A mulher em processos culturais - Madagáscar
ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Foto A.A.Bispo. Copyright. Arquivo A.B.E.

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Fotos A.A.Bispo 2015 ©Arquivo A.B.E..

 

154/15 (2015:2)




A mulher em processos sociais e transculturais no Brasil e no Madagáscar
as
ramatous malgaches e o colonialismo francês


Imigração, Estudos Coloniais e Colonialismo 2015
pelos 450 anos do Rio de Janeiro

Agradecimentos ao Arquivo Nacional das Seychelles e aos cooperadores em Maurício, La Réunion e Madagáscar

 

A consideração, em textos da Revista Brasil-Europa de 2014, de observações de europeus quanto ao comportamento e do papel desempenhado por senhoras da alta sociedade do Rio de Janeiro e Petrópolis nas primeiras décadas da República, descritas como representantes de uma nova elite  surgida pela ascensão de novos círculos sociais sob o novo regime (Veja), ofereceu-se como uma temática que devia ser retomada no ano das comemorações dos 450 anos da antiga capital do Brasil.


As críticas à procura do „chic“, à demonstração de elegância e distinção de frequentadores da „missa das onze“ pelas jovens e senhoras da sociedade em contradição com reformas que pretendiam implantar valores de simplicidade, modéstia e introspecção, surgem como referências significativas para o estudo de processos sócio-culturais mais amplos relacionados com a mulher.


As menções críticas ou irônicas às damas cariocas das novas elites republicanas e do novo Rio reconfigurado podem ser lidas em cotejos com descrições de situações em outros contextos e países, europeus e extra-europeus.


O prosseguimento das reflexões neste sentido exigem tanto a consideração dos caminhos já percorridos nos estudos euro-brasileiros relativos à mulher e a questões de gênero em geral, como também de perspectivas abrangentes quanto a questionamentos e à internacionalidade na consideração de processos.


Recordando momentos das discussões das últimas décadas


O papel da mulher na história cultural vem sendo estudado sob diversos aspectos, em diferentes contextos e épocas nos estudos euro-brasileiros das últimas décadas, sendo vasta a gama dos temas tratados. Basta aqui lembrar a sessão alemã-brasileira dedicada à questão da mulher no congresso internacional realizado no Rio de Janeiro pelos 500 anos da América, em 1992, ou o seminario de Gender Studies na Universidade de Bonn, em 2003.


A constatação da necessidade de um resgate de nomes femininos na história da música e das artes foi um dos primeiros motivos que levou a um aguçamento da sensibilidade para questões relacionadas com a mulher nos estudos culturais. O descobrimento e a valorização de compositoras, instrumentistas, dançarinas e atrizes trouxeram logo à consciência que o empenho não devia se limitar ao intento de fazer justiça a personalidades esquecidas ou silenciadas, assim como ao preenchimento de lacunas na pesquisa.


A intenção renovadora dos estudos culturais através de um direcionamento da atenção a processos - e não a esferas categorizadas do erudito, folclórico ou popular - passou a exigir desde a década de 70 sobretudo análises do papel da mulher em processos inter-e transculturais, de resistência e de mudança cultural, de conservação de costumes, tradições e na sua inovação, na história colonial, da imigração, da recepção e da política cultural.


Renovação de estudos coloniais e atualidade de questões relativas ao mulatismo


Com o início dos trabalhos euro-brasileiros de interações internacionais para o desenvolvimento de estudos músico-culturais voltados a processos, com o apoio do Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico, em 1974, a temática da mulher e do feminino em processos culturais foi marcada pela experiência de vida e pelas opiniões da cantora brasileira Maura Moreira, então atuante na Ópera de Colonia, personalidade líder em meios brasileiros da Alemanha. (Veja)


A sua vivência no Brasil e na Europa demonstrava os estreitos e complexos elos entre a carreira e o reconhecimento artístico da mulher com processos sócio-culturais marcados pela discriminação racial, por preconceitos étnicos e de origem social.


Em diferentes ocasiões. Maura Moreira salientou as diferenças entre o papel a que se via obrigada a desempenhar na conquista de simpatias e na sua auto-afirmação, marcado em geral pela acentuação quase que lúdica à alegria e à descontração, e aquela das damas de círculos influentes da sociedade brasileira, cientes e demonstradoras de distinção e reserva.


Sendo proveniente de Minas Gerais, envolvida estreitamente com o passado musical dos grandes centros do passado colonial do Brasil, os debates com Maura Moreira muito contribuiram para a sensibilização por questões relacionadas com a mulher em processos coloniais e na pesquisa do passado musical e artístico do período colonial brasileiro sob a perspectiva de relações entre africanos, europeus, proprietários, empreendedores, escravos e libertos.


Essas discussões foram levadas a efeito com a participação do musicólogo Prof. Dr. Francisco Curt Lange (1903-1997), que há muito se interessava por questões de miscigenação. Foi esse pesquisador que marcou a expressão do „mulatismo musical“ que passou a ser discutida na sua problemática conceitual e implicações discriminatórias. A discussão logo ampliou-se com a consideração da reciprocidade de processos culturais, ou seja, com a recepção de imagens da mulher - no caso brasileira - nos países europeus.


