O padrão de São Gregório em Port Elisabeth
ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 173

Correspondência Euro-Brasileira©

 
Padrao Port Elizabeth. Foto A.A.Bispo 2018. Copyright

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Fotos A.A.Bispo 2018©Arquivo A.B.E.

 


N° 173/10 (2018:3)

Port Elizabeth. Foto A.A.Bispo 2018. Copyright



O „padrão de São Gregório“ em Port Elisabeth

A memória de Bartolomeu Dias (ca.1450-1500) em espaço marcado pela presença britânica
e os seus sentidos transcendentes - a visão de Gregório Magno
no complexo de sentidos tormentos/boa esperança




Pelos 30 anos do „Ano Bartolomeu Dias“ e 20 anos de simpósio pelo „Ano Vasco da Gama“ da ABE/ISMPS

 

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Port Elizabeth. Foto A.A.Bispo 2018. Copyright

Port Elizabeth (iBhayi em Xhosa), principal cidade da província do Cabo Leste, situada na baía de Algoa no Índico, representou um dos principais focos de atenção dos estudos euro-brasileiros levados a efeito na África do Sul no início de 2018.

Port Elizabeth. Foto A.A.Bispo 2018. Copyright
O motivo que justificou essa consideração especial é o fato de que foi nas suas proximidades dessa cidade - uma das mais importantes da África do Sul - que aportou o navegador português Bartolomeu Dias (ca.1450-1500), em 1488, quando então ali levantou um padrão.

Esse ato representou um marco decisivo na história das viagens marítimas entre o Ocidente e o Oriente e, assim, de relações entre povos e continentes dos séculos que se seguiram, um contexto no qual o Brasil também se inscreve.

30 anos após o „Ano Bartolomeu Dias“

Esse significado excepcional do feito de Bartolomeu Dias e do seu ato na baía Algoa foi considerado no âmbito dos trabalhos euro-brasileiros pelos seus 500 anos em 1988 desenvolvidos em Portugal, na Alemanha e no Brasil pelo Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa, fundado no „Ano Europeu da Música (1985) (ISMPS e..V.). Esse evento realizou-se em estreita cooperação com o Instituto de Estudos Hinológicos e Etnomusicológicos da organização pontiifícia de música sacra.

A rememoracão dos 500 anos do transpassagem do Cabo das Tormentas/ da Boa Esperança abriu a série de eventos comemorativos do ISMPS/ABE  de 500 anos de decisivas datas dos Descobrimentos portugueses e que culminaram com aquelas do descobrimento do caminho para a Índia por Vasco da Gama em 1998 e dos 500 anos da descoberta do Brasil em 2000.

Esses trabalhos foram precedidos por estudos que levaram a uma publicação sobre os fundamentos da cultura cristã no mundo extra-europeu da era moderna e que prepararam a realização de simpósio internacional na Alemanha com participação de pesquisadores brasileiros, em 1989.

Bartolomeu Dias no estudo de processos culturais em contextos globais

Bartolomeu Dias, cujas origens familiares levantam dúvidas, nasceu no Algarves, região de Portugal marcada pelo mar e pelas navegações, principal ponto de partida das viagens marítimas que levaram a descobrimentos ao longo da costa africana.

A sua época de vida foi precedida por importantes feitos, nos quais possíveis ascendentes seus tomaram parte, entre êles a passagem do Cabo Bojador, em 1434, e o alcance do Cabo Verde na costa do Senegal. A sua vida decorreu em época de descobrimentos da Guinea, cujo marco foi a expedição de Diogo de Azambuja em 1481. Uma atenção especial merece Diogo Cão (+ ca 1486), que deu continuidade aos descobrimentos em direção a sul, sobretudo por ter trazido congoleses para Portugal, onde foram cristianizados e que, voltando às suas terras, deveriam contribuir à expansão do Cristianismo. Deviam servir também aos intuitos estratégicos portugueses de contornar a esfera islâmica em expansão na África.

