Expedição de 1911: Açores e Brasil
ed. A.A.Bispo

Revista

BRASIL-EUROPA 175

Correspondência Euro-Brasileira©

 
Ponta Delgada. Foto A.A.Bispo 2018. Copyright

Ponta Delgada. Foto A.A.Bispo 2018. Copyright





Fotos A.A.Bispo 2018©Arquivo A.B.E.

 


N° 175/9 (2018:5)



Os Açores na história das relações internacionais anteriores à Primeira Guerra Mundial
história científico-cultural e a imagem do arquipélago
A expedição antártica de 1911 no seu significado para o Império Alemão:
Wilhelm Filchner (1877-1957), Wilhelm Ule (1861-1940) nos Açores e no Brasil
e Francisco Afonso Chaves de Melo (1857-1926)

Pelos 100 anos da Primeira Guerra Mundial. Museu Militar do Forte de São Brás, Ponta Delgada

 
O Museu Militar instalado no Forte de São Braz em Ponta Delgada, oferece-se como instituição particularmente significativa para estudos voltados a relações internacionais na passagem dos cem anos do término da Primeira Guerra Mundial.

O forte, um dos mais relevantes exemplos de arquitetura militar da história, remontante ao século XVI e que servia sobretudo à defesa das ilhas de incursões de piratas e corsários, surge como local adequado para trazer à consciência a importância estratégica dessas ilhas atlânticas.

Ponta Delgada. Foto A.A.Bispo 2018. Copyright

Os documentos, as publicações, fotos, armas e os aparelhos de comunicação ali expostos salientam o papel relevante desempenhado pelos Açores, em particular do porto da ilha de São Miguel na guerra que levou à queda de uma antiga ordem européia e à mudança de referenciais de poder e de centros político-culturais em contextos globais. Essa transformação a favor das potências vitoriosas teve como contrapartida a perda de significado das nações derrotadas, passando os antigos impérios da Áustria-Hungria e da Alemanha a pertencer a um passado encerrado. Fotografias ali apresentadas documentam a presença de navios de guerra americanos ali atracados para o carregamento de carvão, mencionando a de submarinos alemães no Atlântico.

As dimensões e consequências da mudança na constelação de poder internacional com o desfecho da guerra podem ser avaliadas sobretudo considerando-se a intensidade dos elos de amizade e cooperação que existiram entre a Europa de língua alemã e os Açores nos anos anteriores a 1914. Relembrar esse passado em parte submerso surge como procedimento necessário para estudos voltados a processos culturais no seu desenvolvimento histórico.

Nos estudos euro-brasileiros ali desenvolvidos, lembrou-se sobretudo do interesse de fontes pouco consideradas para a reconstrução dessas décadas anteriores à Guerra e que foram de significado não só para a História Cultural em contextos globais como também para a História das Ciências.

A estadia nos Açores de Willi Ule (1861-1940) a caminho do Brasil

Vários desses relatos e diários de viajantes foram até hoje insuficientemente considerados e vêm recebendo por isso especial atenção nos estudos relacionados com o Brasil das últimas décadas. Entre os autores lembrados, salientou-se o limnólogo e geógrafo Wilhelm Ule, também conhecido como Willi Ule (1861-1940).

Como autor do livro Quer durch Süd-Amerika (Lübeck, 1925), Wilhelm Ule foi considerado até hoje sobretudo devido aos muitos dados que transmite e descrições de impressões e experiências em várias regiões do Brasil, salientando-se a sua vivência em comunidades alemãs do sul do país. Apesar do seu título, grande parte do seu livro é dedicada ao Brasil, cabendo parte menor à Argentina e ao Chile.

Foram justamente essas impressões dos Açores como primeira escala do trajeto entre o Norte da Alemanha e o Nordeste do Brasil que precedem e em parte preparam aquelas que iria ter de várias regiões do Brasil. Estas, assim, merecem ser consideradas à luz dessas primeiras impressões ganhas pelo autor e que o marcaram na percepção e na interpretação do que vivenciou.

