Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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©Arquivo A.B.E.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 144/1 (2013:4)
Professor Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
- Academia Brasil-Europa  -
e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2013 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 3005




Salve S. Jorge!
A Turquia e as relações Alemanha/Brasil

O fascínio de brasileiros pela Capadócia
e a atualidade de imagens nas lutas pela liberdade de uma cultura do Esclarecimento


Turquia no Ano Brasil/Alemanha 2013 da A.B.E. (III)

 
A.A.Bispo
Este quarto número da Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira de 2013 é dedicado á Turquia, em particular à Capadócia, considerada em alguns de seus aspectos de significado para os estudos eurobrasileiros. Estes, no corrente ano, focalizam de forma privilegiada as relações Alemanha-Brasil, de modo que é sob esta perspectiva que os temas são tratados. (Veja http://revista.brasil-europa.eu/141/Brasil-Alemanha-2013.html)

A edição apresenta relatos de estudos desenvolvidos a partir de observações, impressões e contatos realizados em viagens à Capadócia a partir do Brasil e da Alemanha nos meses de maio e junho de 2013.

Devido ás dificuldades de idiomas e à complexidade da organização, este ciclo de estudos Turquia-Brasil diferiu daqueles realizados em outros países. Êle foi desenvolvido a posteriori na forma de trocas de experiências e reflexões com base em impressões ganhas na Turquia por visitantes que, participando em grupos independentes entre si, para ali se dirigiram vindo diretamente do Brasil ou de países europeus.

Atualidade 1: singular interesse de brasileiros pela Capadócia

Ainda que a Turquia tenha sido considerada em diferentes ocasiões no âmbito dos estudos eurobrasileiros devido à própria corrente histórica à qual se prende a A.B.E. (Veja http://www.brasil-europa.eu/Paises/Turquia.html), a sua escolha como alvo de particular atenção no corrente ano foi resultado do interesse que esse país vem despertando presentemente no Brasil.

Capadócia.Foto A.A.Bispo©

Esse fascínio pode ser constatado no número de visitantes e de grupos de excursão brasileiros que se dirigem de forma crescente à Turquia, ocupando o Brasil uma posição destacada entre as nações que mais se encontram representadas em estatísticas de turismo turco, em particular da Capadócia.

Capadócia.Foto A.A.Bispo©
Esse presente interesse pela Turquia por parte de brasileiros surpreende numa primeira aproximação, uma vez que ambos os países não apresentam imediatos elos históricos, culturais, religiosos e de idioma em intensidade comparável àqueles fundamentados em comum passado colonial e de emigrações/imigrações.

A razão desse atual fascínio explica-se pela influência da televisão no Brasil, indicando sobretudo repercussões de recente telenovela (Salve Jorge) que teve cenas realizadas no próprio país.

A aproximação mental e emocional à Turquia no presente e o novo significado que adquire o país nos interesses culturais de brasileiros a partir de imagens marcadas pela mídia surgem como fenômenos culturais de dimensões internacionais que merecem atenção e análises sob enfoques dos Cultural Studies.

Capadócia.Foto A.A.Bispo©

Capadócia no Brasil e suas repercussões na Turquia

Antalya.Foto A.A.Bispo©
Um dos principais motivos que levam brasileiros a realizar a longa e dispendiosa viagem à Capadócia - muitas vezes antes de conhecerem outras regiões e países da Europa e da Ásia - reside no desejo de conhecer a terra natal de São Jorge, a paisagem e o contexto em que viveu.

Nesse interesse especial por esse santo, os grupos brasileiros que visitam essa região turca diferem daqueles de outras nações, criando uma situação que não corresponde totalmente àquela preparada pela infraestrutura e programação turística oficialmente dirigida do país.

