Jamaica, Europa e Brasil
ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 171

Correspondência Euro-Brasileira©

 
Montego Bay. Foto A.A.Bispoi 2017. Copyright ABE

Montego Bay. Foto A.A.Bispoi 2017. Copyright ABE

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Fotos A.A.Bispo 2018©Arquivo A.B.E.

 


N° 171/16 (2018:1)




Jamaica, Europa e Brasil nos estudos musicológicos
de orientação segundo processos culturais
- lembrando debates com Olive Lewin (1927-2013), a „embaixadora cultural jamaicana“ -

À memória de Olive Lewin após cinco anos do seu falecimento
e nos 40 anos de diálogos euro-jamaicano-brasileiros. National Gallery West, Mondego Bay

 
A Jamaica destaca-se, entre os países da esfera do Caribe, como um daqueles nos quais mais evidentemente podem ser constatados um interesse e mesmo uma simpatia pelo Brasil e sua cultura.

O nome do país e a sua bandeira podem ser vistos em vias públicas de diferentes cidades jamaicanas e a simples menção do Brasil desperta em geral manifestações de entusiasmo pelo futebol, samba e carnaval brasileiros.

A música popular sobretudo, em algumas de suas expressões, conjuntos e cantores, é o principal motivo da simpatia e mesmo entusiasmo pelo Brasil que podem ser registrados no país, também e sobretudo na esfera socialmente menos privilegiada e que representa grande parte da população.

Um exemplo é o Fans Club Brasil de Montego Bay, com sede em modestas instalações em rua do centro dessa cidade que, embora procurada por turistas pelas suas praias, é marcada por problemas sociais, urbanos, de qualidade de vida e violência.

Montego Bay. Foto A.A.Bispoi 2017. Copyright ABE
As principais razões dessa popularidade residem porém não apenas nessa imagem marcada por estereotipos do Brasil, mas sim também e sobretudo nos elos simpatéticos decorrentes do significado da população de ascendência africana nos dois países e que os aproximam e irmanam sob diferentes aspectos.

Justamente a consideração das complexas relações multilaterais no âmbito do triângulo América-África-Europa marcou as reflexões e as cooperações no estudo euro-jamaicano-brasileiros de processos culturais das últimas décadas.

A Jamaica foi um dos países visitados no âmbito dos ciclos de estudos euro-brasileiros levados a efeito em fins de 2017 no Caribe. Correspondendo à época de sua realização, a atenção foi dirigida nos diferentes contextos sobretudo a expressões e complexos culturais do ciclo do ano que vai do Natal/Reis ao Carnaval.

Montego Bay: cidade da Rebelião de Natal de 1831

A cidade de Montego Bay adquire sob este aspecto um significado especial, uma vez que nela teve lugar a rebelião de Natal de 1831.

Montego Bay. Foto A.A.Bispoi 2017. Copyright ABE
Em época de movimento abolicionista na Inglaterra, Samuel Sharpe (1801-1832), filho de escravos e pregador batista, motivou a manifestações de escravos das plantações de cana que, inicialmente pacíficas, levaram à queima de plantações, a intervenção militar e à execução de Sharpe e outros líderes em Montego Bay.

Esse ato precedeu a abolição da escravidão, em 1833 e é lembrado com um conjunto plástico no centro de Montego Bay. Nesse local encontra-se o National Museum West, onde se conservam materiais e documentos da história da Jamaica ocidental, de cerimônias dos indígenas Tainos e da chegada dos espanhóis e ingleses, com acento no tráfico de escravos e na economia açucareira, rebeliões maroon e emancipação.

Montego Bay. Foto A.A.Bispoi 2017. Copyright ABE
Também na mesma área, a National Gallery West apresenta a exposição Spiritual Yard, com obras de arte e materiais da coleção de Wayne e Myrene Cox, originalmente mostrada na National Gallery of Jamaica em Kingston. A exposição é dedicada a artistas populares auto-didatas ou intuitivos que teem suas raízes em práticas religiosas como as Revival e Rastafari. Vários desses artistas contribuem a spiritual yards ou espaços sagrados com objetos simbólicos e imagens.

História, etnografia, literatura e política de construção de identidade interrelacionam-se estreitamente e trazem à consciência fundamentais problemas teóricos dos estudos culturais, em particular daqueles de relações entre ciência da história, pesquisa empírica, ideologia e ideários religiosos. Nesse contexto, lembrou-se da discussão dessa problemática nas últimas décadas e nas quais complexos de concepções e imagens relacionados com o ciclo de Natal e Reis desempenharam importante papel.

