A imagem do deserto
ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 172

Correspondência Euro-Brasileira©

 
Convento da Popa. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright

Convento da Popa. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright

Convento da Popa. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright

Convento da Popa. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright

Convento da Popa. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright

Convento da Popa. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright

Convento da Popa. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright

Fotos A.A.Bispo 2018©Arquivo A.B.E.

 


N° 172/2 (2018:2)




„El Desierto prodigioso y el prodigio del Desierto“

A imagem do deserto
na tradição eremita agostiniana em processos culturais na América hispânica
- de comerciante de escravos a penitente: o português Frei Manuel de Jesus -



Pelos 400 anos de Frei Andrés de San Nicolás, Agostiniano Recoleto (1617-1666)
50 anos de diálogos no Colégio Santo Agostinho, São Paulo
Reflexões euro-brasileiras no Convento da Popa, Cartagena

 

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Os estudos levandos a efeito em cidades de países continentais do Caribe, em 2017, tiveram como objetivo conduzir análises de condicionamentos culturais a partir de um contexto determinado. Nesse intento, uma observação distanciada relativamente ao analisado torna-se necessária. Essa tomada de posição à distancia permite também reconhecer e estudar concepções e expressões de distanciamento na própria cultura e que podem ter sentidos de afastamento e recolhimento. (Veja)

Convento da Popa. Foto A.A.Bispo 2017. Copyright

Neste intento, Cartagena das Índias surge como uma cidade que merece ser considerada com especial atenção nos estudos de processos culturais referentes à esfera insular do Caribe.

Essa relevância da cidade colombiana, ainda que nem sempre evidente numa primeira aproximação, vale também para estudos que focalizam o Brasil na sua inserção em processos euro-americanos e interamericanos.

Com as suas universidades, institutos e museus, os estudos que se realizam neste principal centro cultural da Colombia adquirem um significado que ultrapassa as esferas locais, regionais e nacionais.

Entre os eventos que tiveram lugar na Colombia, em 2017, merece particular consideração nos estudos de processos culturais em relações internacionais aqueles da comemoração dos 400 anos de nascimento do Agostiniano Recoleto Frei Andrés de San Nicolás (1617-2017), vulto destacado da história religiosa, cultural e literária não só colombiana.

Seria um êrro considerar esse ano comemorativo como de interesse apenas para a Igreja, para a respectiva ordem religiosa ou para a Colombia. O significado dessa comemoração para o Brasil não se limita à esfera dos Agostinianos ou Agostinhos. Reconhecê-lo, porém, pressupõe estudos mais aprofundados do que aqueles que partem de elos diretos e mais imediatamente evidentes de relações entre o Brasil e a Colombia.

Considerar esse evento comemorativo sob a perspectiva do Brasil adquire atualidade em ano que marcou a passagem dos 50 anos de diálogos com Agostinianos do movimento de renovação de estudos culturais através do direcionamento da atenção a processos.

Significado da consideração dos Descalços e Recoletos nos estudos culturais

Não se tem considerado com a devida atenção a ação dos Agostinianos na história missionária e cultural em geral. Por motivos compreensíveis devido à profusão de fontes, a atenção, em particular tmbém nos estudos latino-americanos, tem-se voltado sobretudo aos Jesuítas. Se os Franciscanos e Dominicanos veem despertando crescente interesse por parte da pesquisa, o que, de fato, constitui uma exigência para a análise de desenvolvimentos que desencadearam ou nos quais interveniram, pouco se tem considerado a ação de outras ordens em processos culturais. Também elas estiveram presentes e marcaram com suas características particulares decorrentes de sua história, constituições, tradições e usos esferas da cultura cristã ocidental nas suas extensões em regiões extra-européias.

Assim como a dos Franciscos e Dominicanos, também a história dos Agostinianos como ordem remete ao campo de tensões religiosas, políticas e sociais dos séculos XII e XIII da Idade Média.