Esse contexto marítimo do Algarves como centro dos estudos navigatórios e o desenvolvimento dos descobrimentos da costa ocidental africana torna compreensível que Bartolomeu Dias tenha sido encarregado por Dom João II (1455-1495) em 1486, dedar continuidade ao descobrimento da costa da África por Diogo Cão e alcançar o ponto mais a sul do continente.

Com três naves, Bartolomeu Dias partiu em 1487, sendo uma das caravelas comandada pelo seu irmão, Diogo Dias. No decorrer da viagem, o navio de mantimentos, por motivo de segurança, foi deixado a sul da Baia das Baleias, na atual Namíbia. O trajeto incluiu a passagem pelo golfo de São Tomé e a Angra Pequena (Lüderitzbucht), atingindo o Cabo da Volta, onde levantou um padrão, tendo entrado esse cabo na história também sob o nome de Dias (Diaz).

Levado por fortes ventos, as naves foram arrastadas a alto mar em direção sul. Voltando em direção norte, Bartolomeu  Dias encontrou uma baía habitada por povo que possuia muitas reses e que denominou de Angra dos Vaqueiros, hoje Mossel Bay. (Veja)

Navegando mais à frente em direção leste, chegou àquela que foi denominada de Algoa Bay (Alagoa), onde levantou um outro padrão. Tentou prosseguir a viagem, alcançando a boca do Rio Infante (Groot-Visrivier), assim designado segundo um marujo de nome João Infante (mas que parece ser antes justificada pelo nome do Infante Dom Henrique, „O Navegador“ (1394-1460)). Devido a receios da tripulação, foi obrigado a retornar. Alcançou, assim, uma região onde o litoral indica já claramente a direção a norte, e portanto uma evidência do contorno do continente, abrindo esperanças do sucesso da navegação à Índia.

Retornando, avistou o Cabo Tormentoso, um nome a seguir substituido pelo de Cabo da Boa Esperança, atribuido ao próprio rei Dom João II (1455-1495), muito provavelmente porém dado pelo próprio Bartolomeu Dias a partir da sua vivência e das perspectivas que se abriram e dos sentidos transcendentes relacionados com um complexo existencial de tormentos e esperanças.

Na maior baía da região, levantou então um outro marco no dia 1 de maio de 1488, ou  seja, sob o signo da festa de Santa Cruz ou Inventio Crucis do dia 3 de maio. (Veja)

Na viagem de retorno, encontrou a caravela que deixara, com alguns sobreviventes, e, após breves estadias no litoral de Angola e na ilha do Príncipe, atingiu Lisboa em fins de dezembro de 1488.

A consideração mais atenta de Bartolomeu Dias e sua expedição sob o aspecto de seus sentidos culturais é de relevância para os estudos mais particularmente relacionados com o Brasil, uma vez também que Bartolomeu Dias tomou parte da armada de Pedro Álvares Cabral (1467-1520) que, em 1500, a caminho das Índias, descobriu o Brasil.

Após ter estado no Brasil, na continuidade da viagem à Índia, Bartolomeu Dias perdeu a vida no naufrágio de sua nave assolada por tempestades nas proximidades do Cabo das Tormentas/Boa Esperança que êle, anos atrás, tinha pela primeira vez dobrado.

A sua vida e os seus feitos relacionam assim historicamente o Brasil e a África do Sul, trazendo à consciência o contexto abrangente no qual se inscreveram as descobertas dessas duas regiões do mundo.

Portugal em cidade marcada por inglêses - Sir Rufane Shaw Donkin (1772-1841)

A configuração arquitetônica do centro de Port Elisabeth reflete, na movimentada história colonial da África do Sul, sobretudo a presença britânica.

Port Elizabeth. Foto A.A.Bispo 2018. Copyright

Os seus representativos edifícios oficiais colocam a cidade em posição comparável àquelas mais importantes do antigo Império britânico. Sob muitos aspectos apresenta similaridades com cidades portuárias em várias partes do globo.


