Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

_________________________________________________________________________________________________________________________________


Índice da edição     Índice geral     Portal Brasil-Europa     Academia     Contato     Convite     Impressum     Editor     Estatística     Atualidades

_________________________________________________________________________________________________________________________________

Capadocia.Foto A.A.Bispo©


Capadocia.Foto A.A.Bispo©


Capadocia.Foto A.A.Bispo©


Capadocia.Foto A.A.Bispo©


Fotos A.A.Bispo.
©Arquivo A.B.E.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 144/2 (2013:4)
Professor Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
- Academia Brasil-Europa  -
e institutos integrados

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2013 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 3006




A Capadócia como região privilegiada na procura de fundamentos comuns
na ordenação de imagens de um edifício cultural supranacional, interreligioso e transepocal


Turquia no Ano Brasil/Alemanha 2013 da A.B.E. (III)

 
Capadocia.Foto A.A.Bispo©

Brasileiros que hoje visitam em grande número a Capadócia o fazem, em grande parte, movidos sobretudo por um interesse pela terra natal de São Jorge despertado por novela de televisão (Veja http://revista.brasil-europa.eu/144/Turquia-Alemanha-Brasil.html).

A atenção é dirigida, assim, aos primeiros séculos do Cristianismo e a uma época anterior ao início da história turca propriamente dita e da islamização da região.

Para os guias oficiais turcos, esse interesse brasileiro por tal época remota de séculos à chegada de povos turcomanos diz respeito a desenvolvimentos anteriores ao próprio período histórico, pertencente antes a uma ante-história, arqueologia e pré-história. Ao considerá-los, confrontam-se com a complexa história de desenvolvimentos que antecederam a vinda e conquista da região pelo povo a que pertencem, se identificam e em cuja história se inserem.

A esses problemas soma-se aquele da contagem do tempo segundo diferentes referenciações religiosas. Se para os ocidentais a época em questão, ainda que remota, pertence á era cristã, essa divisão do fluxo dos séculos em D.C. e A.C. não é em princípio aquela da tradição islâmica. Somente no século XX, com as tendências à aproximação ao Ocidente das reformas políticas laicizantes do século XX, é que a Turquia adotou a contagem dos anos da tradição cristã.

Essa adaptação ao calendário ocidental, porém, não pode ser vista apenas como uma questão de cômputo, sem maiores implicações. Toda a ordenação de concepções e imagens na cultura cristã é marcada pelo campo de tensões entre o Novo e o Velho, e o momento crucial dessa divisão coincide com o início da contagem dos anos da era D.C..

Esse sistema tipológico, fundamento imprescindível para uma aproximação mais profunda à cultura cristã-ocidental, não pode ser imediatamente compreendido por aqueles que, embora utilizando-se da contagem cristã dos anos e séculos, não partem do mesmo marco de eras visto pelos cristãos em Jesus Cristo e que determina a distinção entre uma nova e uma velha humanidade.

Ao mesmo tempo, porém, constata-se a existência do vulto e da imagem equivalentes a S. Jorge na própria tradição islâmica, independente, portanto, da referenciação cristã determinante da distinção entre o Novo e o Velho.

Os múltiplos problemas de coerência que aqui se manifestam necessitam ser tematizados e analisados para um diálogo mais fundamentado sôbre questões culturais de base. Essas questões que resultam dos diferentes marcos iniciais de cômputo de eras -  apesar da adoção de calendário cristão - apenas podem ser solucionadas partindo-se de diferentes referenciações históricas de um edifício comum de imagens e concepções pré-existentes e reinterpretáveis nos seus sentidos. No diálogo cultural turco-eurobrasileiro, questões de uma arqueologia cultural e de conhecimentos desempenham, assim, papel de fundamental importância.

Capadocia.Foto A.A.Bispo©

Os brasileiros que visitam a Capadócia constatam o interesse turco pela história antiga da região que hoje constitui a Turquia, ou seja, anterior à chegada do próprio povo. Tomam consciência, assim, de uma situação diversa daquela do Brasil, onde a perspectiva histórica é determinada pelo Descobrimento do país e chegada dos portugueses, sendo a atenção pouco dirigida ao território anterior aos processos desencadeados pelos europeus.