A ordem surgiu da união de vários grupos de eremitas italianos, representando assim uma nova fase da história de antigas origens da vida retirada daqueles que viviam isolados, distantes da vida mundana, na solidão de regiões ermas, afastadas de centros urbanos, em grutas, grotas e montes de difícil acesso. Embora inscrevendo-se em tradição de condução e vida de antiga proveniência, a sua fundação não se deveu a Sto. Agostinho (354-430), como a sua designação poderia sugerir. A sua denominação deriva do fato da ordem constituída a partir da união ter assumido a regra agostiniana. A sua tradição explica também o cognome de Eremitas e o espírito que, ainda que de forma modificada, agora antes de vida solitária de clausura, continuou a marcar o pensamento e a condução de vida dos religiosos

Para o estudo da ação desses religiosos seguidores da regra agostiniana, é necessário considerar que a sua história foi marcada por ramificações e diferenciações, salientando-se aquelas na Península Ibérica nos séculos XVI e XVII. Em época determinada pelo processo de reforma interna da Igreja - e de contra-reforma protestante -, cujo marco foi o Concílio de Trento (1545-1563), a tradição agostiniana adquiriu atualidade e relevância, uma vez que, promovendo o recolhimento e a introspecção, vinha ao encontro de intuitos reformadores/renovadores em afastamento do mundano na vida religiosa e no culto.

Chamados de Agostinianos Descalços, foram reconhecidos como ordem em 1610, com Capítulo Geral em Toledo (Ordo Augustiniensium Discalceatorum). Sob o nome de Recoletos, passaram a ser designadas comunidades de estrita observância entre os Descalços que, com a sua orientação e modo de vida plenamente correspondiam aos intuitos reformadores tridentinos.

Para além dos Descalços espanhóis, constituiram-se comunidades de Descalços na Itália (1593) e na França (1596). Experimentando considerável expansão, os Agostinianos Descalços foram organizados em Províncias em 1621: três espanholas e uma filipina. Na segunda metade do século XVII, constituiu-se, em 1675, comunidade de Descalços em Portugal.

A consideração dos Recoletos espanhóis nos estudos referentes a Portugal e ao Brasil são assim de particular significado não apenas para o período da União Pessoal de Portugal com a Espanha, como também para desenvolvimentos posteriores à recuperação da emancipação portuguesa.

O significado dos Augustinos na história colonial da América espanhola revela-se em diferentes contextos regionais, em particular no norte da América do Sul e na América Central. Análises do „altar de oro“ na antiga igreja dos Agostinianos na Cidade do Panamá e que, segundo a tradição seria proveniente da destruída Panamá la Vieja, traz à luz aspectos importantes da cultura religiosa da ordem nas suas expressões artístico-culturais.

Nelas vem à luz o intento de re-centralização da atenção a concepções teológicas fundamentais. É nessa centralização que também pode ser considerada a intensidade da veneração mariana na cultura espiritual dos Augustinianos e suas expressões em práticas devocionais da ordem.

O museu do Convento da Popa dos Agosrtinianos


Embora as celebrações e o simpósio organizado por motivo da data tenham decorrido sobretudo no convento El Desierto de la Candelaria em Boyacá e em Bogotá, Cartagena oferece-se de forma particularmente favorável para estudos de imagens na tradição dos Agostinianos e do papel desempenhado por esse tipo de pensamento e visão do mundo, do homem e da vida em processos culturais.

Essa significado de Cartagena  deriva do fato de ali encontrar-se um dos conventos que desempenhou papel de particular relevância na história dos Recoletos e que representa um dos mais importantes monumentos históricos e arquitetônicos da cidade e do país: o „convento da Popa“.

A sua igreja, dedicada a Na. Sra. da Candelária - como a de Boaycá - é ainda hoje importante centro religioso, de peregrinação e alvo de celebrações, procissão e grandes festejos populares na festa de dois de fevereiro, com diversificada programação cultural e expressões tradicionais de música e dança.