Dos debates jamaicano-euro-brasileiros com Olive Lewin

Decorridos 40 anos dos primeiros encontros em que foram considerados elos e paralelos entre a Jamaica e o Brasil no âmbito de projeto voltado às culturas musicais da América Latina na Alemanha, cumpre relembrar Olive Lewin, personalidade destacada da pesquisa e da prática musical jamaicana. (Veja)

Após cinco anos de seu falecimento, impõe-se recordar o papel que desempenhou no desenvolvimento dos estudos internacionais relacionados com o Brasil das décadas que se seguiram, assim como alguns aspectos das discussões que o marcaram.

Para além da cooperação jamaicano-brasileira em projetos internacionais, encontros e diálogos pessoais com Olive Lewin na Europa, no México e em Jamaica foram relevantes no alcance dos conhecimentos mútuos e sobretudo numa discussão teórica que diz respeito tanto à Jamaica como ao Brasil.

Há uma outra data que justificou a lembrança de Olive Lewin nos estudos levados a efeito pela Academia Brasil-Europa na Jamaica, em 2017: a fundação, há 50 anos, do grupo coral por ela fundado, o Jamaican Folk Singers.

Nascida na localidade jamaicana de Vere, Clarendon, Olive Lewin tornou-se um dos mais acatados vultos da história intelectual jamaicana das últimas décadas, responsável pela direção de importantes instituições do país, de renome internacional pelas suas publicações e que foi durante décadas, uma espécie de embaixadora cultural do seu país. Quando do seu falecimento, em 2013, o seu féretro deu-se com pompas de Estado, manifestando a sua posição de relêvo, autoridade e influência em círculos de liderança do país. A ela foi concedida postumamente a Ordem de Mérito da Jamaica. Foi Director of Arts and Culture junto ao Primeiro Ministro a Jamaica, diretora do Jamaica Institute of Folk Culture. A partir e 1983, dirigiu a Jamaica Orchestra for Youth.

Além de condecorações de instituições e do govêrno de Jamaica, - tendo sido agraciada em 1987 com a Musgrave Gold Medal do Institute of Jamaica e, em 2001, com a Jamaican Order of Distinction - Olive Lewin contou com reconhecimentos das Nações Unidas, da Organização dos Estados Americanos e de instituições governamentais e universitárias de países europeus, salientando-se aqui a França. Em 2014, inaugurou-se a Olive Lewin Heritage Foundation, no The Steele Auditorium, Nova Southeastern University em Davie, Florida.

Ao mesmo tempo, Olive Lewin surge como uma das mais relevantes personalidades femininas da história mais recente da pesquisa cultural e, em particular, musical latino-americana.

Poucas outras personalidades da vida e da pesquisa musical das Américas puderam contar com tantos reconhecimentos de méritos e distinções em vida e na morte como Olive Lewin, o que demonstra o significado que alcançou no seu país e no Exterior, o que indica o papel que desempenharam a sua obra e os seus procedimentos em processos político-culturais e que faz com que ela própria surja como objeto de estudos culturais nas suas relações com aqueles da própria ciência.

Montego Bay. Foto A.A.Bispoi 2017. Copyright ABE

Momentos da cooperação jamaicano-euro-brasileira

Quando da instituição da área de Etnomusicologia sob a direção do editor no âmbito dos estudos de música e Licenciatura da Faculdade de Música e Educação Artística do Instituto Musical de São Paulo, em 1972, Olive Lewin era conhecida sobretudo como pesquisadora de canções folclóricas jamaicanas e fundadora do grupo Jamaican Folk Singers, criado por ela com algumas amigas em 1967. Entre as principais dessas suas colegas destacou-se o soprano Marilyn Brice-MacDonald, cuja filha, Christine MacDonald-Nevers, passou posteriormente a dirigir musicalmente o grupo. Esse ensemble manteve-se através de décadas e mesmo intensificou as suas atividades de concertos e gravações, entre elas, mais recentemente, o álbum Pepperpot (2006).

No início do programa euro-brasileiro na Alemanha, em 1974, as relações com Olive Lewin inseriram-se, como acima mencionado, no projeto sobre as Culturas Musicais da América Latina no século XIX, desenvolvido no departamento de Etnomusicologia do Instituto de Musicologia da Universidade de Colonia e no qual passou a atuar.

