Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Fotos: Gedenkbuch zur Jahrhundertfeier Deutscher Einwanderung im Staate Santa Catarina, op.cit.

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 150/6 (2014:4)
Editor: Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Direção administrativa: Dr. H. Hülskath

Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Academia Brasil-Europa
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2014 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 3118




Colonia de Teresópolis - Águas Mornas (SC)
Tomando moradia: inícios do restauracionismo religioso e moral franciscano
em regiões coloniais alemãs de Santa Catarina
nos seus elos com a Renânia e Vestfália
Pe. Wilhelm Roer (1821-1891) e Pe. Franz Xaver Topp (1854-1925)


 

As preocupações atuais que se constatam com o recrudescimento religioso em várias partes do mundo e as trágicas consequências que apresentam, em particular no mundo islâmico, vêm de encontro àquelas relativas ao próprio contexto religioso cristão-ocidental, no qual se observa uma extraordinária expansão de igrejas evangelicais e movimentos de re-evangelização e de fomento de um renovado espirito missionário em países como o Brasil. (Veja)


Esse desenvolvimento necessita ser considerado nos Estudos Culturais não apenas por dizer respeito a processos culturais no presente, mas sim também pelas suas implicações quanto a fundamentos de procedimentos científicos em aproximações e análises.  A explícita ou implícita intenção anti-secularizadora de propagação e reintensificação religiosa não se restringe apenas àqueles intuitos indubitavelmente positivos de superação de injustiças e de assistência social em situações desumanas de sociedades marcadas pela avidez, ambições e falta de escrúpulos materialistas, mas se estende às bases do pensamento científico-cultural e filosófico-culturai, uma vez que não aceita intuitos destinados a esclarecer edifícios de concepções e imagens nos quais se inserem vê com ressentimentos análises que trazem à luz aspectos negativos de desenvolvimentos que desencadeiam ou desencadearam no passado.


Compreende-se, assim, que se ouça hoje de novo o termo „luta cultural“ para designar campos de tensões Religião/Ciência, Missão/Esclarecimento, o que estabelece paralelos com os conflitos de mesmo nome do século XIX, em particular na Alemanha. Mais do que uma simples comparação, o uso desse termo sugere a vigência de processos abrangentes, transepocais, que alcançaram momentos cruciais em determinadas épocas, em particular nos anos marcados pelo proprio conceito:„Kulturkampf“ na Alemanha.


Os conflitos assim designados tiveram pressupostos históricos e foram intensificados pelos desenvolvimentos político-culturais da época, devendo-se lembrar a situação do poder papal nos Estados Pontifícios em risco e na reação por parte de católicos de reafirmar a sua subordinação a Roma, o que, considerado como uma extensão inaceitável de ação externa em desenvolvimentos internos nacionais, marcou o termo „ultramontanismo“, um termo que apenas pode ser entendido a partir de uma perspectiva de países europeus para cima dos Alpes e que assim caracterizava posições orientadas segundo um poder além das montanhas, ou seja, de Roma.


Tanto relativamente aos pressupostos da „luta cultural“ como nas suas dimensões abrangentes e consequências, tem-se aqui um complexo que exige particular atenção dos estudos voltados à imigração e colonização européia no Brasil.


Essa foi marcada pela vinda de contingentes de colonos protestantes para um país de formação católica, transportando campos de tensões confessionais europeus, em particular alemães ao Brasil e a essas regiões de colonização atuaram primeiramente os religiosos alemães que, marcados pela „luta cultural“ na Alemanha, deram início à sua missão anti-secularizadora e de combate a posições e expressões no pensamento, cultura e comportamentos sociais que viam como desenvolvimentos remontantes à época das luzes. Os estudos adequados de processos que como tais foram compreendidos pelos seus protagonistas exige um outro tipo de aproximações a questões culturais relacionadas com a imigração e com regiões coloniais no Brasil.


Aproximações adequadas apenas em estudos culturais direcionados a processos 


O direcionamento das atenções a processos e processualidades que aqui se torna necessário foi reconhecido em meados da década de 60 como necessário para atualização de perspectivas e métodos em disciplinas culturais que foram sempre convencionalmente determinadas por categorizações de esferas de estudos e que encontravam-se marcadas por premissas e concepções culturais nacionalistas.