A mulata como estereotipo e o fascínio de europeus por mulheres exóticas


Nessas reflexões com Maura Moreira considerou-se que a „mulata“ brasileira tornara-se tipo e estereotipo utilizado para fins de shows, representação e propaganda, com aspectos positivos e negativos, nivelando de forma questionável a problemática da mulher nos diferentes contextos regionais e epocais do Brasil, e colocando dificuldades a análises dos fatores que levaram à criação do próprio tipo com as suas múltiplas implicações sociais e raciais.


Essas reflexões assumiram dimensões mais amplas com a consideração genérica da recepção de tipos femininos conotados com culturas exóticas na Europa e do papel que desempenharam na história cultural e das artes, na moda e na história dos costumes.


Um dos períodos que foram alvo de particular atenção relativamente à recepção da mulher e do feminino de países extra-europeus foi compreensivelmente aquele do período do fascínio pelo exótico no século XIX e início do XX.


Um contexto cultural europeu privilegiado para estudos da recepção da mulher extra-européia e de formas de expressão do feminino no mundo colonial e exótico é Paris da segunda metade do século XIX e início do XX.


A espanhola e o feminino do mundo extra-europeu em Paris da Belle Époque


O fascínio pelo exótico feminino pode ser constatado e analisado sob diversos aspectos na História das Artes e da Música, não se limitando á mulher da Espanha e - por extensão - à latinoamericana, de maior evidência devido à popularidade do ibérico do tipo „Carmen“ na França. (Veja)


As possessões coloniais francesas no mundo extra-europeu do Extremo Oriente, do Sudeste da Ásia, do Pacífico e do Índico foram principais fatores na difusão e na celebração de tipos femininos exóticos na sociedade cultural marcada pelo cosmopolitismo e pelo interesse por mundos distantes na capital francesa.


A mulher em regiões colonializadas no século XIX: o Madagáscar


Mulheres desempenham papel de singular relevância na história de processos culturais no Madagáscar e das suas relações com outros países do globo.


A sua história no século XIX, foi marcada por rainhas de forte personalidade e extraordinária energia que acompanharam, fomentaram as profundas transformações culturais e sociais desencadeadas pela ação de missionários e pelos interesses comerciais contraditórios das potências européias, em particular da França e da Inglaterra, ou a elas ofereceram resistência.


Sob vários aspectos poder-se-ia estabelecer comparações com situações também conflitivas por que passaram o Taiti (Veja), e sobretudo o reino do Havaí (Veja), também resultantes sobretudo das ações cristianizadoras de sociedades missionárias protestantes do mundo anglófono ou das ordens religiosas católicas e do papel nele desempenhado por rainhas. (Veja)


Como no Havaí (Veja), também no Madagáscar a sua última rainha caiu e foi exilada concomitantemente com a perda da independência do reino, no primeiro caso com a sua integração nos Estados Unidos, no segundo com o estabelecimento do regime colonial francês.


O estudo dos processos de transformação cultural nos diferentes mundos insulares sob a ação de missionários e de interesses econômicos e de poder da França e da Inglaterra revela similaridades de causas e mecanismos, também porém diferenças que devem ser analisadas nos diferentes contextos.


A consideração de uma determinada esfera pode contribuir para a compreensão das decorrências em outras nações insulares. A visão global e o desenvolvimento paralelo e interrelacionado de estudos nas diversas regiões surge como uma necessidade para a análise de complexos regionais e para isso os relatos de viajantes que cruzaram os mares e realizaram observações nos diferentes contextos oferecem importantes subsídios.


Diferentemente por exemplo do Havaí, aquele que se dedica ao Madagáscar confronta-se com uma situação muito mais difícil de fontes de observações estrangeiras.


Fontes na literatura de ilustração popular francesa


expansão do mundo colonial francês no Extremo Oriente, no Pacífico e no Índico foi acompanhada por textos de ampla difusão popular, muitas vezes publicados em séries ou capítulos em revistas ilustradas. Este foi o caso de „Le Caprice d‘Ambamena“, de Sylvain Deglantine, publicado no Journal des Voyages et des Aventures de Terre et de Mer Nr. 452 em Paris, em 1905 (apgs. 142-143).



As „Petites Ramatous“ do Madagáscar e oficiais coloniais na literatura de viagens


Um desses textos merece ser recordado nos trabalhos euro-brasileiros que na atualidade se referenciam pelo Madagáscar. Trata-se de um relato de Henri Niellé, oficial do exército francês que fêz parte das tropas de Fianarantsoa, cidade fundada em 1830 no sul do Madagáscar e que foi publicado em capítulos sob o título de „Souvenirs de Madagáscar - Petites Ramatous“ em vários números do Journal de Voyages de 1904 (414, 6 de Novembro, 398-400;

415, 13 de Novembro, 422-423; 416, 20 de Novembro, 440-441; 417, 27 de Novembro, 459-460).


Como explicado de início pelo autor, ramatous eram jovens malgaches que trabalhavam como serventes de europeus ou de funcionários que operavam no Madagáscar.


Como fenômeno político-social, o emprêgo de ramoutous acentuou-se com o retorno dos europeus após um período de reisolamento do país sob a rainha Ravalona e que, a partir de um contrato que possibilitou o protetorado francês em Diégo Suarez em 1885, levou por fim à tomada colonial do país pela França.