Uma personalidade de formação britânica na cooperação internacional

Os primeiros contatos com Olive Lewin foram marcados pelo impacto que causava a sua presença, atitude e forma de procedimentos.

Nenhum outro colaborador do projeto ou musicólogo europeu podia com ela ser comparado quanto à distinção, quanto a formas de comportamento marcadas por cortesia e educada reserva por assim dizer aristocrática com que se apresentava e que lhe granjeavem respeito e abriam-lhe as portas em círculos sociais mais altos do meio  acadêmico e diplomático.

Na sua aparência e no seu procedimento revelava o cunho britânico de sua formação em música e Etnomusicologia obtida no Reino Unido e os seus vínculos como Fellow com o Trinity College, de Londres, e com a Royal Academy of Music e a Royal School of Music.

Nenhum pesquisador de Folclore e da música do Brasil e de outro país podia ser comparado com Olive Lewin quanto à auto-consciência de valor que se manifestava na nobilidade de sua aparência e de seu comportamento que transpirava ta educação, cultivo e serena e reservada modéstia.

Contrastes e paradoxos: Olive Lewin e F. Curt Lange (1903-1997)

Nenhum outro pesquisador era nesse sentido mais „europeu“ do que Olive Lewin. Apesar de modos de comportamento e de convívio humano que denotavam alta educação segundo modêlos inglêses e sua inserção em grupos sociais e culturais elitários, o grupo dirigido por Olive Lewin tinha sido convidado, em 1976, ao funeral de Count Ossie (1926-1976).

Um dos maiores contrastes relativamente a OIive Lewin representava Francisco Curt Lange nos encontros então realizados. Embora alemão de nascimento, a vida de décadas na América Latina, assim como a sua total dedicação a estudos musicais latino-americanos levara-o a uma completa identificação psicológico-cultural com o continente americano, em particular com a latino-americanidade.

Aida que principal responsável pelo Brasil no projeto devido às suas contribuições fundamentais à história da música do passado brasileiro, Curt Lange deixava transparecer, na sua linguagem, mentalidade, aparência e forma de procedimento antes a marca hispânico-americana e mais específicamente uruguaio-argentina do meio em que se integrou.

Na informalidade coloquial e comparsa do convívio, na sua forma de expressão direta, na manifestação franca de suas opiniões e na imodéstia de sua afirmação pessoal e consciência de posição de liderança, na pouca atenção à polidez no trato e a correção na escrita em mistura de castelhano e português, Curt Lange surgia antes como representante do continente americano do que a aristocrática jamaicana, o que também prejudicou-o na sua aceitação em meios sociais e acadêmicos tanto do Brasil como na Alemanha.

Enquanto Curt Lange procurava pesquisadores e autoridades por escrito ou pessoalmente sem maiores cuidados e apresentava-se espontâneamente em encontros, os contatos com Olive Lewin exigiam quase que protocolo diplomático e a pesquisadora vinha a reuniões em veículo oficial, com chofer e secretários.

O contraste das personalidades e das formas de procedimento entre Olive Lewin e Curt Lange não era apenas uma questão de menor significado, uma vez que influenciava também o desenvolvimento das reflexões, a aceitação de colocações e temas, e a maior ou menor valorização dos assuntos tratados.

O contraste manifestava também os diferentes processos culturais nos quais se inseriam os dois pesquisadores e, assim, as relações entre os estudos culturais e aqueles da própria ciência, de seus representantes, de suas rêdes e contextos.

As diferenças possuiam dimensões mais profundas e mesmo paradoxais. Justamente aquele que se dedicava sobretudo à „musicologia histórica“, a um patrimônio cultural mais marcadamente de origem européia na América Latina, alemão de nascença, era o menos europeu na sua presença, psique, mentalidade e atuação, e justamente aquela que mais se distinguia pelo seu empenho pela herança africana na Jamaica apresentava-se como a mais européia, a mais bem aceita pela sua distinção e pelo seu cultivo britânico em círculos influentes da sociedade européia e nos meios universitários.

Edward Philipp George Seaga (1930-)

Com o decorrer dos contatos, revelaram-se dimensões político-sociais e político-culturais das atividades e do pensamento de Olive Lewin. Personalidades que apoiaram o seu trabalho e abriram-lhe caminhos para relevantes posições em instituições e órgãos foram vultos influentes da política jamaicana.

Personalidade política que apoiou e acompanhou Olive Lewin foi o político jamaicano Edward Philip George Seaga, nascido em Boston/EUA, descendente de imigrantes do Líbano e da Escócia, desde a sua infância na Jamaica. Formou-se na Harvard University e foi professor na Universidade das Ilhas Ocidentais.