A atenção que Wilhelm Uli dedicou à ilha de São Miguel é por êle mesmo justificada. Para um geógrafo, o arquipélago que se levanta longe do continente, em meio ao Atlântico, seria de particular interesse, mas muito pouco conhecido nos meios científficos.

Justamente a sua posição e afastamento levava a que fosse apenas tocado por algumas das principais companhias de navegação. Enquanto que Madeira e as Ilhas Canárias já tinham sido descritas em muitos relatos de viagem e estudadas por grande número de eruditos, praticamente não se encontrava um livro no mercado alemão que tratasse mais pormenorizadamente dos Açores.

O arquipélago, ainda que não sob o aspecto científico, tinha sido considerado e descrito em relatos de viagem e livros de divulgação de conhecimentos geográficos em língua alemã, em particular também de estudiosos austríacos. Estes, porém, provinham antes dos estudos militares e navais, enquanto que a expedição alemã tinha congregava cientistas de diferentes áreas.(Veja)

Da Limnologia à Oceanografia, Vulcanologia e Sismologia

Já tendo estado anteriormente na Madeira e nas Ilhas Canárias, a estadia em Ponta Delgada veio ao encontro de um desejo de Wilhelm Ule e de uma necessidade para a pesquisa que desenvolvia e a divulgação dos conhecimentos obtidos. Como especialista no estudo de águas, de lagos e rios e interessado em expandir os seus conhecimentos aos oceanos, o autor dedica de início particular atenção a aspectos geológicos e oceanográficos.

Naturalmente, a atenção não podia deixar de voltar-se sobretudo a questões vulcanológicas e sísmicas. Assim como a Madeira e as Canárias, os Açores também tinham origem vulcânica. O vulcanismo não estava ali totalmente extinto, ainda havendo fontes de água quente em algumas ilhas.

Fundamentando-se num plateau submarino, cercado por um mar de até 4000 metros de profundidade, as ilhas se levantavam abruptamente do fundo do mar, atingindo nos seus cimos mais do que 1000, na ilha do Pico até mesmo ca. de 2300 metros sobre o nível do mar. Erupções submarinas ainda tinham ocorrido no século XIX. O fundo do mar, em geral plano, apresenta ali um relêvo movimentado ao redor das ilhas.

Esse interesse científico-natural determinou também a primeira impressão que Wilhelm Uli teve de São Miguel. A ilha apresentava uma imagem singular ao navio que dela se aproximava vindo do norte, passando pelo seu ponto mais extremo a noroeste. Ali podia-se perceber o grande vulcão no qual se situa a cratera da Caldeira das Sete Cidades, cujas laterais se elevam até 600 metros. A impressão do observador foi acentuada pelas condições do tempo. O vulcão estava envolto em pesada e espessa nuvem, ainda clara pela luz do sol, na sua parte baixa escura, deixando emergir ao fundo a escura rocha da ilha.

Wilhelm Uli já tinha visto uma similar formação de nuvens na Madeira, e tudo indicava que era comum em São Miguel. Ela podia ser explicada talvez pelo fato de que os ventos cheios de vapor que se comprimiam na ilha subiam e a criavam as nuvens.

Antecedentes: Wilhelm Filchner (1877-1957) - Ásia Central - Noruega - Polo Sul

Já o fato de que o relato de Wilhelm Uli ser dedicado a seu amigo Wilhelm Filchner revela o significado desse geógrafo, viajante e autor bávaro no vir a ser da viagem que o levou aos Açores e à América do Sul.

Através de suas expedições científicas, em particular na Ásia Central, cujos relatos sobre as altas regiões gélidas percorridas foram altamente difundidos, criou-se um clima favorável nos meios políticos, intelectuais, científicos e na opinião pública do Império Alemão relativamente a viagens de pesquisas no seu significado para o progresso dos conhecimentos e o renome da ciência alemã.

