Revista

BRASIL-EUROPA

Correspondência Euro-Brasileira©

 

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Berlin-Charlottenburg. Foto A.A.Bispo

Berlin-Charlottenburg. Foto A.A.Bispo

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Berlin-Charlottenburg. Foto A.A.Bispo

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Berlin-Charlottenburg. Foto A.A.Bispo

Berlin-Charlottenburg. Foto A.A.Bispo

Fotos A.A.Bispo.
Berlin-Charlottenburg. No texto:
reclames de "O Brasil e a Allemanha" (1923).
©Arquivo A.B.E

 

Revista Brasil-Europa - Correspondência Euro-Brasileira 141/4 (2013:1)
Prof. Dr. A.A.Bispo, Universidade de Colonia
Dr. H. Hülskath e Comissão especializada

Organização de estudos de processos culturais em relações internacionais (reg. 1968)
- Academia Brasil-Europa -
e institutos integrados


© 1989 by ISMPS e.V. © Internet-edição 1998 e anos seguintes © 2013 by ISMPS e.V. Todos os direitos reservados
ISSN 1866-203X - urn:nbn:de:0161-2008020501

Doc. N° 2956


A.B.E.


Compreensão de processos histórico-culturais globais em recepção brasileira
de música e
Weltanschauung:
"Da arte e da Humanidade com relação à civilização em geral" e, em particular, à Alemanha e ao Brasil segundo o compositor e diplomata Arthur Iberê de Lemos (1901-1967)


Alemanha-Brasil
Diálogos de Berlin-Charlottenburg pelos 30 anos do simpósio euro-brasileiro de renovação dos estudos da emigração alemã ás Américas
no ano da Cumbre Unión Europea-CELAC 2013

 

No ano de 2013 considera-se com especial atenção as relações Alemanha-Brasil nos Estudos Culturais em contextos internacionais. (http://revista.brasil-europa.eu/141/Brasil-Alemanha-2013.html)

Esse concentração de interesses tem várias razões, uma delas reside no fato de comemorar-se o bicentenário de Richard Wagner (1813-1883), compositor que surge singularmente vinculado com a história cultural do Brasil do século XIX. Wagner foi convidado para atuar no Brasil, Bayreuth foi visitado por Pedro II°, e a influência wagneriana fêz-se sentir na obra de vários compositores brasileiros.

Um marco no desenvolvimento dos estudos de Wagner e do wagnerianismo relacionados com o Brasil deu-se com a presença brasileira no centenário dos festivais de Bayreuth, em 1976, quando realizaram-se estudos sob a direção do editor desta revista.

No ano do centenário da morte de Wagner, em 1983, comemorando-se também os 300 anos da emigração alemã à América, realizou-se, por iniciativa brasileira, um simpósio internacional que considerou processos culturais euro-americanos, chamando a atenção à necessidade de uma atualização dos estudos transatlânticos e interamericanos sob as novas condições criadas pela integração européia.

A irradiação do movimento wagneriano na Península Ibérica e na América do Sul, em particular nas comunidades de alemães e seus descendentes, foi alvo de aulas e seminários de História da Música em Contextos Globais realizados nas universidades de Bonn e Colonia.

Em trabalhos de mestrandos, considerou-se particularmente o fato que esse movimento teve dimensões que transcenderam a esfera propriamente musical no sentido convencional do termo e que é justamente à visão do mundo a êle inerente e às suas múltiplas implicações político-culturais é que a atenção dos estudos culturais deve ser primordialmente dirigida.

Um texto que sempre mereceu ser considerado com particular atenção desde o simpósio de 1983  foi o do compositor e diplomata paraense Arthur Iberê de Lemos publicado na coletânea "O Brasil e a Allemanha" em 1923 em Berlim.

Essa obra, motivada pelo centenário da Independência do Brasil, compreendia-se como um livro dedicado às boas relações entre os dois países, com colaborações brasileiras e alemãs e pode ser considerada como um marco na retomada de elos brasileiro-alemães após a Primeira Guerra Mundial (ed. A. Funke, Berlin: Editora Internacional 1923). (http://revista.brasil-europa.eu/141/Brasil-Alemanha-1923.html )

Se o próprio organizador da coletânea, Alfred Funke, considerou em seu artigo "a civilização brasileira e o elemento allemão no Brasil (op.cit. 119), a A. Iberê de Lemos coube tratar, em artigo que encerra a série de contribuições, o tema mais genérico da "arte e da Humanidade" relacionando-o em particular com a civilização na Alemanha e no Brasil. (Iberê de Lemos, "Da Arte e da Humanidade em geral: Algumas de suas revelações com relação a civilização na Allemanha e no Brasil em particular", op.cit. 169-171).


Iberê de Lemos e a recepção do universo wagneriano na vida musical fora da Alemanha

Iberê de Lemos, nascido em Belém, Pará, em 1901, de família de tradição literária e jurídica, filho de poeta, estudou piano desde 1911, primeiramente sob a orientação de sua mãe, recebendo, no Rio de Janeiro, um ensino na tradição francesa de pianista Silvia Falleti.