Como o nome da autoritária Ravalona relembra, fortes personalidades femininas tinham marcado o passado do Madagáscar e forte eram as características matriarcais da sociedade.


Na época que se seguiu à reabertura do país ao comércio europeu, a situação modificou-se com a superação do absolutismo dos soberanos através de um maior poder dos Hova (Houve) e por fim com o término do regime monárquico e o exílio da última rainha.


O papel exercido na sociedade e na política tornou-se menos evidente, mas continuou a ser determinante sob as condições coloniais. O artigo do coronel Henri Niellé com recordações de sua vida na então ainda jovem colonia francesa surge aqui como significativo para a percepção do poder exercido de forma mais sutil pelas ramatous no sistema colonial.


Ramatous - serventes/acompanhantes de europeus e o poder feminino no regime colonial


O coronel Henri Niellé relata as suas experiências com uma dessas jovens, deixando que se perceba, nas suas palavras, que o relacionamento ultrapassou os limites de uma situação de trabalho, indicando coabitação e adquirindo componentes afetivos.


Como outros militares e europeus em geral, Henri Niellé escolhera como servente e espécie de „escorte“ uma jovem de nome Ravelnar. Esta é apresentada como imbuída de orgulho de estirpe, sempre lembrando ser de origem elevada, livre e membro de grupo étnico-cultural dominante dos Houve. Mesmo assim, não deixou de aceitar a posição de servente/acompanhante, embora o pagamento fosse modesto.


Consciência de origem social e étnica elevada não impedia que a jovem malgache considerasse como socialmente favorável servir a um europeu, além do mais a um militar do poder colonial. A posição de servente/escorte de europeu surgia assim como de prestígio social, acentuando convicções de supremacia étnica e política e solidificando a administração colonial.


Um complexo jogo marcado por orgulho, insolência, vaidade, ciúmes, caprichos, poder exercido por meios de sedução, convicção de supremacia perante os conterrâneos e posição de subalternidade para com os europeus marca a descrição da vida em comum do coronel francês com essa jovem.


O relato deixa que se perceba o considerável poder que essas jovens, com a sua auto-consciência, coquetterie, contínua tentativa de não respeitar fronteiras e ousar abusos exerciam na sociedade colonial implantada pela França.


Tudo indica que uma ramatou como a descrita no texto já tinha sido há muito marcada pela cultura francesa, o que se manifestava nas formas de comportamento, no cuidado pela elegância, no traje e pela atenção à dignidade e à distinção. A recepção de tendências da moda européia e mesmo dos trajes de diferentes nações a partir de gravuras e ilustrações várias já tinha sido acentuada até mesmo à época da soberania de Ravalona.


O prestígio de ser servente/escorte perante amigas malgaches


Uma das primeiras menções do texto diz respeito à permissão pedida e concedida á servente para que essa oferecesse um encontro com comidas e bebidas  - um chakaff - às suas amigas. Um dos fins desse encontro era o de Ravelnar apresentar-se na sua nova posição privilegiada de acompanhante do funcionário francês a jovens de sua idade. Tendo porém uma delas chamado as atenções do europeu apresentando-se como dançarina para o europeu, roubando por assim dizer o papel de saliência desejado, a servente criou uma cena de ciúmes que afetou o relacionamento com o seu patrão.


Relações de intimidade: tirar piolhos e bichos-de-pé


A menção de que logo se reestabeleceu as pazes, indica que o relacionamento já não era simplesmente o de trabalho, mas possuia componentes íntimos, estando o coronel sempre preocupado com as susceptibilidades e mudanças de ânimo da caprichosa servente.


Esta mostrava os seus descontentamentos através de expressões de tristeza ou mesmo de adoecimentos. Essas mal-estares eram justificados segundo concepções tradicionais de „alma“. A perda de alegria e de saúde surgiam como resultados de uma perda de alma, a sua recuperação como expressão de um reencontro da alma. Neste sentido, o funcionário colonial via-se continuamente na exigência de cuidar da alma de sua servente, uma vez que o seu interesse era o de vê-la sempre radiante e coquette.


A intimidade da relação manifestava-se no fato de Ravelnar dedicar-se diariamente a tirar com uma agulha os bichos de pé que assolavam o europeu, fato salientado expressamente no texto de Niellé.


O idílio dessa relação é exposto com a menção de que passaram a morar em região aprazível junto ao rio, retirada do centro, em situação romântica de pequena casa de madeira e de trançado de ripas, cercada com um jardim de rosas, dálias e outras flores.


Ramatous no grande mercado semanal de sexta-feira (zouma)


Assim como no início da relação empregatícia a jovem malgache quis reunir as suas amigas para demonstrar a sua nova situação de prestígio, a mudança do casal patrão/servente para romântica casinha de periferia despertou desejos da servente em demonstrar a sua posição de dama e o seu novo poder em visita ao grande mercado semanal de sexta-feira que constituia tradicionalmente o ponto alto da vida da sociedade malgache: o zouma.


Ainda que essa visita pressupunha a autorização do seu patrão, este, por sua vez, utilizava-se da presença da nativa para também poder conhecer o mercado, frequentado apenas pela população local. Houve, assim, uma relação marcada por reciprocidade, servindo a criada/escorte malgache à aproximação maior do funcionário dos habitantes do país e a observação de costumes.


