O Barong no Galungan em Bali
ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 168

Correspondência Euro-Brasileira

 

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Bali. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright

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Bali. Fotos A.A.Bispo 2017©Arquivo A.B.E.

 


Bali. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright
N° 168/6 (2017:4)


Estudos Indonésia/Brasil:
o Barong no contexto do Galungan em Bali
sob o aspecto do estudo de sistemas de imagens
Recapitulando debates com Paul Collaer (1891-1989) e Mantle Hood (1918-2005)

 

Para o ciclo de estudos euro-brasileiros levado a efeito no Sudeste da Ásia em 2017, escolheu-se a época so Galungan balinês, celebrado entre o cinco e o 15 de abril.

Bali. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright

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O Galungan é o ponto alto das festividades balinesas hinduistas. Ela é realizada em veneração a Ida Sang Hyang Widi, o Creador do Universo. Celebra-se, a grosso modo, a vitória do bem na tensão entre Dharma e Adharma, o que explica o teor festivo das celebrações.

Os Balineses manifestam nesses dias a sua gratidão ao Criador e a seus benéficos ancestrais.

No Galungan, que tem lugar uma vez no ciclo de 210 dias do calendário balinês, crê-se que os espíritos dos ancestrais descem à terra. A realização dos rituais serve a bem recebê-los. As famílias preparam as casas e as áreas domésticas que as circundam festivamente, oferecem oferendas de alimentos e flores para os seus ancestrais, dando expressão a sentimentos de gratidão e pedindo proteção. Com isso, a partir de cada família, toda a sociedade é envolvida na celebração.

Não só os numerosos templos locais e regionais são procurados pelos fiéis que trazem as oferendas, mas sim também os altares domésticos junto a portões e grandes mastros e arcos de bambus profusamente ornamentados nas ruas - os penjor - manifestam o envolvimento de toda a sociedade.

Difícil é encontrar no mundo manifestação mais expressiva de uma festa religioso-cultural que envolva o indivíduo, a família e a sociedade de forma tão intensa e íntegra na celebração de concepções fundamentais sobre a Criador e o Homem.

Considerar o Galungan balinês surge assim como de particular importância para os estudos religioso-comparativos e culturais em geral, salientando-se aqui o seu significado para aqueles voltados à linguagem de imagens.

Nos estudos que relacionam Cultura e Natureza - como desenvolvidos pela A.B.E. - o Galungan adquire especial interesse, uma vez que as oferendas e as ornamentações de altares, mastros, parte direita de portas e ruas são frutas, folhas de palmeiras, flores, trançados de fibras e outros bens naturais artisticamente dispostos e elaborados.

Após muitos dias de preparativos, na festa do Galungan, quando os devotos dirigem-se aos templos e fazem as suas oferendas aos espíritos, as ruas são percorridas por grande número de mulheres que trazem as oferendas sobre a cabeça, enquanto que os homens levam grandes abanos de folhas de palmeira. No dia que se segue à festa, parentes e amigos mais próximos são visitados.

Trata-se, também aqui, de uma festa estreitamente relacionada com a organização social, a rêde de contatos familiares e sociais, do doméstico ao círculo de laços de parentesco e amizade, e que, ampliando-se, abrange toda a sociedade. O período festivo termina no décimo dia, o Kuningan, no qual os espíritos dos antepassados retornam ao céu.

O cosmo no templo Pura Taman Ayun em Mengwi e o barong

O edifício de concepções cósmicas de Bali pode ser considerado numa dos seus mais valiosos bens arquitetônico-culturais: o complexo do templo Pura Taman Ayun em Mengwi, na circunscrição Badung - o templo dos „jardins flutuantes“.

Bali. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright

Construído em 1634 numa ilha fluvial por um príncipe-regente, rajá de Mengwi, fundador do país e da dinastia, rodeado por vegetação e flores, o templo é não apenas uma obra de extraordinário interesse para estudos da história da arquitetura, do paisagismo e de relações entre cultura e natureza. Nele se encontram altares às principais divindades do Hinduismo e aos ancestrais da família dos soberanos de Mengwi.

A área do templo assume grande relevância para a compreensão do cosmo na visão do mundo e do homem, reconhecido como de valor universal com a sua inscrição na lista de bens da UNESCO segundo a convenção de proteção da herança natural e cultural da Humanidade.

Nesse reconhecimento, manifesta-se a consciência do significado da província de Bali não só devido a seu milenar sistema de irrigação Subak como a da expressão edificada da filosofia Tri Hita Karena balinesa. Essa filosofia das „três causas do bem-estar“ ou da prosperidade estabelece relações causais entre a harmonia entre os homens, a harmonia com a natureza e a harmonia com Deus.

É essa filosofia que torna compreensível modos de vida, de comportamento e expressões que tanto impressionam observadores externos pela sua suavidade, mansidão, amabilidade, sensibilidade, alegria e que confere a Bali uma relevância especial em estudos de processos culturais nas suas relações com o meio ambiente.