Questões relativas a processos desencadeados pela imigração e colonização em regiões em expansão não podiam ser estudados adequadamente segundo perspectivas convencionais histórico-culturais, histórico-musicais ou empíricas no sentido do Folclore e que apenas consideravam fatos e expressões culturais de imigrantes e seus descendentes sob a perspectiva de contribuições aculturadas no caminho da assimilação a uma cultura preconizada como nacional.


A sensibilidade para a percepção desses problemas foi aguçada também pelos desenvolvimentos desencadeados pelo Concílio Vaticano II, nos quais ao mesmo tempo se procurava renovação através de um direcionamento ao popular, relativando fronteiras entre esferas do erudito e do popular, do sagrado e do profano, mantendo-se porém paradoxalmente perspectivas convencionais de áreas disciplinares marcadas por concepções nacionalistas de cultura, em particular músico-culturais.


Surgia como significativo que nesses empenhos renovadores pós-conciliares se destacassem pesquisadores e músicos vinculados com os estudos convencionais de Folclore ou com esferas conservadoras das artes e da música, em particular da criação musical empenhada com o desenvolvimento de uma linguagem nacional.


As reflexões encetadas no âmbito da organização de estudos e da prática dirigida a processos então constituída (Nova Difusão), acompanhadas por estudos em meios de imigrantes e descendentes em São Paulo, trouxe à consciência a necessidade de consideração de inícios da história da vinda de imigrantes a regiões de colonização no século XIX e da constatação in loco da situação então atual para uma análise interdisciplinar de processos como então reconhecida como necessária. Após observações realizadas em viagens nos Estados do Rio de Janeiro, Bahia e Nordeste, pôde-se dar prosseguimento a esses intentos nos Estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.


Entre as regiões marcadas pela imigração, dedicou-se particular atenção àquela conhecida da literatura como sendo a de início de desenvolvimentos colonizadores de grandes consequências e abrangências. A visita dessas cidades, em especial em Santa Catarina, foi preparada pelo estudo de publicações existentes e daquelas alcançáveis provenientes do próprio meio da imigração com a intenção de conhecimento das perspectivas locais e regionais de descendentes de colonos. Entre elas, surgiu como de particular significado a publicação comemorativa pelo centenário da imigração alemã em Santa Catarina dedicada ao Estado de Santa Catarina no passado e no presente sob particular consideração da Alemanidade, editada em Florianópolis, em 1929, em colaboração com a editora do Exterior e da Terra Natal da „Casa da Alemanidade“  (Haus des Deutschtums) em Stuttgart (Der Staat Santa Catharina in Vergangenheit und Gegenwart unter besonderer Berücksichtigung des Deutschtums, Gedenkbuch zur Jahrhundert-Feier deutscher Einwanderung in Santa Catharina, ed. Livraria Central, Alberto Entres & Irmão, Gottfried Entres, Florianópolis, 1929).


Vias de comunicação e caminhos do povoamento colonial - a estrada de Lages


Despertando a atenção à estrada de Lages, que liga as terras altas de Santa Catarina ao litoral, essa publicação veio de encontro a interesses de então sobre o papel de vias de comunicação em processos culturais,em particular na atualidade de então de abertura de estradas em regiões com florestas, entre elas no litoral leste da Bahia e da Belém-Brasília e Transamazônica. 


A região do município hoje denominado de Águas Mornas foi especialmente considerada pelo fato de abranger colonias que ocuparam a região já a partir da primeira metade do século XIX. Seguindo-se à Colonia de Vargem Grande, instalada em 1837 com colonos que vieram daquela de São Pedro de Alcântara, fundada em 1829, fundou-se a de Santa Isabel, em 1847, com imigrantes alemães, em grande número protestantes, e a de Teresópolis, em 1860, com imigrantes renanos e vestfálios, ou seja, provindos de regiões católicas da Alemanha. No dia 3 e junho de 1860 chegaram os primeiros 50 colonos alemães, seguindo-se logo outros grupos, de modo que em 1861 a colonia já contava com 622 habitantes e 149 lares. O diretor da Colonia era Theodor Todeschini, cujo sobrenome, italiano, dirige a atenção ao contexto austro-húngaro da região Alpes-Adria. A colonia foi estabelecida pelo então presidente da Província Dr. Francisco Carlos de Araújo Brusque.