Os seus estudos na Europa, iniciados em 1913 na Inglaterra, foram orientados segundo o sistema de ensino da escola de piano fundada em 1900 do então renomado Tobias Matthay (1858-1945) (The Tobias Matthay Pianoforte School, 96 Wimpole Street, W.). Essa escola era representada por diferentes professores nas suas dependências em várias cidades.

Após decepcionar-se com a orientação recebida em Eastbourne, Iberê de Lemos passou a ser orientado por David Cooper, um pianista que, em 1910, em recital de professores e estudantes-artistas membros da classe de piano de  Matthay na Royal Academy of Music executara Réflets dans l'eau de Claude Debussy (1862-1918). A inclusão dessa obra no repertório de David Cooper merece particular atenção, pois indica o interesse pela música francesa contemporânea do pianista e explica também a predileção que Iberê de Lemos demonstrou ter pela estética de Debussy ao retornar ao Brasil. 

Mais significativo parece ser o fato de Iberê de Lemos ter continuado, ainda que na Inglaterra, a viver em círculos musicais abertos à recepção cultural francesa. A tradição familiar do mentor da escola, porém, era alemã, pois Tobias Matthay, embora nascido em Londres, tinha ascendentes alemães. Esse fato explica talvez uma proximidade à linguagem musical wagneriana em acompanhamentos para canções realizados por Matthay.

Iberê de Lemos recebeu assim na sua formação, ainda que na Inglaterra, impulsos de uma vida musical francesa, marcada nos anos anteriores à Primeira Guerra pela fascinação pela música alemã, em particular de Wagner. (http://www.revista.brasil-europa.eu/121/Deolindo-Froes.html)

A influência alemã na formação de Iberê de Lemos pode ser explicada também pelo fato de ter recebido orientação teórica de Frederick Corder (1852-1932), compositor que realizara estudos em Londres e em Colonia, aqui com Ferdinand Hiller (1811-1885), importante vulto de pedagogo do Conservatório de Colonia.

Iberê de Lemos insere-se, assim, por caminhos indiretos, em tradição do pensamento teórico que leva à atual Rheinische Musikschule (Veja http://www.revista.brasil-europa.eu/139/Nepomuceno-Christian-Capellen.html ). Tudo indical que Corder, como professor de harmonia, foi o principal responsável pela aproximação de Iberê de Lemos ao movimento wagneriano, uma vez que foi o tradutor para o inglês do ciclo do Ring des Nibelungen e do Parsifal.

Compreende-se que, em Londres, essa admiração por Wagner tenha sido antes estética, literária e intelectual no sentido mais amplo do termo, sendo o jovem brasileiro introduzido em concepções do mundo, do homem e das artes do movimento wagneriano. Essa inserção antes de pensamento em edifício culttural de cunho wagneriano é sobretudo compreensível com a deflagração da Guerra e consequente distanciamento da vida musical relativamente à Alemanha.

Talvez explique-se através desse distanciamento o fato de Iberê de Lemos ter passado a dedicar-se à leitura de obras inglesas, tendo composto duas canções com textos de William Charles Mark Kent (1823-1902), poeta e publicista de renome, conhecido sobretudo em círculos católicos de Londres.

A continuidade do fascínio exercido pela visão do mundo, do homem e das artes wagneriana - e de sua ressonância no estilo de acompanhamento de canções de Matthay - manifestou-se em obras de juventude compostas por Iberê de Lemos na Inglaterra. Esse fato foi reconhecido por Vicenzo Cernicchiaro na sua Storia della Musica nel Brasile (Milão: Fratelli Riccioni 1926), que salienta o conservativismo estético-cultural do jovem brasileiro.

"Ivi, il giovanetto Iberê, dotato di un'anima sublimemente poetica, mette in luce i suoi primi lavori giovanilli: Suite, per pianoforte; due fantasie, per lo stesso strumento, e due pezzi per canto, su versi del poeta inglese Kents, rivelando uno stile nel quale si sente non sottostare di troppo alle pedantesca e sovversiva dottrina moderna pur prendendo esempio sul gusto wagneriano, ch'egli adora di vero amore, e su quelle debussyano, que ama senza fanatismo" (op.cit. 583).

Iberê de Lemes: antes "musicólogo" no sentido amplo de pensador músico-cultural

Ainda que sendo pianista de excelente formação e dedicando-se à composição, Iberê de Lemos, que era "dotado de uma alma sublimemente poética" nas palavras de Cernicchiaro, surge neste contexto antes como personalidade que necessita ser considerada sob a perspectiva do complexo íntegro de seus interesses culturais, dos quais as atividades mais propriamente artísticas apenas representam manifestações de um todo.