Nos seus espaços, e no museu ali instalado, apresentam-se materiais documentais, objetos e informações a respeito da história do convento e dos Agostinianos Recoletos em geral, assim como do hiato causado pela retirada dos religiosos no contexto de desenvolvimentos políticos do século XIX, da ocupação do edifício, de sua decadência e, por fim, em décadas mais recentes, de sua recuperação e reentrega aos Agostinianos.

Como resultado de medidas políticas que, como em outros países levaram a secularizações e a restrições da vida conventual, os Augustinianos deixaram o convento da Popa em 1822. Em 1963, voltaram a habitá-lo.

Fotografias ali expostas documentam visitas de autoridades que procuraram trazer à consciência o significado do convento e de sua igreja na vida cultural, assim como da ação dessa ordem na história.


O museu oferece-se de forma particularmente favorável para a compreensão das características de pensamento e de ação dessa ordem já pela própria localização do convento. Edificado sobre alto monte, dominando de modo sobranceiro a paisagem, situa-se à distância da cidade, longe da vida movimentada de cidade portuária e comercial, transpondo aquele que o visita a uma esfera favorável ao recolhimento e à introspecção.

O convento foi fundado como de Santa Cruz pelo Pe. Vicente Mallol (+1640), natural de Valencia, em 1606. Segundo a tradição, Frei Alonso Garcia Paredes de la Cruz (Toledo 1567), que então vivia recolhido na região erma de Ráquira (Boyacá), teria recebido, em sonho, ordem da Virgem Maria de levantar um mosteiro sobre um monte junto ao mar. Este teria sido o motivo de ter-se dirigido ao monte da Galera nas redondezas de Cartagena.

Simpósio em El Desierto de la Candelaria, Ráquira, Boyacá

O ano do quarto centenário do Fr. Andrés de San Nicolás foi organizado, na Colombia, pela Provincia Agostiniana-Recoleta de Nossa Senhora da Candelaria. O amplo programa celebrativo teve lugar no no convento El Desierto de la Candelaria, Boyacá.

Inaugurado no dia 26 de maio, o ano comemorativo contou com a participação de representantes universitários, de autoridades eclesiásticas, estudiosos da ordem, de pesquisadores da história religiosa e cultural, assim como de formandos do Seminário San Agustín, Manizales. O programa incluiu um simpósio, realizado nos dias 30 e 31 de agosto na Universitaria Agustiniana - Uniaugustiniana -, Bogotá. O encerramento do ano centenário deu-se no dia 17 de novembro na Curia Provincial em Bogotá. 

O convento de El Desierto foi o berço onde surgiu a Recoleção na América (1604), a casa-mãe da ordem na então Nueva Granada e também lugar em que Andrés de San Nicolás entrou para a ordem, em 1633. 

Nascido em Bogotá e tendo professado como agostiniano recoleto no convento El Desierto de la Candelaria, , Andrés de San Nicolás viveu dez anos em conventos locais, transferindo-se em 1645 à Europa, onde passou o resto de sua vida.

Viveu em Roma, de 1654 a 1659 e, a seguir, em Madrid e em Alcalá de Henares, vindo a falecer em Madrid. Foi, assim, uma personalidade que, proveniente da esfera colonial do Novo Mundo, viveu e atuou em principais centros europeus de irradiação mundial, tanto da Igreja como do império espanhol. Compreende-se, assim, que a sua vida e obra possuam relevância para os estudos culturais em contextos globais.

Andrés de San Nicolás foi o primeiro cronista da sua ordem, autor do primeiro tomo da história geral dos Agostinianos Recoletos, obra publicada em Madrid, em 1664. Ocupa assim uma posição preeminente na história religiosa, missionária e cultural. Como documenta uma obra que permaneceu inédita, destacou-se na defesa das reformas na ordem agostiniana em fins do século XVI. Em Cosecha e la mis del Señor (1656), registrou em crônicas as primeiras missões da ordem e a história dos primeiros mártires nas Filipinas, Japão e Colombia.