O desenvolvimento da Colonia teve de início desenvolvimento promissor. Em 1863, Teresópolis já tinha 1500 habitantes e 392 lares. Os colonos entraram pelo vale do Capivari, surgindo as localidades de São Bonifácio do Capivari e São Martinho. A região circunvizinha dividiu-se nas linhas de povoação Cubatão, Cedro, S. Miguel, Rio Novo, Salto e Capivari. Todos os habitantes eram alemães, sendo os contingentes de protestantes e católicos comparáveis em número. Em 1900, ali viviam 1900 pessoas, o que indica um crescimento não correspondente às expectativas de início. Tendo sido emancipada em 1869, concomitantemente com Santa Isabel, muitos de seus colonos tinham-se transferido para outros locais de melhor qualidade de solo, passando a colonia a servir sobretudo como fornecedora de mantimentos para a capital de Santa Catarina. (Gedenkbuch, op.cit. 57)


Teresópolis despertou particular atenção, uma vez que grande parte dos missionários que posteriormente vieram restaurar a vida religiosa e combater a secularização no Brasil também vieram da Renânia e da Vestfália. O interesse de um estudo mais pormenorizado de Teresópolis sob a perspectiva de processos adquire interesse no complexo regional pelo fato de muitos dos colonos terem-se dirigido a outras colonias devido a qualidades deficientes do seu solo. Encontram-se, assim, em outros contextos, imigrantes que trouxeram experiências de Teresópolis.


Nessa obra, lembra-se do passado antigo da ação franciscana na região, então encerrado. Como primeiros  franciscanos que pisaram terras de Santa Catarina ali mencionam-se os espanhóís Pe. Bernardo d‘Armenta e Pe. Alfons Lebron; também em Lages, no planalto, os primeiros missioarios foram franciscanos: os Pe. Manoel da Natividade e P. Tomé de Jesus, que ali atuavam em 1768. (Gedenkbuch, op.cit. 237)



Trabalhos na Alemanha e Simpósio „Música Sacra e Cultura Brasileira“ (1981)


Os trabalhos desenvolvidos na Alemanha a partir de 1974 deram também particular atenção às regiões da Renânia e da Vestfália, sendo visitados conventos, igrejas, bibliotecas e centros de documentação relacionados ou com documentação referente à ida de missionários franciscanos ao Brasil a partir de 1891. Esses trabalhos serviram à preparação do Simpósio Internacional „Música Sacra e Cultura Brasileira“, em 1981, assim como do colóquio que o seguiu no centro franciscano de Petrópolis, e que teve sobretudo o objetivo de considerar inserções de reformas eclesiásticas nas suas repercussões no Brasil em contextos políticos e suas consequências político-culturais da atualidade.


Como ponto de partida para o estudo desses elos entre a missionação franciscana alemã e do movimento restaurativo anti-secularizador por ela desencadeado ou sustentado com desenvolvimentos políticos europeus e brasileiros considerou-se publicação comemorativa editada por motivo dos 25 anos do restabelecimento da Província da Imaculada Conceição no sul do Brasil (1901-1926), editada na Alemanha em 1929 (P. Cletus Espey OFM, Festschrift zum Silberjubiläum der Wiedeererrichtung der Provinz von der Unbefleckten Empfängnis im Süden Brasiliens 1901-1926, Werl i. West.: Franziskus 1929).


No Simpósio de 1981, a missa de abertura, na catedral de São Paulo, na qual tratou-se de questões relativas à prioridade a ser concedida aos pobres na prática litúrgico-musical em participação ativa nos seus elos com a conservação patrimonial de obras sacro-musicais do passado, foi celebrada pelo Arcebispo D. Paulo Evaristo Arns OFM que, como lembrado em encontro precedente levado a efeito na sacristia da catedral, tinha elos familiares remontantes à colonia Santa Isabel.


Nos trabalhos do Simpósio e do colóquio em Petrópolis considerou-se as razões pela ida dos franciscanos alemães justamente a Teresópolis. Se o pedido a Roma de religiosos estrangeiros para a revitalização da vida conventual do Brasil possibilitada pelo novo regime instituído em 1889 partiu da Bahia, a escolha pelas autoridades romanas da Província de Santa Cruz da Saxônia para essa „missão da Bahia“, determinou o envio dos franciscanos primeiramente para o sul do Brasil.


As dificuldades e mesmo o desconhecimento do idioma tornavam mais realizável e efetivo o envio dos religiosos alemães a regiões coloniais onde se falava o alemão. Também as preocupações relativas à aclimatação de europeus no Brasil que marcavam os debates coloniais da época na Alemanha (Veja) influenciaram a escolha de regiões climaticamente mais próximas àquelas dos enviados.