A apreciação de Iberê de Lemos na literatura musicográfica brasileira surge sob este aspecto como inadequada e mesmo injusta, necessitando ser revista sob enfoques teórico-culturais. Concentrando-se na sua obra criadora, os comentários a seu respeito não reconhecem suficientemente o que parece ter representado o principal aspecto de seus interesses e aptidões, o do pensamento dirigido a questões de cultura musical nas suas relações com visões do mundo, do homem e da história e no qual a concepção de arte global desempenhava importante papel.

Testemunho de suas tendências a um auto-desenvolvimento cultural compreendido como cultivo da sensibilidade através da literatura e da poesia e de refinamento de faculdades intelectuais e de percepção estética em orientação conservadora foi a  sua admiração por textos de Olavo Bilac (1865-1918), por êle tratados em canções. Significativamente, no ano do seu retorno ao Brasil - e do falecimento de Olavo Bilac - criou uma de suas mais divulgadas obras, A Canção Árabe, oferecida a seu amigo Adacto Filho.


Que os anelos de Iberê de Lemos eram dirigidos não à música exclusivamente na sua prática artística, mas antes mais amplamente à cultura musical, isso manifestou-se no fato de ter-se empenhado na fundação de uma Sociedade de Cultura Musical no Rio de Janeiro.

Iberê de Lemos na Alemanha e a repercussão do movimento wagneriano em Berlim

Continuando a dedicar-se intensamente à sua formação musical no Brasil - a sua vida foi marcada por permanentes anelos de aperfeiçoamento - Iberê de Lemos manteve a sua intenção de dar prosseguimento a seus estudos de composição e instrumentação na Europa. Com a sua vasta cultura e conhecimentos de idiomas, essa oportunidade surgiu com a sua ida a Berlim, onde ocupou o cargo de auxiliar de consulado. Já assim marcado da sua formação inglesa pela cultura musical alemã através de sua recepção francesa, Iberê de Lemos pôde nela aprofundar-se na própria capital da Alemanha. É significativo que Iberê de Lemos não tenha procurado aproximar-se de correntes avançadas da criação musical contemporâneas, mas antes mentores mais ligados à tradição wagneriana.

Entre os seus orientadores em Berlim, deve-se salientar o compositor Friedrich Ernst Koch (1862-1927), professor de Teoria Musical e Composição da Escola Superior de Música a partir de 1917 e desde 1920 professor da classe de mestres de composição da Akademie der Künste como sucessor de Engelbert Humperdinck (1854-1921). Koch dava continuidade assim à classe de um compositor que havia sido colaborador de Richard Wagner em Bayreuth (1880-1882) e assistente musical dos Festivais até 1884.

Relações entre a Weltanschauung de cunho wagneriano e correntes espiritualistas russas

Na Alemanha, Iberê de Lemos teve a oportunidade de penetrar mais profundamente nas dimensões espiritualistas de correntes russas que se relacionavam com visões do mundo, do homem e das artes também conhecidas do wagnerismo. Determinados círculos da Alemanha, Áustria e Suíça experimentaram impulsos nesse sentido vindo do Leste, em particular de teuto-russos e que se manifestaram na difusão da Teosofia e, a seguir, no desenvolvimento da Antroposofia.

Um contato mais íntimo com o mundo cultural de conotações teuto-russas foi possibilitado a Iberê de Lemos pelo seu professor Paul Juon (1872-1940), compositor russo de origem suíça que atuava como Professor de Composição da Escola Superior de Música de Berlim.Também esse professor, conhecido pelas suas canções, veio de encontro às tendências antes poético-literárias e intelectuais de Iberê de Lemos.

A estadia de Iberê de Lemos em Berlim, de 1921 a 1924, deu-se em época conturbada pela situação econômica crítica e de tensões políticas dos anos pós-Guerra da Alemanha sujeita aos ditames dos vencedores. A sua estadia coincidiu também com uma fase da política brasileira de expansão econômica na Alemanha sob a presidência de Epitácio Pessoa (1865-1942) e de esforços recíprocos de reatamento de relações. (http://revista.brasil-europa.eu/141/Brasil-Alemanha-1923.html)

A sua presença como auxiliar do consulado deu-se à época da preparação da Exposição Internacional do Rio de Janeiro por ocasião do Primeiro Centenário da Independência (1922) e na qual a Alemanha não pôde por fim estar presente devido à extraordinária queda de valor da moeda alemã.

A presença de brasileiro de tão elevada formação e tão profundamente inserido em correntes alemãs de pensamento - ainda que a partir de sua recepção anterior à Guerra em países que como aliados haviam combatido a Alemanha - fizeram com que Iberê de Lemos surgisse como pessoa indicada para contribuir à obra O Brasil e a Allemanha 1822-1922 (Berlim: Editora Internacional 1923).

Iberê de Lemos, apesar de sua modesta posição consular, tornou-se, assim um dos principais colaboradores brasileiros da obra dirigida pelo Dr. Alfred Funke, então um dos mais renomados especialistas sobre o Brasil na Alemanha. O seu estudo surge assim como colaboração de natureza teórico-cultural básica e que hoje abre caminhos para a compreensão das tendências de pensamento que marcaram os anos de reatamento de pontes culturais entre a Alemanha e o Brasil.