A monumentalidade dessas construções traz à consciência a importância do porto e que foi através dos séculos local de parada de navios para o abastecimento de água, víveres e madeira, sendo assim visitada por navios comerciais de diversas nações que faziam o trajedo entre a Europa e o Oriente. Esse significado do porto manifesta-se nos antigos edifícios portuários de Port Elisabeth.


A fundação da cidade e a sua denominação remontam à época decisiva da presença e do domínio britânico no sul da África. Em 1799, os ingl^êses ampliaram o Fort Frederick para a proteção contra ataques de franceses, e que, sob o nome de York, é hoje o mais antigo bem patrimonial em pedra de toda a Província do Cabo Leste.

A fundação da atual cidade remonta a Sir Rufane Shaw Donkin (1772-1841), militar e governador da Colonia do Cabo, o que é lembrado na denominação da cidade segundo a sua esposa: Elisabeth. O cunho inglês da cidade e o seu desenvolvimento como posto comercial foi determinado pela vinda de 4000 emigrantes das ilhas britânicas.

O nome da cidade e a sua fundação por Rufane Donkin traz à lembrança elos desse militar com fatos relevantes da história de Portugal e de consequências para o Brasil, entre êles o fato de ter comandado armada inglesa contra os franceses nas lutas que levaram à vitória na segunda batalha do Porto, em 1809.

Entre os seus edifícios que revelam contemporaneidade com tendências do historismo inglês nas suas diferentes expressões, destaca-se o da Biblioteca Püblica, que evoca o período de florescimento da cidade à época vitoriana, lembrado sobretudo pela estátua da rainha Vitória à sua frente.

Bartolomeu Dias no centro de Port Elizabeth - reconstrução do padrão

Quase que em contraponto ao monumento à rainha Vitória, levanta-se, no centro de Port Elizabeth, uma réplica do marco levantado por Bartolomeu Dias. A colocação desse marco no espaço marcado arquitetônicamente pela presença inglêsa estabelece um referencial que determina a percepção e a leitura urbana.


Trata-se de uma reprodução do modêlo do padrão reconstruído - cujo original é conservado em Johannesburg - que foi presenteado à cidade por Portugal, como inscrito em placa comemorativa em diversos idiomas. Uma outra réplica encontra-se na Sociedade de Geografia de Lisboa.

O padrão levantado por Bartolomeu Dias num penedo no Ilhéu da Fonte (Kwaaihoek) na Algoa Bay, nas proximidades da boca do rio Bushman, foi ainda visto por Robert Jacob Gordon (1743-1795), em 1786.

Caindo no esquecimento, os seus relitos foram redescobertos em 1938 por Eric Axelson e transferidos para a University of the Witwatersrand em Johannesburg.

Pesquisador da presença portuguesa no sudeste africano desde 1936, tendo realizado estudos em Portugal, Inglaterra, França e Vaticano, Axelson descobriu grande quantidade de fragmentos do antigo marco. Foi incentivado nesse estudo por Leo Fouché, professor que o motivou ao estudo da história de Portugal e do padrão. O marco de Bartolomeu Dias desempenhou assim um papel significativo na institucionalizaç∫ão e no desenvolvimento dos estudos historiográficos na África do Sul.

Até então, pensava-se que tinha sido levantado numa ilha e que uma das ilhas da Baia de Algoa tinha o nome de Santa Cruz. O estudo da descrição da costa do piloto João de Lisboa, de 1514, mosstrou a Erik Axelson que não se tratava na realidade de uma ilha, assim suposta apenas a partir da sua vista do mar. Os navegantes teriam chegado ao promontório chamado False Island ou Kwaaihoek.

