Anunciação - arquitetura chã e cantochão
ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 167

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Olinda. Foto A.A.Bispo 1980. Copyright

Olinda. Foto A.A.Bispo 1980. Copyright

Olinda. Foto A.A.Bispo 1980. Copyright

Olinda. Foto A.A.Bispo 1980. Copyright
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Olinda. Foto A.A.Bispo 1980. Copyright

Título: Malaca 2017
Texto: Alcobaça e Batalha 1987
Coluna Lateral: Olinda 1980
Fotos A.A.Bispo 1977©Arquivo A.B.E.

 


A.A.Bispo
N° 167/3 (2017:3)


A Anunciação nos estudos de arquitetura de orientação cultural
nas suas relações com a música: a Casa de Maria em Nazareth e Loreto como modêlo
- „arquitetura chã“ e o cantochão em Malaca e no Brasil -


A.A.Bispo, J. Overath, J. Ratzinger
Pelos 90 anos do Papa emérito Bento XVI
em agradecimento pelo apoio dado como J. Cardeal Ratzinger aos estudos euro-brasileiros de processos culturais na esfera do Padroado Português
após 50 anos de encontro com professores do Seminário de Olinda e 20 anos de encontro em Macau



 

Perante as ruínas da igreja de Nossa Senhora do Outeiro, da Graça, da Anunciada ou Madre de Deus em Malaca, um os principais bens históricos da cidade, conhecida hoje pelo nome de São Paulo -, explicável pelo colégio que os Jesuítas posteriormente estabeleceram em Malaca - , o visitante brasileiro não pode deixar de pensar em igrejas do Brasil, em particular na de Nossa Senhora das Graças em Olinda, uma das mais antigas do país.

Malaca, Foto A.A.Bispo 2017. Copyright
Como a de Malaca, a de Olinda remonta a capela erigida em local elevado, com vista ao horizonte e ao mar, em atmosfera mais pura do que aquela quente e úmida  da baixada. Foi construída por Duarte Coelho Pereira (ca. 1485-1554), vulto português que entrou na história sobretudo pela sua atuação na defesa do Brasil perante incursões francesas e como capitão-donatário de Pernambuco e fundador de Olinda. Ambas as igrejas dão testemunho da religiosidade de Duarte Coelho Pereira e do papel desempenhado pela religião em ações do século XVI no Oriente e no Brasil. (Veja)

Ainda que em estado arruinado, a igreja de Malaca deixa perceber similares características arquitetônicas da igreja de Olinda. De uma só nave, com porta central em fassada despojada de ornamentos, tendo ao alto uma janela ocular, no interior uma capela central e duas laterais, a construção impressiona não apenas pela solidez de sua construção, mas sim também pela sua simplicidade, que surge como austera e vetusta nas condições arruinadas em que se encontra. Essa severidade, porém, é aparente, devido ao estado das ruínas. O que surge hoje como austero pode ser expressão de simplicidade, modéstia, despojamento, pureza.

Essa simplicidade da igreja do outeiro de Malaca pode despertar também, numa primeira aproximação a idéia de primitividade ou precariedade, de ter sido resultado de condições e circunstâncias, de poucos recursos e capacidade construtiva. Essa suposição, porém, não é convincente e indica desconhecimento de sentidos religioso-culturais que valorizam a simplicidade, a pureza e a modéstia.

Contrastes: igreja do outeiro e o palácio reconstruído do sultão

Mais avante fareis que se conheça
Malaca por empório enobrecido,
Onde toda a província do Mar grande
Suas mercadorias ricas mande.
(Os Lusíadas CXIII)

Malaca foi cidade rica devido ao comércio, com produtos vindos de regiões longínquas, em particular da China, descritos como preciosos nas referências históricas. Estas permitem que se visualize uma tendência à ostentação derivada do seu passado islâmico com potentados amantes da riqueza e do luxo.

Essa atmosfera marcada pelo amor a tecidos, objetos preciosos e especiarias pode ser também intuida no representativo palácio do sultão reconstruído aos pés do outeiro.