Com isso, foram lançadas as bases de um desenvolvimento religioso-cultural singular: o processo de re-catolização no sentido da restauração européia do Brasil promovido pelos franciscanos iria partir de zonas novas de colonização e expansão para irradiar-se posteriormente a outras regiões, ou seja, de novas fundações à revitalização de antigos conventos. Somente dois anos após a chegada dos primeiros franciscanos - a pedido insistente do bispo da Bahia - é que deu-se início à revitalização conventual na Província do Norte. O restabelecimento e a reforma da antiga Província de Santo Antonio do norte foram decididos em assembléia com a participação dos últimos sete representantes do antigo Franciscanismo baiano e os alemães. Esse desenvolvimento iniciado em 1893 e marcado por grandes dificuldades, cujos principais centros foram Salvador, Recife e Olinda, decorreu em estreitas relações com os centros do sul do Brasil. A reinstalação de ambas as antigas províncias de Santo Antonio no Norte e da Imaculada Conceição no Sul foram oficializadas canonicamente em 1901.


Esse caminho da implantação do Franciscanismo no espírito da restauração católica a partir do sul não foi apenas aquele religioso restaurativo e de combate à secularização e de situações vistas como resquícios da época do Esclarecimento, mas sim também o de uma mudança de referenciais culturais europeus no Catolicismo brasileiro. A antiga cultura marcada pelo Franciscanismo „luso-brasileiro“ não foi revitalizada nas suas expressões, mas substituida por um Franciscanismo contextualizado na Alemanha de fins do século XIX.


Primeiros franciscanos alemães em Santa Catarina


Chegando em 20 de junho de 1891 a Salvador, os franciscanos alemães dirigiram-se imediatamente a Santa Catarina em cumprimento às ordens que haviam recebido na Alemanha. Esses primeiros religiosos foram os padres Frei Amandus Bahlmann e Xystus Meiwes, acompanhados pelos irmãos leigos Hubertus Themann e Mauritius Schmalor.


O nome do Pe. Frei Amandus Bahlmann deve ser salientado. Esse religioso foi mais tarde bispo de Santarém, importante centro do Franciscanismo ressurgido na Amazônia, saliente sob o aspecto cultural e que explica também a consideração de elementos da cultura indígena em obras franciscanas, em particular também sacro-musicais . Tendo-se preparado para a missão, o Pe. Frei Amandus Bahlman já falava um pouco de português ao chegar, de modo que foi o principal mediador entre os franciscanos e os brasileiros. Compreende-se que Frei Amandus Bahlman venha recebendo maior atenção de pesquisadores do Franciscanismo no Brasil. (Fragoso, Frei Hugo, „Frei Amando Bahlmann OFM - Pionier der Wiedererrichtung der Provinz“, Neubeginn der Franziskaner in Brasilien 1891-1992,  5, 1993, ed. Provinzialit der brasilianischen Franziskanerprovinz vom Heiligen Antonius, Recife/Missionsverwaltung der Franziskaner, Werl, 137-177)


Os elos que se estabelecem entre essa região de Santa Catarina marcada pela memória de confrontos violentos com indígenas no âmbito da colonia militar de Santa Teresa, e que merecia ser reconsiderados sob a perspectiva das injustiças e atrocidades que enegrecem a história da colonização alemã no Brasil e o Amazonas foram alvo de uma visita a Santarém no contexto dos preparativos do Simpósio Internacional de 1981.


Diferentemente de Bahlmann, Xystus Meiwes era de formação mais modesta e, como filho de camponeses, mais apto às atividades em meio de imigração e de expansão colonial em territórios então abertos sob as condições precárias de estradas e povoados em formação. (Veja)


Elos com a Vestfália: Pe. Wilhelm Roer (1821-1891) e Pe. Franz Xaver Topp


As circunstâncias da viagem dos missionários da Bahia a Santa Catarina, passando pelo Rio de Janeiro e Santos testemunham o significado de religiosos e colonos alemães ou que conheciam o idioma alemão para o estabelecimento dos primeiros contatos. No Rio de Janeiro e em Santos foram bem acolhidos pelas autoridades diocesanas. No Rio de Janeiro, foram orientados pelo lazarista alemão P. Hehn; este anunciou por telégrafo a chegada dos franciscanos alemães a Santa Catarina através de seus contatos com o Pe. Franz Xaver Topp, pároco de Tubarão. Este era conhecido na Europa, - em particular na diocese de Münster-, pelo seu
empenho pelo Catolicismo, seu ressurgimento em colonias antigas e sua implantação em novas colonias no Estado.