Entretanto, como discutido nos diálogos levados a efeito com balineses, o termo harmonia pode levar a uma redução do espectro mais amplo e profundo das concepções.



O Barong no Ngelawang nas aldeias

Em espaço lateral da área encontra-se um grande e expressivo Barong, ali conservado após uma cerimônia, e que reflete o seu significado no conjunto global das concepções que determinam a configuração arquitetônica do complexo.

Uma particular atenção nos estudos culturais quanto à propriedade do conceito de harmonia no estudo da filosofia ou da visão de mundo balinesa merece o Ngelawang, um ato cerimonial e festivo levado a efeito nas aldeias durante o Galungan.

É no Ngelawang que se manifesta de forma mais expressiva o significado desse período festivo para a cultura tradicional local, para a dança e música. Nele, o principal interesse cabe ao Barong, uma armação de ser fantástico que é levado pelas aldeias ou colocado em praças ou sob árvores, quando é alvo de atenção sobretudo de crianças e jovens.


O significado dessa figura não é apenas lúdico, possuindo um conteúdo mais profundo, de natureza religioso. Indo de casa em casa nas suas perambulações pelas aldeias, a sua visita tem um sentido purificador ou mesmo de exorcismo, surgindo como veículo protetor propiciador do bem e capaz de restaurar a harmonia no balanço de oposições ou do bem e do mal nas famílias.

A dança do barong, precedida em geral por orações, relaciona-se com concepções de união, de equilíbrio ou de unidade em mundo marcado por forças contrárias ou opostas.

A consideração dessa imagem que se tornou emblemática para a cultura balinesa sob essa perspectiva relativa interpretações mais generalizadas e superficiais quanto à sua função de balanço entre o bem e o mal.

Reflexões sobre a imagem do Barong

A análise dessa imagem sob esse sentido mais profundo apenas torna-se possível a partir dos estudos imagológicos nas suas relações com concepções filosófico-naturais que vem sendo desenvolvidos nas últimas décadas.

Sob essa luz, a imagem do Barong revela significados e dimensões que superam de muito aqueles a ela reconhecido em publicações de divulgação e que nela veem apenas uma interessante expressão de folclore balinês.

Em diálogos euro-brasileiros com balineses responsáveis pelo Barong em aldeias ao redor de Benoa salientou-se que um esforço para o reconhecimento do significado do barong não é apenas expressão de procedimentos comparativos no estudo da cultura e das religiões a partir da ótica européia ou ocidental.

Somente uma interação de perspectivas entre aqueles imersos no universo cultural balinês e o estudioso externo permite uma percepção adequada de sentidos nas suas dimensões mais amplas e o reconhecimento de valores de concepções antropológico-culturais que ultrapassam o contexto regional.

Os resultados de estudos em outros contextos culturais contribui a um aguçamento do interesse e da percepção de próprios balineses que em geral mantém práticas por tradição, nem sempre refletidas.

Diferenciação de conceitos: harmonia e a união no mundo das oposições

Neste sentido, discutiu-se o conceito de harmonia sempre salientado nas considerações da filosofia balinesas. Refletiu-se que o conceito de harmonia necessitaria ser considerado de forma mais diferenciada.

A imagem e as práticas religioso-lúdicas do Barong sugere que não apenas a harmonização de contrários deveria ser levada em conta, mas sim também a sintonia e, sobretudo, a união em mundo existencial marcado por forças opostas, tensões, conflitos e lutas.

Essa concepção do um ou da unidade encontra a sua correspondência também nas tradições relativas às origens e no ciclo do ano natural.

Essas concepções, de remotas proveniências, vem sendo estudadas a partir de estudos relacionados com o Brasil e podem abrir caminhos para uma compreensão mais profunda da cultura balinesa, valorizando-a ainda mais no seu significado para a Humanidade.

O Barong no desenvolvimento dos estudos referenciados pelo Brasil

O Barong foi primeiramente considerado no Brasil sob o aspecto da dança e música quando da introdução da Etnomusicologia em cursos da Faculdade de Música e Educação Artística do Instituto Musical de São Paulo, em 1972, com base em textos da literatura disponível.

Essas reflexões tiveram continuidade na Alemanha com o início do programa de estudos euro-brasileiros, em 1974. Com professores de universidades da Indonésia que se encontravam em Hamburg e Lüneburg desenvolveram-se intensas trocas de idéias a respeito da cultura de Java e Bali.

Esses debates tiveram prosseguimento na área da Etnomusicologia da Universidade de Colonia, incluindo-se visitas ao Centro Jaap Kunst da Universidade de Amsterdam e, sobretudo, a instituições de Bruxelas.

Uma das principais personalidades que marcaram o desenvolvimento dos estudos tanto no Brasil como na Europa foi Paul Collaer (1891-1989), musicólogo belga fundador do Cercle international d‘études ethno-musicologiques. Os seus elos com o Brasil derivavam de sua longa amizade com o compositor Darius Milhaud (1892-1974), o autor de Saudades do Brasil - música emblemática da academia formada em Salzburgo em 1919 e que tem a sua continuidade na A.B.E..