Malaca, Foto A.A.Bispo 2017. Copyright
Uma vida luxuriante contrasta, porém com precariedade de construções de madeira ou taipa cobertas de palha registradas na primeira fixação gráfica portuguesa da cidade e com as representações no museu instalado na „Flor do Mar“ (Veja), onde apresenta-se antes cenas da vida de mercado popular.

Esse contraste, porém, é relativo: uma falta de suntuosidade em moradias e na vida quotidiana e de trabalho de mercadores não significa que não predominasse um sentido pela luxúria de uma cidade portuária e mercantil, ao mesmo tempo oriental e tropical.

Essa atmosfera ou esse estado mental e psíquico de Malaca não teria sido perdido de um dia para outro com a conquista da cidade em 1511 por Afonso de Albuquerque (1453-1515).

Em carta dirigida ao rei, em 1512, logo após a conquista, o conquistador não deixou dúvidas a respeito da riqueza de Malaca e a necessidade de vir-se de encontro aos costumes, aos modos de vida e a expectativas e critérios resultantes dessa atração por objetos de alto valor material e artístico.

Assim, ao mencionar a necessidade de um retábulo que representasse a Anunciação para a igreja, cuja festa tinha há pouco sido celebrada, assim como de paramentos e objetos de culto, salientou a exigência de que estes fossem de valor. (Veja)

Essa exigência não pode ser entendida apenas como reflexo de critérios da época da Renascença européia.

O significado dessa carta reside no fato de pedir ao rei um retábulo da Anunciação, visto como necessário em cidade marcada pelo espírito voltado a bens materiais. Pode-se entender, desse pedido, que a contemplação de uma representação da Anunciação era reconhecida como de significado para a vida espiritual da população, para a reforma de costumes e, no exemplo de Maria, para a elevação ou purificação do estado de alma dos moradores.

Tudo indica, portanto, que igreja do outeiro não deveu a sua simplicidade e seu despojamento à falta de recursos, à incapacidade construtiva ou à falta de interesse ou sensibilidade artística, mas sim antes a um intuito, consciente ou não, de procura de um estado de espírito adequado à sua dedicação.

Da agitação, do burburinho da cidade portuária, marcada pelo comércio, pelas especiarias e pelos artigos preciosos vindos de diferentes partes do Oriente, Sião ou da China, da vida militar da sua fortaleza junto às águas, os seus habitantes podiam, subindo o outeiro, na atmosfera de ar mais puro acima das miasmas dos baixos úmidos e sufocantes, transportar-se a uma esfera adequada à introspecção junto ao oratório ou capela, posteriormente igreja.

Em região sobranceira, permitindo a contemplação da baixada, do porto e do mar, em local superior até mesmo à fortaleza, a capela ou igreja, na sua modéstia e recato, surgia como um marco orientador para aqueles que chegavam, indicando uma atitude ou estado de espírito que era visto como modêlo de condução de vida.

Perspectivas culturais - mentais e psicológicas - no estudo da arquitetura

Tem-se nas igrejas de Malaca e de Olinda, casos exemplares para leituras de arquitetura sob a perspectiva dos estudos culturais, um intuito que vem marcando os estudos euro-brasileiros há décadas.

Originado na Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo, em 1968, o reconhecimento do significado de procedimentos interdisciplinares no estudo da história da arquitetura e das artes, também e sobretudo no caso da arquitetura de igrejas, esse intuito levou, a partir de 1975, a estudos e debates no Instituto de História da Arte da Universidade de Colonia, quando considerou-se, entre outros aspectos, imagens arquitetônicas e de espaços internos em pinturas de cenas da Anunciação.

Entre as obras então estudadas, a atenção foi particularmente dirigida a representações da Anunciação em Portugal. Essa atenção justificou-se pelo significado do culto mariano em Portugal - a Terra de Santa Maria.

A tradição lembra que Afonso Henriques prometeu construir um convento a Maria caso conseguisse tomar a fortaleza de Santarém dos mouros no decorrer da Reconquista. Essa promessa levaria à fundação do mosteiro da Alcobaça, centro de devoção mariana em Portugal. Tanto Setúbal como Alcobaça possuem obras significativas da Anunciação
Sobretudo deve-se lembrar da importância simbólica e religiosa da Anunciação para o Mosteiro da Batalha construído em promessa pela vitória de Aljubarrota, em 1350.