Como o tema indica, as considerações relativas à Alemanha e o Brasil partem de considerações gerais, compreendidas como válidas para a Arte, a Humanidade nas suas dimensões globais. O conceito condutor é o de civilização. Esse seu estudo parece ter sido resultado e ao mesmo tempo ter sido pensado como fundamento de um projeto de grandes dimensões que Iberê de Lemos então desenvolvia em Berlim, o da fundação de uma Universidade de Arte no Brasil.

Fundamentos teóricos:  obra de arte e a Natureza como obra de arte divina

Ponto de partida da argumentação de Iberê de Lemos é a concepção bíblica do Homem como imagem e semelhança de Deus, o que indica a inserção do seu pensamento na tradição cristã, o que êle próprio salienta em várias ocasiões no seu texto.

Iberê de Lemos estabelece a partir dessa base conceitual uma relação de analogia entre o Homem como criador e o Criador, entre a obra do homem e a Criação, chegando a afirmar que o que a Natureza é para Deus, a arte é para o homem. Iberê de Lemos parte, assim, de uma concepção centralizada na concepção de obra - não tanto de processo criador.

"Indubitavelmente, a arte, pela sua natureza ao mesmo tempo individual, universal e synthetica por excellência é o expoente mais perfeito, em todos os tempos, da actividade humana em geral. Ella é o registro mais fiel e o resumo mais substancial de todos os acontecimentos que se passam no homem e entre elle e o resto da natureza. Pode-se mesmo dizer que todas as producções de arte reunidas formam o livro historico da humanidade. O que a natureza é para Deus, a arte é para o homem; - a creatura refletindo o creador."

Concepção de arte nas suas implicações à compreensão da história

Essa alta concepção do significado da arte em Iberê de Lemos relaciona-se com a sua concepção da História e da Historiografia.

Nela as produções artísticas do Homem ocupam um papel central, surgindo como as principais fontes, superando nos seus sentidos aquelas escritas. Como justificativa dessa colocação, lembra do significado das obras de arte para o conhecimento das antigas civilizações, em particular da antga Grécia.

"Todos os chamados livros historicos são méras especies de traduções mais ou menos fragmentarias d'aquelle livro ou por outra, reflexos parciais do reflexo que a arte contem, unico espelho que reflete integralmente a actividade humana na sua natureza pura ou essencial isto é, na sua natureza individual-universal e synthetica.. Essas asserções baseam-se não só no que a historia nos relata de modo geral, mas tambem no que ella directa ou indifectamente nos diz sobre os processos que tem naturalmente empregado para as suas investigações.

É sabido que sem a descoberta e devida observação sobre as obras de arte das nações antigas, nada ou quasi nada poderiamos saber da grandeza de suas civilizações. Fazemos idea do que tenha sido a vida essencial ou synthetica do homem na Grecia antiga principalmente ou quasi unicamente pelo que as suas produções artisticas nos representam."  (loc. cit.)

Religião e ciência na obra de arte, arte como indicativo de civilização

Iberê de Lemos parte do princípio de que a arte de um povo encerra em si religião e ciência. Esse relacionamento entre religião e ciência constitui um motivo condutor do seu pensamento, elucidado em vários momentos de suas explanações. 

Para Iberê de Lemos, o fato da arte de um povo encerrar em si religião e ciência derivava do fato de que a arte seria ela própria resultado da união da ambas, vistas como principais atividades humanas.

Dessa concepção, o autor chega a conclusões de grandes implicações: o valor de um indivíduo ou de uma coletividade na escala da evolução surge como determinado pela sua atividade artística. A obra de um artista ou a produção artística de um povo permite, assim, que se reconheça a sua posição no desenvolvimento evolutivo civilizacional. O conhecimento das culturas remotas através do livro representado pelas obras de arte teria sido ganho por procedimento dedutivo.

"Este methodo deductivo de investigação e conhecimento é o que pela força de circumstancia tem sido principalmente empregado com relação ao estudo sobre as civilizações antigas, o que alias só póde ser recommendavel por quanto já foi dito, e a devida analyse attesta, que a arte total de um povo encerra em si toda a religião e toda a sciencia d'esse mesmo povo, pela simples razão de que a sua existencia só é possivel como fructo da união d'aquellas duas primeiras das principais modalidades da actividade humana. E realmente toda essa actividade com as suas innumeras subdivisões ou aspectos, encontra a sua apotheosis final na creação da obra d'arte. Por isso é que o valor total de um individuo ou de uma coillectividade qualquer na escala da evolução é em verdade determinado pelo gráo quantitativo e qualitativo da sua actividade artistica individual-universal. Portanto, é esse o criterio que tomaremos como o mais justo e acertado para a nossa constituição e apreciação geral sobre a civilização na Alemanha e no Brasil." (loc.cit.)

A música como testemunho da posição exponencial da Alemanha na cultura

A partir dessas considerações básicas, Iberê de Lemos trata da grandeza da Alemanha manifestada pela intensidade e qualidade de suas produções em todas as esferas da arte.