Para a decepção de brasileiros, os locais visitados poucas referências imediatas apresentam àquele que muitas vezes consistuiu o motivo principal da viagem do Brasil à Capadócia. Ali encontram apenas menções e indícios breves e esparsos, tendo-se de contentar em geral com uma vista rápida de igrejas que apresentam a imagem do santo na área museal de Göreme, em particular na igreja Yilanli - a "igreja da serpente" (sic!).

Os guias turcos preparados para a informação de turistas segundo critérios e perspectivas oficialmente privilegiados pela Turquia, surpreendem-se com essa atenção inusitada a um aspecto sentido como secundário da cultura regional. Pelos seus próprios condicionamentos culturais, dificilmente encontram-se em condições para compreender o significado mais profundo desse interesse por S. Jorge e assim considerar adequadamente as questões levantadas e corresponder à sêde de conhecimentos relacionados com o principal santo associado á região.

Direcionamento das atenções a imagem de excepcional significado do edifício cultural

Esse interesse especial de visitantes brasileiros por São Jorge, ainda que surgindo possivelmente como singular em visões turcas, não pode ser desvalorizado como simples expressão de superficial curiosidade e de imagens e conhecimentos deficitários relativos ao país.

Pelo contrário, êle dirige a atenção a uma imagem de extraordinário significado na ordenação visual da cultura de remota Antiguidade e que desempenhou papel de fundamental importância na vida religioso-cultural, na história nacional de muitos países.

Ainda mais do que as narrativas históricas a respeito da vida do santo da Capadócia são as próprias características e sentidos de sua imagem como heróico combatente do dragão que, possibilitando no decorrer dos séculos e em diferentes contextos múltiplas interpretações, referenciaram-se também segundo povos e nações.

A imagem do santo herói no seu combate ao ameaçador monstro tornou-se emblema de nações, cidades e regiões, paradigma condutor de cruzadas, ações bélicas e revoluções, símbolo de identidades nas suas auto-diferenciações perante poderes inimigos. É o patrono da Grã-Bretanha e outros países, é perenizado na denominação da Geórgia, de regiões e cidades, do forte de Lisboa e de fortalezas e burgos em diferentes regiões do mundo.

Como santo paradigmático das cruzadas tornou-se símbolo da Cristandade na sua luta pela libertação de Jerusalem da ameaça muçulmana que marcou a história do Ocidente cristão, podendo-se a partir deste sentido da imagem até mesmo compreender um possível e não-expresso mal-estar que o interesse brasileiro pelo santo pode despertar em contexto islâmico.

Justamente as aparente paradoxias sugeridas pela procura da terra natal do santo situada hoje em universo cultural turco aguçam a sensibilidade para a potencialidade de múltiplos sentidos inerente à imagem e de suas interpretações em diferentes contextos no decorrer dos séculos.

Já o fato de também ser o vulto de S. Jorge conhecido e conotado positivamente em tradição islâmica traz à consciência as remotas origens das concepções expressas na figura e suas inserções numa visão do mundo e do homem anterior a referenciações históricas e interpretações que marcaram a história conflitante do Cristianismo nas suas relações com o Islão.

O reconhecimento de que essa leitura marcada pelo conflito entre o Cristianismo e o Islão de uma imagem de antigas origens, inserida em edifício mais abrangente da ordenação visual, representa apenas uma possibilidade de interpretação de sentidos, relativa-a, assim como a da história de sua instrumentalização, contribuindo assim para a desativação de riscos que o seu uso irrefletido pode trazer.

A consideração da imagem sob o aspecto da análise do sistema de concepções e imagens de uma visão do mundo de remotas proveniências, superando-se posicionamentos convencionais da hagiografia, abre novas perspectivas e possibilidades para ambos os lados envolvidos no campo de tensões criado pela absolutização de um de seus sentidos.

Tanto para turcos como para ocidentais de formação cultural cristã esse tratamento da imagem representa uma libertação relativamente a sentidos transmitidos e irrefletidamente aceitos, ao mesmo tempo, porém, um dever para utilizá-la de forma esclarecida.