Foi, assim, a presença da sua servente que permitiu ao militar francês fazer as observações da vida local no mercado semanal. Nelas, o autor salienta o aspecto altamente pitoresco do zouma. Oferece aos leitores um quadro dos milhares de grandes parasóis que, idênticos e plantados na terra, abrigavam enormes cestos com pessegos, mangas, cocons de seda e de pequenas fatias retangulares de carne de boi - preparadas para os sambas-sambas -, oferecidas por malgaches agachados.


Nesse quadro, o seu autor deixa que se perceba o desajeito e a falta de cuidado dos europeus em locomover-se na aglomeração de vendedores e compradores abrigados sob os grandes parasóis. Estes eram tão próximos uns dos outros que o visitante precisava abaixar-se para passar sob eles, derrubando os cestos de frutas e causando assim protestos dos vendedores. Ao contrário, as ramatous deslocavam-se mais habilmente, sem atropelos, dando-se mais tempo e cuidado em infindáveis tratos com os vendedores, aproveitando a ocasião para demonstrar a sua situação de damas privilegiadas do poder colonial.


Como o funcionário-autor menciona, era justamente o comportamento dessas serventes o que oferecia a nota mais graciosa e alegre desses dias de mercado.


O zouma era o dia por excelência daquelas que tinham um „lambe-sede“, ou seja um belo par de botinhas que queriam ser mostradas ao público ou que possuiam um lindo guarda-chuva. Essas serventes faziam-se acompanhar por sua vez de negras que carregavam um cesto para as compras e serviam assim de ajudante á própria servente, uma vez que esta não queria diminuir o seu prestígio carregando trouxas.


Essas negras ajudantes eram tratadas com ar de superioridade e mesmo desdém, o que, segundo o militar europeu muito surpreenderia na relação empregatícia se não se soubesse que essas ramatous tinham a consciência de provir de um grupo populacional dominante, de conquistadores e de uma sociedade de cunho matriarcal.


Haveria, segundo o autor, uma certa similaridade entre a consciência e altivez de mulheres dessa sociedade que conquistara e oprimira outros grupos étnicos do Madagáscar e aquelas de mulheres auto-conscientes de sua posição de alguns círculos europeus.



„Cheguei!“ A  espetaculosa entrada de uma ramatou no mercado


Como Henri Niélle descreve, o momento de maior interesse exótico para o europeu era o da chegada teatral e alegre de uma dessas serventes com o seu ar de altivez, bem vestida e locomovendo-se celeramente como se deslizasse por terra. Chamadas de belas (tsar), essas mulheres, descendo das cadeirinhas ou liteiras, deixavam atrás de si os carregadores abaixados, curvados ainda para depô-las em terra, como se fossem pequenas rainhas.


Como mencionado no texto, essas jovens do povo Houve eram muito vaidosas e extraordinariamente acessíveis a elogios. Era de costume que, quando se via uma bela ramatou, um cavalheiro que se prezasse desse expressão ao prazer que causava á vista a sua chegada, escrevendo-lhe mensagens que eram enviadas através de um mediador. Este, aproximando-se discretamente da mulher, tirava o seu chapéu e comunicava que o seu patrão mandava dizer-lhe como era bela, saudando-a.


Correspondendo talvez à influência francesa nos costumes, essas mulheres eram mais acessíveis a elogios feitos relativamente á elegância da sua toilette, ao gosto de seus trajes do que à sua própria beleza. Mandava que o enviado retribuisse a saudação, não se dignando sequer de olhar de lado ou de procurar aquele que a lisongeava. Devia-se evitar por todos os meios de fazer pessoalmente os elogios a uma ramatou, ainda que esta fosse pouco conhecida. Nesse caso, como o autor constatara, a jovem fechava o semblante, soltando um ruído sibilino entre os lábios, o que traria à lembrança a imagem da serpente bíblica. Segundo o autor, a hipocrisia surgia como forma de comportamento vista como positiva, talvez explicável pelo poder dos Houve na sociedade tradicional.


A visita conjunta do patrão e de sua servente malgache ao mercado não significava que esta se mostrasse em situação subserviente ou subalterna. Como o autor descreve, a sua Halvenar dele afastou-se, precisando ser procurada entre os parasóis sob os quais se fazia de madame em longos tratos de negociação com vendedores, ainda que nada fosse comprar.


Ramatous e leprosos no Madagáscar


Para evitar explicações públicas, o coronel menciona no seu texto ter deixado a sua servente com liberdade em prosseguir com as suas transações, aproveitando a oportunidade para conhecer a leprosaria que existia nas proximidades do mercado.


Em contraste expressivo no seu texto, o autor estabelece uma relação entre a frivolidade e orgulhosa forma de comportamento das belas jovens serventes e o futuro lamentável que as esperavam quando perdiam a juventude, a alegria e a saúde. O seu relato trazia aos leitores franceses um dos principais problemas de saúde do Madagáscar, o das epidemias e da lepra.


No leprosário situado próximo do mercado, encontrava-se confinados mais de 200 indivídios, em grande parte jovens. Sem dedos de pés e mãos, sem narizes e lábios, deixando buracos negros e purulentos nas faces, essas trágicas figuras lembravam a temporalidade da beleza das jovens ramatous. Entre os infortunados havia uma mulher de idade que, agora monstruosa nas suas deformações, tinha sido na juventude uma bela ramatou, famosa pela sua beleza e dignidade em círculos de influência na sociedade da antiga Côrte.