Não se pode porem esquecer que o Esmeraldo de situ orbis de Duarte Pacheco Pereira (ca. 1469-1533)  indica claramente ter sido levantado no penedo das fontes no ilhéu da Cruz, não ilha, e que, pouco mais alto do que um homem, tinha três inscrições, respectivamente em latim, árabe e em português, (Livro Terceiro, 94)

Inicialmente, Eric Axelson não encontrou sinais do padrão, mas, com a ajuda de seu irmão Charles, descobriu em escavações pedras que poderiam ter sido dos fundamentos do padrão e que diferiam das pedras locais, denotando também traços do trabalho competente de artesãos. No mar, à base do penedo, encontrou outras pedras com as mesmas características que tinham caído dos altos.

Leo Fouché, o seu mentor, conseguiu apoio  da universidade de Witwwatersrand para o prosseguimento da pesquisa no local, com a ajuda de um grupo de trabalhadores. Os professores Riet Lowe e Fouché reconstruíram o padrão com os fragmentos e a Comissão dos Monumentos Históricos entregou-o à universidade de Witwatersrand.

Retomando reflexões do „Ano Bartolomeu Dias“ - sentidos transcendentes

Devido ao quadro institucional no qual se processou a rememoração dos 500 anos da dobrada do Cabo dos Tormentos/Boa Esperança pelo ISMPS/ABE, considerou-se nos estudos então desenvolvidos em particular as dimensões culturais-religiosas da época e da viagem de Bartolomeu Dias. Essa perspectiva, até então pouco considerada na historiografia, abre novos caminhos a interpretações das decorrências.

Se até então não tinham sido consideradas, isso se explica pelo fato da viagem ter ocorrido de forma velada, dela não restando registros, tendo os historiadores a necessidade de se basearem em poucas menções em obras posteriores. Ela pode ser inferida do mapa de Martellus de 1489/90,  é referida no citado Esmeraldo De Situs Orbis de Duarte Pacheco Pereira  em 1505/1508 e mencionada por João de Barros (1496-1570) na sua obra Asia, em meados do século XVI. 

Entretanto, o contexto indica ser imprescindível considerar a inserção dos feitos navigatórios em sistema cultural de fundamentação religiosa e de processos político-culturais com êle relacionados.

Neste sentido, deve-se dar particular atenção ao fato mencionado de ter sido nas naves sob Bartolomeu Dias que retornaram à África os congoleses trazidos anteriormente por Diogo Cão.

Após a permanência em Portugal, deveriam fazer frutificar na África as experiências que tinham obtido da sociedade cristã e do Cristianismo. Esse empreendimento de vivência e influenciação cultural-religiosa dos congoleses inscrevia-se no contexto mais amplo da procura de contorno do espaço de expansão islâmica na África através de um atamento de elos possibilitador de um cerco estratégico com o soberano cristão da Etiópia, o „Prestes João“, do qual se possuia apenas informações vagas. Descidos seis congoleses das naus de Bartolomeu Dias, esperava-se que, para além de influenciar os seus conterrâneos, pudessem talvez chegar por terra a esse reino cristão da África oriental.

Complexo de sentidos revelados pelos elos dos padrões com festas do calendário

Um caminho para a consideração do contexto cultural-religioso em que se processaram as viagens de descobrimentos é aquele que parte das denominações geográficas e aos padrões. Essas denominações explicam-se em geral pelas datas dos descobrimentos, podem porém também indicar intenções partidas dos conteúdos religiosos de festas para determinações de datas para fatos, a eles atribuindo sentidos transcendentes.

Os trabalhos do „Ano Bartolomeu Dias“ foram marcados por considerações a respeito das datas de levantamentos de padrões e das denominações segundo festas comemoradas.

Para a consideração do „padrão de São Gregório“, levantado em Kwaaihoek, no dia 12 de março de 1488, surge como esclarecedor considerar os outros padrões levantados e que permitem reconhecer relações de coerência.

Em seguida ao „padrão de São Gregório“, Bartolomeu Dias levantou o „padrão de São Felipe“ no Cabo Macclear a oeste do Cape Point, no dia 6 de junho, e o „padrão de Santiago, no litoral da atual Namíbia, no dia 25 de julho.