Salienta aqui em particular a música, na qual a Alemanha, segundo êle, se distinguia mais do que qualquer outra nação européia. A música, assim, apresenta-se como o principal indicativo da posição exponencial da Alemanha no processo evolucional segundo o pensamento do autor brasileiro.

"A grandeza da actividade individual-universal do povo allemão em todas as ramificações da arte, e muito em especial na musica, é um facto já geralmente reconhecido. De todas as artes, a musica tem sido a mais cultivada em nossos tempos, e povo nenhum, ao menos da Europa, desenvolvem-a com tanta intensidade e profundeza como o allemão." (loc.cit.)

Diferenças entre o gênio latino e o alemão: criatividade e desenvolvimento

Na consideração dessa posição de primeira grandeza no processo civilizacional que concede à Alemanha, Iberê de Lemos não deixa, porém de fazer uma distinção a favor da Latinidade.

Para êle, o impulso criador teria sempre partido do gênio latino, cabendo ao alemão tomá-lo, desenvolvê-lo e levá-lo à mais completa realização. Á latinidade caberia assim a criatividade, a idéia, a imaginação e a concepção, ao mundo alemão antes o aperfeiçoamento do criado, o seu aprofundamento e realização.

Para justificar essa distinção entre a latinidade e o gênio alemão, Iberê de Lemos cita um exemplo histórico-musical, o da ópera. Lembra que esta foi criada pelos italianos, o seu desenvolvimento último, porém, alcançara na Alemanha com Richard Wagner.

A argumentação de Iberê de Lemos demonstra aqui, como a leitura de obras de cunho musicológico influenciou o seu pensamento teórico relativo a processos civilizacionais, como a consideração da música serviu aqui para o estabelecimento de um edifício de idéias distintivas e mesmo valorativas de povos quanto a suas posições no caminho evolutivo civilizacional.

"Aqui, como em quasi todos os terrenos, mas d'esta vez ainda mais fortemente do que nunca, o genio allemão revelou-se aperfeiçoador por excellencia. Os movimentos creadores têm sido geralmente sempre iniciados ou impulsionados pelo genio latino, mas ao allemão tem cabido continual-os ou aperfeiçoal-os. Um diz a primeira palavra, imagina e concebe; o outro diz a ultima, medita e realiza. Temos a maior e melhor illustração d'esse facto na creação da opera pelos italianos e seu aperfeiçoamento ultimo no drama musical dos allemães, cujo ponto culminante é a obra de Wagner." (loc.cit.)

A obra de arte total como ápice e síntese de um ciclo da Humanidade

No quadro traçado por Iberê de Lemos, a Alemanha não só representaria pelas suas produções artísticas, em particular pelo drama musical de Wagner, o ponto alto da civilização em relação a outros países, mas sim também o ápice de um grande período de desenvolvimento da Humanidade.

Este período teria tido a suas origens no advento do Cristianismo. Essa visão de Iberê de Lemos apenas pode ser compreendida a partir da sua compreensão da religião cristã. Para êle, o Cristianismo representara antes de tudo um redirecionamento do Homem a seu mundo interior. Essa orientação para o mundo espiritual, interno, tirando a sua atenção do exterior, teria possibilitado o extraordinário desenvolvimento no Ocidente cristão da música como arte interior por excelência.

Com essa sua colocação, Iberê de Lemos demonstra mais uma vez o quanto tinha assimilado da literatura de cunho musicológico que salientava uma fundamental distinção entre a música da Antiguidade pré-cristã e aquela do Cristianismo.

Essa tradição de interpretação histórica relaciona de forma complexa desenvolvimentos histórico-musicais com a história religiosa, uma vez que considera a Cristianização como um marco no processo evolutivo do Homem. Para Iberê de Lemos, esse grande período alcançara a sua máxima síntese na Alemanha, em particular no drama musical wagneriano.

"O que se não deve, porem, deixar de observar é que essa evolução da forma a mais completa e perfeita da arte constitue não só uma esplendida illustração do facto acima referido, como tambem, e assaz expressivamente uma symbolica e profundissima synthesis de todo um grande periodo de manifestação cyclica individual-universal que coube a humanidade na Europa de modo geral, e as cinco principaes nações, Italia, França, Inglaterra, Hespanha e Allemanha em particular, tendo sido essas as nações-cabeças da civilização européa.

Aquelle grande periodo teve por ponto inicial ou centro de manifestação o advento do Christianismo que em synthesis significa a concentração do homem no seu mundo interior, e cujo reflexo ou parallelismo posterior, isto é, movimento de consequencia na arte foi a grande evolução musical sendo a musica a arte interior por excellencia." (loc.cit.)

Concepção cíclica de desenvolvimentos históricos: evoluções e involuções

Característico do pensamento representado por Iberê de Lemos é o fato da evolução não ser compreendida como um processo contínuo, mas sim como um ciclo. Após um período ascensional, segue-se necessariamente um periodo de descendência. Fundamentando as suas explanações novamente na antiga Grécia, o pensador brasileiro lembra que o período ascensional inaugurado pelo Cristianismo foi precedido pela decadência da tragédia como expressão artística mais completa do mundo grego.