Tanto em Alcobaça como na Batalha realizaram-se encontros euro-brasileiros em diferentes ocasiões, quando vários aspectos do significado de concepções marianas para os estudos culturais, em particular arquitetônicos.

Uma publicação que nos seminários da década de 1970 serviu como ponto de partida para estudos da arte e da arquitetura portuguesa nas suas fundamentções conceituais foi a de Reynaldo dos Santos (Oito Séculos de Arte Portuguesa: História e Espírito, 3 vols. Lisboa: Empresa Nacional de Publicidade, 1970).

Para além das suas considerações teóricas, essa publicação oferecia reproduções de obras dedicadas a cenas da Anunciação, entre elas de Francisco Henrique, do políptico de S. Francisco de Évora (il. N°31), o do retábulo de Setúbal (N° 99), o da Madre de Deus, de Lisboa (N° 101) ou à virgem da Anunciação do Mosteiro de Alcobaça de Frei Pedro (N° 326).

Comparando os dois retábulos de Setúbal e Madre de Deus, o autor reconheceu afinidades nas duas representações da Anunciação quanto a roupagens, à própria Maria, quanto a pormenores como a esteira e perspectivas arquitetônicas. (op.cit. I, 123).

Em seminários no Instituto de Colonia, a atenção foi dirigida sobretudo ao espaço arquitetônico no qual a cena se desenrola, à sua atualização segundo a arquitetura da época, comparando-o com obras de outros países europeus.

Relações entre arquitetura e música na Anunciação

No caso da arquitetura religiosa, esses estudos interdisciplinares, em particular daqueles que consideram relações entre arquitetura e música, puderam ser aprofundados em cooperação com teólogos e pesquisadores da história eclesiástica e missionária em instituições pontifícias.

Aqui salientaram-se seminários, estudos e encontros dedicados a relações entre o culto mariano e a música, nos quais o Magnificat sempre constituiu principal foco de atenções.

O significado desse canto de Maria ultrapassa o âmbito dos estudos sacro-musicais, adquirindo dimensões músico-antropológicas de fundamental relevância também para análises e compreensões de sentidos do sistema de concepções e imagens que, de remotas origens, determinou processos culturais no Ocidente e também as suas relações com povos de regiões extra-européias.

O significado desses fundamentos marianos para a música, a arquitetura, as artes, modos de vida e para estudos demopsicológicos no Oriente foi objeto de reflexões no Pontificio Istituto di Musica Sacra e na Universidade
Gregoriana na década de 1980 e em encontro na Diocese de Macau/Instituto Inter-Universitário em 1996/7 por motivo da passagem desse território à China, do simpósio dele nascido realizado em sequência em Portugal e de encontro na Diocese de Goa, em 2012. (Veja)

Malaca adquire um significado de primeira grandeza em estudos voltados à arquitetura religiosa de dedicação mariana nos seus elos com a música.

É de Malaca que se tem - na mencionada carta de Afonso de Albuquerque - um dos primeiros e principais documentos sobre o significado do Canto Gregoriano ou cantochão nas igrejas do Oriente, mencionando a necessidade de livros com notações musicais no contexto de um pedido de retábulo da Anunciação ao rei de Portugal. (Veja)

„E asy orgãaos pera estas igrejas da Imdia pareçeram qaa muy bem, porque nunca qaa falece quem os saiba tamjer. E porque me nam esqueça, digo, Senhor, que estas igrejas am mester livros missaees meãaos, porque nam ha hy senam podres e esferrapados e destes muy poucos.“ (Documentação para a História das Missões do Padroado Português do Oriente:India, coligida e anotada por A. da Silva Rego, I, Lisboa 1991, págs 145 ss., 149-150)

A festa de 25 de março adquiria tradicionalmente um extraordinário significado no ciclo do ano, uma vez que precedia de 9 meses aquela do Natal e representava assim um outro início de ano, caindo, relativamente ao ano natural, no início da primavera européia, a estação do ano de mais pura atmosfera.

Ela possuia um sentido preparatório, por assim dizer adventício, marcado por introspecção.