Uma imagem que surge como paradigma do combate do herói contra poderes tenebrosos de ameaça à liberdade, servindo como de garantia à vitória e, assim, como de fé no sucesso e impulso à luta, é por demais forte para que possa ser ignorada. Na consciência de suas múltiplas possibilidades de referenciações e interpretações, impõe-se que seja considerada em alto grau de abstração.

Atualidade 2: manifestações na Turquia e no Brasil

Antalya.Foto A.A.Bispo©

Se viagens realizadas à Turquia a partir do Brasil e da Alemanha foram motivadas pela atualidade do interesse de brasileiros pelo país e por S. Jorge, a atenção dirigida à leitura de sentidos e aos fundamentos culturais da imagem desse santo da Capadócia aguçou a sensibilidade para análises de um outro fenômeno cultural do presente: as manifestações e protestos na Turquia, iniciados pouco antes daqueles que passaram a ocorrer no Brasil.

Os participantes das viagens de estudos tiveram a ocasião de presenciar manifestações turcas e, em trocas de idéias com alguns de seus protagonistas, procurar compreender os seus anelos, à primeira vista vagos e difusamente articulados.

Já de início tornou-se evidente que o motivo primordialmente apresentado como causa dos protestos - o da ameaça de destruição de uma  área verde em Istambul para uma grande construção - apenas poderia ter o significado de estopim e catalizador. Em cidades distantes da capital, os manifestantes, sem elos emocionais mais estreitos com o parque ameaçado, que nem mesmo conheciam, apenas nele podiam ver uma imagem antes simbólica de sentidos mais amplos, capaz de agregar em solidariedade estudantes, intelectuais, artistas, jovens e idosos com receios, ainda que diversos e difusos, perante poderes ou desenvolvimentos sentidos como ameaçadores, forças portentosas agindo dos fundos e intransparentes. 

Não apenas a dificuldade de comunicação devido ao idioma favoreceu uma tentativa de aproximação antes imagológica de compreensão das manifestações turcas.

A impressão de que muitos dos manifestantes não sabiam definir ou dar expressão precisa a seus anelos ou representavam diversas aspirações, movimentos sociais e de direitos de cidadania, evidentemente porém compatíveis pela solidariedade demonstrada no combate contra poderes percebidos como ameaçadores, sugeriu a possibilidade de uma análise do fenômeno a partir de uma imagem que simboliza o vencer de portentosidades ameaçadoras da liberdade e de uma cultura que se identifica com valores esclarecedores .

Essa imagem condutora das aproximações parece poder explicar também o aparente paradoxo de um combate conduzido não de forma violenta, mas em princípio em atmosfera cheia de paz e música do estar presente em parques nos dias luminosos de meses primaverís.

A música, a dança e as artes desempenharam de forma manifesta papel fundamental nas manifestações observadas, demonstrando a singularidade dessa luta contra um dragão que, em forma de grandes obras de construção ameaçava justamente destruir um parque iluminado, também no sentido figurado das expressões.


O paradigma do combate ao dragão e o apolíneo das manifestações atuais

Justamente a figura do dragão combatido por S. Jorge manifesta de forma evidente a necessidade de consideração da linguagem visual e de imagens pré-existentes nos estudos hagiográficos. Essa figura traz à consciência a insuficiência de compreensões exclusivamente voltadas ao vulto histórico de um mártir em exegeses convencionais.

O paradigma daquele que mata o dragão na antiga cultura do universo helênico é Apolo, o seu primeiro ato segundo a tradição mítica, razão pela qual se manifestou como caçador e passou a ser cognominado de Pythios. Tal como guardião nas alturas, matou o monstro que subia das profundezas, dos baixios da terra, superando assim a potência que ameaçava Leto, libertando-a e inaugurando uma era marcada pela cultura que só floresce em liberdade, a das musas. Como personificação do sol, o astro que irradia luz , as flechas dessa divindade indicam os raios que dele emanam.