Essa decadência teria sido resultado de uma desagregação de um todo artístico pela individuação de seus elementos integrantes.

Essa interpretação do desenvolvimento da antiga tragédia e da decadência do mundo da antiga cultura revela uma característica do pensamento cíclico de remotas origens, no qual a dinâmica cíclica é resultante da interação de forças contrárias, daquela do amor que leva à união e à integração dos elementos constituintes num todo e daquela oposta que leva à individuação dos seus elementos.

A argumentação de Iberê de Lemos surge, neste contexto, como indicadora de um conservadorismo e mesmo pessimismo de visões, sugerindo que via a derrocada da antiga Europa com a Primeira Guerra e os desenvolvimentos estético-musicais que se seguiram a Wagner sob o signo da involução e da decadência. Assumia, assim, uma visão dos acontecimentos a partir de uma apreciação antes das potências derrotadas na Guerra.

Recepção de Edouard Schuré (1841-1929) por Iberê de Lemos

Também aqui Iberê de Lemos baseava-se na literatura de natureza musicológica difundida na sua época e no seu contexto cultural, citando explicitamente a "História do Drama Musical" de Edouard Schuré (1841-1929) (Le drame musical, Richard Wagner, son oeuvre et son idée, 2 vols, 1875).

A menção desse nome, hoje caído no esquecimento, indica o papel que E. Schuré desempenhou nas considerações concernentes à Alemanha por parte de brasileiros no passado. Nascido na Alsácia, marcado tanto pela cultura alemã como pela francesa, Schuré foi um dos grandes entusiastas de Wagner e um dos promulgadores de sua obra e concepções na França. (Veja http://www.revista.brasil-europa.eu/120/TemaEmDebate.html)

O nome de Schuré entrou na história do pensamento sobretudo pelas suas obras esotéricas, nas quais procura revelar um caminho oculto subjacente a religiões e visões do mundo (e.o. Les Grands Initiés, 1889).

A difusão do pensamento de Schuré no Brasil, em particular também em meios alemães, deu-se em grande parte pelo caminho da Teosofia e da Antroposofia. A sua visão dos antigos mistérios e do drama musical marcou também para além de círculos esotéricos a compreensão da obra wagneriana e de sua inserção em amplo panorama do desenvolvimeno histórico-musical.

"Estudando historicamente a marcha d'essa evolução, ve-se que condição indispensavel para a effectivação da mesma fora a decadencia da tragedia ou forma d'arte a mais completa e perfeita na Grecia antiga, união harmoniosa que era de todos os diversos elementos d'arte associados e coordenados sogb a grande lei da eurythmia. Àquella envolução não podia ser, pois outra cousa que a dissolução da referida tragedia pela desunião, pela separação em diversos sentidos de todos os seus elementos constituintes. E foi realmente o que se deu, como bem o relata Edouard Schuré no seu esplendido livro L'Histoire du Drame-Musical. Aos Romanos coube primeiramente favorecer cada vez mais e depois activamente continuar o grande movimento de decadencia acima mencionado." (op.cit.)

As concepções estéticas de Iberê de Lemos são, correspondentemente, baseadas na idéia modelar da obra de arte total, que na sua integridade representaria o ponto alto de um desenvolvimento ascensional de união, movido pela lei do amor, e ao qual se seguia um desintegrador, resultado da força do ódio.

Somente considerando-se a recepção do pensamento de linha oculta na história de Schuré pode-se compreender o grande panorama traçado por Iberê de Lemos e no qual o drama musical wagneriano surge como ressurgimento da arte total da antiga tragédia sob a lei maior da Euritmia, conceito tão vinculado a Rudolf Steiner (1861-1925), o mentor da Antroposofia.

"Mas essa envolução, como sempre acontece, não passou do revolver de um terreno que deve ser preparado para novas plantações...; teve a sua solução de continuidade, ou antes, a sua transmentação em um novo movimento de evolução primeiramente com o glorioso advento do Cristianismo do qual se prende directamente o grandioso desenvolvimento da arte musical como ja foi dito, depois com a esplendorosa renascença ou revivencia da arte pagã propriamente dita (novo e consideraval desenvolvimento das artes plasticas), e por ultimo com o resurgir triumphante da arte individual-universal pela recreação da mais completa e perfeita forma d'arte chamada na Grecia antiga de tragedia e nos nossos tempos de drama-musical, fructo que é da reconciliação e união d'aquellas duas principaes subdivisões da corrente de manifestação artistica da actividade humana, ou por outra, nova re-associação e re-coordenação de todos os diversos elementos de arte sob a grande lei da eurythmia." (loc.cit.)

Na sua admiração por Richard Wagner, Iberê de Lemos chega a exagêros de expressão, vendo na sua obra, em interpretação do conceito de "Über-Mensch", nada menos do que a maior manifestação do Homem-Deus do presente (!).