Durante o simpósio, apresentou-se, sob o título La más aventajada pluma del Nuevo Reino, um vídeo elaborado pelo Centro Agustiniano de Medios da Uniagustiniana, no qual se salientou-se o significado de Andrés de San Nicolás como escritor para a história literária e do pensamento das Américas. A linguagem metafórica que se revela nas suas obras o fazem de relevância para estudos da tradição hermenêutica da sua época e imagológicos do presente. Assim, na sua primeira obra, de 1654, intitulada Lamentos de un pajarillo solitario, o religioso, tematizando assim a vida de solidão em recolhimento, se apresenta como um pássaro que revolteia sob o amparo de uma das cinco chagas de Cristo na cruz.

É sob essa perspectiva da linguagem visual, assim como de uma interpretação de sentidos em imagens das Escrituras e da história da Igreja que se manifesta a importância da concepção de deserto na obra de Andrés de San Nicolás e na tradição agostiniana em geral. O religioso considerou explicitamente essa imagem na sua novela histórica El Desierto prodigioso y el prodigio del Desierto, considerada no simpósio por Edilberto Cruz da Academia Colombiana de la Lengua e Javier Ocampo da Academia Boyacense de Historia.

A imagem do Deserto nas suas relações com concepções marianas

O termo deserto no pensamento e no vocabulário augustiniano não deve ser entendido apenas no seu sentido mais comum de deserto de areia, trazendo à lembrança o Sahara, mas sim antes do mais amplo latino de local solitário (desertum, solitudinem), ermo, pouco frequentado, afastado, desolado.

No seu sentido mais amplo, o „ir para o deserto“ significa assim não só o ir para um deserto de areia, como o africano, mas sim o afastar-se espacialmente de centros urbanos e de sua sociedade como os eremitas que procuravam a vida solitária em grotas, grutas e montes. O termo também significa afastar-se interiormente daqueles que, embora não se distanciando ou não podendo se distanciar no espaço, procuram viver em afastamento interno relativamente à sociedade.

No seu sentido mais profundo, a ida ao deserto significa uma saída ou abandono do mundo voltado ao terreno, ao material, à realidade percebida pelos sentidos, com as suas preocupações de enriquecimento e escravização ao trabalho no mundo da temporalidade, Pode ser compreendido assim como o do „ir para o mato“, para o alto do morro ou da serra.

A vida em afastamento interno ao mundo determinado pelas cadeias do tempo corresponde a um navegar sobre as vagas dessa realidade que flui, onde tudo passa.

Compreensivelmente, neste seu sentido mais profundo, de natureza simbóilico-antropológica, a imagem do deserto relaciona-se com o homem espiritual, sendo de particular significado para a vida religiosa, sobretudo para aquela marcada pela vivência da clausura.

A relevância dessas imagens e concepções para análises de processos culturais não pode ser subestimada, pois implicam em modo de ver e avaliar a realidade, a sociedade e seus desenvolvimentos à distância daquele que se afasta ou que se mantém sobre ela pairando ou navegando. Elas dizem respeito a concepções do homem e de coletividades.

Neste sentido, fundamentaram auto-consciências e deram autoridade àqueles que interviram em processos através de admoestações, julgamentos e orientações, ensino e punimentos. Amplas são as dimensões do significado dessas imagens, lembrando-se, entre elas, aquelas que dizem respeito à natureza, a regiões, países, a relações cidade/campo, urbano/rural.

O elos da imagem do deserto com concepções marianas são indicados pela própria denominação do convento-mãe dos Recoletos nas Américas de „El Desierto de la Candelaria“ em Réquira, Boyacá, no altiplano colombiano.

Foi na solidão desse „deserto“ que, segundo a tradição, Maria deu a ordem ao religioso para erigir um convento sobre o monte que deu origem ao convento da Candelária da Popa. Também esse monte era um lugar fora do centro de Cartagena, era ermo ou deserto. Foi nessa local pouco frequentado e solitário que surgiu o grande centro da veneração de Nossa Senhora da Candelária da Nova Granada. O convento levantado nas alturas solitárias da Popa paira na sua solidão sobre as águas que envolvem a cidade portuária nas profundezas.