O ponto culminante da sua trajetória no ciclo do ano é alcançado no Solstício de verão do hemisfério norte, de modo que se compreende que Apolo fosse relacionado com a época de dias longos e atmosfera luminosa e leve do apogeu da primavera.

Como salientado em vários ciclos de estudos, o sol, porém, não é a luz propriamente dita ou o dia, nem o ar onde irradia, e, consequentemente o dragão que mata não pode ser confundido com as trevas da noite, com forças demoníacas, com o anjo decaído.

As bases empíricas da filosofia natural oferecem os pressupostos para a compreensão de antigas imagens e concepções, assim como de suas referenciações com a tradição escrita bíblica. É a partir desses fundamentos que diferenciam o sol e o dia que se compreende a necessária distinção que deve ser feita nos estudos relativos a S. Jorge e de S. Miguel, aquele homem e este anjo, o que nem sempre pode ser constatado nos estudos iconográficos.

Quanto ao ar, tanto o sol quanto este elemento são materiais. Na tradição mitológica, Apolo era filho de mãe terrena - Leto -, sendo que o ar remete a Hera/Juno - a perseguidora de mulheres terras visitadas por Zeus - e a seus filhos Hephaistos/Vulcano e Ares/Marte. Ainda que de diferentes mães, são filhos do mesmo pai, e portanto irmãos. (A.A.Bispo, Typus und Anti-Typus: Analyse sambolischer Konfigurationen und Mechanismen zur Erschliessung neuer Komparatistischer Grundlagen für den Interreligiösen Dialog und den Dialog der der Kulturen, Colonia: ABE/ISMPS/IBEM 2002)

O ar transpassado de luz no ponto alto do ano manifesta da forma mais intensa essa relação de irmãos, compreendendo-se assim o símbolo dos gêmeos ou da unidade na dualidade com ela relacionado.

Fundamentos antigos na elucidação de mecanismos do processo cristianizador

Essas bases filosofíco-naturais e mitológicas da antiga cultura permitem que se compreendam as suas relações com figuras históricas de mártires no processo de cristianização.

Assim, o visitante brasileiro se surpreende de início em constatar a representação de S. Jorge a cavalo, matando o dragão, ao lado de seu irmão, S. Teodoro, também cavaleiro, com a serpente a seus pés.

Menos conhecido na tradição hagiológica brasileira, o observador é levado a penetrar no universo religioso oriental, dele distante culturalmente, onde S. Teodoro foi alvo de intenso culto.

A hagiografia de S. Teodoro é complexa, pois é marcada por duas figuras veneradas sobretudo na tradição católica sob uma só pessoa: a do simples, com pouca capacidade intelectual e violento recrutado Teodoro Tiro, o refundidor de metais dos ídolos - o ferreiro -, e a do grande guerreiro, o comandante de exércitos Teodoro Stratelates.

Aquele com conhecimento de expressões e práticas seculares mantidas no Brasil, reconhece que essas relações entre S. Jorge/Teodoro Tiro/Teodoro Stratelates, correspondendo a seus modêlos antigos Apolo/Hephaistos/Ares, mantém-se sob a denominação de Oxossi, Ogum ferreiro e Ogum guerreiro.

Essa tradição viva permite, assim, que o pesquisador brasileiro contribua à elucidação de antigas estruturas da ordenação de imagens da Antiguidade e suas referenciações com as Escrituras. O estreito relacionamento dos irmãos no combate ao dragão possibilita uma intercomunicação de imagens também na parte descendente do ano.


Atualidade 3: Estudos Alemanha/Brasil e os residentes e migrantes na Europa

Pela passagem no corrente ano de três décadas da realização do forum e semana de música pelos 300 anos da emigração alemã à América, levado a efeito com a participação de órgãos, instituições e pesquisadores alemães, brasileiros, norteamericanos e de países latinoamericanos, retomam-se em 2013 alguns aspectos da discussão e dos trabalhos desde então desenvolvidos.