A Anunciação encontrava-se sempre presente na cultura portuguesa. também no Oriente, no quotidiano do Angelus à hora da Ave Maria, nos sábados, nas demais festas marianas e nas ladainhas. Ela era assim sobretudo decantada.

Significados da Anunciação e de sentidos de anúncios nos estudos culturais

Deve-se considerar, em primeiro lugar, que a Anunciação - como expressa no Evangelho de S. Lucas - foi o anúncio daquele que vinha (Annuntiatio Domini), da concepção de Jesus por Maria, sendo esta a anunciada (Annuntiatione Beatae Mariae Virginis), como expresso na denominação da capela.

Como anunciação da vinda e concepção de Cristo, surgia necessariamente como de alto significado para os portugueses que, no âmbito do Padroado Português do Oriente, agiam e justificavam as suas ações pelo anúncio e propagação do Cristianismo.

Vinha aqui de encontro também ao conceito de anúncio ou anunciação no sentido genérico - mas também fundamentado na tradição bíblica - de ordenações.

Exemplaridade humana intrínseca às representações da Anunciação

A imagem de Maria na recepção do anúncio é marcada na tradição e manifestada nas representações por virtudes como de pureza e castidade e, sobretudo, de humildade (Ancilla Domini).

O pedido do retábulo e a capela elevada no outeiro indicam a atenção dirigida àquela que foi alvo da Anunciação. Correspondia ao antigo e fundamental significado da Conceição de Nossa Senhora na história e na vida religioso-cultural de Portugal.

A Anunciada surgia como modêlo exemplar para as almas dos homens, em particular daqueles que eram alvo de admoestações e que precisavam ser „re-convertidos“, dos recém-batizados e mesmo dos não-cristãos, os nativos que deviam ser cristianizados.

Esse significado da Anunciação para fins de conversão nos seus diferentes aspectos contribui também à compreensão de sentidos da capela e igreja de Olinda, uma vez que foi elevada em época marcada por preocupações de cristianização dos indígenas da região.

O conceito de Anunciação surge assim estreitamente relacionado com o de missão. Se esta última, porém, passou a ser entendida como tarefa de missionários, ou seja, de religiosos, testemunhos da veneração da Anunciação e da Anunciada surge como expressão de uma missão por assim dizer implícita de leigos, de navegadores, militares e homens de govêrno como Duarte Coelho Pereira.

Arquitetura em cenas da Anunciação e a casa de Maria em Nazareth/Loreto

As representações visuais, tratando da cena sempre no espaço interno de uma construção, testemunham o significado da casa de Maria em Nazareth, transportada segundo a tradição para Loreto, onde teria ocorrido o anúncio.

Como local de veneração, a casa de Maria teria sido consagrada no ano de 42, também com a presença de apóstolos, entre êles Santiago.  Em 336, Santa Helena teria envolto a pequena casa com uma igreja, importante antecedente da repetidamente constatada prática de construções maiores envolvendo oratórios ou capelas no decorrer da história.

Essa pequena casa, construída à frente de uma gruta, foi salva dos muçulmanos no contexto da islamização da Palestina através da sua transferência ao Ocidente em 1294 que, segundo a tradição, teria ocorrido de forma milagrosa, estabelecendo-se por fim na colina de Loreto.

A ladainha lauretana manteve através dos séculos também no mundo português já no seu nome a lembrança desse importante centro de peregrinação na Itália.

Pelo motivo de sua transferência ou trasladação milagrosa da Palestina à Europa, a casa de Maria relaciona-se com o conflito entre o Islão e o Cristianismo, uma problemática de fundamental significado para nações ibéricas, marcadas pela Reconquista.

A Camera Mariae Virginis, ou Casa Santa surge assim como modêlo por excelência de capelas e igrejas marianas. O seu significado sob o ponto de vista da história da arquitetura de orientação cultural não pode deixar de ser considerado.

Não tanto a continuidade histórica do modêlo da casa de Maria transportada segundo a tradição a Loreto, mas sim as qualidades daquela que recebeu o anúncio é que devem ser focalizadas na consideração dessas capelas e igrejas.