Correspondendo ao mesmo tempo ao interesse pela evolução do saber e da ciência e à auto-consciência do Império Alemão na sua potência do período anterior à Primeira Guerra, a realização de expedições passou a ter dimensões ao mesmo tempo idealísticas e patrióticas.

A popularidade alcançada na Ásia Central levou Wilhelm Filchner a planejar, a partir de 1905, uma segunda expedição alemã à Antártica, projeto que levou vários anos para realizar-se. Somente em 1910, em sessão da Sociedade de Geografia de Berlim, Wilhelm Filchner apresentou publicamente o plano de uma nova expedição alemã ao polo sul.

Como Filchner já possuía experiência na Escandinávia, realizou-se primeiramente uma expedição experimental a Spitzbergen, na Noruega. Também o veleiro-vapor requisitado para a expedição era norueguês, assim como eram noruegueses dois dos tripulantes.

O plano era audacioso, exigindo muitos sacrifícios, mas era bem fundamentado, recebendo o apoio dos geógrafos, em particular do sueco Otto G. Nordenskjiöld (1869-1928),  geólogo e renomado pesquisador polar através de sua expedição à Antártica.

Adaptada, a nave norueguesa foi rebatizada significativamente como Deutschland, um nome que evidencia o cunho patriótico do empreendimento.

A expedição sul-polar no seu significado nacional no Império Alemão

Movido pelo entusiasmo geral pelo projeto, Wilhelm Ule tomou parte desde o início na sua propaganda e planejamento, colaborando estreitamente com Wilhelm Filchner. Embora não tendo sendo possível a sua participação na expedição propriamente dita que sairia de Buenos Aires à Antártica, recebeu a oportunidade de tomar parte opelo menos na primeira parte da viagem e que representava uma pré-expedição.

Nesta estavam previstos apenas trabalhos oceanográficos, o que vinha ao encontro da sua especialidade, uma vez que se dedicava à pesquisa de lagos e de sistemas de águas doces. Com essa viagem, tinha a oportunidade de ampliar os seus conhecimentos. Aprendendo métodos de medições oceanológicas, poderia tentar aplicá-las nos seus estudos de lagos.

Os preparativos foram terminados no começo do ano de 1911 e a partida de Hamburgo foi marcada para o o dia 3 de maio. Dali a nave seguia para o porto de Bremerhaven para o carregamento de mantimentos. Nas duas ocasiões, as partidas foram acompanhadas por atos que contaram com a presença de altas personalidades. Na expedição viajaram oito cientistas, o capitão, três oficiais, um engenheiro e 19 marujos, incluindo os assistentes das máquinas, o cozinheiro e os stewards.

Em Hamburgo, o navio foi visitado pelo príncipe Henrique da Prússia (1862-1929), o irmão mais novo do Imperador Guilherme II (1859-1941), inspetor geral da Marinha Imperial, e que apoiava ativamente a realização do projeto. A partida foi celebrada com um jantar na sala do Conselho - Rathaus -, oferecida pela cidade de Hamburgo.

Em Bremerhaven, no dia 6 de maio, os membros reuniram-se festivamente na cave da casa do Conselho de Bremen e o senado da cidade promoveu um desjejum de despedida nas Lliydhallen ao qual compareceram personalidades da vida política e científica, em particular de geógrafos, assim como representantes de universidades da região.

Comno Wilhelm Uli registra, a atmosfera que envolvia a expedição era solene e grave, imbuída do espírito de nobre consciência de ideais de procura de conhecimentos e da convicção de tratar-se de um empreendimento patriótico. Essa atmosfera foi acentuada com o discurso do representante do chanceler do Império, que salientou o orgulho de todos os alemães em saber que a pátria possuía homens ainda capazes de servir a uma tarefa grandiosa e idealística.