O principal escopo do simpósio realizado no âmbito do forum de 1983 residiu no reconhecimento da necessidade de atualização de estudos da emigração/imigração, colonização e relações transatlânticas e interamericanas tendo-se em vista as novas condições criadas pelo processo de integração européia e da aproximação de países americanos entre si. (Veja http://revista.brasil-europa.eu/141/Brasil-Alemanha-2013.html)

Como iniciativa de brasileiros atuantes na Alemanha, os debates não podiam deixar de trazer à consciência um aspecto dos estudos relacionados com migrações até então pouco considerado, ou seja, o da existência de grande número de brasileiros residentes em países europeus e seus descendentes e mesmo de círculos com características de colonias em algumas cidades e regiões.

Experimentando complexos processos de integração, assimilação, auto-afirmação, diferenciação e de identidade, sentem-se, como estrangeiros, aproximados a outros grupos de migrantes de diversas origens, o que se manifesta em festas de nações, culturas e em outros eventos destinados ao entendimento entre povos.

As questões que se levantam dizem respeito sobretudo as gerações já nascidas e escolarizadas no Exterior, dominando o idioma de seus países de nascimento e socialização, integradas nos seus costumes, hábitos e respectivas perspectivas nacionais de desenvolvimentos históricos.

Os esforços de percepção, análise e interpretação desses processos culturais, sentidos como necessários para o esclarecimento de situações existenciais, relacionam-se assim estreitamente com questões de formação e ensino, assim como com mecanismos performativos nos quais a música desempenha papel de particular significado.

Compreende-se, assim, que o evento de 1983 representou uma das edições de forum internacional anteriormente instituído mais especificamente com a finalidade de contribuir ao desenvolvimento de uma Educação Musical de orientação teórico-cultural sentida como necessária sobretudo para fundamentar procedimentos adequados em situações marcadas por complexos processos culturais como aquelas resultantes de imigrações.

1985. Viagem de estudos e contatos à Turquia entre as primeiras iniciativas do ISMPS

O idioma comum e os estreitos elos culturais determinados pelos desenvolvimentos históricos aproximam, no Exterior, migrantes de diferentes origens de países de língua portuguesa, favorecendo o tratamento conjunto de questões culturais referentes a processos culturais vivenciados por estrangeiros lusófonos.

Os residentes de língua portuguesa e seus descendentes na Alemanha, em crescente número, sítuados como estrangeiros ao lado de outros migrantes, sentem-se aproximados em debates relacionados com interculturalidade, integração e nacionalidade a grupos da população de idioma e cultura totalmente diversos. Entre êles, salientam-se os turcos e seus descendentes, uma vez que constituem uma considerável parcela populacional (1,61 milhões em 2011), representando 23,2 por cento, quase que um quarto dos estrangeiros que residem na Alemanha.

Considerando essa situação, uma das primeiras iniciativas do ISMPS, já no ano de sua fundação, em 1985, foi a de promover uma viagem de estudos e contatos à Turquia.


Além de pesquisas de expressões musicais populares em diferentes regiões, realizou-se encontro realizado com instituição de formação islâmica em Izmir. Em diálogo intercultural e interreligioso, tratou-se de estudos comparativos de tradições de canto religioso no Cristianismo e no Islão e sua função formativa e educativa nos diferentes contextos. Procurou-se, então, retomar, de forma atualizada, uma preocupação já antiga da Musicologia Comparada, dirigindo-se a atenção sobretudo a similaridades e diferenças de concepções nas suas inserções em processos culturais.