Ramatous em representações de teatro malgache e travestis


O texto do Journal des Voyages, apesar das suas características de ilustração popular, adquire interesse sob o aspecto etnológico e dos estudos culturais em geral por oferecer uma descrição do teatro malgache, uma das mais significativas expressões culturais do país.


Também aqui, porém, a figura principal na descrição é o da ramatou, uma vez que, como no mercado, também no teatro era ela que favorecia a presença do funcionário colonial no ambiente popular, marcado por animosidades para com o estrangeiro dominador.


A ação teatral, à tarde do dia do mercado, ocorria em vasta área coberta com bancos colocados em chão de terra batida. O palco era formado por mesas colocadas umas ao lado das outras, sobre as quais agiam os atores. As cortinas eram constituidas por dois lençois amarrados de cada lado da cena.


O teatro semanal, bem frequentado pelos habitantes, era o divertimento preferido das ramatous. Podendo pagar um franco de entrada, eram tratadas com deferência pelos responsáveis, que faziam com que se lhe levassem cadeiras. Como o oficial francês descreve, a sua servente tinha muita vontade de também ir ao teatro, mas como tinha consciência de seu comportamento por demais emancipado no mercado, não ousou pedir-lhe dinheiro para a entrada. Surpreendeu-se porém agradavelmente quando o seu patrão ofereceu-se em acompanhá-la, pois este queria vivenciar o espírito malgache que se exprimia na representação.


Quando chegaram, a sala estava cheia, mas, com três francos, obtiveram cadeiras na primeira fila. Assim que os lençóis foram levantadas, os atores subiram às mesas.


Tinha-se distribuido pequenos programas escritos à mão em malgache. Esses programas continham uma série de pequenas peças de uma duração de cinco minutos cada uma, tais como Bon Pasteur et le mauvais soldat, a Jeune Fille ventriloque, o Bourjane et l‘Andriane (noble), etc.


Os atores - ao mesmo tempo os autores das peças -, eram apenas dois, sempre os mesmos, mas mudando de aparência cada que que caia o lençól. Falavam francês entrecortado de malgache para melhor acentuar expressivamente os conteúdos.


A descrição do teatro malgache do oficial francês chama a atenção pelo fato de documentar a presença de homens em papéis femininos, imitando ramatous. Esse fato explicava-se possivelmente pela convenç∫ão de que mulheres não deviam apresentar-se em palco, o que contrariava preceitos morais. Possivelmente, havia aqui uma interação de antigos preceitos do país e aqueles recebidos pelos pelos missionários, sempre preocupados com a moral.


A presença de homens vestidos como belas, vaidosas, extravagantes e orgulhosas serventes do homem branco no teatro malgache trazia conotações que pareciam ser questionáveis ao olhar do funcionário colonial, mas que, como salienta, causava entusiasmo aos espectadores de camadas sociais mais simples do povo.


Tratava-se pelo que tudo indica de representação lúdica mas com implicações satíricas e caricaturais dessas jovens tão cientes de sua aparência, de sua posição e poder, caprichosas e altivas. As ramatous surgiam assim como alvo particularmente favorável a jogos de sentidos e insinuações do travestismo, salientando o autor a acentuada tendência dos malgaches à sátira.


Crítica ao colonialismo como resultado da influência de missionários protestantes


Se o papel desempenhado pelas ramatous era assim alvo de representação lúdico-satírica, a terceira peça apresentada tematizava mais expressamente crítica social. Nela apresentavam-se ricos que se recusavam a dar esmolas a pobres e, sobretudo, europeus que faziam com que os malgaches trabalhassem.


O que porém mais desagradou o funcionário francês foi a representação do assassinato de um comandante por seus soldados que se recusavam a atirar nos seus próprios conterrâneos. Estes foram representados por cinco jovens armados com paus, sendo a troca de tiros simulada. Quando o oficial colonial caiu morto, a audiência gritou de entusiasmo, o que criou uma situação embaraçante para o europeu presente.


Este sugere no seu texto ser tal manifestação anti-francesa produto da influência de missionários protestantes ingleses que tinham atuado no passado no Madagáscar e dos quais os atores tinham sido alunos. Haveria assim uma repercussão na sociedade de animosidades confessionais estreitamente relacionadas com aquelas comerciais e de influência política entre os ingleses e os franceses.


Mulheres na transmissão de concepções e práticas religiosas a europeus


O texto do funcionário francês assume interesse sob o aspecto dos estudos de processos culturais por documentar a influência de crenças religiosas de sociedades colonizadas nos europeus e o papel desempenhado pelas mulheres nesse processo.


Europeus marcados pela sociedade laica do século das ciências, do progresso e da técnica, conscientes de representarem o esclarecimento, como no caso da França, passavam a assimilar práticas religiosas, superstições e as muitas tabuizações ou fady da cultura tradicional devido ao afeto que dedicavam a suas serventes/acompanhantes. Vindo de encontro a seus desejos e caprichos, passavam a aceitar e mesmo consultar feiticeiros.


No caso do texto considerado, a servente passou a exercer o seu poder no seu patrão mostrando-se triste e doentia, lamentando-se de dor de cabeça e afirmando não ter mais alma no corpo.