"A execução da realização d'essa terceira e ultima phase do grande período cyclico de manifestação em questão, ponto culminante de todas as precedentes, coube de modo geral dos genios allemães e de modo mui particular do genio dos genios na pessoa de Richard Wagner, elle e a sua obra constituindo em verdade a maior manifestação do Homem-Deus nos nossos tempos, posto que a serie cyclica de seus dramas-musicaes consubstancia em uma synthesis até agora a mais completa e perfeita, toda a actividade humana com as suas infinitas modalidades resumidas nas tres principaes categorias denominadas religião, sciencia, e arte." (loc.cit.)

A civilização, tendo alcançado segundo Iberê de Lemos o seu ponto alto na Alemanha e término de uma marcha ascendente iniciada com o advento do Cristianismo, estaria assim consumida. Após esse ápice apenas poderia haver uma decadência, ocorrendo aqui um processo similar àquele que levou ao fim do mundo antigo.

Com o drama musical, a Alemanha teria desempenhado para o resto da Europa o papel que, com a tragédia, a Grécia exerceu na Antiguidade.  Em ambos os casos teria havido uma arte total, um todo constituido pelas muitas expressões artísticas, um conjunto íntegro de múltiplas individualidades, formando um todo de universal individualidade.

"Pelo que a arte européia, considerada na sua totalidade, parece nos revelar, a civilização na Europa propriamente dita já é um facto totalmente consumido, ao menos quanto, á sua marcha ascendente. À sua primeira palavra foi o advento do Christianismo e a sua ultima o surgir do drama-musical com R. Wagner. Desde então ella só tem podido decahir e d'aqui por deante só poderá proseguir na sua quéda, dando-se n'este caso justamente o mesmo que se deu com a Grecia após a creação de sua obra prima que foi a tragedia, ultima palavra de sua civilização e herança a mais maravilhosa e preciosa que legou á posteridade. É de muito interesse e importancia observar a existencia de uma grande analogia ou estreita correspondencia de traços caracteristicos entre todas as grandes manifestações cyclicos da actividade humana. No caso que agora consideramos, por exemplo, póde-se dizer que a Allemanha, com o seu drama-musical, foi para o resto da Europa mundo moderno o que a Grecia com a sua tragedia, foi para o resto do mundo antigo, o que o Egypto com a sua Esphinge foi para o resto da humanidade, isto é, um resumo de todas as suas differentes manifestações, uma perfeita coordenação de todas as suas partes ou individualidades varias, formando como que em todo universo uma individualidade." (loc.cit.)

O que a Alemanha foi para a Europa o Brasil deveria ser para as Américas

A argumentação de Iberê de Lemos atinge o seu ponto máximo com o estabelecimento de uma ponte entre o papel civilizatório representado pela Alemanha na Europa e aquele do Brasil nas Américas.

Se a Alemanha teria desempenhado o papel da Grécia no mundo moderno, o mesmo poderia ser esperado do Brasil, ainda que aqui ainda apenas se pudesse tecer conjecturas. Essa suposição baseava-se para Iberê de Lemos no fato de também se poder constatar no Brasil desenvolvimentos artísticos paralelos na arte com aqueles da Alemanha.

"Parece-me tambem que semelhante correlação tambem existira entre o Brasil e o resto da America, ou mundo do futuro para já não dizer mundo de hoje, o que realmente ainda seria um tanto cedo porquanto achamo-nos actualmente em plena phase de transicão sobre a qual fallar-se-ha mais tarde. O que nos faz conjecturar isso é o facto de notarmos, principalmente por meio da arte a existencia, em alto grao de parallelismo entre aquellas nações, de uma certa affinidade de capacidade individual-universal." (loc.cit.)

O autor sugere, assim, perspectivas para um futuro civilizatório do Homem no Brasil a ser manifestado pela produção artística que, de diferentes expressões e individuações, chegasse a uma síntese, correspondendo assim a um movimento ascensional que representaria para as Américas, o que a Alemanha teria sido para a Europa.

Como o gênio latino apenas seria criador, cabendo o aperfeiçoamento ao gênio alemão, poderia deduzir-se da argumentação de Iberê de Lemos que a Alemanha deveria vir a desempenhar papel fundamental nesse desenvolvimento da arte e da humanidade no Brasil, país de formação latina. O seu pensamento, porém, leva a outras, singulares conclusões.

O significado da assimilação e da intuição no caminho civilizatório do Brasil

Nessa relação entre a Latinidade e o gênio alemão, Iberê de Lemos via tanto na Grécia como na Alemanha a característica do aperfeiçoamento, da compleição de impulsos outros, uma capacidade de assimilar qualidades alheias e levá-las a uma realização máxima. Teriam, assim, no seu individualismo, levado a uma universalização.

Também o Brasil deveria exercitar-se nesse procedimento de assimilação, o que nada mais seria do que uma expressão de compreensão intuitiva. Essa intuição seria resultado de uma união da mente com o coração, e que seria a mesma que aquela entre a ciência e a religião.

