghazzali, irmão do erudito muçulmano Abu Hamid, que nele via mais avançado do que a si próprio no caminho do amor, e que deixou escritos místicos, sendo o mais significativo o seu texto persa "Aforismos sobre o amor".


Nesses aforismos, intercalados com versos, êle surge como mestre do amor, que coloca uma rosa entre êle e o belo amado, contemplando alternadamente a rosa e o amado. Fala do mistério da atração recíproca entre o amante e o amado, que surgem como espelhos mútuos, perdidos em contemplação recíproca, no qual um é mais do que o próprio.


Antonio Alexandre Bispo


Todos os direitos relativos a texto e imagens reservados. Reproduções apenas com a autorização explícita do editor.

Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "O amar o Belo Supremo do Amado no amado - A Porta de Adriano em Antalya e o amor de Antinoos".
Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 144/12 (2013:4). http://revista.brasil-europa.eu/144/Antinoos-e-Adriano.html