Considerou-se que o nome do Papa S. Gregorio, do de S. Filipe ( o Diácono) e do „Apóstolo do Ocidente“ possuem dimensões e conotações teológicas que não podem deixar de ser consideradas, uma vez que marcavam a vivência de datas festivas, visões e interpretações de acontecimentos.

O nome de S. Filipe, que pela data diz respeito ao Diácono, relacionava-se com a África e, mais particularmente, com a Etiópia, correspondendo assim ao fato da expedição ter trazido os seis congoleses de retorno ao continente.

Segundo a tradição, Filipe teria recebido ordens de um anjo para ir a Gazah, onde encontrou um eunuco etíope, interpretou-lhe um texto do livro de Isaias (53,7), converteu-o e batizou-o (História dos Apóstolos 8,26-39). Voltando à sua terra, o africano converso cristianizou o seu povo, fundando a Cristandade etíope, o que fazia com que Filipe, aquele que o converteu, surgisse como pai da igreja etíope, a do Preste João procurado pelos portugueses.

A designação do padrão segundo o apóstolo Tiago Maior, traz, por sua vez, outro complexo de sentidos estreitamente relacionado com as viagens portuguesas para o contorno da esfera da expansão islâmica: o do „matamoros“ da Reconquista.

O „padrão de São Gregório“ e o significado de S. Gregório Magno

A designação de „padrão de S. Gregório“, explicável devido à data da aportagem de Bartolomeu Dias, uma vez que no dia 12 de março - data que rememora o sepultamento de Gregório Magno - rememorava-se esse pontífice santificado, abre amplas perspectivas para reflexões, em particular sob a perspectiva de estudos musicológicos de orientação cultural.

Tendo sido os trabalhos promovidos por instituto de estudos da cultura musical no espaço de língua portuguesa (ISMPS e realizados em cooperação com o instituto de pesquisa da organização pontifícia de música sacra, compreende-se a atenção dispensada a essa denominação do marco plantado por Bartolomeu Dias, uma vez que o canto litúrgico por excelência lembra na sua denominação a autoridade de Gregório Magno - o canto gregoriano.

A „padrão de São Gregório“ é um marco demonstrativo do significado da veneração desse papa e doutor da Igreja em fins da Idade Média. A sua memória servia à acentuação do poder pontifício como fator da unidade do Ocidente Cristão e tinha assim implicações político-eclesiásticas. O seu nome vinculava-se estreitamente com a própria denominação de Papa para o bispo de Roma.

No contexto das descobertas nos seus estreitos elos com anelos de propagação cristã, assumia sobretudo o empenho que dera à missão no Ocidente de sua época, enviando missionários às ilhas britânicas. Essa missão levou à conversão do rei de Kent ao Cristianismo e, a partir dele, do seu povo. Nessa ação poder-se-ia ver um exemplo de uma estrategia cristianizadora „de cima para baixo“ que marcaria também o início das atividades missionárias à era dos Descobrimentos.

Sobretudo merece atenção neste contexto o fato de se atribuir a Gregório uma concepção cristianizadora que incluia a legitimidade de coerção para o alcance de conversões, um fato que pode ser entendido como decorrente de um processo que parte da conversão de líderes e leva à de seus povos.

Nas suas dimensões mais profundas, cumpre lembrar os estreitos vínculos de Gregório Magno com a tradição monacal e a regra beneditina. A atividade organisatória de Gregório Magno, o seu cuidado pela economia, pelo cultivo da terra que possibilitava a alimentação do povo pode ser vista como exemplar para a atenção às necessidades práticas da vida das tripulações de naves à época dos descobrimentos, assim como para intentos coloniais.

O Espírito Santo na imagem de Gregório Magno transmitindo o canto gregoriano

A vida, os atos, os escritos e as criações de Gregório Magno eram salientados teologicamente por neles se ver a ação do Espírito Santo. Sob essa inspiração divina via-se a ordenação que dera à liturgia, à qual a músicas era parte integrante e essencial.