Através de publicações, os visitantes tomam conhecimento que autores turcos partem de um início da história da Capadócia com os primeiros indícios da passagem humana numa região que, há millhões de anos, resultara do esfriamento de lava dos vulcões Erciyes a Leste e Hasan a Oeste.

As informações baseiam-se aqui sobretudo em escavações arqueológicas de 1965 de J. Melleart em trabalhos desenvolvidos desde fins da década de 50 e que levaram ao descobrimento de Çatal Höyük nas montanhas do Taurus. O principal objeto trazido à luz de uma povoação neolítica de meados dos anos sessenta foi uma plástica de uma mulher que, com os seus grandes seios e nádegas, foi interpretada com referências à fertilidade e a uma divindade feminina. Vários outros achados de décadas posteriores, conduzidos por arqueólogos turcos, trouxeram à consciência o significado da região como "berço da História" e o fato de ser marcada por complexos desenvolvimentos e transformações. (Ömer Demir, Kappadokien: Wiege der Geschichte, 12. ed. Ancara 2013)

Encontros e interações culturais entre os proto-hetitas e a população regional Nesa levaram ao império hetita, cuja grandeza foi documentada por fundos levantados na sua capital Hattusas e na localidade Kamis, próxima de Kayseri.

Após o fim dessa era, ocorrido ao redor de 1200 A.C., quando essa remota cultura teria sido destruída em meio a conflitos e catástrofes naturais, a região foi marcada pelo predomínio dos frígios. A origem e as circunstâncias da vinda e do estabelecimento desse povo permanecem pouco esclarecidos, salienta-se, porém, que a sua prevalência teria sido devida ao fato de encontrrem nos planos da Anatólia Central condições ideais para a criação de cavalos.

A vinda dos frígios a essa região - que continuaria a ser conhecida como terra de belos cavalos através dos séculos - teria sido precedida pela sua passagem dos estreitos de mar que separam a Ásia Menor do continente europeu. Essa passagem correspondeu a uma mudança de nome de um povo que ter-se-ia chamado de Birgos (Bryger).

O vencer das águas dos estreitos associa-se assim nessa visão histórica ao alcance de terra e à imagem do povo frígio como aquele de cavaleiros e à troca de seu nome - batismo -, o que sugere a interação de esquemas imagológicos conhecidos de outras proveniências e já análisados sob diversas perspectivas e em diferentes contextos.

O que não se tem considerado devidamente é a relação entre esse esquema de uma imagem de desenvolvimentos projetada em diferentes contextos e as associações dos frígios através dos séculos com concepções espirituais, hermético-iniciáticas e libertárias, conhecidas sobretudo através do emblemático capuz frígio.

No desenrolar histórico - e que deve ser assim considerado nas suas complexas interações com projeções imagológicas - a época frígia teria sido suplantada pela dos medos, esta também encerrada com um desenvolvimento marcado por conflitos, libertando-se  em meados do século VI A.C.

O sistema das satrápias nas suas relações com concepções de arcontes de luz

A nova fase, marcada pela dominação persa a partir de 547 A.C., entra no panorama histórico sobretudo como período de submissão a uma estrutura organizativa marcada pelo sistema de sátrapas, administradores de territórios provinciais a serviço do soberano persa. Estes, embora dominadores de suas respecitivas regiões e povos, eram protetores daqueles que se sujeitavam ao rei persa e a quem pagavam tributos em forma de cavalos, ouro e prata.

A Capadócia passou a ser uma dessas satrápias, a de Daskleion, sendo a sua designação de origem persa (Katpatukya= país dos belos cavalos).

Também nessa sujeição aos poderes da Pérsia e ao sistema das satrápias, na sua ambivalência relativamente áqueles sujeitos aos dominadores que exerciam ao mesmo tempo funções de administradores protetores, pode-se constatar uma estreita correlação entre desenvolvimentos históricos e um edifício cultural marcado pela concepção de poderes ou forças naturais que dominam os homens mas que podem, dependendo do posicionamento destes, tornarem-se administradores ou arcontes protetores a serviço de um poder supremo.