A sua vinda para o Brasil tinha sido resultado de uma carta enviada por um colono (Eynk) que, constatando que o padre que então assistia a colonia desde 1860 estava sobrecarregado - o Pe.Wilhelm Roer (1821-1891), originário da Vestfália -, escrevera ao bispo de Münster solicitando envio de um sacerdote. Enviou-se assim ao Brasil o Pe. Franz Xaver Topp, nascido na mesma cidade do Pe. Roer: Warendorf. Chegando ao Brasil em fins de 1889,  o Pe. Topp atuou algum tempo em Teresópolis. Em fevereiro de 1890, passou para Braço do Norte e entrou no circulo de ação do Pe. Wilhelm Roer. Constatando as terras mais férteis de Braço do Norte e do curso inferior do Capivari, procurou transferir os colonos alemães de Teresópolis para essa região, vista como mais produtiva.


Em 1891, o Pe. Topp enviou carta a Münster, solicitando auxiliares, o que levou à vinda dos sacerdotes Anton Eising e Franz Auling em 1891, e Bernhard Freise e Carl Schmees em 1892.


No dia 12 de julho de 1891, Topp introduziu os primeiros quatro franciscanos em Teresópolis, podendo assim enviar o Pe. Anton Eising a Vargem do Cedro e, posteriormento, a Brusque. Êle proprio atuava em Tubarão e seus auxiliares Schmees e Auling no Braço do Norte. (Gedenkbuch. op.cit., 235)


Após contratempos causados por atrasos de navios, os franciscanos prosseguiram viagem a Palhoça, onde foram abrigados por um colono alemão. Em Santo Amaro, foram recebidos por um padre italiano - o pároco P. Ganarini - que sabia algo do idioma alemão e que mantinha estreitos contatos com os católicos alemães. Prosseguindo a viagem, alcançaram Teresópolis, sendo aqui o Frei Amandus Bahlmann introduzido como novo pároco pelo P. F. X. Topp.


Local apropriado para a vida religiosa segundo critérios franciscanos


Foi, portanto, na atual Águas Mornas que teve início o Franciscanismo dos missionários alemães - e o processo restaurativo por êles iniciado. Essa origem em cidade afastada e pequena correspondia aos desejos de uma vida religiosa que, distante das grandes cidades e próxima à natureza, se tornasse, em silêncio, centro de um movimento irradiador de religiosidade ressurgida. Sobre uma colina, ao lado da igreja paroquial, os franciscanos estabeleceram o primeiro conventículo alemão no Brasil.


„Assim foi em Teresópolis, distante do mundo, que foi fundado o primeiro conventinho franciscano dos missionários alemães. Sons de fora, do mundo externo, raramente faziam-se subir a colina solitária, sobre a qual estava estabelecida a pequena moradia ao lado da igreja paroquial. Aos domingos havia, de fato, vida movimentada e variada entre os frequentadores da igreja. Durante a semana, porém, o silêncio era apenas interrompido pelo monótono ruído de campânulas das tropas que atravessavam o local em direção ao planalto e pelo murmurar das vagas do rio Corbatão ali próximo. Grande foi a alegria dos missionários em Teresópolis quando ali chegou em dezembro do mesmo ano a segunda Expedição de confrates da Saxonia. Eram os padres Rogerius Neuhaus, Rogerius Neuhaus, Lucianus Korte, Zeno Wahlbröhl e Herculanus Limpinsel, acompanhados pelos irmãos Marianus, Hermann, Quintilian e Patritius.“ (P. Cletus Espey, op. cit. 20)


Estes nomes devem ser considerados com atenção sob a perspectiva histórico-cultural, uma vez que foram religiosos que marcaram de forma decisiva muitas localidades de Santa Catarina, determinando formação de rêdes e interações regionais no desenvolvimento religioso, cultural e educativo.


Da Colonia de Teresópolis, o caminho da expansão franciscana levou a pedido do Bispo Diocesano primeiramente à missão na pequena paróquia de Lages, no planalto, então sem pároco, sendo o cargo ocupado por Herculanus Limpensel, coadjuvado por Rogerius Neuhaus. Em cinco dias de muito difícil viagem, que apenas podiam ser feitas em lombo de mulas, puderam ali chegar, onde encontraram uma situação desconsolante. O P. Amandus tinha êle próprio ali missionado, mas não conseguira nenhuma confissão. As missas dominicais eram em geral frequentadas apenas por duas senhoras de idade. (loc.cit.)