Ainda que acreditasse que tudo fosse produto da imaginação, causado pelo fato da servente ter comido carne de pato, o que era tabuizado segundo a tradição, a sua preocupação cresceu, pois desejava ver a sua bela servente contente e exuberante como sempre.


Sob a recomendação de outras mulheres, o funcionário decidiu consultar um feiticeiro, que aconselhou uma peregrinação ao túmulo de uma das antepassadas da servente, supondo que junto a ela a sua alma tinha procurado refúgio. Conhecendo a importância do culto de ancestrais no Madagáscar, onde muito se acreditava em aparições e onde se faziam ofertas de carne, arroz, tabaco e dinheiro em sepulturas, o funcionário aceitou procurar a tumba, situada no seio da floresta.


Esse episódio surge como um dos mais amplamente tratados do texto, oferecendo um quadro geral do crescente envolvimento do europeu com um universo local marcado por concepções religiosas, práticas, culto de ancestrais e pelo poder de mulheres de idade consideradas como guardiãs de conhecimentos. Antes de partir para a floresta, o militar francês resolveu consultar uma bisavó da servente, também defunta, mas que, por ser célebre em vida, tinha sido homenageada com uma grande pedra de cinco metros no seu local de enterramento, um monumento coberto de inscrições destinadas a imortalizá-la.


O ato da consulta da pedra é descrito relativamente em pormenores pelo autor. Após ter enterrado uma oferta em dinheiro ao pé da pedra onde habitava a alma da ancestral, a servente colou as suas orelhas na coluna, esperando ouvir a voz da sua bisavó. Nada ouvindo, sentindo-se ludibriada, desenterrou furiosamente a sua oferta. Entretanto, uma outra prática que consistia em atirar moedas na pedra, permitiu que se percebesse uma ordem de imediata partida à floresta onde repousava o corpo da bisavó. Esta tinha sido em vida também famosa pela sua beleza e dignidade nos círculos influentes dos Houve na Corte de Tananarive. Caindo em desgraça, envelhecendo e adoecendo de lepra, fora desterrada para lugar ermo, assim se explicando o fato de encontrar-se então enterrada no meio da floresta.


A conselho de um feiticeiro, os peregrinos ao túmulo sacrificaram um boi, para que a alma da rez os acompanhassem e fizesse com que fossem bem recebidos. Representando o boi a principal riqueza dos nativos, julgava-se que também este eram bem visto no reino das sombras, facilitando a acolhida daqueles que procuravam os mortos e que não vinham de mãos vazias.


A procura da alma ancestral não foi fácil, pois a tumba, esquecida durante muitos anos, se encontrava em plena floresta, sendo coberta de vegetação, devendo-se abrir um túnel na floresta para nela chegar-se.


A descrição da passagem através da escura floresta do Madagáscar à procura desse reino das sombras representa uma expressiva página que relaciona o reino da morte com lugares de vida vegetativa intensiva.


O francês encontrava aqui, por vias indiretas, concepções similares áquelas conhecidas do antigo passado europeu, onde regiões ermas e encruzilhadas eram relacionadas com crenças de cunho demoníaco, em particular com escuras regiões marcadas pela pujança da vegetação, por efeu, ramagens e cipós.


No local da tumba, o feiticeiro que acompanhou o militar francês e sua servente fizeram uma oferta de prato de arroz com mel, cobrindo-o com um cesto. Derramando mel sobre uma folha de bananeira, conjurou os céus para atrair a alma. Em gestos teatrais, o feiticeiro representou a tomada da alma que surgia esvoaçante e a sua captação com o cesto.


Papel da mãe da ramatous e conversões ao Catolicismo


Do texto, depreende-se a situação tensa criada entre o funcionário colonial e a mãe da sua serviçal acompanhante.


Seguindo a tradição marcadamente matriarcal da sociedade malgache, esta exercia o poder no âmbito familiar, exigindo para si o que a sua filha recebia do oficial. Por essa razão, este tinha proibido que frequentasse a sua casa. À beira da morte, e seguindo o exemplo de um príncipe local que, embora protestante, convertera-se ao catolicismo dos franceses, essa mulher pediu que também fosse enterrada segundo o rito católico.


Vindo de encontro mais uma vez aos pedidos e choros de sua servente, o funcionário colonial aceitou assumir os custos do enterro, da missa cantada de corpo presente e do cortejo fúnebre, aberto por neófitos da missão catóilica. No enterramento, um sacerdote malgache cantou o De profundis. O corpo foi deposto no túmulo da família, marcado este por uma coluna de pedra e por grande quantidade de lanças e chifres de bois.


O costume malgache previa que quando alguém respeitável morresse, fossem imolados bois na campa, cujos chifres eram a seguir expostos sobre o defunto. As almas dos bois acompanhavam a do defunto, que seria então bem acolhida, uma idéia que o oficial francês já conhecia de outras situações. Não tendo porém meios suficientes para os gastos necessários ao sacrifício de bois, o oficial europeu comprou um par de chifres de um açougueiro que foram então colocados no túmulo da mãe de sua servente. Vinha de encontro, assim, a práticas tradicionais de sentidos simbólico-religiosos, sustentando-as.