Fundamentos da linguagem visual da veneração da Candelária

As relações entre a imagem do deserto e a veneração da Candelária, ou de Nossa Sra. da Luz, das Candeias ou da Purificação de Nossa Senhora ou da Apresentação do Senhor, explicam-se pelos fundamentos tipológicos da linguagem visual das concepções teológicas.

A festa respectiva, a de 2 de fevereiro, rememorando a subida de Maria, José e o recém-nascido ao templo cumprindo preceito judaico, tem os seus fundamentos no Alto Testamento. Remonta em súmula à narrativa na qual, quando o povo de Israel subiu do Egito atravessando o Mar Vermelho, deu-se a Aliança entre Deus e Israel com o preceito, de que todo o primogênito masculino fosse a êle consagrado.

Nessas bases tipológicas do anti-tipológico do Novo Testamento tem-se a imagem da saída do Egito - o mundo em trabalho e enriquecimento - em libertação dessa situação de escravização que significou o alcance do deserto.

Tensões entre as águas do mar cobertadores do Egito e do árido deserto, da saída como subida, do baixo e do alto, encontram-se aqui expostas em linguagem de imagens transmitida de forma narrada.

Ao mesmo tempo - o que surge como de alto significado para os estudos culturais referentes à América Latina e, em particular também ao Brasil - a situação de vida superada por aquele que subiram das águas e alcançarm o deserto surge identificada na narrativa com o Egito.

Essa identificação - correspondente a outras similares nas Escrituras - marca concepções geográficas e da Etnologia e Antropologia Simbólica. Através dos séculos, a tradição manteve viva essa linguagem simbólica, associando o homem terreno ou a parte terrena do homem no seu complexo todo com a cor de pele escura do africano.

É assim um grave mal-entendido quando estudiosos pouco familiarizados com a linguagem de imagens tirem desses sinais visuais de natureza simbólico-etnológica e antropológica bases para explicações de origens históricas de expressões tradicionais, de danças, folguedos, instrumentos e música.

O português Frei Manuel de Jesus - do comércio de escravos à vida religiosa

Na consideração do papel dos Agostinianos na história colonial hispânica por motivo da rememoração de um de seus grandes nomes, não poderia faltas, sob a perspectiva dos estudos de processos cutturais relacionados com Portugal e o Brasil, o nome de Frei Manuel de Jesus. Praticamente desconhecido nos estudos portugueses e brasileiros, a sua lembrança adquire especial significado sob diferentes aspectos para o estudo da época da União Pessoal entre Portugal e a Espanha e da presença portuguesa em Cartagena de Indias.

A „História Geral dos Descalços“, de Fr. Luís de Jesus, publicada em Madrid, em 1681, dedica-lhe uma extensa entrada referente ao ano de 1629 (Fr. Luis de Jesus, Historia General de Los Religiosos Descalzos del Orden de los Hermitanos del Gran Padre, y Doctor de la Iglesia San Augustin, de la Congregacion de España, y de las Indias II, Madrid: Bedmar 1681). Registra-se ali ter nascido em Coimbra, dedicando-se desde a sua juventude ao comércio médio, com o intento de enriquecer. Já essa menção indica a perspectiva agostiniana e que fundamenta a lição ético-espiritual que perpassa a narrativa sobre a vida de Fr. Manuel de Jesus.

„Fue el Hermano Fray Manuel de Iesus natural de Coimbra en Portugal; desde moço se empleo en el Comercio; medio, que eligio para enriquezer. Tratò en llevar Negros de Angola a las Indias, y aumento su Caudal notablemete mas serviole poco; al fin son bienes desta vida! (...)“ (op.,cit. Capitulo 9 §6, 123)

Como comerciante de intermediação, envolveu-se no tráfico de africanos de Angola ao Caribe. Em época marcada por grandes problemas internos entre o reino do Congo cristão e Angola, pelo enfraquecimento da administração portuguesa em época da União Pessoal e dos ataques dos inimigos da Espanha, compreende-se a intensificação do comércio de escravos e a rentabilidade do seu transporte. Cartagena das Indias era importante porto frequentado por navios portugueses e grande centro do comércio de escravos. Com êle, o comerciante português adquiriu grande fortuna, esta, porém trouxe-lhe problemas e infelicidades.