1989. Colóquio de pesquisadores brasileiros em centro de migrantes lusófonos


Neste sentido, realizou-se, em 1989, um colóquio internacional do ISMPS (
http://www.ismps.de/)  em colaboração com instituições universitárias do Brasil e da Alemanha em Colonia, uma das cidades alemãs de maior número de residentes portugueses, brasileiros e de antigas colonias portuguesas do Oriente e da África. (Veja http://www.revista.akademie-brasil-europa.org/CM02-09.htm)

2006. Encontro turco-teuto-brasileiro no Centro de Documentação da Migração (Domit)


Em 2006, a A.B.E. promoveu, em cooperação com seminário da Universidade de Colonia dedicado ao tema Migrações e Estética, um encontro no Centro de Documentação da Migração - Arquivo de Migração (Domit). Essa entidade, fundada em 1990 por iniciativa de migrantes turcos, hoje também se dedica a questões da história social, cultural e do quotidiano de migrantes de outras origens na Alemanha, inclusive de países de língua portuguesa.(http://www.revista.brasil-europa.eu/101/Domit.htm)


Estudos de migrações na Alemanha e os teuto-turcos na Turquia - Alemães do Bósporo


Esse encontro trouxe à consciência a complexidade dos estudos turco-alemães, uma vez que estes não apenas devem considerar turcos e seus descendentes na Alemanha, mas também alemães na Turquia. Nesse país vivem ca. de 50.000 alemães. Entre êles, encontram-se alemães casados com turcas/os, especialistas em diversas profissões, aposentados que ali passam os seus anos de idade já avançada e dos muitos que possuem propriedades de veraneio no litoral turco e que vivem longo espaços de tempo no país. Há também os descendentes de turcos que, com a nacionalidade alemã, retornaram ao país de origem ou de seus pais.


Há, porém, um grupo de descendentes de alemães que já há gerações vivem na Turquia, os assim chamados "Alemães do Bósporo", sobreviventes da expulsão de alemães do país com a derrota da Primeira Guerra.


A história da presença alemã na Turquia é secular, em parte remontando a fins da Idade Média. No século XIX, a parcela de alemães na comunidade estrangeira de Constantinopla - os levantinos - aumentou consideravelmente com a fixação de comerciantes, artesãos, conselheiros militares conselheiros de missões militares alemães que auxiliaram na reorganização das forças armadas osmanas e engenheiros que, com as suas famílias e descendentes, levaram a uma florescente colonia, com instituições de ensino, igrejas, hospitais e sociedades.


O grande projeto alemão de construção da Estrada de Ferro de Bagdad incluia a criação de colonias e o desenvolvimento de um programa cultural ao redor das estações de uma ferrovia que atravessava grande parte do país.


Um nome de oficial prussiano estabelece de forma mais significativa a ponte entre a Alemanha, a Turquia e o Brasil: Hans von Hattorf. De militar mercenário nas guerras balcânicas, passando para o lado osmano, atuou como funcionário de ferrovia e viveu em colonias alemãs do Rio Grande do Sul. Confrontado com a luta pela sobrevivência em diferentes contextos, o seu olhar foi dirigido para as esferas sociais menos favorecidas ou marginais, o que adquire hoje particular interesse para estudos da cultura popular em visões globais.


Pela passagem do século, com as estreitas relações entre Guilherme II e o Império Otomano, alemães desempenharam papel relevante no ensino e na vida musical, não apenas em círculos de estrangeiros, como também em palacianos. Um educador e músico alemão foi responsável pela música militar e da Côrte nos últimos anos do Império Otomano.


Alguns desses "Alemães do Bósporo", integrados no país e até mesmo conversos ao Islão nos anos 20, retornaram à Alemanha, constituindo uma comunidade em Berlim.


Deve-se considerar ainda na Turquia os descendentes de exilados alemães à época nazista, entre êles artistas, músicos, intelectuais e cientistas, tornando-se professores em universidades turcas, em particular em Istambul e em Ancara. Entre contam-se destacadas personalidades da música, da arquitetura e das artes plásticas.


A vida européia na Turquia antes da Guerra e o estudo de relações com o Brasil


O estudo do processo europeizador na Turquia nas suas diferentes fases a partir do século XIX representa pressuposto para a consideração adequada de elos, paralelos, similaridades e diferenças com desenvolvimentos culturais nos quais também o Brasil se insere. Representa também pré-condição para o estudo mais aprofundado dos elos culturais da Turquia com a Europa - a "parceria privilegiada" segundo a formulação alemã - e mesmo de sua inserção em processos culturais esclarecedores globais que hoje são sentidos como ameaçados em diferentes contextos.