A atenção de Wilhelm Ule à natureza dos Açores - paisagens e jardins

Ainda que tomando parte numa expedição à Antártica, o seu interesse diferenciava-se daquele de Filchner num ponto: o seu fascínio não era tanto despertado por regiões gélidas, mas  sim pelos trópicos. A viagem dava-lhe a oportunidade de conhecer a América do Sul. É compreensível, assim, que sobretudo a natureza dos Açores o tenha fascinado, preparando-o, nos sub-trópicos, ao que encontraria no Brasil.


A primeira imagem de Ponta Delgada foi ganha do mar e positivamente marcada pela claridade de um dia ensolarado. Do bordo da navio, os participantes da expedição tinham podido avistar toda a ilha. Obtiveram um panorama pitoresco e ao mesmo tempo interessante. Perante eles espraiava-se a cidade, que com as suas casas brancas e com as suas coberturas de telhas vermelhas se destacava da paisagem. extendendo-se pelas encostas e se perdendo por fim em casas esparsas ao longe. Era emoldurada ao fundo por numerosos morros, que revelavam de pronto ao especialista a sua origem vulcanica. 

Para Wilhelm Ule a paisagem na qual se inscreve Ponta Delgada podia ser comparada com as da região do Eifel, com as montanhas centrais das Boemia ou com o planalto central francês. Um pico seguia-se a outro, a Leste atingindo até quase 1000 metros na Lagoa do Fogo, a Oeste fechando-se com a grande elevação da Caldeira das Sete Cidades.

As mais belas atrações de Ponta Delgada são os grandes jardins que, embora em propriedade particular, podem ser visitados a qualquer hora. Aqui percebe-se que se chegou a uma outra zona da terra. Os Açores situam-se já ao sul do 40 grau de latitude norte, ou seja já na região dos subtrópicos. A vegetação é por isso em geral subtropical, caracterizada essencialmente pelas mesma plabntas sempre verdes que encontramos no sul da Europa. Mas nos jardins crescem ao lado dessas plantas subtropicais já muitos representantes da vegetação tropical. Isso é um resultado do efeito mitigador do mar no clima. Ponta Delgata tem uma temperatura anual de apenas 17,5 graus, mas um janeiro de ainda 14,1 graus. Abril tem já 15,5 graus e particularmente quente é outubro, com quases 20 graus. (op.cit.)

Wilhelm Ule observa que nos jardins havia exemplares magníficos de palmeiras, pantaneias, avencas e muitas outras plantas tropicais que ofereciam quadros fascinantes de vegetação. Esses jardins davam uma impressão quase que selvagem, uma vez que não eram demasiadamente cuidados, o que seria tipicamente português.

Comunicações e ciência - Francisco Afonso Chaves de Melo (1857-1926)

O veleiro Deutschland da expedição em que viajava chegou a Ponta Delgada em hora avançada, já não podendo entrar no porto. O fato de ter lançado âncoras em mar aberto permito a Wilhelm Ule vivenciar uma prática de entrega de correspondência então em uso.

O autor descreve como de um grande vapor de correio que vagarosamente passou pelo Deutschland, dando muitos sinais, lançou-se uma grabnde boia que, cainda no mar, fêz surgir um grande clarão: tratava-se de uma boia luminosa que continha o correio para Ponta Delgada.

Wilhelm Uli menciona a seguir o atracamento pela manhã no cais, ao comprido, mencionando o regulamento que exigia que os navios fossem amarrados duplamente devido aos temporais que assolavam frequentemente os Açores e que também punham em risco os navios.

O significado da expedição para a Alemanha, e do qual as autoridades portuguesas tinham tomado conhecimento, levou a que o capitão, os oito cientistas e outros membros da expedição fossem recebidos oficialmente. Da parte alemã, o consul alemão deu as boas-vindas e, da parte do Govêrno português, o coronel Chaves - Francisco Afonso Chaves de Melo (1857-1926) proferiu palavras de saudações, representando também a Sociedade de Geografia de Lisboa.