O significado da posse de bois no Madagáscar - relato de viagem ao Fort Dauphin e Androy


Uma experiência do militar francês que não deve ser subestimada foi aquela da recusa da sua ramatou de acompanhá-lo em viagem ao sul da ilha por ter mêdo de bandidos e de febres. Dessa forma, o autor precisou partir sem o acompanhamento da sua empregada devido a receios no seu próprio país e ambiente natural, provavelmente devido a tensões étnicas e da política interna entre grupos populacionais em diferentes estádios de aceitação do poder europeu.


A região que o funcionário colonial percorreu era marcada por aldeias bars, um povo que havia sido há pouco subjugado e que mantinha uma atitude de orgulho. A sua principal riqueza era reses, pois a terra era muito pobre para ser cultivada, resumindo-se ao cultivo de campos de arroz nos fundos de vales.


Para alcançar o Fort Dauphin, oficial precisou atravessar uma floresta que no passado era conhecida por ser abrigo de bandidos e ladrões de gado.  Tinha sido „limpa“ e ocupada pelo famoso militar Hubert Lyautey (1854-1934) sob o governador Joseph Gallieni (1849-1916).


Esse trecho do relato de viagens representa uma das mais expressivas descrições das florestas do Madagáscar conhecidas. Nele se salienta a sua grandiosidade e impenetrabilidade pela profusão de cipós, assim como os mistérios que a envolviam e lendas sobre a existência de povos de antiga proveniência e animais desconhecidos.


Fort Dauphin é descrito como uma pequena aldeia graciosa, situada no fundo de uma baia, de grande salubridade, visitado de três em três meses pelo vapor costeiro dos Chargeurs-Reunis. Infelizmente, nada fazia supor que fosse melhor aproveitado no futuro, pois Tamatave, o porto de Tananarive, reunia o maior comércio de bois e de caucho da floresta. 


Como região mais interessante do Madagáscar, o autor cita Androy. Era única com a sua vegetação de cactos gigantes e euforbáceas. Sem água, com chuvas apenas em determinada época do ano, os habitantes tinham o costume de recolher toda a manhã o orvalho, sempre abundante. Segundo uma lenda, ali tinha sido visto um quadrupede do tamanho de um boi que possuia pelos e patas, mas com uma cabeça armada com um cornicório central e um longo bico: o Mangarisouk


Tensões e rebeldia contra o poder colonial e ato de submissão de um chefe



Os habitantes, ainda não de todo submissos, tinham como ideal o de possuir muitos bois, e isso sobretudo pelo fato de imolarem grande número de animais sobre tumbas por ocasião da morte, representando os chifres a riqueza do defunto. 


Essa região era marcada pela animosidade contra o poder colonial e pela criminalidade. Atuando geralmente em pequenos grupos separados e escondidos nos cactos, haviam há pouco assassinado dois militares franceses. Os nativos se recusavam a carregar os visitantes nas tradicionais cadeirinhas, de modo que estes viajavamn em lombo de mulas, acompanhados por atiradores.


Numa das aldeias, o autor surpreendeu um antandroy que batia num poste telegráfico, um sinal de sua ambivalente relação para com o poder colonial. Supunham que o telégrafo era a orelha do coronel que comandava a região a partir de Fort Dauphin e que tudo o que se dizia era levado a ele por meio do poste e dos fios telegráficos. Por essa razão, e esperando recompensas e apoios em conflitos com povos vizinhos que haviam roubado os seus bois, cantavam louvores do militar junto ao poste.


Em Béhare, o oficial presenciou a submissão de um chefe, um velho guerreiro de face marcada por muitas lutas, de porte altivo e orgulhoso. Como muitos Antandroys, possuia uma certa afinidade de traços com os árabes, cuja maior quantidade de emigrantes provinha do Zanzibar e que justificava o alto grau de mestiçagem nessa parte da ilha. Vinha acompanhado de velhos guerreiros armados, agrupando-se para o kabar de submissão. Surpreendidos quando o comandante, tirando um papel do bolso, os chamou pelos nomes, manifestando atitudes mansas, mostraram-se pacíficos e agradecidos.


Deles o autor obteve um canto épico que reproduziu no texto publicado na França, no qual se fazalusão a um famoso guerreiro que durante muito tempo resistiu aos europeus: o canto épico antandroy sobre o guerreiro Ghiko.


Ramatous e senhoras da sociedade em baile europeu


Retornando, o autor reenontrou a sua servente que ofereceu-lhe um ramalhete de rosas e pediu-lhe um presente para poder realizar um chakaff em homenagem a seu retorno para as suas amigas.


Pouco após, o oficial transferiu-se a Tananarive. Antes da partida, organizou uma soirée de gala malgache, exigindo que as damas viesse en décolleté. Quatorze aceitaram o convite para o desespero de seus maridos, que tiveram que pagar a roupa de baile.


Até à meia noite, as pequenas ramatous dansaram, muitas delas em pares de mulheres devido à falta de cavalheiros, e isso com um ar muito digno. O autor salienta nesse contexto costumes sexuais mais livres da terra do que entre os europeus, ocorrendo que uma dançarina se retirasse para o mato com o seu cavalheiro sob o pretexto de tomar ar. Entre os europeus, também haviam personalidades femininas que se salientavam pela sua elegância e beleza, entre elas uma cognominada de „Poésie de Fanar“, conhecida por jogar tenis em trajes brancos.