Na época que se seguiu à independência, foi Ministro do Desenolvimento, voltando a sua atenção sobretudo às favelas de Kingston. À época do início das cooperações com Olive Lewin era líder da Oposição no Parlamento jamaicano, situação que mudou-se em 1980, quando tornou-se Primeiro Ministro da Jamaica, cargo que ocupou até 1989. Dessa data até 2005 voltou a ser líder da Oposição. Nessa segunda década dos anos setenta, o país, dirigido sob People‘s National Party segundo a política de um Socialismo Democrático, estava confrontado com problemas políticos. Essa mudança política trouxe um afastamento relativamente a Cuba e a atração de capitais estrangeiros. Em fins dos anos 80 o país foi novamente afetado por uma crise econômica e crescente pauperismo e agitações. 

Uma particular atenção deve ser dado ao envolvimento de Seaga na indústria musical como diretor do West Indies Records Limited e ao papel que desempenhou no fomento da pesquisa musical.

Edward Sega incentivou Olive Lewin a coletar a música tradicional da Jamaica até então não registrada de modo a criar um inventário da „alma musical“ jamaicana. Olive Lewin dedicou-se com afinco a essa tarefa, que tornou-se a sua obra de vida, visitando as diferentes regiões durante muitos anos, chegando assim a criar uma valiosa coleção. A partir desse material, passou a dedicar-se à sua execução e interpretação a serviço da valorização da cultura musical jamaicana no país e no Exterior. A sua atuação ganhou um sentido quase que missionário.

Aspectos da discussão

As discussões com Olive Lewin disseram respeito sobretudo à problemática interação de aproximações históricas e conhecimentos derivados da pesquisa empírica e ideológico-religiosas. Embora partindo de uma introdução de natureza histórica, o seu tratamento do século XIX revelava projeções de concepções, visões, conhecimentos posteriores na interpretação do passado. Esse problema, também conhecido no Brasil, onde a historiografia nacionalista desvalorizava o século XIX, o que exigia a sua reconsideração sob critérios adequados, colocava-se na Jamaica com outras características.

No exemplo do pensamento de Olive Lewin, constatava-se sobretudo a projeção de visões do mundo de natureza religiosa apresentadas apoditicamente como característicamente africanas na consideração do século XIX.

Esse procedimento, para além de sua questionabilidade teórica, prejudicava a análise de processos no seu desenvolvimento temporal e, em consequência paradoxal, da própria compreensão de expressões tradicionais que ofereciam o ponto de partida do tratamento histórico.

Essa problemática acentuava-se com o desconhecimento de expressões tradicionais européias transplantadas para a África e as Américas no decorrer da história da expansão européia e da colonização, assim como das características dos métodos missionários do passado e que empregavam a linguagem visual dos folguedos do ciclo do ano na transformação cultural a serviço do processo cristianizador.

Assim, as colocações de Olive Lewin relativas ao Jonkunnu, embora reconhecesse ser uma „the most complicated and controversial types of folk culture in Jamaica“ revelavam-se como totalmente inadequadas.

Como outros etnomusicólogos, a autora não considerava apropriadamente os mecanismos inerentes à linguagem visual desses folguedos do ciclo de Natal, Reis e Carnaval, conhecidos em vários outros países do Caribe e das Américas, assim como na Europa. A compreensão desses mecanismos era e é porém pressuposto para a leitura de sentidos e do entendimento da integração de elementos de diferentes proveniências, também e sobretudo africanos em complexo imagológico que não é de origem africana.

De estudos euro-brasileiros no Caribe em 2017
Antonio Alexandre Bispo


Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. „Jamaica, Europa e Brasil nos estudos musicológicos  de orientação segundo processos culturais - lembrando debates com Olive Lewin (1927-2013), a ‚embaixadora cultural jamaicana“
. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 171/16(2018:1).http://revista.brasil-europa.eu/171/Jamaica-Europa-Brasil.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2017 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Academia Brasil-Europa
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
reconhecido de utilidade pública na República Federal da Alemanha

Editor: Professor Dr. A.A. Bispo, Universität zu Köln
Direção gerencial: Dr. H. Hülskath, Akademisches Lehrkrankenhaus Bergisch-Gladbach
Corpo administrativo: V. Dreyer, P. Dreyer, M. Hafner, K. Jetz, Th. Nebois, L. Müller,
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