Nessa localidade, onde a assistência aos atos de culto e aos sacramentos era praticamente inexistente, os franciscanos tiveram que enfrentar - segundo cronista da Ordem - pela primeira vez a inimizade por parte da maçonaria perante intentos que necessariamente surgiam como obscurantistas.


Segundo a perspectiva franciscana, a Loja local foi a primeira que levantou protestos contra os intentos de intensificação religiosa e anti-secularização dos missionários alemães, que os maçons viam como agentes de um movimento reacionário, contrário aos ideais do esclarecimento, de combate a uma sociedade e a uma ciência secularizada, o que correspondia, de fato, aos intentos explicitamente formulados pelos próprios religiosos.


A reserva de círculos maçons e livre-pensadores perante missionários tão impregnados de intuitos de combate à secularização na vida e no saber manifestar-se-ia em outros contextos, tendo sido - segundo a crônica da Ordem - particularmente veemente no Paraná.


Perspectivas historiográficas na consideração de processos imigratórios e restauradores


Uma das questões que passaram a ser tratadas em eventos que se seguiram ao colóquio de Petrópolis de 1981 foi o das diferentes perspectivas historiográficas quanto ao desenvolvimento da colonização e imigração e aquela do movimento de reintensificação da vida religiosa e sua propagação representado pelos franciscanos alemães. Se a visão franciscana faz com que a atenção se volte primeiramente a Teresópolis como início de um processo anti-secularizador então desencaeado, o desenvolvimento colonial exige a consideração de desenvolvimentos anteriores.


Esse problema historiográfico seria considerado com maior atenção nos trabalhos desenvolvidos pelos 300 anos da emigração alemã à América no âmbito do Forum de Leichlingen, em 1983, e que tinham como objetivo atualizar os estudos da emigração/imigração segundo as novas condições colocadas pela aproximação dos países europeus e da integração européia. Nessa ocasião, lembrou-se que a perspectiva nos estudos culturais da imigração tinham sido até então marcadas pela consideração histórica dos assentamentos, não de processos posteriores que interveniram, reformando-a ou transformando-a, como no caso daqueles representados pelos missionários alemães. Um exemplo histórico dessa perspectiva que marcou a literatura encontra-se no livro dedicado ao Brasil no Manuel da Geografia e Estatística, elaborado por J. C. Wappäus, professor da Universidade de Göttingen, em 1871 (Handbuch der Geographie und Statistik: Brasilien, bearbeitet von r. J. C. Wappäus, Leipzig: J. C. Hinrichs‘schen 1871, 1814-1815).


Nesse texto, a sequência das localidades tratadas é a de São José, onde se considera a via de tráfego que levava de Desterro ao interior e Santo Amaro, mencionando que a ocidente de Santo Amaro e São José situava-se, em parte à estrada no interior, em parte mais a norte e ao sul da mesma a maioria das colonias fundadas pelo Govêrno, na sua maior parte com alemães. Essas eram São Pedro de Alcântara, fundada por D. Pedro I em 1829 com alemães, na sua maior parte com católicos da Renânia, e cujos colonos enfrentaram muitas dificuldades, o que levou a que muitos a abandonassem. A seguir, menciona-se Santa Isabel, criada por disposição de Dom Pedro II em 1847 com colonos enviados pela Casa Comercial Delrue ao Brasil, e que inicalmente parecia progredir. Os problemas causados pela falta de um pastor protestante foi resulvido pela Sociedade Missionária da Basiléia. Dessa região sairam muitos colonos para a Colonia Nacional de Angelina ou para o Rio Capivari; quando se tratava da Colonia Santa Isabel, falava-se assim sempre nas dificuldades resultantes de sua expansão. Passa-se, então a considerar Teresópolis:


A Colonia Teresópolis, ao sul da anterior, situada no vale do Rio Cubatão, com sede da Colonia à sua margem direita, tem o seu atual povoado a cerca de 5 léguas a ocidente-sudoeste de Santo Amaro. Essa colonia foi fundada no ano de 1860 com 41 famílias alemãs e parece desenvolver-se bem, embora o território da mesma não parece ter sido escolhido de forma feliz, sendo todo o terreno muito coupirt. O fundo do vale do Cubatão é ali pouco mais largo do que o leito do rio e as costas são às vezes tão íngremes que não é possível um cultivo das mesmas. Não muito mais favorável para a cultura surge o vale que se estende dentro da colonia do Rio do Centro, riozinho que desemboca no Rio Cubatão, e do R. S. Miguel, um afluente do Rio do Cedro, e no qual a colonização entrou. Muito mais favoráveis surgem as condições de terra no vale do alto Rio Capivari, que corre na parte ocidental e ao sul do território colonial, separado porém do atual ponto central da Colonia pela terra montanhosa. Mesmo assim, em 1867 muitos colonos se transferiram para essa parte do território e esperam um desenvolvimento econômico muito favorável quando foram realizadas as ruas até ali projetadas. Nos vales dos primeiros rios, com poucas exceções, os campos não poderão ser jamais trabalhados com arados. Segundo o relatório do comissário do Govêrno Galvão do ano de 1867, a Colonia contava então com 329 fogos e 1614 habitantes. Em 1860 vieram 34 colonos, deixando a Colonia 10. (...) A localização do núcleo principal na afluência do Rio do Cedro no Cubatão, também não foi escolhida de modo feliz, pois o leito do rio é aqui por demais estreita para uma localidade regular e só oferece espaço para uma boa rua. Em 1867, nessa povoação, o Governo tinha construido uma casa para o diretor da colonia de bom gosto e espaçosa, uma linda casa para o padre católico, uma capela pequena, provisória e uma casa de oração protestante; além do mais, ali se encontravam diversas casas particulares sólidas e de boa apar^neica e uma grande olaria. Uma grande esperança tinha-se na tecelagem ali introduzida pelo último diretor, primeiramente para dar ocupação aos colonos que possuia má terra, sendo que todo o material necessário foi importado da Europa. Até hoje só se faz coisas de algodão, muito famoso e que é rapidamente vendido em Desterro.(...)  segundo o relato do Ministro da Agricultura de 1869, ela está madura para a emancipação e essa emancipação já deve ter acontecido no presente. Todavia, tem-se que se a colonia foi entregue a si própria, muito de seus habitantes vão logo abandoná-la, pois ela não pode dispensar os subsíduos do Govêrno para a construção de caminhos e enquanto não houver melhores vias de comércio para os produtos da colonia, também os seus produtos não poderão trazeer dinheiro. Também há muito o que fazer para a igreja e a escola. Somente em 1868 foi edificada a primeira escola com apoio do Govêrno provincial. Recentemente ouve-se muitos lamentos de Teresópolis e em fins de 1869 dirigiu-se um grande grupo de quase 230 colonos de Teresópolis e Santa Isabel para Desterro para exigir o pagamento de salários por trabalhos feitos nos caminhos (...). Fora dessas colonias, cujos moradores são em grande parte alemães, há ainda nas vizinhanças das mesmas muitos colonos alemães, que em parte ali se assentaram como imigrantes livres que compraram terrenos, em parte aqueles colonos alemães que para ali se mudaram, em parte por fim aqueles de colonias estabelecidas pelo Govêrno que posteriormente, por não progredirem, foram extintas, como p. e. a Colonia Piedade, criada ao mesmo tempo de Santa Isabel a ordens de D. Pedro II. Para além desses colonos que não vivem sob a administração de direções colonias, entre eles muitos que alcançaram prosperidade, encontram-se ainda muitos outros residentes alemães dispersos nessa bastante extensa região do território da costa da Província, de modo que o viajante alemão que da capital se desloque às mencionadas colonias alemãs, em quase todas as estradas encontra insinuante vida camponesa alemã,  oferecendo a população de toda essa região muito mais a impressão alemã do que brasileira. „ (op.cit. 1816)


De ciclos de estudos da A.B.E. sob a direção de

Antonio Alexandre Bispo





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Indicação bibliográfica para citações e referências: Bispo, A.A. (Ed.).“Colonia de Teresópolis - Águas Mornas (SC). Tomando moradia: inícios do restauracionismo religioso e moral franciscano em regiões coloniais alemãs de Santa Catarina nos seus elos com a Renânia e Vestfália: Pe. Wilhelm Roer (1821-1891) e Pe. Franz Xaver Topp (1854-1925)“. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 150/6 (2014:4). http://revista.brasil-europa.eu/150/Teresopolis-Aguas_Mornas_SC.html