Wilhelm Ule salienta ser este naturalista e meteorologista conhecido também em círculos científicos alemães, o que não surpreende devido ao papel relevante por êle desempenha na criação do observatório e da ligação telegráfica submarina entre os Açores, o continente e a América. De formação militar, o coronel dedicava-se a estudos de meteorologia, sismologia e geomagnetismo, desenvolvidos institucionalmente no Serviço Meteorológico dos Açores, criado em 1901.

Profundo conheceedor da natureza dos Açores, surgia como o principal representante das pesquisas naturalistas nos Açores, tanto da terra como do mar. Tendo colaborado com procetos oceanográfios internacionais, tendo sido amigo e colaborador do príncipe do Mônaco, Francisco Afonso Chaves e Melo era a personalidade mais adequada para o recebimento da expedição de cientistas alemães.

O príncipe Alberto era internacionalmente conhecido como geólogo, geógrafo e oceanógrafo, tornando-se conhecedor abalizado da natureza da ilha. Com o seu yacht Hirondelle realizara várias expedições ao arquipélago. Construído em 1901, tendo o príncipe participado de sua construção, o Observatório em Horta quando da visita da expedição alemã estava se preparando para ser também usado para fins meteorológicos e sismiológicos.

Viagem da expedição alemã à caldeira de  Sete Cidades


Uma das excursões de Wilhelm Ule que lhe proporcionou mais impressões e conhecimentos sobre a geologia e a flora da ilha de São Miguel foi aquela que empreendeu com outros cientistas da expedição alemã à caldeira das Sete Cidades a oeste da ilha, uma das maiores atrações dos Açores. Os cientistas realizaram com essa visita, um programa turístico frequentemente seguido por visitantes europeus na ilha de São Miguel e conhecido na Europa através de relatos de excursões realizadas já há décadas passadas por visitantes austríacos. (Veja)

Assim como essas descrições austríacas, o seu relato descreve o caminho e as impressões obtidas durante a viagem a Sete Cidades.

A estrada segue do mesmo modo a costa até uma área elevada que cai em grande queda ao mar. A nós abriam-se magníficas vistas do mar profundamente azul e ao mesmo tempo agradáva-nos o cenário paisagístico. Atravessamos várias vezes ampos vales com rica vegetação e aqui e ali pitoresco com pequenas localidades ou casas de campo isoladas.

Na costa, que se levantava em abrupta queda de 200 a 250 metros, observavam popr todos os lados os efeitos das ondas que se quebravam. Formas curiosas se desenhavam. Na margem da área elevada, que de resto se estendia regularmente, fendiam-se várias caldeiras fundas, circulares, arredondadas, de várias centenas de metros de diâmetro. Visitamos uma dessas caldeiras para termos uma noção de sua origem. Reconhecemos que ao lado dos grandes círculos ainda havia gravados muitos pequenos e minúsculos nichos, que porém as grandes caldeiras eram ao mesmo tempo sempre corridas com um riacho. Nos locais onde esses riachos atingem a margem do plateau formam-se do chão formado do tuff mais solto primeiramente gargantas fundas como canions. Possivelmente estes foram então devido à açao limpadora da chuva e ao mesmo tempo através do trabalho do vento ampliados a grandes caldeiras, enquanto que na entrada do mar no chão mais duro manteve-se a garganta-canyon mais estreita. Também se notavam bem rastros da ação do vento.

A visita a Sete Cidades diferenciou-se daquelas anteriores por ser feita por cientistas, aproveitando estes a oportunidade para realizar observações de natureza científica. A menção de um episódio que teria feito supor a morte de um dos participantes da expedição menciona o interesse dos cientistas alemães pela pesquisa geológica e vulcanológica.