Lavadeiras nos garimpos de legionários enriquecidos



O texto de Henri Nielle, ainda que de divulgação, é um documento de uma época do Madagáscar sob o regime colonial francês marcado pela procura do ouro. O autor descreve como chegou a Amboustre, pequeno povoado de 4000 habitantes, destinado a suplantar Fianar devido a seus pontos de comunicação com a costa.


De interesse são os dados que oferece relativamente à criação de vias de comunicação e transporte no Madagáscar nessa época e o papel já então desempenhado por chineses. Percorreu alguns quilometros da estrada construida pelos chineses e que devia ligar futuramente Fianar aTananarive. Estes, porém, adoeciam frequentemente sob as condições climáticas e de salubridade, precisando ser reenviados com frequência à China. 


Amboustre, com casas construidas em terra batida ou em madeira, tinha um hotel e um grande numero de europeus ali habitavam. Era local de residencia dos prospectadores que procuravam ouro no vale do Mananjar, o futuro do país, esperança de toda a ilha.  Aqueles que promoviam e dirigiam a busca eram amadores que procuravam a maior parte ouro superficialmente, como os franceses procuravam champignons na floresta.  Munidos de uma autorização e guiados por um nativo, implantavam um campo de procura num terreno propício. 


Os nativos, para ganhar uma recompensa, empregavam todos os meios para engodos. Fuzilavam a mina, ou seja atiravam sobre um ponto escolhido um tiro de fusil carregado de pepitas. Já a simples lavagem deixava que se perdesse a metade do ouro.  Apesar desses meios rudimentares, fizeram-se fortunas, em particular por antigos legionários franceses fora de serviço.


Nessa cidade, o oficial presenciou uma chamada de trabalhadores para a coleta de ouro. Acompanhados de comandantes, em cadeirinhas, os prospecteurs atravessavam o mercado, jogando a seu redor moedas e pedacinhos de doce e de açúcar. O comandantes, cantando, convidavam todos os malgaches presentes de seguir os seus bons patrões procurando ouro, que comprariam a dois francos por grama. O malgache, embora segundo o autor avessos ao trabalho, gostava de kabars - discursos, de prata e de bebida. Ocorriam assim, bebendo e comendo, enquando que os comandantes os enganavam, dando o seu nome à guarda encarregada do registro de desertores.  Assim, conseguiam-se 500 indivíduos, sendo um terço de mulheres. Organizavam-se grupos de três, entre eles a mulher como lavadeira.


Mulheres na capital do Madagáscar e música de banda nos diaas de mercado


A cidade de Tananarive, à época da visita do oficial francês contava então 60000 habitantes, as casas, construidas como as de Fuianar, eram dispostas sobre uma grande colina a 1400 metros do nivel o mar. A vida era como a de Fianar, com a diferença de maior número de distrações. A cidade possuia um Sport-Club, onde se reunia a sociedade. O teatro era bem superior ao de Tamatave.


Duas vezes por semana, uma das grandes distrações da vida era a audição de música militar na place Jean Laborde. A música militar, já de antiga tradição, remontante à contratação de um maestro inglês e à compra de instrumentos pela rainha Ravalona, era presente em geral nos grandes mercados semanais da zouma. O autor oferece na sua matéria uma fotografia de uma dessas apresentações em Fuianar.



Em Tananarive podia-se observar um grande número de pequenas ramatous, das quais a mais célebre, Rachel, permitiu ao autor que fosse fotografada.


Quando ali se passasse pouco tempo, Tananarive era, segundo o francês, uma cidade encantadora. Quando porém se prolongava a estadia, constatava-se o alto custo de vida, sobretudo as despesas com os deslocamentos devido às ruas inclinadas aglomeradas de gente, onde o europeu não podia andar a pé. A ciade tinha mais de sete quilômetros de extensão, não era iluminada à noite e uma tropa de carregadores de cadeirinhas custava 130 francos por mês.


Muitos funcionarios e oficiais do govêrno colonial mantinham-se assim confinados, acomodados nas suas residências, apreciando discretamente frutos e legumes da França, separados da vida da população.


O coronel visitou o palácio da rainha, então transformado em escola profissional, descrevendo-o como um imenso edifício que fazia mais efeito de longe do que de perto. O seu objetivo foi o de ali procurar as relíquias de ancestrais de ramatous que conhecia e que tinham desempenhado papel de importância na Corte malgache do passado.


No edifício do palácio celebrava-se ainda a antig festa do fandroune ou banho real, o que agora substituia entre os malgaches a festa do primeiro do ano. No passado, todos os nobres ou andrines reuniam-se na grande sala de festas, onde, separada por um paravento e assistida pelo primeiro ministro, a rainha tomava um banho com a água que o primeiro ministro aspergia, uma água que era posteriormente bebida pelos mais favorecidos. Visitou também o palácio do primeiro ministro, o príncipe consorte.




De ciclo de estudos da A.B.E.
sob a direção de

Antonio Alexandre Bispo




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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A.(Ed.). „A mulher em processos sociais e transculturais no Brasil e no Madagáscar
as
ramatous malgaches e o colonialismo francês“. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 154/15 (2015:02).http://revista.brasil-europa.eu/154/Mulher_no_Brasil_e_Madagascar.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

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