Se na casa de Maria foi que ter-se-ia dado a entrada do Espírito Santo no ato da concepção, essas construções poderiam ser vistas em correspondência com o homem, ou seja, consideradas como uma imagem de inerentes sentidos antropológico-culturais: a igreja como corpo que abriga uma alma receptiva ao Espírito. Esse corpo é, segundo o modêlo, marcado por pureza, recato e modéstia.

Implicações para a consideração do conceito de „arquitetura chã“

As reflexões nesse sentido conduzidas em diferentes ocasiões nas últimas décadas foram marcadas por considerações críticas ou aprofundadoras da assim chamada „arquitetura chã“ ou „estilo chão“ nos estudos da história da arquitetura portuguesa e das construções levantadas por portugueses em regiões extra-européias.

O conceito foi marcado sobretudo pela obra de George Kubler (A Arquitectura Portuguesa Chã - Entre as Especiarias e os Diamantes: 1521-1706, Lisboa: Vega, 1988).

Salientou-se, nas reflexões conduzidas em seminário sobre relações entre arquitetura e música nas universidades de Bonn (2003) e Colonia (2007), que um conceito de plain architecture apenas poderia ser traduzido como arquitetura chã se aqui se compreende este termo em correspondência àquele do cantochão para o canto litúrgico.

Deve-se lembrar, neste contexto, que, entre gregorianistas, já na década de 1960 no Brasil, o termo cantochão encontrava pouca compreensão, uma vez que nele se via o risco de um sentido depreciativo: o de um canto raso, sem maior valor e significado, inadequado para intuitos daqueles que procuravam revelar e trazer à consciência os valores próprios, estéticos e espirituais do Canto Gregoriano. Coube ao musicólogo Heinrich Hüschen, da Universidade de Colonia, em 1976/7, salientar o significado mais profundo do termo cantus planus a partir de tratados teóricos medievais, trazendo à consciência que a acepção criticada do termo cantochão era injustificada.

O termo ganha em significado quando se considera a sua „simplicidade“ nas características monódicas que o distinguiram de formas mais elaboradas da polifonia, nas suas estreitas relações com a palavra e que que dele fizeram modêlo nos esforços de reforma interna da vida religiosa do século XVI.

Os mesmos cuidados diferenciadores no uso do termo planus devem ser seguidos relativamente ao uso desse termo na arquitetura.

Se o „estilo chão“ na arquitetura, desenvolvido sobretudo à época que marcou a formação e posteriormente o reinado de D. João III (1502-1557), teve como características qualidades como simplicidade, clareza, ordem e despojamento, não basta considerá-lo como resultado de condições econômicas e pragmatismo, mas sim nos seus sentidos inerentes, em análises de seus pressupostos religioso-culturais.

É nesse sentido que a atenção merece ser dirigida ao corpo central das construções e que poderia ser ampliado - como o foi em muitos casos - com a construção de torres laterais. Transformações posteriores de aspectos exteriores desses corpos centrais através de ornamentações e representações plásticas surgem como expressões de desenvolvimentos religioso-culturais e de procedimentos missionários mais tardios.

Correspondentemente ao cantus planus, por exemplo nas suas relações com o cantus figuratus, uma arquitetura plana pode ter oferecido bases e ser usada para elaborações construtivas e decorativas, estas, porém, não significam que tenha sido já criada como base para esses desenvolvimentos posteriores.

As suas qualidades são aquelas que se encontram na tradição mariana que tanto marcou a cultura portuguesa: pureza, modéstia, recato, despojamento, a não-ostentação, não-opulência, não-prepotência.

Essa arquitetura é uma expressão construída do expresso no Magnificat (Lucas 1,26-56),  o canto que é entoado por Maria e que decanta o olhar divino a todos os pequenos, humildes e sem poder, derrubando de seus tronos os portentosos e prepotentes.


Antonio Alexandre Bispo


Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. „A Anunciação nos estudos de arquitetura de orientação cultural nas suas relações com a música - a Casa de Maria em Nazareth e Loreto como modêlo- „arquitetura chã“ e o cantochão em Malaca e no Brasil.
Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 167/3(2017:3). http://revista.brasil-europa.eu/167/Arquitetura_plana_e_cantochao.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

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