Na nossa viagem às caldeira quase que perdemos um de nossos companheiros de viagem. No calor de seu entusiasmo científico e ao mesmo tempo movido de vontade esportista de alpinismo desceu imediatamente a parede ereta, de ca. de 250 m de altura e nisso logo sumiu da área de ser ouvido. Já temíamos que nessa sua tão grande audácia tivesse mal calculado a dificuldade da descida e tivesse caído, uma vez que ficaram sem sucesso toda a nossa procura e nossos chamados. Felizmente apareceu após uma meia hora sadio e bem disposto. Conto isso aqui apenas para que o leitor faça uma idéia do tamanho e da grandiosidade dessas caldeiras. (op.cit.)

A descida à caldeira e sua vegetação sub-tropical

Como registrado por autores austríacos há décadas, também os cientistas alemães tiveram a sua atenção voltada à exuberância da vegetação da ilha de São Miguel, não só a de jardins como a da paisagem natural de Sete Cidades.

Na pequena localidade Lomba da Cruz deixamos os carros e começou agora a descida à margem da Caldeira, que se levanta até 650 metros. O terreno dessa elevação vulcânica estava completamente molhado pela chuva e o caminho ao alto seguia a uma costa da montanha entre fundos abismos.

Aqui ofereceu-se-nos um quadro maravilhoso. Tínhamos uma paisagem perante nós que nos transpunha à lua. A caldeira das Sete Cidades é ainda uma caldeira totalmente fechada para fora de 5 quilômetros de diâmetro e com paredes quase que verticais de 250 a 300 metros. No seu chão a água se juntou num grande lago, ao mesmo tempo porém há vários montes de cratera, pequenas reproduções da grande caldeira, em cujo cume também há outras crateras, várias cheias de água, e as suas paredes externas mostram as mesmas fortes rugas que a caldeira principal. E por todo o lado na caldeira há vegetação exuberante, na terra não inundada pelo lago belos jardins e campos, onde se espraiam numerosas casas de campo. Caldeira das Sete Cidades é o nome dessa cratera, lá há apenas uma povoação que se estende às margens do lago.

Nos descemos naturalmente ao chão da cratera, apreciamos os encantadores detalhes da curiosa paisagem, assim como na vegetação exuberante, em cujos jardins participam muitas plantas exóticas e por fim tomamos um banho no lago.

Ao cair da tarde teve início a viagem de volta, embelezada por um crepúsculo magnífico que mergulhou a já em si belamente colorida paisagem subropical numa plenitude de luz. (op.cit.)

Pressumidos efeitos da navegação em Ponta Delgada, sua limpeza e seus habitantes

As impressões altamente favoráveis de Ponta Delgada ao viajante alemão explicam-se pelo fato de ter constatado ordem e limpeza, assim como grande polidez de seus moradores. Com a sua atenção voltada ao mar, compreende-se ter suposto que essas qualidades fossem evidências do significado da navegação.

E agora a cidade! Ela dá bem uma impressão de ciddasde sul-européia, melhor portuguesa, lembrando-me vivamente de Lisboa, apenas que dela se distancie muito nas suas dimensões e nas casas. Encontramos tanto lá como aqui muitas casas com azulejos. Ela se diferenciava das cidades suleuropéias conhecidas por mim pela limpeza que reinava nas ruas, certamente um efeito do contato direto com a navegação. O amor do marinheiro pela limpeza transpôs-se aos habitantes da ilha pelo que tudo indica.

Também os habitantes lembram os portugueses. São certamente predominantemente de origem portuguesa. Só que se vê na rua muitos tipos não-portugueses, entre outros frequentemente crianças loiras, de olhos claros. A navegação parece ter trazido muito sangue estrangeiro aos Açores. Além do mais, as ilhas estiveram durante tempo considerável em contato com os Países Baixos e certamente vivem ainda descendentes daquela época. Que aqui a navegação trouxe muito sangue estrangeiro demonstram os mulatos e mesmo negros que se veem não muito raramente. (op.cit. )

(....)