Dando continuidade à narrativa de natureza ético-religiosa do autor da História Geral, menciona-se que esse desenvolvimento negativo de sua vida levou-o a praticar um homicídio, matando um capitão de navio em Cartagena, dando origem a processos que lhe custaram o resto da fortuna. Abandonando o trato de escrevos, passou ao Peru ainda como comerciante. Após ser acometido por problemas de saúde, vivenciou uma intensificação de sua religiosidade, fazendo promessa a Na.Sra. de Guadalupe.

Já com idade avançada, sentiu a necessidade de uma mudança radical de vida, retirando-se do mundo, procurando entrar para a ordem dos Agostinianos. Também pela sua avançada idade, esse seu pedido foi inicialmente visto com reserva.

„Fuè la causa, que en una pesadumbre que tuvo con el Capitan del Navio, le matò en Cartagena; lançe que le gastò lo mas de su hazienda; y con lo restante se partio à Caracas, donde prosiguiò la Mercancia, aunque en otras materias. El passado golpe era llamamiento de Dios: mas no lo entendiò Manuel; y diòle otro, con unagudo dolor de costado que le puso e le ultimo termino de la vida. Aqui hizo Voto de visitar el Santuario Celebre de Nuestra Señora de Guadalupe en Castilla. Cobrò salud; posuse en camino; llegò a Nuevo Reyno de Granada; y alli se le conmutò el Voto, en que visitasse otra Casa de Guadalupe, Famosa tambien, en el Valle de Pacasmayo, habitada de nuestros Padres Augustinos Observantes de la Provincia del Peru. Cumplido el Voto, bolviò a nuestro Convento de la Candelaria, donde pidiò el Abito de Religioso Leigo. No se le concediò entonçes, por tener 71 años; edad en que no parecia aver fuerças para abraçar el rigor de vida penitente, que alli se prosessava. (loc.cit.)

(...) Luego que vistiò el Sayal nuestro Fray Manuel, començò una vida asperiissima: dandose à continua Oracion, aun estando cabando en la Huerta con los otros Hermanos. Diòle Dios Don de lagrimas, que prontamente corrian de sus ojos, siempre que tratava, ò delante del se dezia algo de Dios. Fuè Devotissimo de las Animas del Purgatorio, haziendo por ellas muchas Penitencias, Oraciones, y Sufragios.

Movido provavelmente pelos remorsos de sua vida passada, dedicou-se a intensas penitências, mesmo durante oo seu trabalho na horta, sobretudo também às orações pelas almas do purgatório. Segundo a História, o demônio aparecia-lhe muitas vezes, maltratando-o.

Apareciasele muchas vezes el Demonio, que no podia sufrir tanta Virtud. Maltratavale; arrastravale, y heriale gravemente permitiendo Nuestro Señor este exercio à su Siervo por toda la vida.“ (loc.cit.)


De ciclo de estudos sob a direção de

Antonio Alexandre Bispo


Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. „El Desierto prodigioso y el prodigio del Desierto“. A imagem do deserto
na tradição eremita agostiniana em processos culturais na América hispânica - de comerciante de escravos a penitente: o português Frei Manuel de Jesus -“
. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 172/2(2018:2).http://revista.brasil-europa.eu/172/Agostinianos_nas_Americas.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2017 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Academia Brasil-Europa
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
reconhecido de utilidade pública na República Federal da Alemanha

Editor: Professor Dr. A.A. Bispo, Universität zu Köln
Direção gerencial: Dr. H. Hülskath, Akademisches Lehrkrankenhaus Bergisch-Gladbach
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