É significativo, neste contexto, lembrar que a divindade que mais associada ficou á presença persa no mundo antigo, a de Mitras, surja representada em monumentos com um capuz frígio.

O Mitraísmo na região nas suas relações com o ciclo do ano e constelações

Essa imagem indica a necessidade de uma maior diferenciação na interpretação de desenvolvimentos históricos, sugerindo antes uma visão dos acontecimentos a partir dos frígios e de sua saída do jugo meda. As forças locais que os subjugavam teriam passado a ser administradores do poder persa, protetores nessas condições.

A inserção da região no império persa e no edifício religioso-cultural marcado por Mitras possibilita reconhecer a fundamentação cosmológica de um sistema de concepções e imagens derivado da observação da natureza e interpretação de seus sentidos. (A.A.Bispo, "Antike und Christentum und die Traditio viva in der Musikkultur der Neuen Welt", Beiträge über christliche Volkstraditionen und synkretistische Erscheinungsformen religiöser Überlieferungen in Brasilien, Musices Aptatio 1989/90, Roma/Colonia 1996, 9-26)

Dos monumentos arqueológicos, dos fragmentos documentais e da própria pesquisa do Mitraísmo sabe-se dos seus vínculos fundamentais com a visão do cosmos, das constelações, dos planetas, do Zodíaco e de suas múltiplas correspondências, sobretudo com os elementos da matéria e sua dinâmica. (Veja e.o.http://www.revista.brasil-europa.eu/134/Histria-Arqueologia-Cultural.html)

A conquista da região sob Alexandre Magno, em 333 A.C. representou uma referenciação helenizante do edifício cultural, sem, contudo modificar a sua estrutura fundamental. Um fato significado é ter Alexandre colocado um sátrapa persa para a administração regional, o que levou a sublevações emancipatórias quando do seu afastamento em direção à Ásia, com a nomeação do rei Ariarethes I, subjugado posteriormente por um dos filhos adotivos de Alexandre.

A reconquista do país por Ariarethes II e o seu desenvolvimento sob os seus sucessores levaram a um florescimento cultural marcado pela vinda de artistas e intelectuais gregos em centros de cultura grega como Mazaka (hoje Kayseri) e Tryana (hoje Kemerhisar). Com a conquista romana, Mazaka, rebatizada com o nome do imperador em Caesarea, tornou-se a príncipal da região que tornou-se província romana em 17 A.C.

O fascinio pela cultura persa de Alexandre Magno traz á consciência que a helenização, apesar de suas referenciações míticas com locais e contextos gregos, desenvolveu-se paralelamente a uma irradiação de um edifício cultural marcado por concepções persas. Sob os romanos o Mitraísmo, pela sua estrutura e concepções, foi sobretudo cultivado por militares e veteranos, em particular também em regiões afastadas com forte presença soldática.

É nesse contexto cultural que deve ser estudado o fenômeno representado pela propagação do Cristianismo nessa região, terra de nascimento de vultos como S. Gregório Nasianos, S. Gregório de Nyssa e S. Basileu.

Assim como no Mitraísmo os locais de culto eram sobretudo espaços subterrâneos - a gruta consistuia mesmo imagem fundamental de todo o sistema de visão do cosmos -, as comunidades cristãs desenvolveram-se em conventículos e comunidades em locais de difícil acesso nessa região favorável pelas suas cavidades, grutas e altos rochedos.

Com a liberdade ao Cristianismo sob Constantino e elevação de Constantinopla a capital do Império Romano do Oriente, a região experimentou um extraordinário florescimento cristão sob Bizâncio, marcado pela construção de igrejas e mosteiros.

(....)

Momentos de reflexões de ciclo de estudos sob a direção
de
Antonio Alexandre Bispo



Todos os direitos relativos a texto e imagens reservados. Reproduções apenas com a autorização explícita do editor.

Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "A Capadocia na investigação eurobrasileira de fundamentos comuns de imagens em edifício cultural supranacional, interreligioso e transepocal orientado segundo a luz e o espírito".
Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 144/2 (2013:4). http://revista.brasil-europa.eu/144/Asia-Menor-nos-Estudos-Culturais.html