Significativamente, quando da introdução da área de Estruturação na Faculdade de Música e Educação Artística do Instituto Musical de São Paulo, em 1972, por ser ela orientada histórico-culturalmente, escolheu-se como ilustração de apostila de base para os estudos a imagem de São Gregório ditando a um escriba o canto que tomou o seu nome, uma representação do Antifonário de S. Gall (Cod. 390, 13).

À época das Descobertas e assim da viagem de Bartolomeu Dias, a autoridade de Gregório Magno como „criador“ do então denominado cantochão (cantus planus) era amplamente reconhecida. A sua festa, portanto, data da elevação do marco padrão, celebrava-se nas suas dimensões teológicas mais profundas sob o signo do Espírito Santo.

A visão e a missa de S. Gregório - e a imagem da Cruz - Paixão e Redenção

A importância e as dimensões da veneração de S. Gregório Magno no Ocidente cristão necessitam ser mais atentamente consideradas. Em Portugal, uma de suas principais expressões na arte é a imagem em madeira policromada atribuída a Fernando Muñoz na Carola dos Templários em Tomar . (Reynaldo dos Santos, Oito Séculos de Arte Portuguesa, História e Espírito, Lisboa: Empresa Nacional de Publicidade, 1962, 316)

O nome de Gregório Magno estava sobretudo relacionado com a Missa de São Gregório. Esta era representada em fins da Idade Média em imagens apresentando o papa celebrando a missa com a presença de cardeais e bispos e, sobre o altar, a imagem do Cristo no seu sofrimento na cruz.

Essa tradição da linguagem visual remontava à imago pietatis mandada ser feita segundo a tradição por Gregório Magno reproduzindo a visão que teria tido e que era conservado na igreja Santa Croce em Roma.

Essas representações correspondiam a uma concepção de missa em sentido simbólico em correspondência de suas partes à vida de Jesus. Ela revela o significado da Paixão e da Redenção como sentidos centrais da celebração.

A denominação do „ilhéu da Santa Cruz“ dirige assim a atenção a outros aspectos teológicos do que aquela do Brasil como „Terra de Santa Cruz“. Esta última, também no sentido de „Terra de Vera Cruz“, decorria da data da festa do achamento da cruz por Santa Helena, comemorada no dia 3 de maio.

A designação do ilhéu da Santa Cruz onde Bartolomeu Dias plantou uma cruz de madeira concomitantemente com a elevação do marco de São Gregório na festa desse santo, tem outras conotações.

As relações entre as duas denominações indicam que o ato da chegada de Bartolomeu Dias decorreu sob o signo de concepções centrais da compreensão da missa da época, sendo guiada pela visão dos sofrimentos do Cristo na cruz e da esperança de redenção.

Essas concepções que determinavam o conteúdo das festas e o estado de espírito dos portugueses merecem ser levadas em conta nas considerações do marco cuja réplica se encontra hoje no centro de Port Elizabeth.

Elas revelam também sentidos mais profundos da singular trocas de nomes de Tormentas para Boa Esperança. Essa troca de nomes revela que o conceito de Tormentas é entendido não só como aquele físico dos ventos tormentosos dessa região, mas no seu sentido de sofrimentos do homem interior que dá lugar à esperança e que tem o seu modêlo na visão de S. Gregório.



De ciclo de estudos sob a direção de

Antonio Alexandre Bispo


Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. „ O „padrão de São Gregório“ em Port Elisabeth. A memória de Bartolomeu Dias (ca.1450-1500) em espaço marcado pela presença britânica e os seus sentidos transcendentes - a visão de Gregório Magno no complexo de sentidos tormentos/boa esperança“
. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 173/10(2018:3).http://revista.brasil-europa.eu/173/Padrao_portugues_em_Port-Elisabeth.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2017 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


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Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
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Editor: Professor Dr. A.A. Bispo, Universität zu Köln
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