A música oferece-se aqui como área particularmente favorável de estudos, pois foi nela que se manifestou da forma mais evidente a profunda transformação cultural desencadeada no Império Osmano no século XIX. Decorrendo no âmbito de reformas militares, a música instrumental desempenhou papel fundamental,


A consideração da música de banda e do ensino de instrumentistas segundo modêlos ocidentais sob a ação de Giuseppe Donizetti (Donizetti Paşa, 1788-1856), irmão mais velho de Gaetano Donizetti (1797-1848) a partir 1828, inserindo a Turquia no universo musical do Mediterrâneo italiano, abre possibilidades para diferentes estudos de paralelos com desenvolvimentos brasileiros.


Sobretudo porém a prática do piano e os elos com a França inserem os círculos sociais palacianos e os europeus da Turquia em processos culturais amplos orientados segundo Paris e que também marcaram o desenvolvimento cultural do Brasil. Os estreitos vínculos com a França estreitaram-se no período posterior à Primeira Guerra, marcado por profundas reformas na Turquia e por anelos de desenvolvimento de uma música nacional em linguagem adequada à época que sob muitos aspectos pode ser considerada em paralelos com aquele ocorrido no Brasil. Foi justamente uma cultura francesa marcada pelo cultivo de formas sociais e de procura de distinção da sociedade turca orientada segundo Paris que tanto fascinou um músico como João de Souza Lima (1898-1982) quando ali se apresentou no início da década de 30 do século XX.


As relações entre a Turquia e a Europa Central de língua alemã mantiveram-se e mesmo reintensificaram-se sob novos desígnios renovadores no período posterior à Primeira Guerra. É esse desenvolvimento que adquire particular significado para os estudos referentes à Turquia sob a perspectiva das relações entre a Alemanha e o Brasil.


A principal personalidade que deve ser aqui considerada é a de Martin Braunwieser (1901-1991), músico que foi marcado pelo redescobrimento de valores culturais e espirituais orientais no âmbito de seus estudos no Mozarteum de Salzburg, aproximando-se desse universo através de visões de renovação da cultura espiritual no Ocidente.


Não apenas as suas obras que apresentam explícitas referências ao Oriente merecem ser aqui consideradas, mas também e sobretudo as suas concepções referentes a dimensões mais profundas da prática instrumental e do ensino da música que foram aplicadas em décadas de atividades no Brasil.


Assim como a sua obra criadora, também as suas concepções não representaram resquícios românticos de um exotismo oriental do século XIX, mas sim inseriram-se na dinâmica de relações internacionais entre a Turquia e a Europa Central. Relembrar esse contexto internacional em que se situou significa abrir perspectivas mais amplas não apenas para os estudos da história da música no Brasil, mas sim também para a história de processos músico-culturais na própria Europa.


A distância relativadora perante um mundo superado e suas expressões que nela se constata, e que corresponden a manifestações do Grotesco em obras de outros de seus contemporâneos, possui um significado não apenas renovador, mas sim também de liberdade na defesa de uma cultura de luzes ameaçada por prepotências materiais e pela intensificação de tendencias obscurantistas, sobretudo de natureza religiosa em diversas situações.


Antonio Alexandre Bispo


Todos os direitos relativos a texto e imagens reservados. Reproduções apenas com a autorização explícita do editor.

Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "A Turquia e as relações Alemanha/Brasil. Salve S. Jorge! O fascínio de brasileiros pela Capadócia e a atualidade de imagens nas lutas pela liberdade de uma cultura do Esclarecimentol".
Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 144/1 (2013:4). http://revista.brasil-europa.eu/144/Turquia-Alemanha-Brasil.html