"Primeiro que tudo, achamos que a grandiosa missão de continuar e aperfeiçoar além de tambem crear, coube tanto a Grecia como a Allemanha, nos respectivos periodos de manifestação a que pertenceram, principalmente porque ademais de terem possuido certo instincto de creação propria, individual, possuiram em elevado grao o poder de assimilar as boas qualidades alheias de que originariamente não eram dotados e cuja aquisição lhes era imprescindivel para a realização da obra. Operaram assim uma universalização no seu individualismo. Ora, aquelle poder de assimilar não é outra cousa sinão o acto de comprehensão pela intuição, e a intuição por sua vez significa o justo equilibrio de todas as faculdades humanas que é o resultado de uma profunda união da mente com o coração, ou vice-versa, como, o queiram. Pois bem, do livre exercicio d'aquella faculdade denominada intuição, que sendo a synthesis ou unificação de todas as outras é a maior que o homem possue, depende todo poder creador-aperfeiçoador, isto é, toda manifestação individual-universal. E aqui cumpre observar que a relação existente entre a intuição de um lado e a mente e o coração de um outro, é a mesmissima que existe entre a arte de um lado e a religião e o conhecimento (ou sciencia) de outro, isto é, a intuição corresponde directamente a creação (ou arte, perfeita manifestação) emquanto que o coração corresponde ao sentimento (ou religião) e a mente ao pensamento (sciencia ou conhecimento) devendo-se ainda mais uma vez observar que assim como a intuição é o resultado do matrimonio do coração com a mente, assim a arte é o resultado da união do sentimento com a sabedoria ou seja da religião com o conhecimento (sciencia). O terceiro aspecto é sempre a somma ou synthesis dos dois primeiros." (loc.cit.)

Questões de compreensão das concepções de Iberê de Lemos

A releitura das considerações genéricas de Iberê de Lemos, e que fornecem os fundamentos conceituais e filosóficos de sua argumentação, refletem o contexto histórico-cultural de sua época, surgindo hoje como distantes e mesmo estranhas.

A consideração mais atenta desse artigo, portanto, contribui a trazer à consciência que os próprios referenciais teóricos de análises necessitam ser considerados como objetos de estudos, ou seja, que os estudos culturais devem ser conduzidos em estreito relacionamento com aqueles dos próprios conhecimentos (science studies).

As próprias palavras de Iberê de Lemos indicam que o autor, ao redigir os seus pensamentos, conscientizou-se da impossibilidade de tratá-los no âmbito restrito do artigo, anunciando assim um livro que pretendia escrever a respeito. Para além das restrições de espaço que levou a Iberê de Lemos tratar abreviadamente de questões tão complexas, o seu artigo não foi publicado na íntegra, como se constata do próprio texto, representando assim um torso.

"A demonstracão ou comprovação analytica e detalhada de tudo o que acabamos de dizer (na verdade mera constatação de factos historicos) requeriria tempo e espaço muitissimo maiores dos que actualmente disponho, e por isso transferindo o assumpto para um livro que devera ser escripto mais tarde, prosseguirei com o presente artigo, procurando agir, de accordo com o seu titulo, tirar certas conclusões sobre a civilização na Europa, em geral, e na Allemanha, em particular, pelos seus feitos artisticos, bem como tentar prever, por deducções e inducções de natureza semelhante, o que sera em algumas de suas linhas principaes, a civilização na America, geralmente fallando, e no Brasil de modo particular." (op.cit.168/9)

A complexidade da visão do mundo e das artes de Iberê de Lemos que se revela neste artigo e na qual as suas concepções do individual e do universal se inserem explica o fato da sua posição não ter sido bem compreendida no Brasil.

Assim, Renato Almeida, na História da Música Brasileira, registra a sua perplexidade:

"A sua melodia é fluente e os processos interessantes e pessoais. Tem demonstrado pendores para um nacionalismo moderado, procurando, nas suas próprias palavras, a 'fusão de elementos nacionais e universais', formula que me parece, aliás, pouco explícita, pois não sei bem que sentido dar à expressão 'elementos universais', a menos que signifique a cultura universal (...)." (Renato Almeida, História da Música Brasileira 2a. ed. correta e aum. Rio de Janeiro: F. Briguiet 1942, 481)

Cíclo de estudos sob a direção de
Antonio Alexandre Bispo


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Indicação bibliográfica para citações e referências:
Bispo, A.A. "Compreensão de processos histórico-culturais globais em recepção brasileira
de música e Weltanschauung: "Da arte e da Humanidade com relação à civilização em geral" e, em particular, à Alemanha e ao Brasil segundo o compositor e diplomata Arthur Iberê de Lemos (1901-1967)". Revista Brasil-Europa: Correspondência Euro-Brasileira 141/4 (2013:1). http://revista.brasil-europa.eu/141/Brasil-Alemanha-Weltanschauung-e-Musica.html