Como os europeus do sul, os portugueses em particular, assim os habitantes de São Miguel são pessoas amicáveis, amáveis e polidas. É muito agradável que a mendicância, que é tão amolante na Itália, praticamente não existe. Apenas crianças pediram-nos algo uma vez, mas receberam de imediato uma admoestação de alguns adultos. (op.cit. )

Problemas de comunicação - deficiência no domínio do idioma, dialeto e o dia-a-dia

O elemento português predomina porém sem dúvida. Fala-se português, mas em forma bastante modificada. Quando tentei usar os meus parcos conhecimentos de português, não fui entendido. Isso não resultava apenas da rudimentaridade dos meus conhecimentos da língua e também na falsa pronunciação, mas antes na pureza do meu português. As pessoas falam ali um dialeto que resultou de uma forte mistura com palavras francesas, espanholas e italianas. Pude fazer-me enteender bastante bem com o italiano.

(...)

Não podíamos nesse dia deixar de novo a terra, sentávamos ao almoço e mesmo à noite num hotel. Isso tinha para nós um certo interesse. Aprendemos a conhecer a cozinha aportuguesa. Lembrava-nbos a italiana. Visitamos em conjunto ainda umn café, que aqui como em geral no sul da Europa extendem-se atßé o meio da rua. Tinhamos a ocasião de observar a vivacidade das pessoas do sul. Fala-se ali, como um de nossos homens bem observou, não só com a boca, mas ao mesmo tempo com mãos e pés. Com esses gestos vivazes discute-se sobretudo assuntos políticos. Mas também quando se contam,, as estórias mais simples, isso dá-se sempre com os movimentos mais vivos. Da mesma forma a vida nas ruas ofereciam muito de interessante. Assim como no Sul da Europa, grupos de pessoas, em parte sentadas na beira da calçada, ocupavam-se com nada, a não ser com animada conversação. Entre elas como de comum os vendedores, faltando só os engraxates, tão amolantes na Itália.

Capelo e capote - observações sobre o traje tradicional feminino

De interesse para os estudos culturais é o fato de Wilhelm Ule ter registrado no texto e em fotografia publicada o uso do capelo pelas açorianas. Essa ilustração, que surge na publicação ao lado de muitas outras dedicadas ao Brasil, dá testemunho do significado desse traje para a caracterização e imagem dos Açores aos olhos dos estrangeiros. Tendo conhecimento de outras regiões da Europa, o autor compara esse costume registrado em Ponta Delgada com aquele observado em outros países, em particular na Espanha e em Malta.


„Entre as pessoas na rua, distinguiuam-se em particular algumas mulheres com o seu traje singular. Elas usam grandes mantas pretas com um capucho enorme que pouco permite que se veja a face. De início, pensávamos que fossem freiras. Soubemos depois, que é apenas o traje de igreja das mulheres, similar à mantilha negra que as espanholas usam para ir à igreja.- Mais tarde encontrei quase o mesmo traje em Malta, onde apenas a cobertura da cabeça tinha uma outra forma. Com essa mantilha ocorre aqui por vezes mal uso. Quando um par de namorados quer fazer um passeio, o namorado também se veste com uma manta, e ninguém advinha o que está nela escondido.“


De ciclo de estudos sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo


Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. „Os Açores na história das relações internacionais anteriores à Primeira Guerra Mundial
história científico-cultural e a imagem do arquipélago.A expedição antártica de 1911 no seu significado para o Império Alemão:Wilhelm Filchner (1877-1957), Wilhelm Ule (1861-1940) nos Açores e no Brasil
e Francisco Afonso Chaves de Melo (1857-1926)“
. Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 175/9 (2018:5).http://revista.brasil-europa.eu/175/Expedicao_sul-polar_de_1911.html


Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira

© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2017 by ISMPS e.V.
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501


Academia Brasil-Europa
Organização de Estudos de Processos Culturais em Relações Internacionais (ND 1968)
Instituto de Estudos da Cultura Musical do Espaço de Língua Portuguesa (ISMPS 1985)
reconhecido de utilidade pública na República Federal da Alemanha

Editor: Professor Dr. A.A. Bispo, Universität zu Köln
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