Em 1996, por ocasião de eventos levados a efeito na Ásia e no Sudeste Asiático pela passagem de Hong Kong e Macau à China, realizou-se um ciclo de estudos euro-brasileiros em Bali. Teve-se ali a oportunidade de presenciar a dança do Barong, obter informações sobre o seu sentido pelos seus participantes, comparando-as com aquelas conhecidas da literatura. Na dança presenciada, após uma introdução que apresenta o Barong, assim como a dança do Legong por duas bailarinas, tem início a representação de uma estória que gira em torno do Barong e de Randa.

Reconheceu-se que essa dança, em termos genéricos, apresenta o Barong como ser que representa, no mundo da existência, a presença do bem ou da união em paz no complexo de tendências antagônicas. Ao contrário, Rangda, a „rainha das feiticeiras“, corporifica o poder das dissenções, dos conflitos e do mal. Reconheceu-se que resumir esse antagonismo em luta entre o bem e o mal não faz jus aos sentidos mais profundos das representações.

Percebeu-se esse conteúdo mais profundo em concepções relativas à imortalidade do príncipe Sadewa por intervenção de Shiva, e ao anelo de redenção por parte de figuras como Kaleka, discípula de Durga, capaz de metamorfoses várias e que levam também à metamorfose de Sadewa no Barong. Os seguidores do Barong, que combatem a bruxa, são por ela enfeitiçados, colocados numa situação emocional na qual, em transe, passam a combater-se a si próprios. É o Barong que, por fim, consegue salvar os combatentes dessa influência maléfica.

O elo religioso da representação se revela nas oferendas e na participação de um sacerdote que, espargindo água nos participantes, os benze, livrando-os da situação de transe em que haviam caído. 

Reconheceu-se, nessa representação, a idéia da existência de uma presença do fator de união no mundo mortal marcado por conflitos, assim como a noção de que estes podem ser voltados ao próprio homem quando se torna cego sob a influência maléfica nas suas múltiplas metamorfoses.

Discutiram-se as muitas possibilidades de aproximações no estudo da dança do Barong, salientando-se as suas dimensões antropológicas, de corpo, alma e espírito estreitamente vinculadas com Shiva. De fundamental importância para essas reflexões foi a tradição de pensamento de Alain Danièlou (1907-1994). (Veja)

Nesse contexto, discutiram-se também textos de Paul Collaer relativos ao Barong e publicados no volume dedicado ao Sudeste Asiático da História da Música em Imagens. (Südostasien, Musikgeschichte in Bildern I: Musikethnologie - Lieferung 3, Leipzig: VEB Deutscher Verlag für Musik, 1979).

Em fotos de B. Anderson, de 1963, P. Collaer trata do barong matjan como uma „dança de transe“ em procissão réog em Java, Paras, Madiun. (pág. 108). Informa-se ali que essa procissão, que percorre a aldeia e na qual se realizam danças e representações com a figura „monstruosa de tigre“ do barong matjan, seria uma dança de culto de cunho exorcista.

Segundo  o etnomusicólogo americano Mantle Hood (1918-2005 , citado por P. Collaaer,  há vários tipos de danças de transe e mágicas, entre elas diferentes tipos do Barong, das quais a mais incitante é o Tjalonarang. O Barong, que pode tomar a forma de diferentes animais ou gigantes, seria um „parente afastado“ da feiticeira Rangda e teria a função de um mediador entre a aldeia e essa corporificação do mal. É levado por jovens tomados por espíritos de demônios e que, em transe, atacam a feiticeira. Rangda, porém, os encanta, fazendo com que se martirizem na dança do punhal Kris.

Caindo no chão em possessão, são reacordados pelo Barong e aspergidos com água benta pelo sacerdote. (The Enduring Tradition. Music and Theater in Java and Bali, Indonesia, ed. von R. T. Mc Vey, New Haven, 2a. ed. 1967,  439 ss., 468).

Considerou-se, nos encontros realizados durante visitas de Mantle Hood em Colonia, que essa interpretação surge como ilógica, revelando uma questionável interpretação dos sentidos das dramatizações.

Essa discordância relativamente à leitura de sentidos do Barong são de natureza fundamental e impedem o reconhecimento do significado mais profundo dessa expressão.


Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A.(Ed.). „Estudos Indonésia/Brasil: o Barong no contexto do Galungan em Bali sob o aspecto do estudo de sistemas de imagens.Recapitulando debates com Paul Collaer (1891-1989) e Mantle Hood (1918-2005)“
. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 168/6 (2017:4).http://revista.brasil-europa.eu/168/Barong_no_Galungan.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2017 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Academia Brasil-Europa
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
reconhecido de utilidade pública na República Federal da Alemanha

Editor: Professor Dr. A.A. Bispo, Universität zu Köln
Direção gerencial: Dr. H. Hülskath, Akademisches Lehrkrankenhaus Bergisch-Gladbach
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